Um rinoceronte escrita por Lorita de M


Capítulo 2
Pensem comigo, os senhores.




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O prefeito estava muito aborrecido. Quando eleito, pensava que estaria cheio de ocupações interessantíssimas e de muita importância todo o tempo. Mas a realidade daquela cidadela monótona era outra, e a cada dia ele se sentia mais tentado a simplesmente roubar um cavalo e fugir, como o padre Tomé havia feito. Passar os dias ali estirado era bastante entediante. E toda vez que alguém era anunciado pelo secretário e atravessava as duas portas de entrada de seu escritório, ele tinha a esperança de que seria por algo realmente importante e de que seu dia havia finalmente chegado. Por isso, quando os cidadãos vinham trazer notícias inúteis, teorias sem fundamento e qualquer tipo de bobagem, era para ele uma decepção imensa. Naquele momento, por exemplo, tinha diante de si quatro cidadãos com a certeza absoluta de que um rinoceronte estava à solta pela cidade. Brincando com a ponta de seu bigode, ele tentava fazer com que eles se ajuizassem.

      - Pensem comigo, os senhores – ele dizia, lenta e preguiçosamente – Não temos um zoológico em nossa cidadela. E também não há nenhum zoológico nas proximidades. De onde poderia ter fugido um rinoceronte?

      - Não sabemos, senhor prefeito. Mas é fato que há um a solta. E se ele estivesse escondido esse tempo todo e só se revelou agora? E se alguém na cidadela capturou um rinoceronte e o trouxe para cá? Acreditamos em todo caso que é uma situação que deve ser conduzida com a maior seriedade. – respondeu o dono do bar, em tom muito grave.

      - Mas pensem comigo, os senhores. Há uma lei que estipula que a entrada de animais de grande porte na cidadela deve ser em todo caso notificada a mim. Eu não fui notificado sobre a entrada de nenhum rinoceronte.

      - Ele pode ter entrado clandestinamente – sugeriu o homem estupefato – O que apenas tornaria a situação mais séria ainda.

      - Mas pensem comigo, os senhores. Mesmo que fosse possível que um rinoceronte tivesse entrado na cidadela sem que eu fosse notificado, um animal desses exigiria uma enorme quantidade de alimento. O mercado provavelmente estaria até em falta, porque quem estivesse mantendo o rinoceronte teria comprado quase tudo para alimentá-lo. E eu passei no mercado essa manhã para comprar um frango congelado, e nada estava em falta.

      - Senhor, podem-se ouvir os passos do rinoceronte! Não os escuta? Ou vai dizer agora que estou ouvindo coisas! – disse a esposa do dono do bar. E de fato, podiam-se ouvir estrondosos passos se aproximando.

      - Provavelmente são só os barulhos de um canteiro de obras aqui por perto. Pensem comigo, os senhores devem ter se confundido. Provavelmente viram um balão gigantesco, ou então um cavalo, ou então uma carroça, e pensaram que tinham visto um rinoceronte.

      - Seu prefeito – disse o bêbado – Sugiro que olhe para trás e verá que o rinoceronte está logo ali na praça.

      - Francamente, o senhor está num estado alterado – o prefeito disse – Espera que eu acredite que há um rinoceronte na praça e que não é só um delírio?

      Nesse instante, o assistente entrou correndo na sala, estupefato. Arrumou os óculos, ajeitou a gravata, e disse:

      - Senhor prefeito! Há uma situação de extrema urgência!

      - O que há? – resmungou o prefeito.

      - Há um... Um rinoceronte na praça!

      - Até você! Pois eu vou provar nesse momento que tudo isso não passa de um... – o prefeito disse enquanto andava até á janela, através da qual se via um enorme rinoceronte parado, como que à espera de algo. O prefeito arregalou os olhos e largou a ponta do bigode, estupefato – Um rinoceronte na praça!

      Todos no escritório foram até a janela e observaram a gigantesca criatura, assombrados. Na praça, algumas pessoas entravam assustadas em qualquer estabelecimento que houvesse por perto, outras saíam correndo, outras apenas paravam e encaravam. O prefeito sentia que seu coração batia mais forte. Seu momento era aquele, após anos de um grande e profundo tédio chegara o dia da verdade. Olhou com gratidão para os olhinhos do rinoceronte, pigarreou, e caminhou com compostura até a sua cadeira. Os que estavam com ele acompanharam o movimento com o olhar, esperando o que quer que ele fosse fazer.

      - Meus senhores. – ele disse, como se estivesse fazendo um pronunciamento muito importante – Encontramo-nos diante de uma situação de extrema delicadeza, urgência, e tamanho. É preciso agir imediatamente. Eu, como candidato, prometi manter a calma e agir com sabedoria diante de crises que essa cidadela pudesse eventualmente chegar. Agora que nos encontramos diante dessa questão, vou com a maior honra proteger nosso lar e garantir a todos a segurança e tranquilidade.

      Todos no escritório aplaudiram, emocionados. O prefeito agradeceu com um aceno grave de cabeça e levantou a mão direita. Os aplausos silenciaram e ele voltou a falar.

      - Nossa primeira medida será providenciar um local onde a criatura rinoceronte possa ficar até que descubramos de onde veio, a quem pertence e por que está aqui. Como não temos um zoológico, a criatura será transportada para a quadra do clube desportivo, onde ficará enquanto nossos honrados cidadãos constroem nos prados da encosta um local mais adequado aos hábitos do animal. Simultaneamente, conduzirei pessoalmente uma investigação minuciosa e precisa para descobrir tudo sobre as circunstâncias estranhas de seu aparecimento. Como não sabemos suas intenções, a área do clube desportivo ficará interditada para evitar seu contato com os cidadãos até que ele seja transportado para a área que construirmos. Apenas poderão entrar em contato com o rinoceronte num primeiro momento eu, meu secretário, e o professor de biologia do colégio municipal. Garanto que tudo retornará à normalidade antes que qualquer um perceba.

      Todos aplaudiram mais uma vez, energicamente. Era emocionante ver o quão comprometido e dedicado era o prefeito, que apenas agradeceu mais uma vez com um aceno de cabeça, humildemente. Interrompeu os aplausos com mais um gesto da mão direita.

      - Nesse instante, vou designar uma força tarefa apenas para transportar a criatura para a quadra do clube desportivo. Eu estarei supervisionando o processo. Você – ele apontou para o dono do bar.

— Você – ele apontou para o bêbado.

— Você – ele apontou para a esposa do dono do bar.

— Você – ele apontou para o homem estupefato.

— E você – ele apontou para o secretário – Meus parabéns. Vocês são agora membros oficiais da força tarefa de transporte do rinoceronte. Eu chamarei ainda o dedetizador, já que ele sabe lidar com animais, o açougueiro, já que ele é forte, o professor de biologia, e as dançarinas e dançarinos do balé, já que são muito ágeis. Secretário.

— Sim, senhor.

— Providencie que todas essas pessoas estejam daqui a dez minutos na entrada do prédio da prefeitura, lá embaixo, para que possamos iniciar a operação. Estarei no aguardo.

— Sim, senhor.

O secretário saiu do escritório, acompanhado pelos atordoados cidadãos que ali também estavam e deixando o prefeito sozinho. Assim que todos saíram, ele não conseguiu conter sua alegria. Deu uma cambalhota sobre a mesa, pulou e colocou o volume de seu rádio ao máximo. Sentia-se mais cheio de energia que estivera durante toda a sua vida. E tudo graças àquele bendito rinoceronte, aquele extraordinário, esplêndido, magnífico animal que investira em sua figura uma seriedade, profundidade, responsabilidade, um ar grandioso. Sentia-se gigantesco, maior que o próprio rinoceronte. Riu sozinho e caminhou mais uma vez até a janela, para observar a criatura. Ele ainda estava ali, parado, esperando, os olhinhos percorrendo cada um dos edifícios. Seu rabo balançava de um lado para o outro como uma grande vassoura, e cada vez mais pessoas se aglomeravam ao seu redor para observá-lo.

— Meu rinoceronte, meu belíssimo rinoceronte! – repetia o prefeito para si mesmo, para o rinoceronte, ou para quem quer que o estivesse ouvindo.


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