"O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém."

— William Shakespeare

— O que exatamente está querendo dizer, Merlim?

— Estou querendo dizer exatamente o que disse, Arthur! Ela... Ankou... Tudo quer dizer...

As vozes se tornaram mais baixas, e Seren se esforçou para ouvi-las. Não era de seu feitio espionar conversas alheias, porém, era sobre ela que estavam falando. Não conseguira ouvir muita coisa, mas podia entender que seu avô falava ao seu pai sobre o dia em que ela própria vira Ankou. E algo que o mago dissera havia deixado seu pai lívido. Arthur não costumava se irar facilmente, mas quando acontecia, era uma visão terrível.

— Não, não vai acontecer!— a voz de Arthur se ouviu com perfeição por trás da porta. Seren prendeu a respiração.

— Arthur... não pode... em mãos...

— Não! Eu... Guinevere, ela... Coração partido...

As vozes oscilavam agora. Ainda falavam dela? Por que seu pai mencionara o nome de sua mãe?

Uma mão em seu ombro a fez se sobressaltar, levando a mão à boca para não gritar. Uma mulher alta, de cabelos muito negros e grandes olhos cinzentos a encarava, com um sorriso divertido em seus lábios, do alto de sua postura perfeita.

— Morgana, não me assusta assim! - exclamou em um sussurro, andando para longe da porta de madeira, com a tia ao seu lado.

Morgana era irmã de seu pai, e havia sido aprendiz de Merlim desde que nascera; era ótima com ervas e poções, inventara muitas desta última.

— Você não deveria ouvir conversas escondida, garotinha. - disse Morgana - Elas não são para seus ouvidos.

— Mas o pai e Merlim falavam sobre mim! - teimou Seren.

— Falavam sobre você. - concordou a tia - Mas isso não significava que você deveria ouvir.

— Mas... - tentou uma última vez, mas Morgana a lançou um olhar repreensor que a fez desistir. Detestava quando a olhavam assim; sentia-se como uma criança importuna.

— Mais cedo ou mais tarde irão falar com você, Seren. - a mulher suavizou o olhar - Agora, venha me ajudar com algumas experiências.

***

A moeda de Aura Mors - agora que Tom Riddle observava com mais atenção - não se parecia muito bem com uma moeda. Para começar, ela era levemente maior que uma moeda comum, e relativamente mais gelada; não importava quanto tempo a segurasse em sua mão, ela sempre estava fria. Porém, o que mais diferenciava aquele objeto de uma moeda, era o desenho em alto relevo de um crânio entre uma ampulheta e uma vela, assim como os dizeres "Memento Mori". Depois de passar os últimos seis anos estudando feitiços e encantamentos, ele sabia que aquelas duas palavras eram em latim; mas - embora não gostasse de reconhecer - ele ainda não era tão bom com o idioma morto, portanto, não conseguiria traduzi-lo sozinho.

Por isso, naquela tarde de domingo, ele se encontrava sentado em um canto afastado na biblioteca, folheando livros e mais livros. Dois sobre feitiços estavam abertos no índice sobre a letra "M", um era sobre bruxos da antiguidade e o terceiro sobre objetos mágicos simples. Mas não importava o quanto procurasse, não encontrava nada. Logo a única pista que tinha sobre a senhorita Mors.

Então, um pensamento passou por sua cabeça.

Mors... Mori...

Talvez devesse procurar sobre a linhagem de Aura?

Tirou mais uma vez a "moeda" prateada do bolso; ela parecia cada vez mais pesada em sua mão. Toda vez que a encarava, sentia um leve desconforto.

— Qual é o seu mistério? - ele murmurou, olhando novamente os dizeres em latim - O que você significa, Memento Mori?

Logo após pronunciar essas palavras, uma voz atrás de si o fez estremecer por ter sido pego desprevenido.

— Significa Lembra-te de que és mortal.