Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba
O destino é uma arma poderosa, que nas mãos do sábio toma verdadeira força. Dumbledore e sua infinita inteligência me precaveram do rumo dos acontecimentos, do efeito que minha existência junto a Tom poderia causar no segundo, e em termos, eu não acreditava ser possível causar-lhe tamanha impressão. Estava errada.
Foi mais do que um beijo, pude perceber então... A partir daquele dia Tom me encarava absorto, sem preocupar-se em ser discreto ou não demonstrar ares de rapazote apaixonado. É claro que era uma farsa de sua parte, conhecendo-o como era, porém, ao saber disso minha tática de combate tornou-se muitíssimo mais clara para mim. Eu mergulharia em seus desejos, deixando-o conduzir sozinho todo nosso relacionamento. Eu lhe daria o gosto do poder, quando na verdade a mim pertencia o controle.
— Lá estamos nós, entre vocês e seus olhares. - Aurora soltou um risinho baixo de contentamento. - Se você não me contar, Abraxas irá. - ameaçou.
— Contar o que? - me fiz de desentendida. Não sabia ao certo se confiar em Aurora afetaria minha postura de boa moça da época. - Não há nada para saber que a Srta. já não deva.
Ela simplesmente bufou em resposta.
— Você e Riddle. E nem sou tão perceptiva, acho que está humilhando minha inteligência. - riu.
— Primeiramente, seus julgamentos são perspicazes. Ademais, eu nunca faria isso. - ri de volta, abraçando seus ombros. - Eu não sei o que contar, afinal, não sei o que é real e o que é fruto da minha imaginação. - arrisquei alimentar sua curiosidade.
— Aqueles olhos negros faiscando para os seus não é exatamente irreal, minha cara amiga. - ela passou os braços pelos meus, acercando-nos. - Veja, ele está vindo para cá.
O Grande Salão começava a ser enfeitado para o Baile do dia das Bruxas. A celebração, no passado, tinha mais referências do que eu me recordava, e todos os alunos colaboravam de alguma forma para que tudo acontecesse divinamente. A guerra, talvez, tivesse amolecido a alma dos jovens ali presentes, decorando caixas, abóboras, desenhando os doces que seriam confeccionados pelos elfos. E todos fingiríamos estar bem, e felizes, naqueles dias sombrios.
— Olá. - Tom cumprimentou a mim e Aurora, que ligeiramente virou-se para Margot frente à mesa, deixando que Tom falasse apenas comigo. - Podemos ter um instante antes da aula? Nosso intervalo prevê uma hora de ócio.
Olhei para minha amiga, dando de ombros. Aurora verbalizou com os lábios "me conte tudo depois" e saiu, retornando-me o maior sorriso que poderia dar.
— Claro, eu só preciso buscar minhas coisas no Salão Comunal. - lembrei-me.
— Black fará isso por você. - Tom disse altivamente, no que Alphard simplesmente assentiu sem expressão. - Vamos?
Ele me deu o braço, de modo a me conduzir por onde gostaria. Não sentia medo, nem receio, de que me beijasse novamente, das coisas que poderia me dizer ou do silêncio arrebatador que pairou sobre nós até o corredor esquerdo do sétimo andar. Tom dava passos idênticos, num caminhar desalojado e ao mesmo tempo elegante: todos paravam para contemplá-lo. O distintivo de monitor brilhando exatamente no lugar que eu havia posto. Se havia atitude mais romântica, eu desconhecia. Não tive tempo para tais quando era mais jovem.
— Entre. - soltou-me em direção a porta.
— Teremos um treino específico? - perguntei, olhando para os lados preocupada se fôssemos vistos. - À luz do dia?
— Não. - ele sorriu, os olhos escuros iluminando-se. - Apenas uma conversa.
— Uma conversa casual, eu espero. Sem torturas e mortes envolvidas. - puxei as mangas de seu uniforme para dentro do portal, ouvindo-o gargalhar.
— Mas qual seria a graça? - perguntou ironicamente.
A Sala Precisa estava modificada. As mordaças, escombros e bonecos que utilizávamos para nossos duelos sumiram, dando espaço a um confortável jogo de sofás com uma mesa posta, o chá preto esfumaçando a bela louça dourada que jazia intocada sobre o móvel. Janelas fictícias davam a impressão de um dia ensolarado fora do castelo, quando na verdade a chuva irrompia por todos os lados, o vento uivando, num clima totalmente deprimente. Estava quente ali, e doce, com todos os aromas delicados dos petiscos oriundos da Dedos de Mel.
— Tudo isso para mim? Espero que não, ou nunca mais sairei daqui. - eu estava sinceramente impressionada.
— Na realidade era pra mim... - comentou pensativo, atirando-se em uma das poltronas. - Mas resolvi partilhar com você. Sinta-se privilegiada.
— Pois sim, com licença. - enchi uma das xícaras com chá, já preparando uma pequena porção de bolachas. O cheiro de ervas finas possuiu-me densamente. - Há muito não tomo um verdadeiro chá inglês.
— São inacessíveis para nós. - disse ele tristemente, sabendo que eu entendia de sua vida difícil fora de Hogwarts. - Convenci um dos elfos domésticos a me entregar um pouco.
— Com sua persuasão, suponho.
— Na verdade, disse que era para você. - ele levantou-se, tomando a xícara de minhas mãos e bebericando o chá. - Excelente. Espero que aprove.
— Muito gentil da sua parte. Obrigada.
— Já faz algum tempo que não ficamos a sós. - ele comentou, tomando uma das mexas de meus cabelos nos dedos longos e frios. - Desde o dia de nosso duelo.
— Imaginei que estivesse ultrajado, Sr. Riddle, já que eu o venceria facilmente.
Tom riu, balançando a cabeça em negação.
— Você é muito boa no que faz, tenho que admitir. - sentou-se novamente, indicando o lugar a seu lado. - Melhor que qualquer outro que eu já tenha treinado antes.
— E sou a primeira mulher, apenas para constar.
— Uma mulher, sim. - seus olhos engoliram-me, enquanto eu sentia sua aproximação. - Poderosa e inteligente. Temos muito em comum, já percebeu?
Eu ri, um ato impensado e fora de contexto. Bebi o chá mesmo quente, virando-o duma vez na garganta. Não. Absolutamente não. Nada havia de comum entre mim e Tom, senão a cor dos cabelos, o jeito frio do olhar, de quem já havia visto muito mais do que qualquer outra pessoa normal. Era dor, e sofrimento. Abandono, medo, solidão. E assim pensando, aos poucos, meu riso transformou-se em agonia, temi por chorar de desespero ao notar, e sim, eu pude notar, que era aquilo mesmo que ele esperava de mim.
— Acha que não existe no mundo nenhuma alma capaz de entendê-lo?
Ele estranhou minha pergunta.
— As que tentaram, com certeza, falharam. - ele comeu um biscoito, revirando os olhos. - Contudo, você é diferente. Eu raramente erro sobre uma pessoa, e contigo não será inaugural.
— Por quê?
— Uma mulher como você, de sangue puro, família tradicional e tamanho mistério certamente não aceitaria ordens de uma pessoa como eu. Você me viu da pior forma possível, no orfanato. Ali a situação era outra, você precisava de mim. Aqui, poderia simplesmente me ignorar, contar a todos minha origem e desmitificar todo meu personagem, o que eu construí para representar exatamente o que eu quero.
Tom respirou, inseguro. Senti seus dedos fecharem-se em punhos, o sangue esvaindo de sua face, os olhos tão persistentes vacilando o contato com os meus. Um garoto de 15 anos, expressando seus sentimentos da forma sugerida pela sua idade, e mesmo que Tom estivesse certo eu, no meu compromisso com a missão, jamais praticaria qualquer atrocidade que o levasse a ser tratado com menos respeito que qualquer outro aluno, puro sangue ou não.
Obviamente, isso me transtornou. Seu temor visível era completamente justificado, mas não perdoável: ao maltratar os nascidos trouxas, torturá-los e machucá-los em seus ensinamentos, Tom simplesmente descontava nos outros o que achava que aconteceria com ele se soubessem a verdade.
Então, de certo, ele já sabia a verdade.
Fiz o que deveria ser feito, atenção ao meu objetivo. Empurrei meu corpo contra o dele, tombando-o no sofá, enquanto desajeitadamente ele se remexia para encaixar-me sobre seu tórax. Beijei-o como ele merecia ser beijado, naquele instante, apenas um rapaz bonito despejando suas tormentas na única garota que o compreendia. Não me importei, a minha dívida já estaria paga quando tudo que eu quisesse saber estivesse sendo entregue a mim sem pestanejar. Tom retribuiu o beijo apaixonadamente, de maneira distinta ao primeiro, cuja luxúria era notável. Ali éramos jovens amantes, e eu seria o que ele quisesse que eu fosse se me trouxesse o retorno plausível.
Quando terminamos, ele manteve os olhos fechados por alguns segundos. Passei os dedos por seu rosto, desenhando os traços cujo tempo apagaria e reformaria tão cruelmente. O fruto das escolhas erradas. Me encarou, sério, antes que eu lhe tomasse os lábios novamente, saboreando-os. Estava totalmente entregue. Eu poderia matá-lo ali mesmo, enquanto cabia o deleite do momento, distraído com minhas carícias nada juvenis. O corpo respondendo ao estímulo, e quanto a mim, à experiência.
Mas eu não queria matá-lo. Não podia matá-lo. Usá-lo assim era muito mais divertido.
— Adiamos nossa conversa para depois? - me arrumei, corada, tomando outra xícara de chá.
— Certamente. - ele levantou em seguida, desamassando a roupa imaculada. - Vi que os doces lhe cativaram, gostaria de ir comigo no próximo passeio à Hogsmeade?
— Está preparado para isso? - eu fora alertada quanto ao significado de passeios e excursões na Hogwarts dos anos 40. Normalmente era a única oportunidade de serem formados casais fora dos muros do castelo, com a privacidade necessária. Ao me convidar, Tom deixava às vistas públicas nosso relacionamento.
— Sim. - ele sorriu. - Eles descobrirão em algum momento. Melhor andar pelo caminho mais seguro, Valery.
— Eu aceito sob uma única condição. - ele aguardou pacientemente. - O garoto que eu conheço não é muito mais do que um exímio bruxo órfão. Quero saber mais sobre você.
— Não há nada de especial para saber, Valery.
A história de Riddle era muito mais enigmática lida pela mente de terceiros. Destruir sua figura maléfica necessitaria muito mais de si do que ele imaginava, e por isso, resolvi dispor de uma das coisas que ele mais valorizava: o conhecimento.
— Espere. Se concordar, pode me perguntar o que quiser. Afinal, nada saberá ao tentar ler meus pensamentos, como pode perceber, sou oclumente. Acordo?
Tom reconsiderou, apertando minha mão em resposta.
— Acordo.
—
— Você me enganou! Achei que fôssemos amigas! - pestanejou Margot, largando-se na cama dramaticamente. - Amigas não mentem, nem escondem fatos importantes.
Aurora consolou-a, batendo em suas costas.
— Talvez Valery estivesse confusa, e agora com o convite para Hogsmeade Tom evidentemente mostrou seu real interesse em cortejá-la. - contestou ela, prendendo os cabelos curtos atrás das orelhas. - Eu faria o mesmo, de nada vale criar falsas esperanças.
— Mas é Tom Riddle!— Margot riu, atirando-me um dos seus vários travesseiros. - É uma traidora e merece ser punida! - e mais travesseiros vieram na minha direção. Toda o drama dissolvido no cômico.
— Em minha defesa, eu realmente não sabia o que dizer. - comecei a explicar, enquanto minhas colegas de quarto reuniam-se a minha volta, ansiosas por mais. - Nos beijamos após uma das sessões técnicas. Foi espontâneo, há alguns dias. Depois disso, ele voltou a se portar normalmente, apenas me encarando. Não percebi, mas vocês sim. - ambas riram. - Hoje quis conversar comigo na Sala Precisa. Tomamos chá e esclarecemos a coisas. Depois disso, o convite. E é só.
— Só? - Margot virou os olhos. - Você acaba de se tornar só a garota mais cobiçada e odiada de Hogwarts ao sair com Tom. Ele é um dos alunos melhores avaliados daqui, não há uma garota que não o tenha desejado. É claro, isso muda um pouco agora.
— Por quê? - questionei realmente interessada.
— Bom, é um tanto difícil competir com você, Valery. - Aurora levantou meu rosto, apalpando carinhosamente minha bochecha. - Tom não é cego, afinal.
A porta do dormitório abriu vagarosamente, fazendo barulho. Do outro lado, Dorea Black pairava como uma estátua, segurando seus pertences, o rosto abatido pelo choro. Ela, Sonserina rejeitada por namorar um Grifinório, avó do menino Potter, responsável pela queda de Tom. Me ergui da cama num átimo, arrancando a mala e os cobertores de seus braços trêmulos.
— Parece que temos companhia! - comentei, enquanto Margot me encarava perplexa. Apesar de ser uma ótima pessoa, seus costumes de criação enrijeceram a empatia que lhe aquecia o peito, e eu sabia que, no fundo, ela faria o mesmo que eu, ainda que negasse para si.
— Seja bem-vinda, Dorea. - Aurora guiou-a até a cama vaga ao lado da sua, pertencente a uma garota que possivelmente não voltara das férias devido à guerra. - Pode ficar com a gente, tenho certeza de que Valery e Margot não se importarão.
- De forma alguma, não é mesmo? - virei para Margot, que assentiu pesarosamente, relaxando a expressão.
— O que aconteceu com você? - Aurora analisava o rosto e os braços da jovem, queimados. - Alguém te machucou?
— Não é isso. - rebateu Dorea. - Elas encontraram as cartas de Charlus e as atearam fogo. - contou ela, o brilho de tristeza em seu olhar. - Tentei salvar algumas, mas não consegui. - estendeu as fagulhas restantes das chamas contidas em uma das mãos.
Acompanhei Aurora no desenho dos ferimentos de Dorea. Nos entreolhamos ao notar a formação das palavras traidora de sangue no dorso do braço da jovem. Mais uma memória alucinante tomou-me a mente, quando algo similar aconteceu com Victoria ao declarar abertamente sua postura favorável a Harry Potter. Sem delongas, lancei-lhe um feitiço de cura não verbal, recuperando a pele alva por baixo das bolhas. Em seguida, e talvez com o feitiço mais elaborado que as garotas já tiveram contato, recuperei as cartas destruídas com uma variação de Reparo, muito mais poderoso e de exclusivo uso de aurores.
— Não deixe que elas te humilhem novamente. - falei-lhe séria. - Não deixe que ninguém, em qualquer hipótese, te machuque. Revide.
— Não consigo. - chorou. - Não consigo ser má, não consigo fazer as outras pessoas sentirem o que eu sinto, porque, veja bem, é horrível.
— Não chore, querida. - Margot aproximou-se, acariciando os cabelos negros de Dorea carinhosamente. - Você está conosco agora. Tudo ficará bem.
Respirei profundamente, a ira dissolvendo-se no calor da cumplicidade. Afinal, todas ali carregavam e dividiam suas dores por igual, e isso era poderoso.
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Recomendem, pessoal! Temos muito o que continuar ainda... :)