Pacífico Caos escrita por Samantha, Magic Universal Feelings


Capítulo 3
Relatório da Cobaia 0087


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Archie, Sapphire e Fawn demoraram para dormir naquele dia. Os três se encontraram na casa que agora era da moça mais velha, pois sua prima Amélia havia partido desta para uma melhor dois anos atrás. Como não possuía filhos ou parentes próximos, a casa havia ficado para Sapphire no testamento.

Archie colocou sua mochila no chão e se sentou em uma das cadeiras da cozinha, e Fawn se sentou ao seu lado. Sapphire pegou uma caixa de cookies dentro do armário e deu ao garoto, que aceitou um com um sorriso no rosto. Sapphire sorriu para ele, tentando encarar a situação com normalidade:

— E então...?

— Archie. – o menino disse.

— Archie, certo. Você poderia nos explicar o que está acontecendo? – perguntou Sapphire.

— Sua mãe me mandou aqui. – o menino disse casualmente – Ela me disse que eu estaria seguro com você.

— Como assim? Ela nem me ligou antes! – Sapphire disse, inconformada.

— Você nem sabe usar um celular, Saph. – Fawn bateu com a mão na testa.

— Você me entendeu... – Sapphire revirou os olhos – Nem ao menos uma carta. Ela me manda uma todo mês, ia cair o braço se ela dissesse “Oi, Saph? Como vai a vida? Então, estou mandando um garoto aí pra você cuidar!”

Fawn olhou para o garoto como quem pede desculpa e alertou Sapphire:

— Saph... Não na frente dele.

Archie, que comia seu cookie distraidamente, tirou um pedaço de folha de caderno amassado do bolso e entregou para a garota:

— Tudo bem, eu entendo. Acho que isso deve explicar alguma coisa, pelo menos.

A garota pegou o pedaço de papel com o cenho franzido. Fawn pediu que ela lesse em voz alta, e ela assim o fez:

Querida Saph.

Como vai? Espero que bem, porque aqui não muito.

Eu nem mesmo tive tempo de ir até o correio para enviar essa carta, tanta a minha pressa. Estou com problemas e espero que você possa me ajudar.

Como eu te disse na última carta, fui promovida a Enfermeira Chefe pelo meu bom desempenho. Isso significou novas responsabilidades e tarefas, é claro, mas principalmente segredos que eu não consigo deixar para trás.

Me disseram que precisavam de uma profissional de enfermaria habilidosa para o projeto Sementes do Futuro, que disseram ser uma iniciativa para cuidar de crianças com certos tipos de características.

Eu pensei em leucemia ou algo do tipo. Ah, como eu estava errada...

Eu prontamente aceitei a proposta, mas depois disso me fizeram assinar uma tonelada de papeis prometendo sigilo, o que me deixou com um pé atrás da orelha. Conheci o doutor Oliver Winston, que me apresentou ao projeto. No começo, era exatamente o que eu pensava. Pobres crianças com doenças terminais...

A única coisa estranha sobre essas tais doenças era que elas se proliferavam rápido demais. Passei menos de um mês ali e vi muitas crianças morrerem, e era sempre muito horrível. O doutor Winston disse que o projeto acontecia há uns meses e infelizmente não fora capaz de salvar muitas vidas.

Contudo, eu achava muito nobres suas tentativas de ajudar aquelas pobres pessoas. Como fui burra...

Enquanto crianças chegavam e morriam, eu vi uma que estava sempre na mesma sala de laboratório, uma que era bem mais segura e reforçada do que as outras: Lá havia um garotinho que parecia ser muito esperto, chamado Archie. Eu fui encarregada de leva-lo para tomar banho de sol todos os dias, contudo, tinha que seguir a rígida e crucial regra de sempre cobrir seus olhos de alguma forma. Eu não entendia, mas seguia o protocolo. Não podíamos conversar muito porque sempre havia outros funcionários por perto, então as pessoas apenas me diziam que ele estava em um processo de cura e era uma peça muito importante nos estudos do doutor Winston.

Mas um dia tudo mudou. O que eu descobri nesse tal de projeto Sementes do Futuro foi horroroso, pra não dizer outra coisa. Um dia fui entregar os resultados do exame de sangue do Archie para o doutor e encontrei a porta de sua sala semiaberta. Não o encontrei, mas entrei mesmo assim. Caminhei pelo local curiosamente, a procura de algo que me trouxesse respostas. Vi o computador dele ali, com uma tela aberta...

Seria tão ruim espiar?

Me certifiquei de que ninguém estava chegando e corri até o computador, apertando o play. O doutor aparecia no vídeo, fazendo o que parecia ser uma espécie de diário:

— O Projeto Sementes do Futuro foi criado com a intenção de melhorar nossas pequenas crianças e torna-las mais poderosas, inteligentes e engenhosas, dando-lhes habilidades sobre-humanas para que possam ser treinados e, num futuro próximo, ajudarem os ingleses a combater qualquer praga inimiga (seja mutante ou humana) caso haja alguma guerra. Criaremos uma nação de jovens e poderosos soldados, programados para obedecer, servir e, se for preciso, matar.

Eu não podia acreditar no que ouvia, Saph. Pesquisei mais além e encontrei outros vídeos. Procurei pelo nome de Archie e encontrei um arquivo do Doutor:

— Relatório da Cobaia 0087: Archibald White. O experimento 0087 possui um organismo extremamente poderoso, um dos únicos que reagiu com normalidade à aplicação do soro, assim como as cobaias 0023, 0024 e 0115, talvez melhor ainda. É o mais forte de todos até agora, apesar do garoto ser um pouco difícil de se lidar. Entre suas habilidades descobertas nas sessões de terapia e observação, estão a manipulação de um tipo de energia letal que pode causar explosões e catástrofes terríveis, que parecem ser causadas por seu temperamento ou humor. Estamos trabalhando no controle e drenagem desta energia... Espero voltar com maiores informações.

Depois de tudo o que vi... Eu não podia deixar o Archie ali. Esperei três noites, onde prestei extrema atenção em seu sistema de segurança e fiz amizade com os guardas, o que fez com que se tornasse muito fácil a minha invasão ao dormitório do garoto. O tirei dali e contei tudo a ele. Ele tremia e estava chorando muito... Contei a ele sobre você e, no momento em que o fiz, pensei que não seria má ideia manda-lo para Svaneke também.

Sapphire, você sabe como é ser diferente e sofrer por causa disso. Não pode deixar seus semelhantes para trás... Precisamos ajudar todos que de nós precisam. Eu realmente espero que você entenda e que possa ajudá-lo a se adaptar aí.

Eu vou pedir demissão desse emprego em alguns dias, mas vou esperar a poeira baixar, farei isso depois que já tiverem lidado bem com o sumiço do menino. Ficarei uns dias sem escrever, pode ser que eles comecem a investigar os funcionários.

Fique bem e a salvo. Cuide do Archie.

Eu te amo.

Donna

 

As vezes o silêncio é muito mais barulhento e perturbador do que mil vozes agudas. Sorrateiro e repentino, ele chegou sem pedir licença e invadiu a sala após a leitura daquela carta, fazendo com que cada um dos presentes naquela cozinha ficasse perdido em seus próprios pensamentos.

Alguns minutos se passaram até que Sapphire disse com um suspiro:

— Meu Deus.

— Deixa eu ver se entendi: Então os ingleses inventaram um projeto para tornar crianças super habilidosas e fazerem lutar em guerras? – Fawn franziu o cenho.

— As que sobrevivem, sim. – Archie disse sombriamente.

— “As que sobrevivem”. Por Deus, até onde vai a crueldade do ser humano? Aquele cara é um doente! Imagina quantas crianças morreram simplesmente porque seus organismos eram fracos demais para suportar o tal soro. – Sapphire cerrou os dentes, voltando-se para o menino – Archie, o que fizeram com você lá? Foi muito ruim?

O garoto deu mais uma mordida no cookie, hesitante. Fawn tocou seu ombro carinhosamente:

— Não precisa dizer se não quiser.

— Tudo bem...

O rapazinho havia dito aquilo mais para tranquilizar a si mesmo do que as garotas. Começou a subir lentamente a manga direita de seu casaco, deixando à mostra uma cicatriz um tanto assustadora em seu braço.

—  O doutor instalou um chip em todas as crianças, era aqui que o meu ficava. Ele usava esse chip para identificação, localização e, quando necessário, punição. – o menino engoliu em seco.

— Que tipo de punição? – perguntou Fawn.

— Bom, nós fazíamos exames diários, sessões terapia e observação onde éramos analisados por vários profissionais. Se não obedecêssemos ou nos comportássemos mal, éramos castigados. Há vários tipos de punição lá, desde ficar sem brinquedos até ficar na Sala do Medo.

— O que é a Sala do Medo? – perguntou Fawn, interessada.

— Olha, sobre isso eu não quero nem falar nada. Sério... – o garotinho disse.

— Você esteve lá muitas vezes? – perguntou Saph.

— Algumas, o bastante para não querer voltar nunca mais. Por isso todos nós nos comportávamos muito bem, para que não fôssemos punidos. Não chorávamos, não falávamos com ninguém... – Archie disse tristemente - Digo, eu tinha um amigo lá, Mark, que sempre tentava dar uma de rebelde. Ele tomou tantos choques na terapia que uma das enfermeiras, a senhora Claire, disse que ele tinha ficado biruta e...

— Que horror! Isso é desumano! – Sapphire disse, inconformada.

— Eu sei... E não é nem a metade. Éramos muito maltratados e usados lá, nenhum ser humano devia ser submetido às coisas que tivemos que ser... – Archie disse – E é por isso que eu peço que me deixe ficar aqui.

Fawn e Sapphire se entreolharam e depois voltaram seus olhares para o pequeno garoto, que havia largado os Cookies e agora tentava se expressar mas não encontrava as palavras certas. Seus olhos – originalmente azuis – começaram a adquirir um tipo de luz branca que fez as garotas desviarem o olhar por um instante. O garotinho juntou as duas mãos e disse em tom de súplica:

— Eu sei que eu posso ser difícil de lidar, mas eu juro que não vou incomodar ninguém. Eu fico quietinho, eu prometo... Vocês não vão nem perceber que eu estou aqui. Eu posso até mesmo ajudar na casa...

Sem dizer nada, Sapphire se aproximou do garoto e tocou seu braço, fazendo-o parar de falar momentaneamente. Fechou os olhos e tocou sua cicatriz, fazendo com que esta fosse, aos poucos, sumindo de sua pele e se tornando uma marca que ficaria apenas na memória de seus dias mais obscuros. Seus olhos se tornaram azuis de novo.

— Uau. – foi tudo o que o garoto conseguiu dizer – Isso foi... Incrível. Obrigado.

— Minha mãe estava certa, Archie. Eu sei como é. Um dia você simplesmente têm... esses poderes, essas coisas que te tornam diferente dos outros e sua vida já não é mais a mesma, pois precisa lidar com as consequências que são quase sempre muito severas. Isso ocorreu comigo muito cedo também, e eu sinto muito que tenha acontecido com você. Mas saiba que não vai precisar passar por isso sozinho. Você é muito bem-vindo na minha casa e vai receber todos os cuidados de que precisar.

— Se também precisar de mim para qualquer coisa, não hesite em me procurar. – Fawn disse prontamente.

— É sério? – as duas assentiram – Eu não sei como agradecer.

— Agradeça fazendo o bem para as outras pessoas, assim como estamos fazendo para você. – Fawn disse.

— Eu farei, prometo. Usarei tudo o que tenho para ajudar os outros. Mas antes, acho que vou precisar praticar um pouco... Essa é a única coisa que eu consigo fazer sem explodir tudo.

Os olhos do garoto se tornaram brancos e luminosos novamente. Ele abriu uma das mãos e criou fios de energia brancos que foram se juntando em um tipo de rápida, peculiar e mágica dança, concentrando-se em formato de círculo.

— Me bate. Eu estou sonhando? – Fawn disse para Sapphire – Eu juro que não uso drogas gente, é sério! Mas esse é o único jeito de eu estar vendo essa coisa aí.

 - Cala a boca, Fawn. – Sapphire riu – Você vai se acostumar com ela, Archie. Ela nunca viu nenhuma outra pessoa como nós.

— Melhor você apagar essa bolinha de luz aí antes que bote fogo na casa. – Fawn disse cautelosamente.

— Bolinha? Mais respeito! – Archie se sentiu ofendido – A bolinha aqui pode iluminar quando não tem luz, falou?

— Por que não teria luz? Aqui tem energia elétrica! – disse Fawn.

— E você nunca ficou sem energia, espertona? – perguntou Archie.

Sapphire olhou para os dois jovens na cozinha e riu, não podendo deixar de achar a discussão divertida. Há muito tempo não havia se sentado com amigos e conversado, nem que fosse sobre supersoldados ingleses que tinham em média 10 anos e o debate sobre quão útil uma bolinha de luz – como Fawn a havia apelidado – poderia ser em um apagão. Deus, ela algum dia havia tido amigos?

Parecia o começo de algo desastroso e inclinado para o início de uma catástrofe natural, mas bom e aconchegante o bastante. Sapphire suspirou, dizendo para si mesma:

— Parece que temos muito trabalho pela frente.


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