As Raízes de Yggdrasil escrita por The White Searcher


Capítulo 12
Capítulo 12 – O Mestre Espadachim




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/763397/chapter/12

Por dentro também não parecia nada de especial. Um hall de entrada e uma pequena sala idêntica à da loja de armas, até mesmo no detalhe do balcão. A diferença é que na parede estavam expostas várias armas com gravuras em suas lâminas prateadas, de nomes que muito provavelmente seriam históricos. O ruivo prossupôs que seriam dos mestres espadachins que geriam a Guilda, e que se aposentavam, talvez com a morte, ou de incapacidade prática.
Atrás do balcão, o dono também não parecia de todo preguiçoso como a vendedora de armas. Estava inerte, com uma pesada espadada de duas mãos, a polindo incessantemente, em movimentos repetidos, buscando a perfeição que havia visto na do Lorde, talvez.

— Seja bem-vindo à guilda dos espadachins, jovem… - Franziu o cenho, voltando os olhos num intenso azul ao rapaz. Ostentava dos seus quarentas e poucos anos, com braços expostos e fortes como os de um ferreiro, e um corpo que mais parecia o tronco de um velho carvalho. Sua face era parecida com o dono da taverna, apesar de ser alguns anos mais novo. A tez era escura, quase negra, e por cima do olho esquerdo, uma cicatriz de um corte frisado e feio.

— Nero. – Recitou em tom alto, mantendo o peito orgulhoso em todo o momento, já que queria causar uma boa impressão. Também não notava ainda, que seus olhos estavam na coloração dourada o tempo todo, com esperança de ser aceite na guilda após o exame de admissão.

— Jovem Nero. – Quase cuspiu as palavras, grunhindo baixo e preparando um amontoado de saliva em sua boca, como se estivesse prestes a cuspir. Estes movimentos da mandíbula, geraram o bigode dançar de forma engraçada acima de seus lábios fortes, mas hesitou no ato, voltando a atenção ao aprendiz. Pousou a espada no balcão, da qual seu punho e pomo espreitavam por cima da madeira polida e bem tratada. – Aproxime-se. Acha que tenho a sua visão, garoto?

Tinha uma voz forte, especialmente quando sua expressão carrancuda se fazia presente. Debruçou-se sobre a bancada, enquanto o ruivo se aproximou cautelosamente, em passadas lentas e leves, porém, provocando o solo ranger abaixo de si, como se sua estrutura fosse ceder a qualquer momento.

— Ah, sim. Meus olhos não me enganavam afinal. – Falou, coçando o enorme queixo quadrado com a mão destra, que mais pareceu uma pata de urso, só que sem pelos e garras. – Tem cabelo de fogo, uma postura forçada de altivez, e uns olhos bem, bem… - Pareceu lhe faltar as palavras, relembrando a Nero dos boatos sobre o atual mestre espadachim, sobre lhe faltar alguns ticos de inteligência para completar sentenças.

O silêncio se fez presente, mais pela parte do aprendiz, já que o homem tinha uma respiração pesada como um leão, e um grunhido que se equiparava.

— Ora! – Bateu forte na banca, fazendo tremer todo o estabelecimento com extrema facilidade, e o baque seco ecoou pelas paredes que eram supostas conter aquele tipo de efeito. Uma cortina de poeira caiu por entre uma fileira aberta, como uma rachadura, no teto em madeira. Nero, claro, se assustou, num sobressalto que o fez encostar-se em prontidão no pilar redondo que ficava entre o balcão e a saída. Suas pernas levemente fletidas, preparadas para uma disparada. – O que veio fazer aqui, raios?! – O timbre soou como um trovão, vibrando até mesmo o pilar em que o rapaz encostava suas costas. O cenho do homem se franziu, e este suspirou com o silêncio.

É bom citar que havia também duas portas extras, as quais estavam fechadas, e ocultas pela sombra causada pelo candelabro acima do balcão, mas uma destas se abriu com rapidez, saindo de dentro uma moça em urgência, como se tivesse sido chamada.

— Senhor? – Ela falou, trêmula em sua voz, pernas bambas que mal sustentavam o peso do corpo galgaz. Sua pele branca como pérolas. Olhos azuis como o mar. Lábios rosa e úmidos, vincados num sorriso meigo e acolhedor. Não teria mais do que dezoito anos, e obviamente não passava de uma ajudante. Uma saia marrom que lhe caia até os joelhos, com meias longas e brancas. Uns sapatos negros que lhe serviam como uma luva nos pés pequenos, e uma blusa da mesma cor da saia. Seus cabelos eram negros como o canto noturno mais escuro, e longos, balançando a cada movimento, com uma graciosidade de como se tivessem parado o tempo.

— Veja o que este garoto quer. Não tenho paciência para acanhados. – Disse o homem, começando a levar a mão novamente para a espada, e para um pano que outrora fora branco, e agora estava quase negro, acima do balcão.

— Não sou acanhado! – Falou exasperado o ruivo, retirando de um dos bolsos dos calções, o papel delicadamente dobrado pela sua formadora. – Possuo a prova em que terminei meu aprendizado. Quero ser espadachim.

— Me traga o papel. – Disse o homem após algum silêncio e quietude, como se a tempestade tivesse se acalmado, ou pelo menos, se contido, apesar dos grunhidos não pararem, assim como a respiração pesada.

A garota apenas acompanhou com os olhos, mantendo as mãos visíveis frente ao corpo, pequenas e delicadas como os de uma boneca, e contendo uma aliança de prata em seu dedo anelar.
Já o ruivo, aproximou-se o suficiente para erguer o papel em direção ao homem, o qual pegou e o desdobrou com certa dificuldade, como se a cada movimento fosse rasga-lo, o que tornaria inútil todo aquele tempo. Seus olhos acompanharam as letras escritas à mão pela tinta de boa qualidade de Poya, e com uma caligrafia apresentável. Talvez fosse um dos sinais denotativos de que ainda era uma mulher, ou parte.

— Também foi Poya que concluiu o aprendizado deste. – Passou os dedos pelo sobrolho, piscando os olhos algumas vezes, e debruçando-se sobre o balcão, o qual pareceu ceder levemente ao seu peso. Encarou com os pequenos olhos o rapaz oculto pela sombra que seu corpo criava, e então, falou, com um bafo quente como o de um dragão, e cheirando a álcool. – Qual sua idade?

— Doze anos, senhor.

— É bastante novo para ser um espadachim. – Voltou a erguer o papel, para que a luz iluminasse as letras de tinta.

— Acredito ter idade suficiente, senhor. – Defendeu-se em prontidão.

— Isso veremos. – O homem olhou de canto para a ajudante, a qual tombou o tronco à frente num aceno rápido, e então, voltou para a sala de onde havia saído. – Rapaz.

— Sim, senhor? – Respondeu Nero, logo após a porta à sua esquerda se fechar, num som abafado pela quantidade de madeira e cortiça nas paredes. Por momentos, pensou que comentaria sobre o alvoroço da noite anterior. E agora que recobrava sua memória sobre tal, vinha a imagem da colina, que estava em seu devido lugar naquela manhã, como se a tivessem reconstruído… Mas tinha a certeza de que não fora um sonho.

— Você almoçou frango com batatas, da taverna na praça, certo?

Assentiu com a cabeça.

— Meu irmão é o dono. – Voltou a grunhir, mantendo agora uma postura levemente agitada, e finalmente soltando o papel que deambulou algumas vezes no ar, antes de encontrar seu apoio na madeira do balcão. Com os dedos, penteou o bigode de pelos grossos e negros, como os seus cabelos crespos.

— Ele cozinha bem. – Voltou a deixar o peito orgulhoso, deixando escapar um sorriso alegre ao lembrar-se da sensação de ter a barriga completamente cheia, e de uma refeição que valera todo o dinheiro que pagara.

— O pirralho continua vendendo seus serviços extremamente barato, não é?

Assentiu o ruivo novamente, tendo seu sorriso desmaterializado ao longo que as palavras do maior eram proferidas. Seu olhar, por instantes, pareceu distante, então, se focou como o de um predador, no mais novo.

— Onde está sua arma, pirralho? – Ambas as mãos tocaram a estrutura o balcão, enquanto os olhos passearam pelo equipamento de Nero, não vendo o gládio costumeiro.

— Ele foi estilhaçado. – Deu de ombros, falando com toda a sinceridade do mundo, o que era suposto deixar evidente não ser mentira.

O mestre espadachim desatou em uma risada exuberante, voltando a fazer o impossível, que era o ecoar de sua voz. Seus olhos lacrimejaram, e várias vezes bateu no balcão, o fazendo tremer, ameaçando quebrar a cada novo baque intenso.

— Essa é uma boa piada. – Falou em seguida, limpando as lágrimas com o pano extremamente sujo de óleo de polir, o que acabou por sujar seu rosto.

— Estou falando a verdade. E não tenho dinheiro nem para uma adaga. – Pegou a sacola de couro e a sacudiu, a qual displicentemente, não ostentava quase de peso algum. O tilintar soou triste e distante.  

Apreensivo, o forte homem voltou a debruçar-se sobre o balcão, e franziu o cenho ao olhar a bolsa quase vazia. A destra voltava a emoldurar o queixo forte, enquanto seus olhos correram pelo salão, e as espadas posicionadas nas paredes, em seus devidos suportes.

— Todos espadachins que se formaram nesta casa, a única de Midgard… - Pareceu lhe falhar a fala, mas na verdade, apenas coçava internamente a garganta, para usar seu tom mais sério naquele momento. – Traziam consigo suas próprias espadas. Quase todas eram em prata. Belas. Mas poucos as tratavam da forma necessária. Faz parte do aprendizado, valorizar nossa arma como nosso cônjuge, e a usar com a mesma naturalidade com que respiramos. – Pausou novamente, erguendo alto o seu corpo, e deixando de estar debruçado sobre o balcão. Passou a forte mão pela lâmina prateada da espada pousada ao seu lado. – Muitos eram heranças de famílias ricas e nobres. Outros nomeavam de forma cega suas lâminas, as chamando de “destruidoras” ou “matadora de dragões”. – Seus olhos se voltaram ao ruivo, que escutou escrupulosamente cada palavra. – Diga-me, rapaz.

— Sim, mestre espadachim? – Respondeu com toda cortesia que possuía naqueles tempos.

— Seriam estes nomes escolhidos pelas lâminas, ou pelos garotos imaturos? – A pergunta soou realmente séria. Quase uma ratoeira. Talvez já estivesse no teste, e nem soubesse disso.

Repentinamente, as palavras do Lorde lhe vieram à mente, de que um nome para sua espada era inexplicável. Muitas vezes um nome do qual gostamos, outras vezes, realmente não tem como explicarmos.

— Talvez… - Começou a responder, mas recheado de dúvida. – O sibilar sempre nos canta seu nome, nós que não prestamos atenção, e ouvimos. – Deu de ombros em seguida, e exibiu seu melhor sorriso garoto ao homem, o qual impressionantemente retribuiu. – Eu acho.

— Você está certo. – Lhe respondeu em prontidão, desviando o olhar para a lâmina pousada ao seu lado, e suspirando pesadamente. – Realmente são como esposas. Algumas se abrem fácil, e falam, falam e cantam, sem parar. Ao ponto de os homens clamarem pelo silêncio e pela paz. – Pareceu acariciar novamente a espada, agora parando a mão que passeou pela lâmina prata, no punho envolto por uma fita verde. – Outras, são o silêncio do diabo. Se calam após o primeiro encontro, e nunca mais ditam seu nome. – Cerrou os dentes, e ferozmente agarrou o punho da espada, como se almejasse o lampejo de um belo corte sobre algo no salão, então, conteve a cólera. – Malditos ouvidos surdos.

E o ruivo apenas ouviu atentamente o lamento de um mestre espadachim, que jamais soubera como nomear sua espada. Os olhos vagaram pesadamente por cada uma das espadas emolduradas na parede, se dando conta que realmente pertenciam aos mestres anteriores, e que o nome gravado era o mais importante de todos, para seus portadores… O nome da lâmina.

— Desculpe. – Disse o homem após alguns minutos de silêncio, mostrando a compostura altiva reposta, e um olhar severo.

— Sempre bom ajudar. Disponha. – Sorriu o garoto, levando as mãos às próprias costas, e balançando o corpo levemente, agitado em aguardo, pela oportunidade de mostrar suas habilidades no exame de admissão.

— Como fará o exame de ESPADACHIM, sem uma ESPADA. – Teve a certeza de pesar bastante as duas palavras sinônimas, como se quisesse relembrar o garoto de que sem uma espada, não poderia se nomear um espadachim, e sim um pugilista, ou lutador de rua.

— Eu não sei… - Desviou o olhar para o chão, pendendo os braços ao lado do tronco fraco como tais. – Se eu tivesse mais dinheiro…

E repentinamente, o som de algo metálico à sua frente chamou sua atenção. Cravando friamente na madeira polida e limpa de qualquer poeira, a espada de noventa centímetros com um punho simples e monótono, da mesma cor da lâmina. Ferro era seu material, sem qualquer detalhe belo, mas reluzia com a luz da esperança para o garoto. Confuso, forçou um olhar em direção ao mestre espadachim, que havia retomado a polir a própria espada com todo o cuidado do mundo.

— Essa espada foi forjada para o meu filho. – Disse, mesmo sem ser questionado. – Depois de toda esta conversa, espero ter-lhe ensinado como deve respeitar sua lâmina, e com orgulho segurar no punho. Erga-a.

E assim o fez. Os dedos abraçaram facilmente o punho de ferro, moldando-se em torno, para que com vigor, a erguesse no ar. Em sua mente, tudo pareceu belo, como num conto de fadas, em que o herói erguia pela primeira vez a espada da vitória, a qual reluziria em dourado e penas cairiam de uma clareira que iluminaria apenas a ele mesmo. Mas claro, isto não acontecia. Era uma espada comum, de ferro, feita para espadachins novatos usarem nas fases iniciais, e nos primeiros treinos com algum Cavaleiro ou Lorde.

— É pesada. – Comentou após alguns segundos, deixando seu peso tombar juntamente do braço, pousando seu cume no chão.

— Claro. – Disse o homem atrás do balcão. – Não é lá essas coisas. E também duvido que te vá dizer o nome logo de cara. Mas por enquanto, digamos que é uma amante. – Elevou uma das sobrancelhas, juntamente a um vincar dos lábios num sorriso singelo.

— É generoso da sua parte. A amo como tal. – O sorriso bobo em sua face era evidente. A elevou de modo a ficar na horizontal em seus braços, segurando no punho, e suportando o peso no vinco central com a outra mão. A virou em vários ângulos diferentes, espelhando a imagem de todo salão. Soprou em sua estrutura, vendo o vapor embaçar temporariamente seu brilho, mas momento algum a soltou, assim como seu sorriso.

— Está pronto.

— Senhor? – Encarou Nero o forte homem, recolhendo a espada para perto do corpo.

— Está pronto para a porcaria do exame, ora pois. – Bateu a destra no balcão, retomando à personalidade de outrora, o que fez o ruivo saltar novamente. Era austero como todos imaginavam um mestre espadachim. – Vá, vá. Corra. Não atrase os outros. – E fez sinal com a cabeça para a porta ao lado.

— Obrigado uma vez mais! – Disse Nero de forma breve, lhe dando uma rápida vênia desajeitada, e então, se voltando à porta onde a ajudante do espadachim estaria.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Raízes de Yggdrasil" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.