"Eu era criança e ela era criança,

Neste reino ao pé do mar;

Mas o nosso amor era mais que amor

O meu e o dela a amar;

Um amor que os anjos do céu vieram

A ambos nós invejar."

— Edgar Allan Poe

Quando Seren nascera, dizia sempre seu pai, uma tempestade havia terminado de cair do céu. De fato, durante todo o trabalho de parto de sua mãe, chuvas fortes juntamente com trovões e raios, uma grande ventania. Durante uma tarde inteira e um período da noite durou o trabalho de parto. Foi difícil. Foi tormentoso. Foi doloroso. Mas, ao mesmo tempo em que uma garotinha de cabelos muito pretos e olhos cinzentos finalmente vinha ao mundo, o céu anoitecido perdia todas as nuvens e revelava várias estrelas brilhantes. E foi assim que ela ganhou seu nome.

Seren - a estrela de Dumnonia.

Não sabia por que exatamente estava pensando nisso naquele momento. Galahad, seu amigo de infância, corria ao seu lado e um minuto atrás estavam rindo, felizes. Era a primeira vez que Seren ria espontaneamente após a morte de Dian. Morwenna ainda estava lamentando pela irmã, e ela a compreendia por não a procurar mais. Galahad estava ali, quando seu pai e sua mãe se encontravam ocupados, e isso consolava seu coração.

— O que foi, Seren? - ele perguntou. Era apenas dois anos mais velho que ela, já vira dezessete verões em sua vida, mas era mais forte e já lutara em paredes de escudos o suficiente para que forjasse anéis de guerreiro. Com seus cabelos escuros e os olhos muito azuis, era um rapaz bonito.

— Nada. - ela respondeu, forçando mais um sorriso - Só me lembrei de como meu pai costumava me contar as circunstâncias do meu nascimento.

— Por que se lembrou disso agora? - as sobrancelhas escuras de Galahad se ergueram - Não falamos nada sobre isso.

— Veio em minha mente do nada. - ela se sentou na grama e o observou quando ele fez o mesmo ao seu lado - Tive um sonho noite passada. Eu estava de pé, em um campo de batalha. Via todos lutando, meu pai, o seu, o pai de Morwenna, contra os saxões... Todos. Mas não podia me mover, apenas assistir. Meu pai estava no centro e sozinho, estávamos vencendo, mas uma espada o cortou bem no centro de seu tronco. - estremeceu - Ainda teve forças para desferir um golpe mais forte do que o anterior. No fim, ganhávamos, mas o corpo de meu pai foi mandado para o oceano, junto com sua espada. Eu vi tudo, e estou com medo.

Galahad não fez nenhum comentário, o que agradou Seren, e apenas apoiou os braços em seus ombros, em uma espécie de abraço sem jeito. O céu estava claro, azul e sem nenhuma nuvem. O sol brilhava em um calor agradável e a grama exalava o cheiro do verão; flores se abriam ali perto, mas Seren se sentia vazia. Como se um buraco se abrisse em seu coração. Um buraco negro e frio, que sugava toda a alegria e o calor.

Sabia que seu pai estava preocupado com ela, desde o momento que Merlim contara a ele sobre como ela vira Ankou. Ankou era o que se entendia por morte, ou se não era a morte, era um servidor. Diziam que quando um vivo escutava o som de sua carroça, estava próximo de sua morte. E todo aquele que via Ankou, encontraria com a morte dentro de um ano. Antes, Seren não acreditava nessas histórias. A morte sempre parecera algo distante, que não merecia sua preocupação. Preferia passar seus dias correndo com os amigos, abraçando seus pais e aprendendo com Merlim a arte da magia. Ele via grandeza nela, como sua própria neta.

Mas agora, Seren apenas sentia-se... vazia. Estava preocupada, sem saber com o que. Sentia frio até mesmo nos dias mais quentes. Perdia os prazeres das coisas simples. Mais o pior, era não saber o que estava acontecendo consigo mesma. Merlim a encarava sempre com preocupação. Sempre a dava poções e ela as bebia, sem questionar.

— Eu... ouvi nossas mães conversando algumas semanas atrás. - Galahad começou, mudando o assunto. Seren o encarou de soslaio e esperou que ele continuasse - Parece que planejam que nos casemos.

— Nós já sabíamos que iriamos nos casar desde que nascemos, Galahad. - ela disse, ainda olhando para o horizonte - Não é uma surpresa.

— Bem, - ele se remexeu ao seu lado. Ainda não o olhava apesar de tudo - elas pretendem que nos casemos na próxima primavera.

— Oh. - Seren murmurou, não sabendo como reagir - Suponho que isso me surpreende. É bom o fato de sermos amigos.

 - Eu gostaria de me casar, Seren, quando amo uma pessoa. - a voz de Galahad se tornou mais forte - Com a pessoa que me faria sentir quente e frio ao mesmo tempo. Com a pessoa que faria com que todos os outros pensamentos sumam de minha mente com a simples menção de seu nome. Com a pessoa que, quando nossos olhos se encontrassem fizesse com que uma grande chama, como fogo, percorresse todo o meu corpo, sem me queimar. Com a pessoa que eu amo, Seren.

— E você entende do amor, Galahad? - ela o encarou finalmente - Entende dessa loucura?

Galahad a olhou nos olhos. Seus olhos azuis encontrando os dela, cinzentos, com uma leveza de se surpreender.

— Entendo agora.

***

Claire Wood estava acordada quando Aura Mors entrou no dormitório silenciosamente. Apesar de seu rosto estar inexpressível, seus olhos tempestuosos estavam preocupados, quase lamentosos. Quase como se sofresse por algo. Observou, silenciosamente, enquanto Mors desfazia a trança dos cabelos, devagar, e se sentou na escrivaninha.

— Achei que já estivesse dormindo, Claire. - Mors sussurrou.

Claire se sobressaltou, mas não ficou quieta.

— Aconteceu alguma coisa, Aura? - ela perguntou, franzindo o cenho - Foi o Riddle? Ele fez alguma coisa? Eu sabia que você não deveria ter ido!

— Não se preocupe comigo, Claire. - Mors se virou para ela, sorrindo - Já conversamos sobre isso, Tom Riddle não é nada que eu não possa lidar. Acredite, - os olhos cinzentos brilharam - ele me teme mais do que eu seria capaz de teme-lo. - voltou a sorrir - Agora, durma.

Os olhos de Claire pesaram após Mors murmurar a palavra. Antes de adormecer, ouviu a voz da colega murmurar "descanse", como a voz de uma mãe ninando seu filho. Logo, perdia a consciência.