"Nada está a salvo da arrogância e do orgulho romano. Eles destroem o sagrado e defloram nossas virgens. Vencer a batalha ou perecer, esta é minha decisão como mulher!"

— Rainha Boadicea

Dentre todas as bruxas famosas da história, Boadicea era sem dúvida alguma uma das mais inesquecíveis. Boadicea - cuja a versão do nome possuía muitas variações - foi uma rainha celta que liderou a tribo Iceni, juntamente com algumas outras tribos, em um levante contra as forças romanas que ocupavam a Grã-Bretanha durante o reinado do imperador Nero. Isso tudo acontecera bem no início da Idade Média, antes que as bruxas começarem a serem caçadas, e quando trouxas e mágicos ainda caminhavam lado a lado e sem segredos.

Boadicea era casada com o rei dos icenos que havia feito um trato com os romanos tornando-se aliado do Império Romano. Com sua morte, Boadicea assumiu a liderança de seu povo. Contudo, os romanos ignoraram o testamento e o procurador Cato Deciano - que também era bruxo - apropriou-se de toda a herança do rei falecido. Quando os icenos protestaram contra tal abuso, na pessoa de sua rainha viúva Boadicea, Cato Deciano ordenou às suas tropas sufocar o protesto, e estas ultrapassaram-se no emprego da força, açoitando a rainha e violando as suas filhas.

Ela ficou indignada com o tratamento dado pelos romanos e começou uma revolta, unindo os povos próximos de sua cidade para lutar pela libertação do jugo romano. Eles chegaram a tomar e massacrar algumas cidades que estavam sob controle do Império.

Depois de muitas perdas, o exército romano se reorganizou e atraiu os "rebeldes" liderados por Boadicea, em maior número, para um terreno adequado as táticas militares romanas, comandados pelo governador da Britânia, Gaius Suetonius Paulinus, e conseguiu derrota-los. Esta revolta foi uma das mais violentas contra o Império Romano.

De acordo com o historiador trouxa Tácito, após a derrota da rebelião, Boadicea teria se matado ingerindo veneno. Contudo, Dion Cassius - um nascido trouxa - ela teria adoecido de tristeza ou até mesmo forjado sua morte com uma poção de ervas paralisantes.

Claro, Claire Wood não sabia de todos esses detalhes, mas Aura Mors os contava com precisão. Descobrira mais uma coisa sobre Mors: era absurdamente e incomparavelmente boa em História da Magia. Acreditava que nem mesmo Riddle, o melhor aluno da escola, seria capaz de narrar esses eventos tão antigos e pouco conhecidos com tanta precisão. Percebeu que fora bom tê-la como companheira de dormitório, pois assim poderia recuperar sua nota na matéria. História da Magia era uma disciplina interessante, mas professor Binns era muito velho e monótono demais. Deitadas no chão, Jessica e Isabelle escutavam com atenção as palavras de Aura, enquanto Amy tomava notas furiosamente em seu pergaminho. Claire fazia um pouco das duas coisas, embora não conseguisse evitar fechar os olhos e imaginar uma imponente guerreira ruiva gritando que não se curvaria a escravidão de seu povo.

— Dion Cassius também dissera que Boadicea era alta, terrível de olhar e abençoada com uma voz poderosa. Tinha uma cascata de cabelos vermelhos que alcançavam seus joelhos e costumava usar um colar dourado composto de ornamentos. Também usava vestes multicoloridas e sobre elas um casaco groso preso por uma espécie de broche. - dizia ainda Aura Mors - Carregava também uma lança comprida para assustar todos os que a olhassem. Tinha uma postura imponente e poderia fazer-se tão grande como os generais romanos, e isso era considerado muito. Dizia-se que ela podia invocar a própria Andraste, a deusa da guerra icena, para que lutasse em seu corpo.

— Eu nunca tinha ouvido falar de Boadicea, só mesmo pela menção de Binns e algumas citações do livro. Mas não me lembro... não, nem mesmo meu avô que é professor de História da Magia no Instituto de Salem me contou essa história. - Isabelle disse, ainda maravilhada com a história da rainha celta - Não acredito que estava perdendo tudo isso!

— Geralmente, precisamos estudar com mais ênfase os bruxos e não as bruxas. - Amy ergueu os olhos de seu pergaminho, franzindo o cenho - Realmente, só me lembro de termos estudado mesmo Morgana, Rowena, Circe, Morgause... Enquanto os bruxos sempre são muitos. É sempre Merlin, Mordred, Ministro tal que fez tal decreto... - revirou os olhos - Chega a ser entediante.

— E sempre será assim, não é mesmo? - Jessica murmurou - Quero dizer, vemos aqui mesmo na escola: a professora Marrythought é sem dúvida a melhor duelista de sua geração, mas mesmo assim professor Dumbledore é tido como o melhor em absolutamente tudo!

— Claro que nem sempre será assim! - Claire se manifestou, enfim, encarando as amigas - Vocês ouviram a história de Boadicea! Ela se ergueu junto com um exército para repelir os romanos que tanto fizeram mal aos celtas, seu povo! Lutou com magia, com espada e com honra!

— E morreu. - Jessica concluiu, infeliz.

— Mas isso não importa. - Aura se pronunciou, da escrivaninha onde estava sentada de pernas cruzadas relaxadamente - Boadicea foi uma grande líder, uma grande rainha e uma grande bruxa. Foi capturada? Foi. Falhas existem em todos. Mas escolheu como iria morrer, e decidiu que não seria pelas mãos de seus inimigos. Ela não temia a morte, então não precisava temer mais nada. - sorriu delicadamente - E, após anos, o Império Romano realmente caiu, e os celtas voltaram a possuir seu território, embora não por muito tempo.

— E logo depois começou a caça as bruxas, embora disfarçadamente. - Amy concluiu - E os saxões começaram a avançar os domínios celtas e a visarem a magia como algo ruim.

— Sim. - Mors concordou - Mas nesse espaço de tempo muita coisa aconteceu. A magia ainda não era forçada a se esconder. Nem mesmo tínhamos um representante único para dialogar com os não mágicos.

— O que me incomoda era o fato de que em sua maioria, apenas mulheres eram acusadas de bruxaria. E eu digo mulheres trouxas, por isso me espanto. - Isabelle falou - Quero dizer, até mesmo as que tinham seus maridos bruxos, eram presas e tinham suas varinhas confiscadas e eles nem ao mesmo se davam ao trabalho de ir em socorro! Por que?

— Porque elas eram mulheres muito inteligentes. - Mors respondeu, com resiliência - E esse era um crime que os homens não perdoavam.