Um rinoceronte escrita por Lorita de M


Capítulo 3
Onde estava hoje pela manhã?




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Transportar o rinoceronte provou-se ser uma tarefa dificílima. O gigantesco animal parado ali parecia uma montanha que ocupava o mesmo lugar há milênios, movendo apenas os olhinhos e o rabo que balançava. Apesar da eficiente e enorme força tarefa que o prefeito convocara para leva-lo à quadra poliesportiva do clube desportivo da cidadela, ele não andava um palmo. Tentaram chama-lo, empurra-lo, puxa-lo, atraí-lo com petiscos ou alimentos, provoca-lo, usaram cordas, carroças, cavalos, mas ele simplesmente não se movia. Podia-se ver que o prefeito já estava aflito, pois sua primeira estratégia não estava funcionando e ele precisava provar que era muito eficiente e prestativo. Seu secretário aproximou-se dele discretamente e o puxou para o canto.

      - Senhor prefeito, não parece que esse rinoceronte vá sair daí tão cedo.

      - Estou vendo, estou vendo.

      - Talvez fosse melhor interditar a praça e limitar seu acesso. Só quem pode entrar são os que o senhor enunciou mais cedo. Assim não precisamos aumentar o tempo de contato da criatura com os cidadãos, iniciar a construção do que será seu novo lar e nos concentrar na investigação.

      O prefeito refletiu por alguns instantes. Talvez seu secretário tivesse razão. Assentiu com a cabeça.

      - Atenção! Atenção cidadãos! – gritou, balançando os braços, até que todos deixassem de olhar para o rinoceronte e prestassem atenção nele – Não pretendo esgota-los nos esforços de mover tão gigantesca criatura. E estamos perdendo tempo que poderíamos estar usando para construir seu novo lar. Portanto, a partir de agora, essa força tarefa tem a função de recrutar cidadãos para começar a construir nos prados a nova casa de rinoceronte. Em paralelo a isso, vou interditar com a ajuda de meu secretário a praça e seu acesso agora é restrito. Também conversarei com cada um dos cidadãos no banco na frente da igrejinha, a fim de esclarecer as circunstâncias que trouxeram essa criatura à nossa cidadela.

      Todos compreenderam e deixaram a praça. O prefeito e seu secretário a isolaram com fita isolante e pediram que a florista e todos os outros que ali estavam se retirassem. Maria se perguntou o que seria de suas flores do dia, que não tivera tempo de retirar da floricultura, e quando poderia voltar para lá. Mas nem o prefeito nem seu assistente pareciam dispostos a fornecer muitas respostas. Ela então colocou-se na enorme fila que se formara diante do banco da igreja para ser questionada por eles. Tinha a esperança de conseguir fazer ela própria algumas perguntas quando chegasse a sua vez. Achava muito estranha toda a situação, e nunca havia imaginado que encontraria um enorme rinoceronte parado ali, a alguns metros de sua floricultura. Na verdade, nunca havia visto um rinoceronte de verdade antes, fora em fotografias, desenhos ou documentários. Era muito surpreendente.

      Quando enfim chegou a sua vez, ela sentou-se diante do prefeito. Notou que o sacristão espiava todas as conversas de uma janelinha na igreja, mas não deu muita importância. Sorriu, mas o prefeito apenas manteve sua expressão concentrada e séria.

      - Muito bem... Maria, certo? – o secretário, sentado ao lado do prefeito, perguntou. Ela fez que sim com a cabeça. O secretário anotava tudo o que diziam numa caderneta, enquanto o prefeito apenas observava – Onde estava hoje pela manhã?

      - Eu estava na minha floricultura. Meu expediente começa cedo.

      - Na floricultura, sim, na praça central. Está ciente de que a primeira vez que o prefeito viu o rinoceronte ele estava lá, perto da sua floricultura?

      - Ahn... Sim, estava perto de todos os estabelecimentos da praça.

      - Quando foi a primeira vez que viu o rinoceronte?

      - Assim que ele apareceu na praça. Eu nunca havia visto um rinoceronte antes, foi tudo muito surpreendente.

      - Por que sentiu a necessidade de afirmar que nunca havia visto um rinoceronte antes? Talvez para... Encobrir o fato de que já tinha visto um rinoceronte antes? O fato de que já tinha visto o rinoceronte antes? Talvez você o tenha clandestinamente trazido para dentro de nossa cidadela? Talvez ele tenha ido até a praça para procurar sua dona? – o assistente tirara os óculos e estreitara os olhos e a estava encarando muito de perto. Ela franziu as sobrancelhas e afastou-se alguns centímetros.

      - Eu apenas disso que nunca havia visto um rinoceronte antes porque... Eu nunca havia visto um rinoceronte antes – ela disse, sem graça.

      - Compreendo, compreendo. Qual foi a última vez que deixou a cidadela?

      - Eu nunca deixei a cidadela, senhor. Preciso cuidar de minhas flores, não tenho quem o faça por mim. Se eu deixa-las por muito tempo elas murcham... Inclusive, quando vou poder voltar à minha floricultura? Pelo menos para buscar as flores que ali ficaram...

      - Aqui quem faz as perguntas sou eu, senhorita Maria – interrompeu o secretário, estreitando ainda mais os olhos.

      - Perdão, é que de fato preciso buscar minhas flores ou eu as vou perder, o senhor compreende...

       - A senhorita parece bastante insistente na ideia de voltar à praça... Seria por acaso para... Voltar para perto de seu rinoceronte?

      - Não... Seria para buscar as flores que ficaram na minha floricultura...

      - Me responda, senhorita Maria. O que acha que o rinoceronte está fazendo em nossa cidadela?

      - Eu não sei... Não vejo muito o que um rinoceronte poderia fazer por aqui. Não tem muito espaço, não tem outros rinocerontes com quem ele possa interagir... Parece um pouco aborrecido para um rinoceronte.

      - Está dizendo que nossa cidadela é aborrecida? Aborrecida o bastante para talvez... Perturbar sua ordem trazendo um rinoceronte?

      Maria levantou-se, indignada.

      - Ora! Não vou ficar aqui sentada enquanto sou ofendida dessa maneira! Insinuando que eu fui quem trouxe esse animal para a cidadela quando na verdade é por conta dele que nem posso ir buscar minhas flores para que não morram! Que tipo de administração é essa que se coloca contra seus próprios cidadãos!

      Ela se preparava para ir embora quando o prefeito também se levantou, sorrindo.

      - Senhorita Maria! Perdoe os maus modos de meu secretário. É apenas muito dedicado. Sei que a senhorita quer tanto quanto nós descobrir de onde veio e a que veio tão estranha criatura para a nossa cidadela, é apenas por isso que ele faz tantas perguntas.

      Maria resmungou alguma coisa e ajeitou a postura. A um gesto educado do prefeito, voltou a se sentar. O secretário continuava encarando-a.

      - Muito bem, senhorita Maria. Estava dizendo que não parece que nossa cidadela seja muito adequada a um rinoceronte. Eu estou de acordo – disse o prefeito – Nos ajude a imaginar então: por que alguém pensaria em trazer um rinoceronte para cá? Talvez a resposta nos aponte algum suspeito, não concorda?

      - Certamente – respondeu a florista, mais tranquila. Pensou por alguns instantes – Talvez alguém tenha se aborrecido com o fato de que não há um zoológico na cidadela e resolveu iniciar o seu próprio. Ou então talvez o rinoceronte tenha simplesmente se perdido e após muito caminhar, chegou até aqui.

      - São ótimas hipóteses, senhorita – disse o prefeito – Está anotando, secretário?

      O secretário assentiu, ainda escrevendo.

      - Veja bem – continuou o prefeito – Nesse momento em que nos são desconhecidas as intenções da criatura, pensamos que é melhor afastá-la de nossos cidadãos. Sinto muito pelas suas flores, mas farei o que for possível para transporta-las sem que a senhorita precise ir até lá.

      - Muito obrigada, senhor prefeito – sorriu Maria.

      - Eu e a cidadela é que agradecemos pela sua contribuição. Pode ir agora, senhorita.

      Maria sorriu uma última vez e saiu do banquinho na frente da igreja, caminhando em direção à sua casa.

      - Que curioso. – dizia, consigo mesma, pensando sobre tudo o que estava acontecendo.


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