Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 6
Agnus Dei




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— O Lord das Trevas nunca tivera envolvimento romântico. - afirmara Snape com convecção, em um dado momentos dos encontros antecedentes à viagem ao passado.

— Não que soubéssemos. - corrigiu Dumbledore, olhando calmamente a vitrine de memórias nomeadas "Tom Riddle", absorvendo mentalmente alguns detalhes das mesmas. - Tom sempre fora muito discreto. Esperávamos, como professores, que encontrasse uma garota inteligente como ele, fosse empregado num cargo de respeito no Ministério e, quem sabe, se casasse com ela depois de um tempo financeiramente estável.

— Como faziam todos. - arrisquei um palpite.

Pela primeira vez, Severus Snape esboçou um sorriso.

Slughorn, mestre em poções. Sempre admirei a incrível arte da manipulação de ingredientes e, como reunidos da maneira certa, conservando as condições adequadas de temperatura e pressão, transformavam-se em poderosos elixires, tônicos e venenos. A medicina bruxa evoluíra pouco devido à escassez de pessoal capacitado na criação e exploração de novas matérias primas, insumos, reagentes, sem contar o medo da mistura arrancar-lhe um olho, ou deixar-lhe com cheiro ruim para sempre.

Tive que concordar com Tom Riddle. As pessoas têm medo de assumir riscos por conta das consequências.

No dia seguinte, revi minha rotina. O primeiro horário era composto por Runas Antigas, seguido de Transfiguração. Bufei, já que me recordava de todas as aulas e conteúdos, projetos e afins que ambas as disciplinas exigiriam de mim no 5º ano, afinal, fui treinada para isso. Para ser melhor que Tom em absolutamente tudo, atraindo sua atenção e curiosidade. E nem estava me esforçando o quanto deveria: ri, absorta desta afirmação.

— Posso pentear o seu cabelo? - perguntou Aurora, pegando o pente macio antes que eu respondesse. - Minha mãe nunca me deixou ter cabelos compridos.

— Por que não?

Ela pensou um segundo, formulando a resposta mais agradável.

— Talvez porque esteja fora de moda?

— Achei que bruxos não se importassem com isso. - ri, enquanto sentia seus dedos miúdos desembaraçarem meus fios com carinho.

— Alguns não. Minha mãe se encaixa nesta categoria. - ela concluiu, torcendo uma mecha para o lado em forma de trança. - Ela não é muito vaidosa comigo.

Olhei-a profundamente, incentivando que continuasse.

— Bem... - ela retomou o assunto pesarosa. - Meu pai é um homem difícil. Um dia, num ataque doentio de ciúmes, acabou por azará-la. Seu rosto se deformou, uma parte dele. Desde então nunca mais sentiu vontade de sair, se arrumar, ou de viver, além do que me diz respeito. - com um aceno da varinha, um laço azul de cetim se formou, prendendo a trança desde o couro cabeludo em um penteado exorbitante. - A única forma de agradá-la é penteando suas madeixas, assim como fiz com você. Ela sempre me diz pra não ser bonita demais. Atrai coisas ruins, como aconteceu com ela.

Passeei meus dedos pela trança, o olhar vago entristecido pela história.

— Oh! - exclamou ela. - Você ficou comovida por causa disso. - riu, aquele riso alto como um guizo de natal. -  Não se preocupe, nem todos os homens são maus.

— Eu sei. - e sabia, mesmo, que nem todos os homens eram maus. Mas a categoria não se deixava abater. O que eu quero dizer, de uma maneira bastante esdrúxula, é que praticamente todos os envolvidos com magia negra, trevas e outras atividades deturpadas eram homens. Homens que machucavam, sequestravam, violavam. Matavam. A única mulher a qual tive que me redimir, surpreendendo pelo nível de maldade, foi Bellatrix Lestrange. Ela era perita em tortura.

— Você está bem?

— Sim. - devolvi-lhe um sorriso pálido. - Apenas me lembrei de algumas coisas do meu passado.

— Da guerra?

— É. - disse por fim.

— Vamos. - ela tomou meu braço como faria sempre. - O café nos aguarda.

Margot e outras garotas já estavam reunidas para o desjejum, descontraídas e felizes. Aurora soltou-me e foi saltitante para o lado delas, esperando que me aproximasse a passos lentos. Oposto a nós estavam Black, Lestrange e Avery, silenciosos como num funeral.

— Quem morreu? - Abraxas e Tom acercaram-se, o primeiro com estado de espírito bastante animado para a hora da manhã.

— Sua mãe, Malfoy. - disse Black grosseiramente. -  A propósito, qual a boa?

— Bom, acabei de descobrir quem é o novo apanhador da Sonserina.

— Não ligo. - resmungou Lestrange.

— E quem é esse afortunado, ou não? - Black perguntou desinteressado.

Malfoy abriu um sorriso enorme.

— Parabéns. - Lestrange sorriu amarelo, desfalecendo em plena ironia. - Eu não ligo.     

A aula de Runas foi entediante, mas extremamente proveitosa. Devido a minha infortunada situação, meu rosto bonito e clara aptidão para qualquer conteúdo didático, eu rapidamente passei a fazer parte do grupinho sonserino. Margot e Aurora carregavam-me de um lado para o outro, os braços dados, e eu quase me sentia normal ao estar com elas. Maduras e românticas, num contraste absurdo, este servindo de partida para o próximo ponto do sistema de organização que eu havia feito, calculados todos os possíveis desvios e variáveis que intervissem em meu objetivo final.

Ambas garotas viam Tom Riddle como um par ideal, refletindo o pensamento da maioria, senão todas, as meninas que pouco conversei. Um cavalheiro, um belíssimo cavalheiro, repetiam. Ele, porém, sempre muito educado e introspectivo, não havia manifestado desejo de partilhar a companhia de nenhuma delas.

— Ele está preocupado com outras coisas. - comentou uma das garotas, no final da lição. - Quer ser um bruxo famoso, pelo que ouvi.

— Ele pode ser o que quiser, com o histórico que vem construindo. - acrescentou outra. - Feliz daquela que estiver com ele para ver isso. 

Olhei para o chão, contemplando graciosamente a decepção das meninas se pudessem ver meus pensamentos naquele instante: Voldemort, rompendo das sombras com sua túnica envernizada, preta, o corpo tão pálido e escamado como de uma serpente, rosto encovado, olhos vermelhos e a ausência de nariz. Desviei o olhar para Tom, a íris negra focada nas indicações do quadro, os braços longos e brancos, nariz impecavelmente reto, lábios rosados levemente prensados. Definitivamente, mesmo se vissem aquela imagem, jamais acreditariam nela.

Ao som do alarme de troca, arrumamos nossas coisas e seguimos para a aula de Dumbledore. Eu estava empolgada, pois Transfiguração sempre cativou-me, e ter Alvo como professor seria uma experiência fantástica. Quando aluna, não tínhamos contato além das atividades de monitoria, os relatórios, e possíveis conversas sobre a morte dos meus pais que jamais chegaram a acontecer, pois eu não deixara. Como diretor, ele parecia preocupado com outras coisas.

— Hoje a atividade será em dupla! - avisou ele, separando alguns objetos estranhos e distribuindo os mesmos nas carteiras. - Srta. Westwood, qual seu nível de segurança para esta atividade? - perguntou-me, ainda que soubesse a verdade.

— Nenhum, senhor.

— Ah, é claro que isso não será motivo para não participar. - sorriu docemente, tomando-me pelo ombro na direção de Tom e Abraxas. - Sr. Malfoy, importa-se de se sentar com o Sr. Black hoje? Gostaria que Tom ajudasse a Srta. Westwood.

Abraxas deu de ombros. Naturalmente, não fazia diferença quem seria seu par, já que dificilmente ele completaria a tarefa.

— Me desculpe. - sussurrei para Riddle, tomando meu lugar ao seu lado enquanto Dumbledore acoplava outros alunos.

— Não se preocupe. - sussurrou de volta. - Você com certeza será mais útil que Malfoy, mesmo não sabendo por onde começar.

— Como Transfiguração pode ajudar-nos numa batalha? - questionei-o inocentemente. Tom franziu o cenho, surpreso com minha pergunta. Provavelmente ele deveria pensar que eu era uma garota comum, sem intenções de aprofundar-me magicamente.

— Está querendo ir para a guerra, Srta. Westwood?

— Não gostaria. Mas provavelmente a guerra virá até mim.

Tom não respondeu de imediato, contendo-se em sorrir de canto para mim assentindo com a cabeça, já que Dumbledore iniciara as explicações da atividade. Basicamente, treinaríamos o feitiço de multiplicação num objeto, e o contrafeitiço. Todos os artefatos selecionados eram muito pequenos, para que a quantidade não fosse significativa a ponto de nos esmagar. Com um aceno da varinha, Tom enfeitiçou a bolinha de gude disposta sobre a mesa. Risonha, toquei na mesma, que explodiu em outras três, e assim sucessivamente. Todos se divertiam, inclusive o professor.

— Usem o contrafeitiço antes que seja impossível contê-los! - alertou ele, caminhando entre os alunos e as montanhas de objetos que começaram a tocar umas nas outras.

— Não creio que transfiguração seja muito útil em batalhas. - comentou Tom displicente, observando os colegas às gargalhadas. - Aliás, nada em Hogwarts serve para a vida lá fora, o que se dirá de uma guerra. Se quisermos aprender coisas diferentes, será de outro jeito.

Bingo. Ele mordeu a isca.

— E você conhece esse outro jeito? - meus olhos brilhavam de deleite.

— Sim. Mas não sei se você seria capaz de atender os termos. Perdoe-me a franqueza.

Sorri para ele de maneira insinuante, enquanto pronunciava mentalmente um feitiço não verbal de modo que as bolinhas se refizessem apenas na original, pairando no lugar exato onde começara a multiplicação. Tom sorriu gloriosamente, captando o desafio.

— Que pena. - concluí, deixando-o sozinho a seguir-me com os olhos em chamas.

— Você o mordeu? - Margot acompanhou o olhar dele para mim quando saímos em direção ao Salão Principal para o almoço. Tom não parava de me encarar.

— Acho que ele só foi surpreendido. - eu disse, me servindo de uma porção de purê. - Fiz o contrafeitiço na aula com perfeição. Provável que ele tenha me subestimado.

— Acabou de ganhar um admirador. - Aurora cochichou para mim. - Sério, Valery, nunca o vi encarar alguém assim. É quase provocante.

Sim, definitivamente.

— Ou ele está apenas tentando descobrir onde eu aprendi tantas coisas que são extraordinárias para uma mulher educada em casa. - rebati confiante. - Não é nada demais.

— Você me conta depois. - finalizou, engolindo-me com seus olhos de mel.

Despertar o interesse de Tom Riddle era a apenas o começo. Confiante de que logo ele me admitiria como sua comensal, eu estaria a par de todos seus planos e, abusando da minha audácia, preveria algumas de suas atitudes mais desgostosas. Talvez, e apenas talvez, eu poderia observar de perto a morte de Myrtle para que tivesse como acusá-lo, e então a confiança seria cega. Apesar de brilhante, Tom era apenas um aluno, jovem demais e pouco experiente, se comparado a uma auror do ministério encarregada das piores incidências de crimes contra a humanidade. Incluindo os dele.

— Vou descer até as Masmorras. - disse a Aurora. - Nos vemos na sala do Slug.

Eu tinha tempo suficiente para ler um livro tranquilamente antes da aula de poções. Apesar de subterrâneas, as masmorras eram um lugar perfeito para mergulhar numa história. Próximas ao lago, as janelas do Salão Comunal brilhavam em tons diversos de verde, com feixes de luz que atravessavam o vidro se transformando em desenhos nas paredes. Sentei-me confortavelmente na poltrona maior, esticando as pernas, e comecei a leitura de "Magia aplicada a níveis impossíveis". Tudo parecia tão letárgico que, aos poucos, senão pelo ócio ou pela movimentação terna do reflexo da água iluminada nas paredes, adormeci.

— Er... oi, desculpe acordá-la, mas vai se atrasar para a aula de poções. - senti um toque suave chacoalhando-me. Levantei-me abruptamente.

— Oh, que bom que você o fez. - disse a ela, arrumando alguns fios soltos da trança na franja. Mirei-a, reconhecendo seus traços. - Eu sou Valery Westwood.

— Eu sei. - ela sorriu. - Eu sou Dorea Black.

Dorea Black Potter, pensei.

— Por que não te vi antes, Dorea? - questionei a caminho da sala de poções, andando rapidamente.

— Eu namoro um grifinório. - ela respondeu temerosa. - Passo a maior parte do tempo com ele. Por tal, as meninas da sonserina passaram a me rejeitar.

— Que besteira. - continuei, quase correndo. - Vou mencionar isso a Margot e Aurora assim que possível. Dorea esboçou um sorriso amarelo.

— Você primeiro. - indicou-me a porta já fechada da sala. Bati, mas nada aconteceu. Girei a maçaneta e entrei, esperando a bronca de Slughorn pelo atraso, contudo, ele simplesmente riu para mim.

— Ah, Srta. Westwood, perdeu-se no caminho?

— Sim, felizmente a Srta. Black me encontrou a tempo. Está esperando que o senhor autorize sua entrada. - olhei para Dorea, que relutantemente cruzara a porta.

— É claro, entrem as duas e tomem seus lugares. - ele virou-se para o quadro negro, onde com um giz escrevia as instruções da Poção do Adormecimento. Dorea foi direto para a mesa de Charlus Potter, presumi pelo seu olhar apaixonado e pela recepção da parte dele. As carteiras dispostas em círculos possuíam apenas dois lugares, e todas estavam ocupadas.

Todas com exceção de uma.

Tom acenou com a cabeça em minha direção, mostrando-me um lugar vago ao seu lado. Atravessei a sala silenciosamente, depositando meu material no chão enquanto lia as instruções de Slughorn numa caligrafia horrível, quase ilegível. Peguei minha pena e um pedaço de pergaminho, rabiscando o que parecia ser raízes de valeriana.

— Eu nem perderia meu tempo. - Riddle riu, vendo meu esforço para entender a letra no quadro. - Tudo o que precisa está na página 36 do livro "Rascunhos e Poções Mágicas".

— Decorou até a página, Sr. Riddle? - ri junto dele, já que essa hipótese soava ridícula.

— Costumo estudar a matéria de poções antes de ela ser dada.

— E como pode saber disso? - franzi o cenho.

— Simplesmente porque Slughorn gosta muito de mim. - seu tom de voz demonstrava algo a mais, mas simplesmente ignorei.

— Então, quando alguém gosta muito de você, costuma favorecê-lo?

Tom riu, soltando o ar pelo nariz. Num átimo percebi que estava próximo de mim o suficiente para que eu sentisse o cheiro de seu perfume amadeirado. Quando me dei conta, seus olhos negros perfuravam-me como lanças afiadas, porém, eu não conseguia reagir. Quase sentia prazer naquela dor.

— E você não tem ideia de como isso é fácil, Valery. - afirmou, mordendo o lábio inferior. Dei um gracejo.

— Aposto que não.

— Quer começar? - ele me passou o livro aberto na página que falara. - Colete os ingredientes enquanto eu preparo o caldo.

— Eu faço o caldo, Sr. Riddle. - devolvi-lhe o livro, empurrando-o levemente com o corpo para que me desse espaço diante do caldeirão. Os olhos negros de Tom perfuraram-me novamente, mas não me importei.

— Veja só, encontrou uma adversária a altura, Tom, meu rapaz? - Slughorn se aproximara de nós sorrateiro, assistindo nossa pequena crise ideológica.

— Não senhor! - adiantei-me. - Sou incapaz de competir contra o Sr. Riddle. Melhor lutar ao lado dele.

Tom encarou-me de uma maneira distinta, e pude perceber sua respiração levemente alterada quando virou-se de costas para pegar os ingredientes necessários do experimento. Com um sorriso de vitória, remexi o caldo no fundo do caldeirão para finalmente preparar a melhor Poção de Adormecimento que Slughorn já vira até então.


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