Irreversível escrita por Natsumin


Capítulo 2
O Café


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Em Márea o Café era o maior point da cidade. Não havia nada de mais na estrutura do local, mas além da comida considerado o manjá dos Deuses da atualidade, pelo menos na minha opinião, a energia era muito boa. Bom, é o que dizem. Nunca fui de acreditar verdadeiramente em algo, mas, depois de vir para Márea, soube que algo havia sim. Podia ser muitas coisas. A vida, o destino, Deus... De uns tempos para cá eu até orava. De alguma forma me sentia confortável por estar sendo ouvida e precisava, de fato. Depois que o perdi para sempre, precisava encontrar conforto e isso não encontrei em nenhum rapaz que conheci ao longo dos anos. Mas... o que eu falava mesmo?
    Ah, claro. O Café. A energia do Café era impressionante, um lugar que cultivava sorrisos e amizades, onde ninguém nunca ficava sozinha no meio daquelas mesas de madeira, arquitetura antiga, baseada em bistrôs franceses, mas o preço em conta. O dono do Café era ninguém menos que o meu pai, então não sintam que esses parágrafos eram meras propagandas, por que não eram. Quero dizer... Ah, sintam-se à vontade. 
    À noite quem ficava na administração do Café era eu ou minha mãe. Tive a brilhante ideia de à noite abrir uma pequena pista de dança no café, que ficou fomosíssima na tão hipócrita Márea e as pessoas passaram a frequentar também nesses horários que não incluíam café e almoço -- normalmente os mais lucrativos. Eu trabalhava muito raramente no márea e era só na administração mesmo. Coordenando o caixa, verificando se estava tudo certo na cozinha.. Enfim, supervisionando. O fazia quando minha mãe tinha que fazer compras ou saía com meu pai -- essa última opção acontecia mais - até porque eu também estudava e não tinha muito tempo. 
    A Universidade de Márea era uma das mais consideradas do país. Felizmente passei para o curso que queria e via o sonho de me tornar médica cada vez mais próximo. Ainda não sabia ao certo a especialidade que queria, provavelmente cardiologia para cuidar do coração frágil do meu pai. Frágil nos dois sentidos mesmo, ele era sensível demais, chorava vendo Rei Leão e Star Wars, chorava a cada anivsersário da sua filha única e ainda me fazia passar vergonha me chamada de "meu bebezinho" na frente dos colegas de faculdade. Além disso, ele fazia acompanhamento num cardiologista, seu coração estava um pouco cansado de estresses diários, digamos assim. E ai quem diga a ele que se estressava demais. 
    Foi no Café que o encontrei pela primeira vez depois do nosso último ano. Eu não queria ir para a festa de formatura por alguns motivos óbvios dentre os quais se destacavam: eu odiar quase toda a turma, meus "amigos" mostrarem que de "amigos" não tinham nada e, o principal: Ele ter beijado ninguém menos do que a Pryia. Não que eu não gostasse dela, mas a Pryia era simplesmente a garota mais perfeita que você poderia imaginar. Era doce, gentil, viajara o mundo inteiro, tinha cabelos longos, lindos e lisos, pele parda e olhos azuis. Eu era só uma menina loira, pálida, com cabelos desgrenhados e olhos castanhos. Eu nunca imaginaria que isso fosse acontecer, mas quando coloquei os pés para fora da minha casa, senti que algo estranho e ruim iria me acontecer. No dia da festa de formatura, ainda como a covarde que eu era, não pensei em me declarar nem nada. Na verdade, eu ainda estava incerta quanto aos meus sentimentos em relação a ele. Não queria me enganar e magoá-lo, ainda mais depois da forma como descobri que ele gostava de mim. 
    O nome dele é Kentin, a propósito. 
    Nesse dia ele só a beijou mesmo. Eu achei estranho sua atitude, como se quisesse me dizer alguma coisa o tempo todo, enquanto convsersávamos longe daquele mundaréu de gente bêbada e ociosa. Eu confeso que nesse dia fiz algumas misturas infelizes, ainda mais depois de vê-lo com Pryia quando ela chegou sorridente e cheia de carisma e eles conversaram a noite toda, me deixando de lado. 
    Me senti uma vela. Não só no termo da coisa, mas literalmente. Onde estávamos era bem escuro, eu além de palida, estava vestindo um vestido longo e num tom pastel de salmão, ou seja, igualmente pálido, e tinha o cabelo preso, com poucos cachos caindo para frente. Kentin, ao contrário de mim, estava magnífico. Vestia um smoking preto e aposto que foi a mãe dele  quem teve a ideia da gravata borboleta. O cabelo estava bem arrumado e penteado, quando Pryia chegou ele tinha acabado de tirar o paletó e posto sobre meus ombros à mostra. Estava muito frio ali e a cena poderia ser bem clichê e feliz, se não existisse o fato de eu ser uma estúpida que nem naquela situação quis dizer o que sentia, ou o que achava que sentia, e o que procedeu. 
    Voltando à questão da vela, quando Pryia chegou, ela brincou com o motivo de estarmos sozinhos ali e como dois bocós, respondemos que não havia nada entre nós e que só éramos amigos. Isso doía mesmo. Ela então aproveitou a situação para se aprofundar no papo com Kentin e como lá estava bem escuro e ela quis ler o que estava escrito no caninho e ele, incrivelmente se interessou também, ambos me pediram para segurar a lanterna do celular. Resumindo: servi de iluminação para os dois que ficaram conversando, rindo e brincando o tempo todo. Ele já havia bebido bem mais do que eu, provavelmente tentando afogar mágoas ou se soltar, porque sempre soube que ele não gostava de beber. E eu... Ah, eu só tomava suco até do nada os dois começarem a se beijar do meu lado. MEU LADO! E sim, assumi o segundo sentido para vela.
    Noite maravilhosa. 
    Depois disso, apaguei minha luzinha e me retirei na minha pequena insignificância, bebendo qualquer coisa com álcool que vi na frente. Não é difícil informar que deu tudo errado, passei muito mal, tomei esporro dos meus pais e fui para casa coberta de vômito para depois nunca mais vê-lo na vida.
    Até hoje no Café. 
    Já que tocamos no assunto, vamos então voltar ao Café, um papo bem mais agradável do que a minha formatura. Apesar de qualquer papo sobre qualquer coisa ser mais agradável do que minha formatura. 
    — Oi, Katherine.
    Achei esquisito quando ele me chamou pelo nome completo. Normalmente ele me chamava de Kat, K, Kaah e outros, então senti um pequeno incômodo no peito. Como se a distância entre nós tivesse aumentado de forma brusca que agora havia uma ponte quebrada no meio. 
    — Oi!... Ken. — dei um sorriso tímido, minha voz até saiu um pouco aguda, enquanto estendia a mão para apertar a dele, que me esperava. 
    — Kentin. — ele me corrigiu com um olhar sério. 
    — Ah.. — não tinha muito o que dizer, não me julguem. 
    — Quanto tempo. — ele sentou-se na cadeira ao meu lado. Aquela manhã estava horrorosa, o ceú estava cinza, não tinha sol e eu tinha um par de olheiras por ter ficado a noite em claro estudando. 
    — Muito tempo. — assenti depois tomei um gole longo da xícara enorme de café que me manteve acordada até aquele momento. Às vezes eu estudava no Café à noite, as festas noturnas agregadas só funcionavam mesmo no final de semana. Eu achava o Café um lugar aconchegante em suas paredes que imitavam madeira, suas cores que variavam em tons terrosos, seus pequenos sofás de couro imitando lanchonetes americanas, postas com pequenas almofadas, - ideia do meu pai, diga-se de passagem -o silêncio das ruas de Márea durante a semana, as poucas luzes iluminando as calçadas. Uma pessoa normal teria medo de ficar ali sozinha, mas eu me sentia bem o suficiente para não. 
    — Estou voltando para cá. — ele levantou o indicador para o balcão e de imediato alguém, que nem prestei atenção quem, chegou com o cardápio. Ele agradeceu e sorriu sem mostrar os dentes. 
    — Definitivamente? — eu não conseguia tirar os olhos dos dele. Pensei que o tempo tivesse me esfriado, mas ao vê-lo novamente, meu coração só pensava em disparar e eu evitava falar qualquer coisa para não soltar minhas famosas pérolas. 
    — Sim. — ele sorriu, dessa vez mostrando os dentes. Meu Deus, ele era tão lindo com aquele sorriso doce no rosto comprido. Apesar do dia nublado, eu estava próxima a uma das janelas da frente do café, dispostas lado a lado por toda sua extensão e a claridade em seus olhos destacava o verde daquela imensidão. 
    — Você gosta tanto assim de Márea? — sorri também.     Eu sabia que ele amava a cidade. Eu gostava de Márea, apesar de todas as suas hipocrisias,  Márea era uma cidade próxima ao mar, com atrações ao vivo durante à noite, que se iluminava nos finais de semana, uma cidade em que todos se conheciam, por ser pequena e bem desenvolvida. Uma cidade onde havia boas faculdades, mas os negócios às vezes não prosperavam muito. Por isso muitos partiam para outras cidades, como fez Ken, ou melhor, Kentin. Eu soube que ele tinha entrado para o exército após terminarmos o Ensino Médio e, agora, olhando bem, pude notar que ele vestia uniforme militar, mas como tinha tirado o casaco e estava só com a blusa branca, eu, desligada do jeito que sou e, sabendo de como ele havia aderido as calças militares no ensino médio, nem prestei atenção em demasia. 
    — Eu adoro isso aqui. — seus olhos se iluminaram de uma maneira que eu não soube explicar. Kentin olhava a rua o tempo todo e não diretamente em meus olhos, mas, naquele momento, especificamente naquele momento, ele olhou direto nos meus e senti um arrepio correr por todo o meu corpo.    
    — Estou feliz por ter voltado. — também prendi meus olhos nos dele, fechando o caderno sobre a mesa de madeira e apoiando as mãos sobre ele. 
    — Eu também. — ele prendeu de volta o olhar e ficamos nos encarando por alguns segundos. Foram incontáveis os arrepios pelo meu corpo e para quebrar a tensão que crescia, ele virou o rosto de volta para a janela, pensativo. — Passei para a cavalaria. — ele pigarreou antes de dizer.
    — Nossa, isso é ótimo. — pus a mão sobre a dele, parabenizando-o e naquele momento ele apenas ficou me olhando. Me remeteu ao seu olhar de menino, era incrível como essa era a única coisa aparente que não havia mudado nele. Estava muito alto, tão bonito. 
    — É sim. — ele virou a palma da mãos dele para cima e acariciou a minha com o polegar antes de retirá-la. — E sua vida, como está? 
    — B-bem. — sorri um sorriso amarelo e mordi o lábio. — Passei para medicina na Universidade de Márea. 
    — Simplesmente a melhor Universidade local. — ele elogiou e deu um pequeno sorriso. — Isso também é ótimo, você sempre gostou de cuidar das pessoas até... 
    Ele pigarreou, em seguida silenciou.
    Acho que ele quis dizer "até me abandonar e agir como uma idiota comigo". Não completei nada, obviamente e fiz  mesmo que ele. Olhei pela janela para a rua. De alguma forma perdi-me naquela touquinha marrom de lã sobre minha cabeça e já estava no mundo das minhas lembranças. Não pude me aprofundar porque sentia um olhar sobre mim e disfarçadamente o notei de soslaio. Kentin me olhava de forma diferente, eu não sabia definir se era com saudade ou tristeza e quando me virei para ele de volta, desviou.  
    Ele pediu o café com pão na chapa - o melhor da cidade - e rapidamente trouxeram. Durante esse processo ficamos em silêncio, eu lançando olhares e ele desviando-se deles habilmente. Abri novamente meu caderno e voltei a estudar anatomia - vulgo, sofrimento - revezando entre destacar partes importantes e tomar goladas de café já frio. 
    — Bom, tenho que ir. Pego às oito. — ele se levantou e pude notar dessa vez seu uniforme. Kentin trajava a farda militar e por não ter o cabelo raspado, julguei que já estivesse com alta patente. Não perguntei ou argumentei, apenas levantei-me para lhe dar um abraço, que não foi demorado nem clichê, na verdade foi bem seco e estranho. Ele assentiu com a cabeça e e fez uma continência, brincando, retribui a continência e sorri, sentando-me de volta enquanto o via partir de costas. 
    De repente ele parou na porta. E voltou. 
    Não preciso dizer que pensei que fosse infartar naquele momento. Mue coração pedia para sair do peito e enquanto isso eu lutava com meu cérebro para me controlar, com o traseiro muito bem colado naquele assento de couro. 
    — Vamos nos encontrar amanhã? — meu sorriso foi aparecendo quando ele disse isso. Meu coração palpitou. — Quero te apresentar à minha noiva. — e desvaneceu ao ouvir a segunda parte.
    Assenti, ele sorriu e partiu, enquanto fiquei ali, congelada naquele sorriso falso. Noiva?


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Notas finais do capítulo

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