Pacífico Caos escrita por Samantha, Magic Universal Feelings


Capítulo 4
Eu cortei o meu dedo.


Notas iniciais do capítulo

Garota Unicórnio, muito obrigada por comentar ♥
Boa leitura, e não se esqueçam de ler as notas finais!



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No dia seguinte (e em como todos os outros dias), bem cedo, as portas do pequeno hospital de Svaneke se abriram – sempre mais cedo do que os outros estabelecimentos. A chuva caía violentamente naquela manhã, então as ruas estavam pouco movimentadas, a não ser por um outro pescador ou dono de comércio que passavam por ali correndo, com os guarda-chuvas, capas ou chapéus protegendo inutilmente as cabeças.

Sapphire, como de costume, entrou em seu pequeno consultório com passos rápidos, eficientemente começando a arrumar suas coisas para o trabalho. Trajava suas vestes brancas habituais de serviço e um par de botas pretas.  A mulher trançou seus fios loiros e desgrenhados - seu trabalho no hospital era importante e ela não queria ser distraída por algo tão trivial quanto seu cabelo. Archie estava sentado em um banco mais afastado, observando cada detalhe do lugar com certa curiosidade.

— Você tem muitos pacientes aqui?

— Às vezes sim, às vezes não...

— Eu posso ajudar, se quiser. Uma vez eu costurei o coelhinho de pelúcia da minha amiga Mary, então acho que deve ser bem simples fazer pontos em alguém.

— Ah sim, com certeza. – Sapphire riu.

— Eu vou ao banheiro. – e Archie saiu correndo antes que Sapphire pudesse falar alguma coisa.

— Bom dia, doutora Walsh. – alguém bateu na porta do consultório assim que Archie havia saído - Quem era o foguete que passou correndo? Quase me derrubou.

Sapphire não precisou se virar para saber quem era, a voz masculina era irreconhecível e havia se tornado de tamanha presença no hospital nos últimos dias. Contudo, virou-se com um sorriso amigável para cumprimentar o homem.

— Senhor Scott. – ela acenou com a cabeça – É só um primo que veio me visitar... Enfim, o que o traz aqui hoje?

— Sabe que pode me chamar de Hyde. – ele passou a mão destra pela cabeça raspada – Eu cortei o meu dedo.

Sapphire apenas ergueu uma das sobrancelhas. O rapaz riu pelo nariz e caminhou até ela, estendendo o dedo indicador da mão esquerda:

— Veja por si mesma.

— Isso é só um corte bobo. – ela rebateu – Igualzinho o de ontem.

— Não, doutora, ontem foi a mão direita.

— E o de anteontem.

— Mentirosa. – ele a acusou, fingindo estar ofendido - Eu me machuquei enquanto tentava pegar uma enguia com papai.

— O patriarca Scott não deixaria nada acontecer com seu filhinho de ouro... – ela zombou.

— Ora, me desculpe por me preocupar com a minha saúde. – Hyde revirou os olhos, tentando se manter sério – Saiba que se eu pegar uma infecção a culpa é toda sua, que não quis me tratar. Cuidou do meu joelho ralado enquanto eu era apenas uma criança apenas para me deixar morrer anos depois? Isso é crueldade.

Sapphire mexeu a cabeça em tom de negação, mas sem deixar de esboçar um sorriso para o garoto que conhecera quando era apenas uma menina... Sua primeira “cobaia” humana, por assim dizer.

 A verdade era que Hyde Scott era um sujeito muito estranho. Era filho de Wilburn Scott, um dos homens mais ricos do vilarejo, como dito anteriormente.

A família Scott era a maior exportadora de peixes e frutos do mar de Svaneke desde que haviam se mudado dos Estados Unidos para lá em 1997, quando Hyde era apenas uma criança. Por incrível que pareça, encontraram melhores oportunidades para seu negócio na pequena vila e, além do mais, Wilburn preferia a paz e tranquilidade de Svaneke às buzinas e enormes edifícios americanos. Sendo ele o patriarca, levaria seu negócio para onde quisesse e ninguém tinha o direito de contrariá-lo.

Contudo, Hyde voltou a morar nos Estados Unidos com a mãe após o divórcio de seus pais, quando ele atingiu a maioridade. Possuía um emprego muito importante em seu país, mas sempre que tinha a chance vinha visitar o seu velho, que já estava beirando os noventa anos.

Isso era tudo que Sapphire sabia sobre seu mais frequente visitante. A maioria das informações ela havia adquirido através das fofocas das jovens moças da vila e outros pelo próprio Hyde que, as vezes, se tornava uma ótima companhia.

O homem havia chegado de viagem há cerca de dez dias e, desde o quinto - quando o pai lhe apresentou o mais novo hospital da vila e sua doutora – passou a visitar o estabelecimento todos os dias.

E provavelmente não era por causa dos cortes que vivia fazendo.

— Certo. – Sapphire se deu por vencida.

Por um momento pensou em usar seus poderes para sumir com o pequeno corte rapidamente, mas ainda não confiava o bastante em Hyde. Mesmo ele tendo sido a primeira pessoa que ela curou, ele era americano, e ela bem conhecia a reputação das pessoas com habilidades especiais por onde o rapaz morava. Caminhou com o homem até um balcão e fez um pequeno curativo com esparadrapo. Como em todas as vezes que ela fazia esse procedimento com ele, Hyde a olhou com uma das sobrancelhas erguidas.

— Já é o quarto dia e você ainda não me mostrou como faz aquilo, doutora.

A mulher soltou sua mão e deu-lhe as costas, caminhando até uma cadeira e sentando-se:

— Aquilo o quê, Hyde?

— Aquela coisa com as mãos. – ele a seguiu.

— Não sei do que você está falando.

— Vamos... Você sabe exatamente do que estou falando. Não somos completos estranhos. – Hyde resmungou – Eu nunca contei para ninguém fora daqui, nunca...

— Isso é só um cortezinho, não precisa de mais do que um bandaid. – ela respirou fundo - Me desculpe, mas eu não te vejo há anos! É normal que eu esteja um pouco...

— Arisca?

— Desconfiada! - ela disse exasperada, se levantando.

— Por favor, fique calma. – o homem segurou-a gentilmente pelo braço, virando-a para si e contemplando seu rosto – Eu não vou contar para ninguém quando voltar, eu prometo. Só...

— O que você quer? – ela perguntou, tentando sustentar o peso de seu olhar.

— Me mostre como você faz. Por favor. – o homem pediu, soltando seu braço.

Um silêncio constrangedor se instalou pelo local e os dois continuaram a se encarar por um tempo que foi pouco, mas para eles durou uma eternidade, esperando para ver quem cederia primeiro.

Sapphire soltou um suspiro e repentinamente segurou a mão esquerda de Hyde, cuja expressão se tornou surpresa. A mulher sentiu um calafrio percorrer sua espinha com o choque do calor da pele do homem – que era tão quente – com a dela, sempre tão gelada.  Sem dizer nada, a moça deslizou os dedos pelo corte lentamente e com gentileza, fazendo com que o tecido de sua pele cobrisse o pequeno ferimento em questão de instantes.

— Eu tinha me esquecido de como era incrível. – ele olhou para as próprias mãos, maravilhado – Como você faz isso? Você simplesmente... Pensa?

— Olhe, eu não quero falar sobre isso. – ela soltou sua mão, visivelmente envergonhada – E por favor, prometa novamente que não vai contar a ninguém no seu país. Estou confiando em você.

— Tem a minha palavra. – e ele disse com tamanha firmeza que Sapphire passou a acreditar.

— E saber que você sempre vai poder me salvar de uma possível hemorragia, olhe só. Já tenho uma heroína favorita. - Hyde sorriu, tentando amenizar o clima e se sentando na cadeira onde Sapphire havia sentado – Eu não sei como você os chama, esses poderes, sei lá, mas eles são demais!

— Como se nunca tivesse visto isso na América do Norte. – ela deu de ombros.

O homem nada disse, e ela continuou:

— Eu sei que há mais deles por aí, Hyde. Eu não recebo muitas notícias do resto do mundo por aqui, droga, nem ao mesmo tenho um celular, mas eu não preciso disso para saber. Eu sinto. Eu sonho... – e, por um instante, se permitiu imaginar como seria conhecer pessoas diferentes como ela – Como são os extraordinários no seu país?

— Extraordinários? – Hyde franziu o cenho, confuso.

— É, as pessoas com poderes.

O homem trocou o peso de um pé para o outro, hesitante:

— É complicado, doutora. Eles estão...

— Bom dia! – o rapaz foi interrompido por Fawn, que entrou repentinamente no local e colocou seu pequeno guarda chuva no canto da sala, tentando conter a respiração ofegante.

— Bom dia. Estou atrasada, eu sei. A chuva diminuiu e eu sei que não tenho desculpa mas é que eu dormi tão bem hoje e acabei...

— Calma, menina. Tudo bem, está tudo vazio mesmo. – Sapphire riu com o desespero da moça e caminhou até ela para beijar seu rosto – Viu se tem alguém vindo para cá?

— Ver não vi ninguém, mas no caminho ouvi dizer que big Joe se feriu com um anzol de pesca de novo, então ele não deve demorar, logo chega aqui chorando.

— Um homem grande, de coração mais gigante ainda. – Sapphire disse, mexendo a cabeça em tom de negação.

— Bom dia, Fawn. – Hyde esboçou um sorriso.

— Bom dia, senhor Scott. – ela sorriu de volta, dando-lhe as costas e caminhando até um dos armários para que ele não a visse corar.

— Bem, eu preciso ir agora. Papai provavelmente está me esperando para um passeio de barco, e sabemos que ele não gosta de atrasos. – antes de sair o homem se aproximou e depositou um beijo no rosto de Sapphire, logo depois acenando para a mais jovem – Até mais doutora; Fawn.

E a moça o acompanhou com os olhos até que ele estivesse fora do local. Por um instante, ficou curiosa para saber o que Hyde estava prestes a dizer sobre os mutantes americanos. Contudo, esse pensamento fugiu quando Archie voltou correndo e se sentou em um dos assentos disponíveis.

— Precisamos dar um jeito nisso tudo. Ele é só um menino... Vamos ter que matricular ele na escola e as aulas já começaram faz um tempo.

— A gente pode ensinar ele. – disse Fawn, dando de ombros.

— É sério isso? Você acha que cuidar de uma criança é fácil? – perguntou Sapphire, em tom de riso.

— É sério, Saph, nós podemos fazer isso! – Fawn disse confiantemente – Você já se formou e eu estou no meu último ano do Ensino Médio, é só explicarmos a matéria. Além do mais, acho que ele ficaria exposto demais na escola.

— Tudo bem... Você está certa. – Saph suspirou – É que eu não tenho muita experiência com crianças.

— Nem precisa se preocupar, eu te ajudo! – Fawn disse - Eu cuidava do meu sobrinho, Mike, quando ele era menor. Só deixei ele bater a cabeça uma vez. Eu juro que foi sem querer.

— Só uma vez? Caramba, você é boa. – disse Saph sarcasticamente – Mas acho que não deve ser tão difícil assim ser babá. Você tem razão, podemos conseguir.

— Eu não preciso de babá. Eu já tenho dez anos. – disse Archie.

— Nossa, como você é grande! – Fawn disse, abaixando-se para ficar na altura do garoto – E quem vai te ajudar com a lição de matemática? E de ciências? E fazer sua comida? E lavar suas cuecas?

— Não deixa ela lavar minhas cuecas, Saph. – Archie disse, hesitante – Eu não confio nela com sabão em pó na mão.

— Está vendo só? Nós já estamos nos dando super bem, olha como ele é cheio de piadinhas, hahaha. – Fawn disse, com os dentes cerrados, e depois sussurrou apenas para o garoto – Se você se comportar, te deixo ler todos os meus quadrinhos.

— Fechado. – o garoto sorriu e depois olhou para Sapphire – Tudo bem, babás. Vamos fazer isso.

— É bom que dê tudo certo. – a mais velha suspirou.

— Vai dar. – Fawn tranquilizou-a.

Segundos depois, um homem de meia idade, barrigudo, com cerca de dois metros de altura e cabelo na altura dos ombros, passou choramingando pela porta com um ferimento feio no braço.

— Big Joe! – Fawn sorriu, correndo até ele – Vamos dar uma olhada nesse dodói, grandão. Vai ali com a Saph e depois a gente limpa todo o sangue, pode ser? – ele assentiu com a cabeça.

— Vem, vamos dar um jeito nisso. – a mais velha sorriu.

E Sapphire não pensou mais na conversa com Hyde pelo resto do dia.


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Notas finais do capítulo

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