As Raízes de Yggdrasil escrita por The White Searcher


Capítulo 13
Capítulo 13 – A Vontade de um Espadachim




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A porta levara apenas a um estreito corredor seguido de uma escadaria escura e longa, que deu lugar a um salão idêntico àquele em que o ruivo ficara antes conversando com o Mestre Espadachim. Ao balcão, a garota delicada e graciosa, com um sorriso formado em seus lábios róseos, e um olhar bastante amistoso para o aprendiz.

— Muito bem. Sente-se em uma das cadeiras disponíveis. – Ao terminar a falar, a mesma ergueu a canhota à própria nuca, a coçando como se tivesse sem jeito.

Claramente, devido ao fato de que tinham um total de vinte cadeiras livres para o rapaz se sentar. Este deu algumas risadas, entendendo aquilo como uma piada, e se sentou na primeira fileira, na cadeira mais próxima à garota. A espada recém-adquirida, pousada com carinho em seu colo. Os olhos que beiraram o dourado, encararam a garota que suspirou algumas vezes, mexendo em alguma papelada, então, por fim, molhou uma pena em tinta negra, e encarou o rapaz.

— Nome. – Olhou para o papel e se preparou para escrever, mas quando Nero adquiriu fôlego para falar, o interrompeu. – Completo, por favor.

— Nero Cyprianus. – Disse em tom ríspido, mas não buscando ser de todo rude, e sim sério.

— Nero Cyprianus… Com CY? – Perguntou, franzindo o cenho e olhando para o ruivo sobre os óculos.

Assentiu com a cabeça.

— Certo. Senhor… Nero Cyprianus. – Hesitou no senhor, mas sorriu ao dizer seu nome. – Sua idade.

— Doze anos.

— É bastante novo para tentar ser um espadachim. Tem certeza de que não quer pensar para escolher outra classe? – Mesmo enquanto falava, escreveu por extenso e em numérico a idade.

— Tenho total certeza! – Seus olhos explodiram em um brilho mágico.

— Certo, certo. Vejo empolgação nessas palavras! – Falou também bastante energética. – Local de origem, senhor Nero Cyprianus.

Esta foi uma pergunta que apunhalou o coração do mais novo como a mais afiada lâmina. O mesmo travou, sentindo uma pitada de dor em seu peito que apertava intensamente. Mordeu os lábios inferiores, e sentiu os olhos se umedecendo pelas lágrimas que por pouco não caiam.

— Amar’Sin… - Falou com pesar, e isto pôde ser notado pela garota, mas não a impediu de escrever.

— Precisa de alguns minutos? – Questionou, preocupada.

— Não. – Moveu negativamente a cabeça, limpando com a base da mão, as lágrimas que ameaçavam cair, e assim secando os olhos. – Eu estou pronto! – Abriu o maior sorriso que já abrira. Apesar de estar completamente sozinho, o sonho estava prestes a se realizar. Bem, pelo menos, um dos sonhos, já que este pequeno corpo, ostentava de uma determinação sem igual, e de uma mente fértil que todas as noites sonhava em se tornar um herói.

— Atrás de ti, tem uma porta. – Apontou a garota, tomando um semblante mais sério naquele momento. – Ali, terá uma série de testes, onde alguns alunos se perdem e nunca mais são recuperados. Tome cuidado, e nos mostre sua persistência.

Engoliu em seco, enquanto voltou o corpo e o pescoço o suficiente para que pudesse encarar a porta em madeira, quase invisível na mistura de cortiça, que provavelmente, impediria qualquer grito de sua parte ser audível.

— Estarei o aguardando no final do seu teste! Tem um prazo de… - A garota mexeu algo em cima do balcão, e então, olhou para o garoto. Este retribuiu o olhar. – Dez horas!

O teste se baseava inteiramente no equilíbrio e na persistência, na força de vontade do portador, e também, sua concentração, em não tomar escolhas precipitadas, que pudessem prejudicar tanto seu tempo, como todo o teste. Dentre todas as casualidades possíveis em meio ao labirinto de equilíbrio, o mais provável era a própria morte do aprendiz, ou até mesmo do espadachim, já que tempos atrás, se tornara uma competição para ver quem conseguia em menos tempo. Em si, era um local escuro. Fechado e húmido, já que era uma caverna abaixo do nível das águas do mar, e também, debaixo da própria Isla. O silêncio era tanto, que cada mínimo movimento fazia vibrar o ar parado, gerando um vento que uivava e abalava as fortes chamas que bailavam incessantemente nas tochas. Um suspiro ecoaria por longos minutos, e um grito, uma queda, seriam claramente ensurdecedores.
O cômico, era a possibilidade de ver, caso focando bem a visão miúda, o outro lado do extenso labirinto de madeira coberta de lodo e escorregadia, com um abismo escuro abaixo de si. As gotas que caíam do teto, encontravam certas lagoas no meio da penumbra lá em baixo, ecoando aquele som característico, e certamente fazendo ondular águas profundas, e outras mais rasas.

Um passo que vibrou o ar, ecoando por toda a extensão, e fazendo as chamas balançarem freneticamente, quase ameaçando se extinguirem, apesar de que isto não sucederia. A destra abraçou firmemente com os dedos o punho da espada que lhe era oferecida, se movendo cautelosamente pela primeira plataforma em pedra maciça e negra.
Inspirou profundamente, concentrando-se inteiramente no objetivo, e expulsando os medos com um farfalhar leve com a espada. Voltou os olhos às tochas, e então, aos estandartes da Guilda dos Espadachins pendurados nas paredes em vários pontos do longo corredor repleto de obstáculos, e só então, para o primeiro empecilho.

Um embargo que se dividia num único caminho estreito, suficiente para um pé de cada vez do pequeno rapaz, para mais três que se ocultavam na escuridão. Não fosse pelo tempo que deveriam estar postados ali, em serviço de centenas de testes para espadachins, ostentariam da estrutura completamente sólida e lisa, porém seus cantos estavam gastos e moldados à velhice, tomando curvaturas que complicavam a cada novo teste, e uma camada gosmenta e escorregadia. Tal camada que delineava um tom de verde mais intenso em alguns pontos na madeira clara, onde obviamente não poderia correr o risco de pisar.

Mais uma passada, iniciando o tortuoso percurso, e só então sentiu sob o próprio peso, a madeira quase ceder. A sola absorvia o lodo com facilidade, e na segunda passada, pareceu que escorregaria e cairia para o abismo, num falhanço total. Mas com o balançar frenético dos braços, para cá e para lá, conseguiu repor seu equilíbrio. Mas de fato, não era um teste de equilíbrio, e sim de movimento, perspicaz e preciso. Quem dispunha de um corpo tenso e inflexível, cairia para a própria morte naquele primeiro trajeto, e Nero percebia isso, pelos próprios movimentos.
Quanto mais firmes suas passadas, mais seus pés resvalavam, mas quando pareceu bailar com leveza de passadas rápidas e ágeis, como se pisasse num solo quente, se viu avançando facilmente os primeiros vinte metros.

Apesar de tudo parecer extremamente rápido para o próprio, algumas passadas haviam tomado um árduo tempo de minutos. Um fio de suor escorreu por entre seus cabelos vermelhos como o fogo que crepitava ao longe, mantendo o silêncio e o foco dividido em três caminhos. Num ato de inteligência, olhou para o final do trajeto ao seu dispor, com o dobro do tamanho do único anterior, mas também era uma linha solitária. Sabe-se lá quantas reviravoltas teria que dar em meio ao trajeto, mesmo que escolhesse o caminho certo.
Fechou seus olhos, e puxou a espada para perto do corpo, abraçando o punho também com a canhota agora. A testa se encostou na lâmina, e por momentos se entregou ao silêncio profundo, sustendo a respiração num momento de reflexão. Mas qualquer escolha naquele momento, seria melhor do que o eterno enrijecer do corpo. Passos e passos, que bailavam em meio à escuridão, usando da dica do Mestre Espadachim sobre a espada ser apenas mais uma extensão de nosso corpo, e talvez, a mais valente de todas, já que ia em primeiro lugar nos confrontos mais amedrontadores, como aquele. A cada passada, a lâmina avançava contra a madeira, com força controlada, para não a cortar ou quebrar, mas simplesmente sentir que podia pisar ali.

— Moleza! – Disse em meio aos avanços que se tornavam mais e mais audaciosos, quase como pulos de lebre, perdendo todo aquele cuidado com que havia começado. A espada balançou na escuridão, sempre de encontro à madeira e criando cantos em que os pés encaixavam fielmente com a sola de suas botas de aprendiz. Os lábios deram espaço para os dentes extremamente brancos serem exibidos num alegre sorriso, e os olhos brilharam no tom dourado em meio a toda a escuridão. Porém, tanta audácia lhe custou caro, e a tonalidade dos olhos voltaram ao intenso carmesim. Era a única coisa visível em seu rosto apavorado em meio à escuridão, ao contemplar o som que ecoou por todo o corredor escuro, da madeira rangendo e rachando lentamente. Podia sentir abaixo de seu pé a estrutura do caminho ceder, apenas a dez metros do fim do trajeto.
Seu corpo se tornou rijo como o aço, firme como uma estátua construída pelo próprio fundamento de uma rocha milenar, mas húmido como aquela caverna naquele exato momento. Uma gota caiu lá em baixo, demorando exatos cinco segundos para alçar o som do contacto com água. Engoliu em seco, claramente amedrontado, percebendo o seu erro naquele mesmo instante.

Uma tentativa de movimento para avançar e escapulir daquela fase, e a madeira cedeu, deixando o corpo que para tantos era leve, mas para aquela tarefa, tão pesado, cair em meio à penumbra.

A água acolheu seu corpo, tão gentilmente quanto um abraço maternal, moldando-se fielmente ao seu corpo. A mão apertou forte o punho da espada, não a soltando em meio à queda que havia lhe abolido da capacidade de respirar. Era fria como imaginava, rivalizando a temperatura do próprio gelo do inverno em Midgard, cobrindo tudo num intenso manto branco, e ao contrário do que imaginava, tinha plena visão do que se passava ali em baixo. Eram corredores como o de cima. Alguns largos, não tanto como o principal e superior onde o teste deveria ocorrer com normalidade, e outros estreitos, que apenas um feto passaria, mas certamente o caminho continuaria por ali.
Já havia saído da água aos tropeços, ao que ela alcançava pela altura de seu peito nas áreas mais profundas, quando um movimento repentino em meio à escuridão lhe sacou um suspiro pelo susto, assim como um forte impulso consequente ao pulo para a segurança da terra. Uma melhor inspeção, percebia a presença de dezenas de criaturas como aquelas que avistara nas árvores em volta de Fial, mas estas claramente estariam famintas por qualquer coisa que se movesse, já que devoravam umas às outras em ações canibalescas.

Sua boca se abriu, para proferir afrontas contra as criaturas que eram incrivelmente lentas, mas decidiu se conter perante o tamanho que as mesmas ostentavam. Teriam algum motivo para não se retirar dali, escalando as paredes tortuosas?

Por minutos caminhou em meio à confortável escuridão, contendo espirros e soluços, por seu corpo estar completamente gelado e molhado, assim como as vestes que ainda pingavam, ensopadas completamente. As mãos tateavam as paredes, seguindo uma única por corredores estreitos daquele labirinto intenso. Em algumas partes, desesperava, já que ao olhar para cima, não conseguia ver nada, senão um teto próximo, e não aquele longínquo do teste original, mas à primeira vista, estava avançando igualmente com a versão superior do teste.
Mas apesar de tudo parecer tranquilo, apesar de alguns encontros com Fabres famintos e imensos, não pareceu andar em voltas, porém, encontrou o que realmente queria evitar naqueles locais. Um espaçamento mais largo, como um salão, com moscas gigantes pousadas em suas paredes. Adquiriam o tamanho de gatos e até mesmo de cachorros, e estavam aparentemente adormecidos, mas com a recém-chegada do saboroso cheiro de carne viva e nova, despertavam.
Despencando de seus ninhos nas paredes mais altas e obscuras, o mover das asas provocou o sibilar característico em grande escala, ecoando pelas paredes e se tornando atormentadoramente ensurdecedor. Levou a canhota à orelha, escondendo a direita no primeiro ombro encolhido, e seus dentes frisaram com força ao ponto de rangerem sobre a estrutura de encaixe uns nos outros, mas não podia se dar ao luxo de fechar os olhos, e perder de vista o ataque repentino. Algo bom sobre seu tamanho, era que a velocidade diminuía consideravelmente, já que tinha uma grande força contra eles mesmos… O ar. Um avanço afrontoso, do predador daquela área, esquivado por um único passo para a própria direita, fazendo a criatura passar direto, e a obrigando a contornar toda a sala para retomar a postura de prontidão para o ataque.
Não tinha tempo a perder. Sua ignorância o levara para aquele momento, e o enfrentaria como o espadachim que almejava se tornar. Sua respiração descompassada se controlou de forma quase milagrosa, e o peito altivo mal se moveu com o respirar calmo. O semblante adquiriu sua serenidade e calmaria, com olhos que pesavam no intenso carmesim, encarando cada uma das cinco moscas gigantes que se aprontavam para o avanço. As pernas se afastaram e os joelhos fletiram ligeiramente. Os braços se moveram para a fronte de seu corpo, estáticos e mais firmes que o caminho acima de sua cabeça, segurando com bravura a espada sem nome.

Veio a primeira criatura, que num breve brandir, teve seu corpo separado em duas partes quase similares. Um orgulhoso corte que aprendera observando espadachins praticarem próximos à ponte de Isla, numa das clareiras da floresta ao pé. Aquele era o território que demarcava, com a própria presença consistente na mesma postura defensiva, no aguardo paciente, como um Lorde faria em situações onde enfrentava o perigo maior. Cada golpe, apesar de um breve sacudir da lâmina, sem qualquer resquício de técnica, abateu cada um de seus inimigos, se mostrando capaz da defesa contra oponentes mais fortes. E a cada morte, o cheiro pútrido a óleo de peixe apenas aumentava, característico das criaturas cortadas ao meio, que por sorte não respingavam perante o corte, e apenas depois. Seu corpo se moveu solenemente, o qual havia usado sua cólera de forma calma e ordenada, como o fogo controlado, mas que tudo consome, e os olhos pousaram sobre a gosma que saía de dentro das moscas. Não era o sangue característico, e sim algo viscoso e verde, portador de um cheiro tão aterrador quanto suas aparências mutantes. Sacudiu com força a espada para o lado direito, manchando o chão preto com um único fio daquele sangue viscoso, o qual desgrudou com facilidade da lâmina, e seguiu seu caminho.

Não havia vento em meio á penumbra de corredores estreitos da caverna, o que dificultava o rapaz de saber se estava na direção certa à saída, ou em direção de mais um beco. O seu medo, era ficar preso em rodeios pelo mesmo caminho contínuo, e não dar conta disto, já que em cada novo salão, havia uma nova lagoa e um punhado de criaturas verde fluorescente querendo se alimentar.
A lâmina sempre se mostrou baixa, com o cume quase roçando no chão, e os olhos vez ou outra se focavam em sua estrutura, alegrando o coração puro do aprendiz, de pelo menos ter algo que se assemelhava a uma companheira.

— Seu nome… - Questionou em um tom baixo, apesar de que para seus ouvidos despreparados, pareceu gritar o mais alto que conseguia. Ergueu a espada um pouco, tocando sua lâmina com a mão esquerda. – Não ouvi nenhum nome quando a brandi. – Havia fracassado? Seus ouvidos lhe falharam em ouvir as palavras no sibilar dos cortes? Ou a espada simplesmente não tinha um nome ao qual se batizar. Veio à tona de seus pensamentos rápidos, a imagem do Mestre Espadachim lamentando a oportunidade perdida, por ouvidos desatentos e concentração exagerada apenas nos olhos e ao seu redor durante as batalhas. Isso, de certa forma, era um aviso para Nero, que tanto amava sua visão precisa. Seus passos cessaram, ecoando o último por longos segundos de forma distorcida, e um suspiro saiu de seus lábios. Os olhos estáticos encararam a lâmina, o próprio reflexo, e ali viu que os mesmos brilhavam intensamente na tonalidade escarlate. Estava assustado, com o coração pulsante quase pulando para fora do peito, e devido ao silêncio, conseguia ouvir cada um dos batimentos em seu interior.
Fechou seus olhos, abdicando da visão por breves segundos, e concentrou-se não apenas nele mesmo, mas ao seu redor. As gotas que caiam em águas ou até mesmo na rocha, o rastejar de criaturas gigantes. Mas precisava ir além. Então, ouviu o roçar das águas deslizando pelas paredes tão calmas e fiéis em seu caminho, até desaguarem no chão. Ouviu seus ecos distantes, da respiração concentrada, e também, os ecos de algo que não lhe pertencia, e nem a nenhum monstro.

Disparou em meio à escuridão, portando a bravura de todos os cavaleiros em seu coração, e com prudência, correu sem olhar para trás. Era um choro, um soluço de uma voz aguda e agoniada, de uma criança menor que o próprio. Podia senti-la agora que a ouvira o suficiente. As passadas vibraram as paredes intactas por centenas de anos, fazendo cair uma chuva de gotas pesadas e acumuladas, mas ignorando-as com o dever preenchendo todo seu âmago.

— Não tema. – Disse em prontidão, atravessando um último corredor labiríntico, e se voltando de frente para um beco sem saída. Só então se deu conta, de que seus olhos estavam fechados todo aquele tempo. Os abriu, mas com a questão em sua mente desanuviada por outra presença humana, de como teria conseguido evitar todos os obstáculos como se os enxergasse. – Eu estou aqui. – E com passadas lentas, procurou se aproximar.

Ao canto daquele beco, uma pequena garota de vestido completamente branco e sujo, se encolhia em posição fetal, tremendo todo seu corpo e soluçando ao conter o choro, procurando o silêncio apaziguador. Seus fios dourados num comprimento descomunal, todos molhados e quase negros pela sujidade. Pele clara que refletia a luz das tochas bem acima de sua cabeça, indicando que havia seguido a claridade até chegar ali, e mãos pequenas cheias de sulcos em sua pele pela humidade em excesso, que agora destapavam o próprio rosto todo sujo de terra.

— Está tudo bem, não a vou machucar. – Por via de dúvidas, pousou a espada no chão, agachando lentamente seu corpo e tentando não se precipitar. Sabia o quanto uma criança poderia correr quando estava com medo. Era assim também, nas vielas de Amar’Sin. – Vim te tirar daqui.

E com o aproximar lento, a garota deu um grito ensurdecedor, roçando as costas mais ainda na parede, buscando se afastar do rapaz de forma célere, mas não tinha como fugir. Se sentia encurralada por Nero, com olhos azuis arregalados, e uma pupila extremamente dilatada, agitados em busca de uma rota de fuga.

— Se afaste! – Gritou novamente, palavras que o rapaz entendeu claramente, e a respiração ofegante se tornou mais evidente a cada tentativa frustrada de fugir.

— Eu estou aqui para ajudar! – Insistiu, parando de caminhar em direção da garota com o corpo baixo como estava, quase gatinhando, e apenas a encarou.

— Estou aqui há tantos dias, e ninguém veio me ajudar. Ninguém… - Pareceu parar de falar, mas os olhos não paravam de procurar. Estava amedrontada, por algo que claramente vivia naqueles becos escuros. – Ninguém veio me tirar! – Gritou uma vez mais, se levantando e parecendo se preparar para disparar através de Nero, mas devido à fraqueza em suas pernas bambas, apenas caiu novamente sentada no chão.

— Você foi bastante difícil de encontrar. – Disse Nero, se esquecendo que estava num teste e que devia terminá-lo o mais breve possível. Devotou-se totalmente àquela vida à sua frente, apesar de não saber onde ficaria a saída. – Está com fome? Frio? Sede?

A garota assentiu com a cabeça, se acalmando lentamente, já que a distância segura era mantida, mas sempre que Nero movia algo além de seus lábios e olhos, a garota se desesperava e debatia.
Só então e lembrou que havia perdido a própria mochila de aprendiz, e não tinha comida consigo, nem água potável, ou muda de roupa para casos como aquele. Com os joelhos tocando o chão, a água escorreu de suas calças por entre os sulcos na rocha, e dos cabelos molhados, pingavam em suas coxas.

— Também não tenho nada do que comer, ou muda de roupa. Sequer tenho água. – Lamentou, desviando os olhos da mesma para as mãos que se fechavam fortemente. – Mas podemos sair daqui juntos. – Voltou a encará-la, sorrindo como fariam os heróis nos contos de fadas que havia escutado toda sua vida, apesar dos olhos sempre na tonalidade escarlate serem bastante amedrontadores. – Venha. – Lhe estendeu a mão destra, a mais marcada das duas.

Ela hesitou, desviando a atenção dos arredores para dançar os olhos entre o sorriso amistoso, e a mão que lhe era estendida. Seu coração se encheu de esperança, e usou todas as suas forças para abraçar a mão do rapaz com a própria. Não devia ter mais do que seis anos, e estava mais desesperada por um salvador, do que realmente fugir de tudo que via com forma humana.
A mão do ruivo envolveu firmemente a da mesma, levantando o próprio corpo, e esperando que a mesma também se levantasse, mas esta não o fez.

— Não consegue levantar?

A garota balançou negativamente a cabeça, sempre olhando com os olhos cobertos em remelas e lágrimas, lábios secos e feridos, e pele enrugada pela humidade em excesso.

— Deixa que eu te carrego para a saída. – E se aproximou da garota, mas viu novamente um certo pavor em seu semblante, então, cessou repentinamente. – Ou… Quer subir minhas costas?

A mesma assentiu em silêncio, e Nero a carregou nas costas por alguns minutos silenciosos.

— Eu… - Disse a garota com uma voz rouca, mas parou por aí.

— “Eu…”? – Protestou numa pergunta, claramente impaciente com tanta delonga, mas tentando esconder isso com um sorriso, e um tom de voz brando.

— Eu sou Maria. – Disse a garota, enrubescendo ao falar seu nome com aquela voz de criança, e demonstrando certa dificuldade em pronunciar a letra “R”.

— Maria é um belo nome. – Disse o ruivo, admirado por ela dizer seu nome primeiro. – Eu sou Nero. – E então se lembrou, que sempre que dizia apenas o primeiro nome, desmascaravam seu segundo, o obrigando a falá-lo, mas esperou que a garota o pedisse.

— Nero é um nome bonito também! – Os braços fracos passavam em torno do pescoço, assim como as pernas eram sustentadas pelos braços do rapaz. A espada, estava presa em seu cinto, já que não tinha qualquer tipo de bainha consigo, mas era o suficiente.

— O que fazia aqui em baixo, Maria? – Sua passada continuou firme e cautelosa, para que não escorregasse, principalmente agora que tinha alguém a qual proteger.

— Eu entrei sem ninguém ver… - Admitiu a garota. – Meu irmão mais velho veio para se tornar um espadachim, e eu o segui sem ninguém ver. Só que eu caí. Estava muito escuro, e me perdi, porque corri muito… - Abaixou a cabeça e os olhos, soluçando novamente num choro.

— Ei, ei… Não chore. – Demonstrou preocupação, mas suspirou em seguida, pelo fato de estar aturando uma pirralha chorona, porém, se mostrou paciente. – Estamos quase. – Pensou mentir, já que não sabia onde estava, até que cruzou a última encruzilhada de caminhos tortuosos e escuros, e obteve o vislumbre de uma chama. – Viu? – Tentou mentir uma vez mais, sobre saber o caminho, apesar de que seus olhos se arregalaram, e o tom de voz desmascarou a surpresa.

À frente do corredor estreito e escuro, um salão que terminava a rocha maciça em madeira como o estabelecimento acima, iluminado por duas grandes tochas e chamas laranjas que crepitavam toras de madeira. Em frente à porta de madeira fechada, a ajudante do mestre espadachim, com um sorriso ameno, e seus olhos focados nos do rapaz.

— Sim. Você achou. – Disse a garotinha num sorriso, saltando dos braços do maior e correndo para a ajudante. A abraçou, e escalou suas costas de forma travessa, até o rosto com um sorriso bobo, espreitar sobre o ombro da mais velha.

— Vejo que chegou, por fim. – A voz ecoou como todas as outras.

Nero se ajoelhou no chão de madeira, deixando cair a espada que cortou o couro de seu cinto, e lágrimas quase lhe escorreram dos olhos. Era uma encenação. Tudo havia sido planejado para descobrir a determinação e verdadeiras intenções sobre pessoas em perigo, e o próprio perigo. Ele nunca estivera perdido, já que ao olhar para cima, vinha as mesmas vigas de madeira das quais havia escorregado. Seus olhos marejados beiraram a tonalidade dourada agora, abrindo um sorriso.

— Então este era o teste? – Coçou a própria nuca com a destra, encarando a espada pura e livre de qualquer sujeira, a qual refletia o brilho dançante das chamas.

— Sim. Nero Cyprianus. – A moça voltou-se de lado para a porta, apontando a canhota para a mesma. – Atravesse esta porta, e fale novamente com o Mestre Espadachim. – E lhe deu outro sorriso ameno, retomando o silêncio costumeiro.


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