Florescer escrita por Bruninhazinha


Capítulo 6
Família


Notas iniciais do capítulo

Passando aqui para desejar um Natal feliz e iluminado a todos vocês, queridos leitores!
Eu nem sei como agradecer pelo apoio que estão me dando.
Meio que surtei quando recebi uma recomendação. May, ainda não sei como agradecer, na realidade ainda nem sei o que dizer. Do fundo do meu coração, muito obrigada. Você é uma pessoa que me inspira, é uma escritora maravilhosa, uma amiga maravilhosa e, mais do que isso, uma irmã. Eu meio que quis retratar isso nesse capítulo. Que algumas amizades são mais fortes que os laços sanguíneos. E que família é quem cuida.
Espero que gostem!



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Família

Tudo pareceu um sonho distante quando Perséfone acordou. Ela piscou algumas vezes e rolou pelo colchão macio, em meio as cobertas, buscando uma posição mais confortável.

Nos livros, quando acordam, os personagens passam por aquele momento de desorientação, sem saberem onde estão. Isso nunca ocorreu com Perséfone. Ela sabia exatamente onde tinha ido dormir.

Ainda assim, foi esquisito acordar e ser engolida pela escuridão. Estava habituada a despertar com a espiritualidade de Apolo e o som das liras dos sátiros. Dessa vez, não havia nada além do tenebroso silêncio do Submundo.

Olhando os arredores, notou não estar mais na saleta de Hécate. Aquele era um cômodo grande, com decoração pomposa e paredes em tons pasteis. A única iluminação era a chama irradiando da lareira, localizada a poucos metros da cama com dossel, aquecendo parcialmente o quarto; a chama era amarela demais e havia no ar um cheiro de rosas que não sabia se conseguiria se acostumar. Ela sentou, afastando as cobertas com os pés e lembrou-se de como Hades a segurou com facilidade na noite anterior, guiando-a pelos corredores até a deusa da magia, mesmo machucado. Com toda certeza foi ele quem a levou até ali.

Não pode deixar de imaginar se ele se sentia melhor. Encolheu os ombros, novamente com a culpa entalada na garganta.

Não entendia os motivos que levaram Hades a fazer o que fez. Por mais que tentasse, sua mente não era capaz de formular uma resposta coerente. Não fazia sentido o rei do Submundo, um dos Três Grandes, querer justamente ela – a provável divindade mais insignificante do Olimpo – ali.

Precisava esclarecer as coisas com Hades logo, saber o que ele pretendia, o porquê de estar ali ou ao menos tentar um acordo.

De pé e caminhando pela penumbra, aventurou-se a conhecer mais o quarto. Sentou em uma das poltronas para ver se era confortável. Depois abriu as gavetas do tocador. Deu uma longa olhada no espelho, desgostosa, observando que estava descabelada, ainda com arranhões em alguns pontos do corpo, mesmo depois de ingerir a poção de cura. Atravessou uma porta aberta e identificou o banheiro. Era grande, todo em mármore e a banheira ao centro foi feita com a mais pura prata.

Retornando ao quarto, curiosa, continuou a caminhada pelo cômodo.  Abriu o armário, esperando encontrar gavetas e cabides vazios, contudo, o que viu a deixou boquiaberta. Haviam inúmeras peças – uma quantidade exorbitante de roupas, cada uma mais bonita que a outra, bem passadas, dobradas e organizadas por cor. Tirando um vestido do cabide, notou ser exatamente do seu tamanho, como se tivesse sido feito exclusivamente para ela.  

Escutou passos vindos do corredor e, em um movimento desesperado, atirou-se na cama em um baque surdo, depois puxou a coberta até o queixo, apertando as pálpebras com força. Seus ouvidos captaram o som abafado. O tom encorpado ficou ainda mais audível a medida que se aproximava. Era uma mulher. Pela movimentação, soube que estava acompanhada.  

— ...O que quero dizer, querido, é que suas atitudes foram precipitadas.

— Não me venha com sermões. — A deusa da primavera, reconhecendo o dono da voz, sentiu um frio atingir o estomago. — Sabe que não tive outra escolha.

— Hades, — um suspiro escapou pelos lábios femininos. — você sempre teve várias escolhas. E, sinceramente, fez a pior delas. Imagine o caos que será quando sentirem falta dessa menina!

Estavam falando dela. As pontas de seus dedos gelaram e a moça engoliu o seco, esforçando-se para não mover um músculo.  

— Tenho tudo sob controle.

— Sabe que não é verdade. A mãe dessa garota deve estar fazendo o maior escarcéu lá em cima! — Hades não respondeu. — Você está arriscando tudo o que tem, por acaso pensou nisso?

Do que estavam falando? Quem era essa mulher? Perséfone tentou controlar a respiração. As vozes zumbiam em seus ouvidos como se escutasse o badalar de um sino de igreja.

A desconhecida suspirou, resignada.

— Certo, vou parar de tentar enfiar algum juízo nessa sua cabeça. Estou velha demais para isso. O que pretende fazer agora?

— Por enquanto, providenciar tudo para que ela se sinta confortável aqui.

— Imaginei. — Houve uma longa pausa. — Ela é mesmo encantadora.    

— Sim. É linda.

A jovem deusa apertou os lábios, segurando um sorriso, com o coração martelando. Havia escutado corretamente? Hades tinha mesmo a elogiado?

— Eu já vou indo. Preciso conversar com os insolentes dos meus filhos. Tânatos está insuportável. Se precisar de qualquer coisa é só me chamar.

A porta baqueou e a deusa menor se viu sozinha com o senhor dos mortos. Mesmo com os olhos fechados, a presença dele era notória, quase palpável tamanho o peso que se instalou na atmosfera.

Hades a observou por um tempo. A respiração dela era calma, profunda... e farsante.  

— Não adianta, meu bem. Você é uma péssima mentirosa. — Perséfone abriu os olhos e sentou no colchão, vislumbrando-o pela primeira vez naquele dia. Estava parado ao lado da cama, próximo, não muito, mas o suficiente para que conseguisse sentir o calor emanando de seu corpo.  Com os braços musculosos cruzados sobre o peitoral, mantinha um olhar cheio de significados. — Não te disseram que é feio bisbilhotar a conversa alheia?

— Não me venha com discursos sobre bons modos agora. — Semicerrou os orbes olivas, formando uma expressão feroz de águia. — Você não tem esse direito.

— Justo. — os dois sustentaram o olhar por um tempo e um sorriso enfeitou o rosto másculo. Com certo recato, ela notou que ele estava muito bonito, trajando vestes escuras, a capa pesando sobre os ombros e a feição descansada. O cabelo foi devidamente penteado e o cheiro de colônia preenchia o quarto.

Tentou não se constranger, porém, foi impossível naquelas circunstâncias. Hades estava impecável. Ela, por outro lado, achava-se descabelada, com a mesma roupa do dia anterior, suja e rasgada pela pata de Cérbero.

— Sente-se melhor? — havia preocupação na indagação e a culpa a atingiu. Era ela quem devia perguntar isso.

— Estou. Obrigada. — remexeu-se na cama, abaixando o olhar, sem jeito.   

— Fico feliz que esteja bem.

— E você? Como está a ferida?

— Bem. — deu de ombros. — Hécate fez um bom trabalho.

Um silencio prolongou e Perséfone engoliu o seco, se questionando se aquele seria o momento certo para iniciar o assunto que tanto desejava.  Ansiava descobrir o significado de tudo aquilo. Tudo mesmo. A atenção, os cuidados, o zelo e, principalmente, o motivo que o levaram a sequestra-la.

Em algum momento, teria que falar.

— Olha, Hades, — começou. Felizmente, ele não percebeu que sua voz falhou ao pronunciar seu nome. As mãos tremiam de nervoso. A maneira com que ele a encarou, cheio de expectativas, a deixou desconcertada. — entenda que esse sequestro não vai atingir o meu pai. Zeus pode até se importar comigo, mas não tanto quanto você está imaginando e...

— Perséfone. — a cortou com uma careta estranha. A deusa teve que piscar várias vezes, só para ter certeza de que estava enxergando certo. Hades esforçava-se para manter o semblante sério. Ele queria... rir? Oras! O que havia dito de tão engraçado? — Acho que você entendeu errado. Não estou fazendo isso para atingir seu pai, pelo Caos, eu jamais faria isso! Porque pensa assim?

— Eu não sei... — abriu e fechou a boca, um tanto chocada. Quer dizer, era o único motivo que fazia sentido em sua cabeça. Para o que mais ele a sequestraria? — Eu... sinceramente, achei que vocês possuíssem alguma rixa, algo assim, e... olha, desculpa, eu sinceramente não sei...

— Entendo. — Suspirou pesadamente e o ar de divertimento esvaiu. — Isso é passado. Tudo bem, Zeus me desagrada em alguns pontos, na realidade em muitos pontos – se corrigiu – e talvez ainda tenha alguns ressentimentos entre nós. As fofocas realmente não ajudam, mas ele ainda é meu irmão. Não que o que eu sinta realmente faça diferença. As pessoas acham mais fácil falar pelas minhas costas que saber como me sinto sobre isso.

Achou estranho escutar algo assim saindo da boca de Hades. Perséfone não soube o que dizer. De certa forma, fitando aqueles orbes escuros, descobriu estar tocando em uma das feridas. Ele não estava com raiva ou aborrecido.

Estava solitário.

Não foi difícil se colocar no lugar dele. Bastava olhar a fisionomia taciturna, levemente deprimida. Ser condenado a morar naquele lugar escuro por toda a eternidade, além de sofrer calunias e julgamentos a todo instante parecia ser tão... triste.

— Hades...

— Desculpe pelo desabafo. — Ele se apressou, lançando de lado o ar melancólico. Aprumou a coluna e colocou-se de pé, colocando, mais uma vez, uma muralha em volta dos próprios sentimentos. — Juro que no momento certo sanarei suas dúvidas. Eu só... não estou pronto para responder a todas. E sei que você tem muitas. — Ela não disse nada, ainda tentando processar o que estava acontecendo. — Só tenha um pouco de paciência, é a única coisa que lhe peço.

— Não gosto da ideia de ser uma prisioneira.

— Você não é minha prisioneira, Perséfone. É minha convidada. E farei de tudo para que sua estadia aqui seja a melhor possível.

A morena apenas acenou com a cabeça, resolvendo acreditar. Afinal, que escolha tinha?

+

Durante o banho, Perséfone pensava em tudo, ou melhor, pensava em Hades. Ele a esperava pacientemente do lado de fora, no corredor, até que ela se vestisse propriamente para o desjejum. Disse que gostaria de apresenta-la aos empregados e a seus amigos. Imaginou quem seriam. Se fossem sujeitos simpáticos como Caronte, certamente gostaria deles.

Afundando mais na água, suspirou profundamente. Talvez estivesse julgando Hades precipitadamente. Ele era agradável, atencioso e polido. Um pouco taciturno, talvez, até tímido. Não sabia ao certo se poderia confiar tanto, mesmo que algo lhe dissesse que não havia problemas em fazê-lo.

Algo nele inspirava segurança. Havia sinceridade em seus olhos e uma singela gentileza escondida em todos os seus gestos.

Ainda assim, não era seguro. Precisava encontrar um jeito de ir embora – e rápido.

Balançou a cabeça, ensaboando-se, enquanto recordava a infância, época em que Demetra ainda lavava seu cabelo, cantarolando uma canção antiga. A deusa da agricultura sempre enroscava os dedos em seus cachos. No fim, a pequena menina acabava sentada em um banquinho, com a mãe reclamando de seu cabelo armado ao mesmo tempo em que tentava, inutilmente, desembaraça-lo.

Sentia saudades da mãe e de casa.

Após finalizar o banho, retornou ao quarto enrolada em uma toalha felpuda. Abrindo o armário, diante de tantas roupas elegantes, optou pela peça mais simples. A toga escorregou por sua pele e encaixou perfeitamente no corpo, emoldurando a cintura. O tecido era leve. Ficou satisfeita com a imagem vista no espelho. Seu rosto já não estava tão abatido como outrora e os cachos úmidos escorriam até o quadril. Ela os prendeu em um penteado bonito, embora simples, enfeitando-o com algumas presilhas que encontrou na gaveta do tocador. Pretendia não demorar muito, pensando que Hades ficaria impaciente caso esperasse demais no corredor.

Ao contrário do que imaginou, do lado de fora, o encontrou encostado na parede com o semblante pensativo. A feição mudou no segundo seguinte em que a porta foi aberta, quando a viu. Os olhos escuros brilharam e um sorriso bonito enfeitou o rosto dele, um daqueles tímidos, em que os lábios se juntam em uma linha reta. Um sorriso admirado, carregado de satisfação só por vê-la.

Ele ofereceu o braço que, em silencio, foi aceito.

Os corredores eram como ela recordava – largos e escuros, iluminados por tochas inapagáveis. Dessa vez, as cortinas estavam abertas, revelando um céu estrelado e sem luar.

— Pensei que não existisse céu no Submundo. — Arqueou uma das sobrancelhas, admirada com as estrelas enormes que brilhavam logo acima deles, atrás da vidraça. 

— E não existe. — Perséfone teve certeza de que sua expressão foi o mais puro choque, já que ele riu em seguida, achando graça. — Não fique tão impressionada. Irei te apresentar a responsável por esse feito.

Ela não disse nada, mas seu interior foi tomado pela expectativa. Foi guiada até uma porta enorme e, quando atravessaram, se viu dentro de uma sala de jantar. Era enorme – enorme mesmo. Hades parecia ter certo fascínio por cômodos faustosos. Embora a fisionomia fosse simples e não houvesse qualquer sumptuosidade nos trajes, ele parecia gostar de ostentar toda a riqueza que possuía nos mínimos detalhes de seu castelo, projetado unicamente para rejubilar os olhos e arrancar suspiros maravilhados.

Ao centro, havia uma mesa grande com acentos aveludados. Todos os móveis variavam em tons escuros. O papel de parede destacava o suntuoso lustre de cristal que pendia do teto, iluminando cada canto do cômodo. 

Quatro pessoas nas proximidades da mesa conversavam. Perséfone reconheceu uma. Mesmo não gostando dos olhares desdenhosos lançados em sua direção, teve que reconhecer que Hécate estava estonteante naquele vestido violeta, marcando cada curva de seu corpo. Ela optou por prender o cabelo em um coque muito bem feito no alto da cabeça, e as bochechas com rouge serviu para aumentar-lhe o ar coquete.

A mesa estava repleta por comida – assados de cordeiro, pães, queijo fresco, amêndoas, leite de cabra, frutas postas em enormes pratos de prata. Olhando os preparativos, sentiu-se feliz por ver que Hades realmente estava se empenhando para agrada-la.

Lembrou-se das palavras dele, tranquilizando-se.

Ela não era uma prisioneira. Era uma convidada.

— Eu não sabia do que você gostava, — ele cortou o silencio, feliz por vislumbrar a expressão embasbacada no rosto da moça. — por isso pedi para que preparassem um banquete maior. Venha, deixe-me apresenta-la a todos.

Ela se deixou ser arrastada até os quatro, que pararam de conversar no momento em que viram seu senhor aproximando com a jovem enroscada em um de seus braços. Hécate reprimiu uma careta de desgosto por vê-los tão juntos, a outra mulher – aparentemente mais velha que a feiticeira – abriu um sorriso bonito e os dois homens entre as duas endireitaram a coluna.

— Você já conhece Hécate. — A deusa maior deu de ombros, segurando uma bufada, e Perséfone resolveu ignorar a frieza que a bruxa praticamente jorrava em sua direção. — Esse é Hypnos.

— É um prazer conhecê-la, minha senhora.

Hypnos era um rapaz alto, magro e bonito, de cabelo claro, quase branco, o que tornava sua pele ainda mais pálida. Gostou de como os olhos sábios brilhavam com a luz vinda das velas do lustre e o sorriso mínimo era preguiçoso. Ele pegou uma de suas mãos e depositou um beijo educado, sem segundas intensões, como um verdadeiro cavalheiro. Satisfeita, sorriu. Nunca imaginou que um dia conheceria um sujeito como Hypnos. Ele era a personificação da sonolência, o deus do sono e da tranquilidade. Transmitia paz, mesmo que essa não fosse sua intensão.  

— O prazer é todo meu, Hypnos. Sou Perséfone, acredito que já saiba.

— Todos nós sabemos. — O rapaz ao lado se intrometeu, debochado, lançando um olhar divertido ao deus do submundo, que segurou o rolar de olhos. — Hades não fala em outra coisa. É Perséfone para lá, Perséfone para cá. — Ele era idêntico a Hypnos. A mesma pele pálida, os mesmos olhos amendoados, um pouco mais extrovertidos. A única característica que diferenciava era a cor do cabelo. O dele possuía uma tonalidade mais escura, quase tão preto quanto o de Hades, com cachos encaracolando sobre a testa.

Não precisava de mais para saber de quem se tratava. Tânatos, a personificação da morte, responsável por arrebatar a vida dos mortais. O irmão gêmeo de Hypnos.   

— Me desculpe por isso, querida. — A mais velha olhou com fúria para o deus da morte. Perséfone não sabia o nome, todavia, reconheceu a voz encorpada. Era ela quem estava conversando com Hades mais cedo, em seu quarto. — Tânatos é um bom rapaz — sorriu amarelo, sem graça, gesticulando com as mãos. —, mesmo que seja inconveniente em alguns momentos.

— Ele só tem tamanho — Hypnos alfinetou, provocativo, dando dois tapinhas nas costas do irmão. — O Cupido é mais adulto que esse pirralho aqui.

— Ei!

Perséfone quase engasgou com uma risada ao vislumbrar o rosto másculo de Tânatos transfigurar para uma expressão infantil e emburrada.

— Vocês dois estão mesmo impossíveis! — a mãe deles tornou a reclamar; Hécate apenas rolou os olhos, decidida a evitar a conversa e Hades meneou a cabeça, como já assistisse as mesmas discussões há éons. — Peço que não ligue para os meus filhos, querida. Em algum momento você se acostuma.    

— Perséfone, essa é a Nyx — Hades disse. —, a minha noite. 

A deusa menor abriu e fechou a boca, embasbacada, sem saber ao certo como se apresentar. Estava diante da domadora de homens e deuses, rainha dos astros noturnos.

Ela era uma lenda!

— Deixe disso, querido, assim você me deixa sem graça. — Nyx deu uma risadinha anasalada, decidindo ignorar a pequena briga dos filhos. — É realmente um prazer conhece-la. Venha, — puxou Perséfone para perto, arrastando-a até a mesa. Hades fez uma careta desgostosa por ser afastado da amada, porém as acompanhou, sendo seguido pelos outros. — deve estar faminta. Sente-se aqui, meu bem, isso. Pode comer a vontade, a comida veio toda do mundo humano. — Perséfone acomodou-se em uma das pontas da mesa. De soslaio, enxergou Hades sentar-se na outra extremidade, ainda atento a cada movimento seu. — Soube que não comeu nadinha ontem a noite, pobrezinha, ainda mais depois de tudo o que aconteceu! Céus, aquele cachorro é um demônio mesmo! Eu avisei ao Hades que era perigoso um animal como aquele rondando por aí, mas como sempre ninguém é capaz de enfiar nada naquela cabeça dura! Eu aviso, mas ele se faz de surdo, é realmente impressionante como ninguém parece me escutar aqui!

Perséfone e Hades trocaram olhares, segurando uma gargalhada. Hécate, por outro lado, parecia cada vez mais enfezada com a proximidade dos dois, enquanto Tânatos insistia em tagarelar ao seu ouvido sobre algo que estava disposta a ignorar.

Hypnos, por outro lado, lançava olhares carregados de advertência à deusa da noite. 

— Mãe, — tratou de falar, baixinho, inclinando o corpo sobre a mesa, sem conseguir conter toda a educação que lhe foi imposta na infância. — assim você vai assustar ela.

— Deixe de ser bobo, querido. — abanou com a mão, puxando a cadeira para mais perto de Perséfone. — Venha, meu bem, quer que eu te ajude a se servir?

— Ah, não precisa, minha senhora. — Perséfone respondeu, sem graça, tentando alcançar a travessa de pães.

— Ah, eu insisto!

Antes que percebesse, Nyx enchia seu prato com inúmeros tipos de frutas, pães e queijos, formando um pequeno aglomerado de comida que não sabia se seria capaz de comer.

— Agradeço, Nyx, — sorriu para a deusa, ficando desesperada com o tamanho que seu prato começava a ficar. — mas não estou com tanta fome. 

— Não fique com vergonha, meu bem. — deu dois tapinhas amigáveis no ombro da moça, empurrando uma travessa de amêndoas na direção dela. — Aqui você pode comer e repetir cinco vezes, se quiser, não vemos qualquer problema nisso! Fico indignada com todas aquelas regras de etiqueta no Olimpo. Onde já se viu uma moça não poder repetir por ser falta de educação? Falta de educação é desperdiçar comida! É como os humanos dizem: só se vive uma vez e...

Enquanto Nyx tagarelava sem parar, Hécate rolava os olhos para Tânatos e Hypnos tentava a todo custo dar sermões na mãe, Perséfone pensou que nunca se sentiu tão acolhida.

Hades queria apresenta-la aos amigos, mas aqueles não eram apenas amigos. Conseguia ver isso nos olhos dele. Por mais que se escondesse atrás de uma máscara de indiferença, enxergava a felicidade estampada no rosto másculo.

Mesmo sem os laços sanguíneos, aquela era a família dele.

E ninguém no Olimpo substituiria esse lugar em seu coração.

— Se comer tudo — Hades a tirou dos pensamentos, apoiando a bochecha em uma das mãos. — eu te levarei para conhecer o Submundo. O que acha?

Perséfone tombou a cabeça para o lado, torcendo o nariz, fingindo uma expressão indignada.

— Está tentando me comprar com comida?

— Bom, — ele mordeu uma maçã, fingindo pensar. — não há nada que posso usar para te persuadir, no momento, além disso. De qualquer forma, não quero que fique fraca ou doente. Coma bem, e depois daremos uma volta. 

Ela acenou com a cabeça e mordeu um dos pãezinhos, comovida com a preocupação dele. Não demorou para se distrair novamente com a movimentação ao redor. Fazer parte daquele momento familiar, cheio de cumplicidade e risos, a deixou feliz.

Sentada ali, diante de tantas pessoas agradáveis, com as vozes ecoando em seus ouvidos e o olhar de Hades sobre si, Perséfone quase se sentiu em casa.  


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Notas finais do capítulo

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