Noite de neblina e sangue escrita por Ys Wanderer


Capítulo 3
Insanidade


Notas iniciais do capítulo

Atrasei, desculpas. Note quebrado e TCC ajudaram.
Boa leitura!



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Odete não acreditava no sobrenatural de forma alguma. Espíritos, criaturas e até destino soavam para ela como coisas bastante absurdas e irrelevantes, principalmente quando se enfrenta problemas que podem te levar a morte todos os dias. A detetive tampouco acreditava em milagres ou castigos, pois tinha certeza que se algo acontecia com alguma pessoa isso seria fruto apenas de suas próprias escolhas.

Não havia uma linha que ligava esse mundo ao outro, pois ela sequer acreditava que houvesse um outro mundo.

No entanto, ver o fantasma da menina a fez lembrar de algumas coisas que há muito estavam escondidas em sua memória. Havia aquela vez em que uma Odete de oito anos jurara ter visto o pai acenando para ela no dia do seu próprio velório. E houve a vez também, já adulta, em que ela tinha a certeza de ter visto seu antigo amor, Christian, lhe olhar languidamente pela janela de seu quarto exatamente uma semana depois de ter morrido em um afogamento. Foram momentos de trauma e de perda, e os psicólogos foram categóricos em dizer que aquele era o modo que ela encontrara para encarar a dor, mas que com o tratamento adequado aquilo jamais iria se repetir.

Mas parecia que todas aquelas pílulas e terapias não havia funcionado muito.

— Eu não quero ser “a louca” de novo — ela reclamou baixinho, chamando a atenção de Júlio. Os dois já estavam de volta a delegacia, mas ainda estavam parados no estacionamento, talvez buscando coragem para prosseguir.

— O que você quer dizer com isso? — ele perguntou e ela respirou fundo, chateada por ter falado alto o suficiente para ele ouvir.

— Nada. É que... eu só estou com medo de como isso vai acabar, sabe?

— Eu também estou — ele respondeu. — Mas é o certo a fazer, não é?

— Isso é briga de cachorro grande, não sei se estou preparada para ficar no meio de tudo isso. Mexer com essa gente não é fácil.

— Gente? Que tipo de gente você está falando? — Júlio questionou, sentindo que ela parecia esconder algo, mas a detetive somente balançou a cabeça em negação.

— Gente importante. Gente com poder suficiente para fazer o que fez.

— Você descobriu algo, Odete? — ele a olhou profundamente dentro de seus olhos e ela sorriu com tristeza.

— Não, não descobri nada. Fique tranquilo.

Um trovão ressonou bem alto, mas estranhamente não estava chovendo no momento. Odete já estava cansada e se perguntou como deveria agir dentro da delegacia. Ela conseguiria atender todas as ocorrências como se nada tivesse acontecido, deixando para descobrir as coisas aos poucos ou tentaria atirar na cabeça do primeiro policial corrupto com quem esbarrasse? Não que ela fosse uma mulher impulsiva, mas no atual momento ela não tinha certeza do que era capaz de fazer.

— Eu sei que no final isso tudo vai dar certo — Júlio tentou animá-la. — Deve haver alguma explicação para o que aconteceu ter acontecido dessa forma.

— É... — ela respondeu, sentindo um arrepio lhe percorrer todo o corpo ao ter novamente um vislumbre da menina ao longe. O fantasma/alucinação Lílian estava na porta da delegacia e a menina parecia chorar, indicando com as mãos que Odete deveria ir embora.

— Odete, o que foi? — Júlio olhou para o ponto fixo que Odete encarava nervosamente, mas ao não enxergar nada não conseguiu entender o que estava acontecendo para deixá-la naquele estado.

— Eu não me sinto bem — foi a única coisa que Odete respondeu. E pela primeira vez eles andaram juntos e de mãos dadas em direção à entrada da delegacia.

Enquanto caminhavam Odete ponderava sobre quem poderia ser o ajudante do criminoso. Provas escondidas, um suspeito desaparecido, isso tinha cara de ajuda dentro da própria polícia... A ideia de que o verdadeiro monstro estava à solta ficava a todo momento mais forte em sua mente, e se misturava com as alucinações que estava tendo com a garotinha.

Porém, de repente, algo muito estranho aconteceu. Odete sentiu uma tontura tão forte e intensa que teve de apoiar as mãos em um carro estacionado para não cair no chão. Fechou os olhos para se recompor, mas um gosto amargo invadiu a sua boca, lhe causando náuseas. Uma dor aguda se espalhou pelo seu peito e ela tentou gritar por ajuda, mas não conseguia sequer abrir a boca. Ficou daquele jeito, parada e sozinha por vários instantes sem que ninguém viesse lhe ajudar. Então, quando abriu os olhos novamente ela percebeu que todos passavam correndo por ela, lhe ignorando e indo em direção à entrada da delegacia.

Mesmo zonza ela acompanhou os que corriam, tentando imaginar o que estava acontecendo, mas nada no mundo poderia se comparar a surpresa com a qual ela se deparou: uma mulher, uma mulher morta estava deitada de bruços na escadaria da entrada da delegacia e uma poça de sangue escorria fina, misturando-se com a água que começara a cair do céu. A figura era estranha, mas familiar, pois os sapatos que usava eram muito parecidos com os que a própria Odete estava usando. O terno também era bem parecido, aliás, era idêntico, o que deixou a detetive arrepiada da cabeça aos pés. Olhou para a cabeça da mulher e quase não conseguiu acreditar no que viu: os cabelos eram do mesmo tom de marrom, presos num coque com grampos grossos como ela costumava usar e até o pequeno brinco de pérola rosada brilhava igual.

Então, fazendo o que não era permitido, algum policial virou o rosto da desconhecida para cima sem utilizar luvas e Odete gritou o mais alto que pôde no momento em que encarou o seu próprio rosto no rosto da mulher morta.

— Meu Deus! — Júlio também gritou com ambas as mãos na cabeça, numa tentativa vã de compreender o que via. — Odete! — o homem parecia ter entrado em estado de choque ao ver um corpo idêntico ao dela estirado no chão. — Não! — Júlio se abaixou e tocou carinhosamente no rosto da mulher morta, e isso fez Odete sentir um grande desconforto. Ela então o chamou pelo nome, mas ele não respondeu, apenas ficou lá parado e de joelhos, encarando a misteriosa mulher. Odete então tocou no ombro dele, numa tentativa de lhe dar conforto ao mesmo tempo em que procurava um porto seguro naquele mar de insensatez.

— Alguém pode me explicar como isso aconteceu?! — um policial perguntou alto e Odete somente balançou a cabeça em negação, paralisada pela cena que Júlio protagonizava ao se levantar bruscamente para socar a parede atrás dele com toda a sua fúria. — Puta que pariu, estamos muito ferrados! — o policial reclamou.

— Caramba! — outro policial falou, sem nenhuma emoção além de curiosidade. — Isso com certeza vai sair na capa do jornal de amanhã — o homem sorriu, deixando Odete horrorizada.

A detetive não conseguia fazer nem um movimento ou ter qualquer pensamento coerente que explicasse aquela cena praticamente inverossímil. Não existia nenhuma explicação que realmente pudesse esclarecer como uma mulher exatamente igual a ela e vestindo as mesmas roupas e acessórios havia aparecido morta ali nas escadarias da delegacia e sem que ninguém visse quem a colocou lá. Se perguntou que brincadeira idiota poderia ser aquela e qual o propósito que alguém queria alcançar fazendo esse tipo de coisa absurda. Ela então começou a divagar, primeiro coisas que julgou idiotice, como magia ou bruxaria, e depois coisas muito mais sérias que envolviam desde inimigos rasos a grandes cartéis a procura de vingança.

Teria ela uma irmã gêmea desconhecida e perdida durante todos esses anos? Bom, se tinha, agora não tinha mais. Mas por que essa criatura estava usando as mesmas roupas que ela e estava, ainda por cima, morta? Como viera parar ali? Será que algum bandido estava se vingando e havia feito isso para mostrar o seu poder? Mas se sim, onde arrumaram uma mulher tão parecida com ela? E se não, o que poderia explicar tamanha peculiaridade?

— Odete, você não vem?

O novamente mundo pareceu parar de respirar naquele momento junto com ela assim que ouviu o mesmo chamado mórbido uma outra vez. As vozes na escadaria antes altas e alarmadas agora pareciam ficar mais fracas, perdendo potência à medida que ela sentia novamente o seu peito arder. Contudo, somente uma voz continuou alta o suficiente para incomodar, alto o suficiente para chamar a sua atenção.

Alguém, alguém que não estava ali chamava incessantemente o seu nome.

Olhou para o lado e avistou Lilian novamente, em pé e do outro da rua, olhando fixamente para ela enquanto a chamava pelo nome. Desorientada, a detetive começou a ter a certeza de que estava enlouquecendo, de que alguma coisa de muito ruim havia acontecido com ela e por isso realidade e ficção estavam se misturando em sua mente. De um lado a mulher morta e com olhos baços a deixava nauseada, pois lhe mostrava em um espelho como seria se fosse ela a morta ali, e do outro a criança perdida e ensanguentada só corroborava a ideia de que ela estava dentro de uma grande ilusão, com consequências que seriam catastróficas para sua saúde e sua carreira.

Porém, sabendo que de algum modo já estava mais do que fodida psicologicamente e que com certeza seu nome ficaria sujo por causa da sósia, Odete saiu correndo ao encontro da menina na tentativa de desvendar o que estava acontecendo naquele bizarro dia, sua mente elaborando explicações que a deixavam intrigada e amedrontada.  Só havia certeza para uma coisa: a morta e o aparecimento da menina deveriam estar interligados, conectados por algum tipo de loucura mística. Ou então a loucura vinha dela própria mesmo.

Percebendo que Odete estava indo a seu encontro a garotinha saiu andando. Sem se importar com as consequências a detetive a seguiu, olhando para trás mais uma vez antes de seguir o seu caminho. Estranhou o fato de ninguém a interpelar e ninguém, nem mesmo Júlio, se importar com a sua saída no meio de todo aquele caos. Contudo ela teria que tomar uma decisão e resolveu seguir a sua intuição.

A criatura morta podia esperar.

 A detetive então seguiu o “fantasma” de Lílian por várias ruas, mas sem conseguir alcançá-la, pois parecia que seu o corpo estava se movendo em câmera lenta. Não soube por quanto tempo andou pela cidade debaixo da chuva que voltara a cair forte, se foram minutos ou até mesmo horas, pois não sentiu cansaço ou necessidade de contar o tempo. A única certeza que Odete tinha era que a menina era a sua guia e que estava disposta a ir até o fim.

Sua sanidade e seu emprego dependiam disso.


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Notas finais do capítulo

bye!



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