Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 7
Libera me


Notas iniciais do capítulo

Este aqui é, sobretudo, o meu favorito.



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Seis semanas foi o tempo necessário para que Tom Riddle tivesse absoluta certeza de que minhas habilidades mágicas eram dignas de sua atenção individual. Até lá, continuei a rotina de aulas e atividades normalmente, cultivando amizades singelas com as meninas da Sonserina e escapando fervorosamente dos olhares doentios de Grisha McLaggen quando nosso grupo se reunia no jantar. Havia algo de errado nela.

Pois que uma noite, ao retornar do Grande Salão para as masmorras, notei que um bilhete havia sido posto em meus bolsos sem que percebesse, a caligrafia impecável apenas confirmando a índole do conteúdo da mensagem.

Encontre-me no corredor esquerdo do sétimo andar após o toque de recolher. Venha sozinha. T.R.

Tom tinha uma segurança incrível sobre si mesmo e, como monitor, a liberdade de usufruí-la permanentemente. Retirei meu uniforme, escolhendo uma das poucas roupas comuns que trouxera de viagem, adequada para a época em que estava, porém, inadequada para treinamento mágico avançado. A saia longa e rodada me atrapalhava caminhar, a blusa engomada prendia-me os braços e impedia que eu fizesse movimentos articulados. Precisava de outra coisa.

Vesti uma blusa de algodão preta colada ao corpo, o tecido flexível, e uma calça pantalona verde escura, um traje em nada aprovado diante das lógicas da moda dos anos 40. Até mesmo os pijamas das garotas eram de lindos tecidos brilhantes cheios de laçarotes e afins. Cobri a roupa com a capa de Hogwarts e fingi dormir até que minhas companheiras estivessem entregues aos braços de Morfeu.

— Achei que não viesse mais. - comentou ele, vendo-me chegar.

— Seria mais fácil se tivesse me deixado uma capa de invisibilidade junto ao bilhete. - ri, ficando ao seu lado. - Esperei as garotas dormirem antes de sair, logicamente, para evitar satisfações.

— Muito cautelosa. - disse em aprovação. - Sabe por que estamos aqui, Valery?

Neguei com a cabeça, mentindo descaradamente.

— Você se mostrou uma bruxa formidável desde o dia que chegou em Hogwarts. - ele justificou. - Eu já tinha notado algo diferente em você. Vejo em seu olhar o brilho doce da ganância de saber algo a mais. Algo que nenhum professor pode lhe oferecer.

— E o que seria?

— Magia negra. - respondeu sem qualquer pudor. - Eu ofereço meu conhecimento em troca da sua lealdade.

— E no que minha lealdade lhe seria benéfica, Sr. Riddle? - tive a ousadia de perguntar. Tom sorriu abertamente.

— O que você espera do seu futuro? - ele me questionou. - Uma vida plena e feliz, numa casa cheia de crianças e submissa a algum idiota que não sabe nem metade do que você?

Neguei com a cabeça.

— Espero poder vingar-me daquele que me causou tanto mal. - minha voz chiou pelo corredor, ríspida e cheia de ódio. - Espero destruí-lo passo a passo, até que me implore misericórdia.

Os olhos negros de Tom brilharam para mim, se desviando em seguida para a parede a nossa frente. Aos poucos, uma porta secreta materializou-se, revelando a entrada da Sala Precisa.

— Seja bem-vinda a nosso humilde grupo, Srta. Westwood.

Os comensais da morte ainda não se chamavam assim. Comecei a desconfiar que, aos 15 anos, Lord Voldemort também não decidira seu nome. Chamávamos apenas por MiLord quando aconteciam os encontros.

A Sala Precisa servia-lhe bem. No início éramos apenas seis, e praticávamos uns com os outros feitiços alternados, azarações jamais mencionadas em aula e alguns contrafeitiços. Tom era experiente e ótimo orientador, eu receava dizer. Apenas presumi que Dumbledore sabia disso também quando estive em suas memórias posteriores, onde um rapaz mais velho do que aquele que eu convivia ansiava a oportunidade de lecionar em Hogwarts.

 - Você está movendo a varinha demais, Black. - exaltou-se Riddle, azarando o colega sem piedade. - Nunca vai aprender a se defender se continuar se comportando como um aborto.

Eu era a única garota ativa do grupo, já que grande parte da Sonserina era ciente de nossas aulas. Outros integrantes masculinos apresentaram-se, alguns tão pouco hábeis que certa vez questionei Tom sobre a inclusão de outras mulheres.

Eis que ele me disse:

— Você seria capaz de torturar um inocente aleatório apenas para treinar suas habilidades?          

Neguei, obviamente.

— É por isso. - encerrou o assunto.

Era a confirmação da minha teoria sobre o machismo compulsoriamente criminoso. Vários deles, senão o próprio Tom, abusavam de suas teorias de superioridade machucando e se valendo de alunos mais jovens ou menos afortunados. Depois da sessão de horror, alteravam suas memórias não gerando qualquer tipo de suspeita; isso passou a me incomodar.

Os professores, em sua maioria, faziam vistas grossas para o assunto. No meio tempo, outro bruxo das trevas, Gerardo Grindelwald, recrutava suas forças de todos os cantos do mundo mágico para limpar a Terra daqueles que não eram dignos de serem mágicos, os trouxas e sangues ruins. A cada dia novas mortes eram noticiadas no Profeta Diário, exatamente como acontecia no meu tempo verdadeiro, vivenciado por Victoria.

Meu estômago se contorceu ao olhar para o café da manhã.

— Você não deveria ler isso. - Aurora me censurou, tomando o jornal de minhas mãos, furiosa. - Só vai deixá-la preocupada sem razão.

— Aurora tem razão. - confirmou Margot pesarosamente. - Você está segura entre nós, nada vai acontecer em Hogwarts.

— Mas lá fora está um caos. - Abraxas manifestou-se, roubando a torrada do meu prato. - Meu pai comentou que pelo menos três pessoas desaparecem por dia, sem nenhum rastro. Desconfiam que Grindelwald esteja formando um exército de mortos-vivos.

Inferi. Congelei, respirando com dificuldade.

— Vou voltar para o Salão Comunal. - despedi-me delas enquanto atirava-me para fora dali. Aurora fez menção de seguir-me, sendo segurada por Margot.

De todos os piores monstros que eu já enfrentara, os inferi eram com certeza únicos. Em uma de minhas missões quando aprendiz, acompanhei George Rockfeller, senão um dos melhores aurores de sua geração, na captura de um bruxo doente que ameaçava trouxas envenenando o sistema de abastecimento de água de várias cidades no interior da Áustria. O ministério da defesa nos alertou sobre a possibilidade de lidarmos com um homem extremamente poderoso, porém, nem chegamos perto, impedidos por um pequeno grupo de pessoas que tomavam um curso diante de nós com olhos completamente absortos e vidrados, balbuciando palavras desconexas e com pedaços da pele descamando do próprio corpo.      

Eu só podia ver George lutar bravamente contra eles enquanto me empurrava para longe, próximo à chave de portal que ambos construímos. Eu voltei fisicamente ilesa. George não voltou.    

A partir daí os pesadelos vieram. Poções de todos os tipos não eram suficientes para acalmar meu espírito amedrontado e, por vezes, eu acordava aos gritos sendo embalada docemente no colo de minha irmã mais nova. Victoria cantarolava para mim, pousando a mão gelada em minha testa suada até que a consciência permitisse que eu invertesse as posições e a colocasse para dormir.

Eu sentia muita saudades dela. Do seu toque frio, seu sorriso gentil, o cheiro floral que adorava deixar em suas roupas. Minha irmã era minha única amiga, e de modo geral, eu me sentia como se a tivesse abandonado. Logicamente, Dumbledore faria as devidas explicações e, compreensiva como apenas ela sabia ser, entenderia que minha missão exigia sigilo e abdicação de uma vida impossível de ser vivida se algumas coisas não fossem ajeitadas. Ela, militante ao lado de Harry Potter, contradizendo sua ascensão Sonserina, sempre fora orgulhosa o suficiente para admitir o improvável:

— Eu nunca serei como eles. - afirmava convicta.

Corri pelos corredores, chamando a atenção de alguns alunos que passavam. Vários deles eram afetados diretamente pelos confrontos de Grindelwald e a Segunda Grande Guerra que assolava a Europa cada dia mais, a paz longe de ser conquistada. Me sentia presa em um corpo jovem e despreparado, mesmo que minha mente estivesse trabalhando melhor que nunca, mas era incapaz de intervir no que quer que fosse. Respirei fundo, subindo as escadas dois degraus por vez até o sétimo andar. Fechei os olhos até que a porta da Sala Precisa estivesse visível.

Modificada para atender às minhas demandas, possuía pedras gigantes que foram estilhaçadas em segundos com apenas um toque da varinha. Os espelhos, utilizados por Tom para fazer-nos olhar nossos movimentos, quebrados em tantos pedaços que foram varridos como pó. Cada parte de mim ansiava por mais, extravasar minhas angústias em quem realmente as merecesse. Distante dessa realidade dei-me por vencida, caída sobre os vidrilhos, ouvindo passos sólidos acercarem-se de mim e a silhueta de Tom Riddle desenhar-se no chão.   

— Espero que seja reversível. - ele disse, olhando para o estrago que eu havia causado. Não lhe dei satisfações, apenas reparei os objetos quebrados e limpei a bagunça das pedras silenciosamente em poucos segundos.

Eu não era uma criança, contudo. Eu não tinha medo das consequências de minhas escolhas. Encarei Tom.

— O que houve? - perguntou com leve preocupação. - Algo despertou-a no café da manhã.

— Você não está atrasado para DCAT? - levantei-me, ajeitando meus trajes empoeirados.

Tom limitou-se a rir.

— Sabe que não preciso dessas aulas. Posso dizer a Merrythought que exerci minha função de monitor ao acompanhá-la numa crise de ansiedade. Devia visitar a enfermaria.

Rolei os olhos para ele, que ampliou o riso.

— Não estou tendo uma crise de ansiedade.

— Então explique-me o que acabei de ver,Valery.

Cerrei meus punhos, enterrando as unhas compridas na palma das mãos. Mirava o nada. Concentrada em minha missão, vivendo uma vida falsamente tranquila enquanto minha irmã e seus amigos eram massacrados por ele, Lord Voldemort. Seria tão mais fácil matá-lo ali, agora mesmo, sob nenhum pretexto senão a raiva que sentia, um ódio infinito mascarado na destreza de persuadi-lo tornando fácil o acesso de Dumbledore às horcruxes no presente.

Estupore. — lancei-lhe à queima-roupa. Tom voou para longe, caindo de costas próximo de uma das janelas que eu antes havia quebrado. Ao pôr-se de pé, nada me disse, apenas ergueu a varinha continuando nosso duelo.

Fui cuidadosa em não transparecer que venceria dele com certa facilidade. Aos poucos, a ira que me tomara se transpusera em adorável diversão, a cada feitiço ou maldição que não me atingia, outra minha chegava perto. Eu não tinha a menor noção de como Tom Riddle aprendera a ser tão leve num duelo, dadas as condições de ensino de Hogwarts em 1942 e posteriormente até sua ressurreição como Lord das Trevas. Ele era um jovem peculiar, culminando num adulto cruel. Desviei de seu Cruciatus atacando-o com Locomotor Mortis¸ fazendo-o rir devido ao feitiço ser digno de um primeiranista. Baixei a guarda, rindo também.

Obscuro.— disse ele, vendando meus olhos com um tecido negro. Continuei rindo, sabendo exatamente que Relaxo seria ideal para recuperar-me, mas pude ouvir seus passos de aproximação.

Ia revidar a brincadeira, mas não houve como.

Seria em vão negar-lhe o quanto aquilo parecia incrivelmente errado, senão pelo drama da própria cena, ou porque não vê-lo tornava tudo mais inacreditável. Seu perfume consumiu meu ar enquanto me beijava, o corpo moldando-se, igualmente ofegante. Sentia o peso de suas mãos em minha cintura, e seu sorriso desesperado pela doçura de meu hálito quando passei meus braços por seus ombros, bagunçando os fios negros despretensiosamente. Era um ato rebelde e luxurioso, não condizente com a idade ou maturidade de um rapaz de 15 anos, como pude observar bem no duelo. Tom subiu os dedos por meus braços até o rosto, sem descolar nossos lábios, apenas para desvendar-me.

— Olhos de morte. - ele disse, referindo-se a cor esverdeada persistente dos meus em contraste com o tom escurecido dos cabelos. - Não se preocupe, você terá a sua vingança quando estiver pronta para ela.

Sorri para ele de forma doentia.


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Notas finais do capítulo

Obrigada àqueles que chegaram até aqui.
Prometo que tem mais!



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