Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 24
Confusio


Notas iniciais do capítulo

Spoiler alert: diálogos e cenas mais luxuriosos aqui.



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Malfoy me encarou com um misto de incredulidade e comicidade. Ele parecia prestes a revirar os olhos depois de fitar com atenção o semblante pouco estético de Myrtle, que também não fora afetada pelas notícias atuais. Ela permanecia na mesa de sua Casa isolada das outras garotas, que não perdiam tempo em perturbá-la, rindo descaradamente da pobre moça.

— Eu já vi mulheres pedirem absurdos por ciúmes, Valery! – gargalhou com sinceridade. – Mas você se superou. Por Merlim, sei que essa garota é louca pelo Tom. Chegou até mesmo a persegui-lo, e uma vez enfeitiçou chocolates no dia dos namorados. Contudo, eu não me preocuparia. Só de olhar pra você sabemos que não há competição.

Que galante! Eu não havia pensado nisso.

— Você me acha atraente, Abraxas?

O rapaz corou veementemente. Seus olhos azuis destacaram-se dez vezes através da pele corada, e ele engoliu a seco. Um jovem acostumado a ser o segundo da lista diante da existência de Tom, mas jamais solitário, uma vez que Tom Riddle não era o melhor dos amantes.

— Você acha. – respondi por ele, chegando mais próxima. – Sei que não há competição, mas gostaria que me provasse que é capaz.

— Um desafio? Lamentável. Isso será fácil. – sussurrou.

— É mesmo? – sussurrei de volta. – Tudo bem então. Você tem uma semana!

E, sorrindo, me retirei da mesa, sentindo o olhar de Abraxas Malfoy queimar minhas costas.

Bingo.

Em pouco tempo Tom perderia o controle sob o monstro da Câmara, que seria responsável pela morte de Myrtle e, consequentemente, a acusação infundada de Rubeo Hagrid.

Alguns fatores analíticos eu já havia considerado:

1) Tom não havia causado tal transtorno de graça, e mesmo que Myrtle fosse sua presa por razões desconhecidas, ele sabia que qualquer evento negativo de dentro do Castelo traria o questionamento sobre a segurança da escola, em um momento delicado de tensão externa. Ou seja, a morte dela teria sido acidental.

2) Dumbledore poderia ter sido mais participativo na organização interna da escola, contudo, desde nosso último encontro, o professor estivera sempre ausente, resolvendo as questões com Grindelwald de seu modo, e Tom Riddle, neste caso, não fizera parte de qualquer arranjo. Isso justificava a enorme lacuna de memórias à época que eu fora enviada e também a displicência do mesmo quando a morte dos Riddle a posteriori.

3) Os herdeiros dos fundadores eram uma organização. Mesmo que Tom estivesse paralelo de tudo que pudesse envolver politicagem, já que a própria estrutura atual não permitia a um jovem meio-bruxo qualquer intervenção, os quatro com certeza debatiam, praticavam, pesquisavam juntos. E o tempo alterado por minha causa – minha presença ali – o havia afastado de seus camaradas. Isso justificaria o ódio de Grisha por mim.

4) Dorea Black sabia de coisas que eu não tinha certeza se eram oriundas apenas de uma percepção apurada. Eu confrontaria Tom sobre o pesadelo depois, mas não houve necessidade.

Dorea me chamou com a cabeça assim que adentrei o Salão Comunal. Estava mais bagunçado e barulhento que de costume, já que os Sonserinos discutiam a plena luz do dia as estratégias do que chamavam de O grande bruxo de todos os tempos. Tolice. Passei por eles como um fantasma, seguindo minha colega até o nosso dormitório. Lá, teríamos privacidade.

Ela tinha um semblante envergonhado, e também triste. Muito daquele gesto combinava com ela, dificilmente eu a via sorrir, mesmo na companhia de Charlus. Quanto a Potter, pouco conhecia. Ele não era relevante ali.

— Está tudo bem? – perguntei gentilmente.

— Queria te pedir desculpas novamente. Não era minha intenção provocar qualquer atrito entre você e o Tom.

— Ah! – gesticulei displicente. – Por favor. Isso jamais aconteceria. É muito difícil que eu e Tom discordemos de algo. Sou totalmente sincera com ele.

— É um grande privilégio, poder ser sincera com um homem. -  refletiu ela. – Talvez por isso eu tenha errado duplamente. Primeiro, não ouvindo você. Segundo, delatando para ele minhas preocupações.

— Que são...?

— Você foi a única pessoa aqui, dentre meus amigos e familiares, que realmente me viu, Valery. O mesmo com as meninas. Você não se importou em erguer-me, defender-me ou integrar-me mesmo eu sendo uma traidora. Não pertencia a lugar algum. Mas você me deu um espaço e me deixou confortável para continuar sendo quem sou sem medo ou vergonha.

Senti, por um breve instante, pena daquela menina. O amor que sentia pelo Grifinório e o distanciamento entre as famílias com certeza era muito mais significativo para ela que para ele. Ele devia gozar de sua plenitude como homem e, ainda, ganhar créditos por ela ser uma Black. No fim, ela teria a vida dos sonhos?

            Eu desconhecia sua história.

— Não seja grata por eu ter feito o mínimo. – falei, afagando seu ombro com delicadeza. – Você é uma bruxa incrível, uma amiga leal e uma mulher de grande valor. Não deixe qualquer outra pessoa te convencer do contrário. Jamais. Me entende?        

— Parece fácil ouvindo você.

— Aconteceu alguma coisa que te influenciou assim? Algo entre vocês?

Dorea desviou o olhar.

— Está me perguntando sobre eu ter observado suas regras? – disse baixinho.

— Você alinha seu ciclo com o das meninas, não é verdade? – repliquei, computando quantas vezes eu havia sangrado desde a minha mudança corpórea. Não havia sangramento intenso que pudesse ser dado como menstruação, um corpo alterado magicamente como o meu jamais seria capaz de produzir outro ser humano.

Algo que, sinceramente, eu achei ótimo. Sem riscos até aqui.

Dorea confirmou com a cabeça e eu entendi, subitamente, o que a preocupava.

— Você está grávida, querida?

— Eu não sei dizer! – confessou exasperada. – Já fazem dezoito dias. Não tenho outro sintoma. E não posso ser sincera com ele sobre como me sinto. Pensei que fosse o mesmo com você...

— Vocês tiveram relações há quanto tempo? – abaixei meu tom de voz para acalmá-la. Sabia que, na época em questão, sexo era algo muito complicado, cheio de entraves comunicativas. Ali, faltava-lhe instrução para algo que deveria ser naturalmente simples.

— Trinta dias. Foi a minha primeira vez. – Dorea perdeu parcialmente a voz ao proferir a segunda frase. Compreendi que se envergonhara disso.

— E foi bom? Você gostou?

— O quê? – ela parecia confusa. – Bem, acho que sim... Não sei. Eu estava com medo. Valery, se eu estiver grávida, não tenho nenhuma segurança por parte da minha família. Eles vão me expulsar, e serei dependente de Charlus para tudo. Isso se ele assumir sua responsabilidade. Terei que sair da escola. Minha vida será limitada a isso.

Prevenção, contracepção, segurança. Termos definidos com proibição por regras de conduta, mesmo num mundo grandiosamente mágico, algumas coisas em muito se assemelhavam àquilo que o trouxa mais tinha de ruim: carência informativa.

E, por fim, ela estava certa. Sua vida seria limitada a isso.

— Existem testes para comprovação de uma gravidez, querida. – tentei acalmá-la novamente, abraçando-a como uma irmã. – Podemos fazê-lo juntas. E então, dependendo do resultado, vamos compartilhar com Aurora e Margot para que possamos pensar juntas nas alternativas. Além disso, Charlus parece ser um homem correto, e te ama muito. Ele não abandonaria vocês.

O plural fez com que Dorea derramasse uma única lágrima de seus belos e grandes olhos. Silenciada pelo trauma de uma relação sexual mal resolvida e a possibilidade da frutificação, envelhecera anos em minutos. Continuei com o esforço positivo.

— Sei que não é o melhor momento para ter filhos, também. Mas uma criança é sempre muito abençoada. Encontraremos uma forma de resolver isso juntas, pois somos amigas. Você pode confiar em mim. E se não quiser o bebê, existem recursos para isso. Você não será castigada ou julgada, o corpo é seu, a vida é sua. Tudo depende de como você, apenas você, vai escolher lidar com essa situação. Mas, por enquanto, só podemos aguardar o teste. O que acha?

— Não devo dizer nada ainda?

— Eu confirmaria, para não causar faltas expectativas. Uma gravidez assim, de primeira, é quase uma roda da fortuna. Algumas mulheres levam anos para conseguirem engravidar. Você é muito jovem. Seja qual for o resultado, não estará sozinha. Tudo bem?

E, balançando a cabeça em afirmação, Dorea roubou-me outro abraço antes que várias lágrimas lhe cobrissem o rosto.

— No amor, o que há de beleza, há também de destruição.

As datas de nascimento e morte da família Potterpodiam ser encontradas nas primeiras páginas do codex que reunia as principais informações da minha missão e partida estratégica. Em nada coincidia com o período que eu estava agora.

Portanto, se Dorea Back estava esperando um filho, o mesmo não nascera. Se nascera, havia desaparecido da linha do tempo. Não o havíamos nomeado.

— Sabemos que a geração dos Potter que chegou até Harry era diferente daquela encontrada em Hogwarts neste tempo. – explicou-me Dumbledore, numa aula sobre a árvore genealógica do jovem rapaz e sua conexão sanguínea com os Peverell e Riddle. – Os pais de Harry serão nossos alunos, integralmente. Os avós, não foram. Fleamont Potter chegou para mim já no sétimo ano, apenas para concluir formalmente os estudos na casa de Grifinória. Toda sua educação foi feita sob os cuidados da mãe. Era um químico excelente. Casou-se muito jovem, porém, o casal enfrentou dificuldades para conceber um herdeiro. Isso fez de James Potter um garotinho bastante mimado. – o diretor piscou, achando graça de sua constatação.

— Portanto, genealogicamente, Tom Riddle jamais teve influência ou qualquer tipo de contato com um filiado direto de Harry. – concluí. – Sua conexão com ele é tardia.

— É súbita, minha cara. Passou a existir no momento em que o mesmo tentou matá-lo.

Dumbledore era perspicaz em seus comentários, e eu tinha uma série de dados a serem processados pelo meu excelente cérebro auror. Quando queria evitar uma conversa, o diretor desviava-se com delicadeza para qualquer outro assunto também relevante, deixando-me com uma curiosidade aguçada e muita ansiedade. Por sorte, eu tinha uma irmã caçula que vivia sob a sobra do jovem Potter e tudo o que lhe ocorrera desde que chegara em Hogwarts, há 6 anos. Agora, já crescido, o rapaz de cabelos negros rebeldes e brilhantes olhos esverdeados enfrentava corajosamente os desafios que nem mesmo eu, experiente como era, seria poupada do trauma.

Orgulhosa da bravura de seu amigo, Victoria contava-me tudo.

Harry havia visto Lord Voldemort de perto no torneio tribruxo. Minha irmã, empolgada pela possibilidade de conhecer novos colegas e fazer contatos acadêmicos estrangeiros, pela primeira vez repensou sobre voltar para a escola no ano seguinte. Deixei-a livre para escolher.

Seu retorno fora marcado por diversas mudanças às quais eu era totalmente avessa: nova organização ministerial, a intervenção direta dos meios políticos na escola, sanções aplicadas a Dumbledore, especificamente, e a outros professores, indiretamente. Um dia, contou-me que as cartas eram interceptadas antes que fossem entregues e, desde então, passamos a nos comunicar por siglas.

Éramos boas nisso.

De repete, de garota assustada pelo assassinato de um colega no ano anterior para uma revolucionária, minha irmã caçula cresceu. A Armada de Dumbledore era seu refúgio para os dias sombrios da escola e, juntas, lutamos contra os Comensais da Morte no Ministério Britânico. Num primeiro momento senti toda minha energia esvair, vendo-a duelar com medo de que fosse atingida, machucada ou morta. Mas quando a vi replicar, meu receio sumiu. Aquela garota não morreria facilmente. Ela era forte.

Tudo o que pude ensiná-la no pouco tempo que passávamos juntas, o fazia. Contudo, Victoria gostava muito mais do ambiente falsamente pacífico que eu criava para que pudéssemos nos sentir normais do que ser treinada para combate. Minha irmã não queria ser uma Auror e eu, sobretudo, respeitava sua escolha. Passeávamos juntas por Londres, íamos às compras, e ela sempre reconsiderava o convite dos Weasley para passar comigo os feriados de inverno. Mesmo que eu insistisse que ficaria bem, ela nunca me deixou sozinha.

— Você esperou por mim. – Tom ausentara-se por duas horas adiante, enquanto tomei um tempo na biblioteca. Eu não estava esperando por ele, mas sabia que me encontraria ali.

— As aulas foram suspensas até a próxima semana, e as portas do Castelo, seladas. – informei-o. – Creio que não saiba disso. A Srta. Pince pediu uma licença e estamos sem supervisão. Vou levar alguns livros embora caso botem fogo na escola.

Tom sorriu.

— Alguns são bem raros. Não acho que porão fogo no que assegura nossa autocracia, mas farei vistas grossas para seu roubo se quiser.

— Ótimo, assim posso acusá-lo no caso de uma cumplicidade. – brinquei, virando a cadeira para ele. – Achei que quisesse conversar sobre aqueles dois terem tirado você de mim no meio do meu almoço.

— Nem pense em me acusar, Srta. Westwood. – Tom firmou a voz grosseiramente. – Tenho olhos nas costas e ouvidos nos pés. Você mal sentiu minha falta, cochichando com Malfoy como se fossem melhores amigos.

— Hogwarts é mesmo selvagem! – disse exasperada. –  Quanto absurdo. O Sr. Malfoy apenas foi muito gentil ao conceder-me um favor pessoal. Não se preocupe, não há motivos para sentir ciúmes.

— Do Malfoy? – replicou. – Não seja ridícula. Você teria que ser cega para me trocar por ele. Ou talvez estar mirando sua fortuna. Sei que é bem assegurada financeiramente, mesmo que finja o contrário para não me ofender, então não precisa do dinheiro dele. Só terá a perder neste câmbio. Abraxas é um péssimo amante.

Tom Riddle falou tudo muito rapidamente, seus olhos dilatados, a respiração entrecortada e os punhos cerrados contradiziam toda a postura rígida e aparentemente intocada que compunha seu comportamento. Claramente algo o deixara desconfortável, e sua última constatação só provava para mim que meu envolvimento com Malfoy, mesmo que singelo e objetivo, tinha lhe causado incomodidade.

Resolvi entrar na brincadeira.

— Veja bem! – ergui-me da cadeira, estando agora a sua frente – Você saiu às pressas atrás da Grisha sem olhar para trás. O que há entre vocês? Algo no passado, mal resolvido, que não tenha sido esclarecido para mim?

— Eu, e aquela criança? Seria com certeza o que ela mais deseja! Porém, nunca. Admiro Grisha pelas suas qualidades assim como qualquer outra aluna. Nada além. Nosso vínculo é de interesse puramente acadêmico.

— Ela não acha isso. – rebati.

— Seja lá o que ela acha, importa? – Tom ergueu novamente a voz, tentado a me intimidar. – Ela não me pertence. Você me pertence, e eu pertenço a você!

No amor, o que há de beleza, há também de destruição.

Aquela frase de Dorea dita mais cedo jazia numa das profundezas de meu palácio mental, maturando como um bom vinho. Eu não havia dado atenção ou significado a ela como deveria, ocupada com outros pensamentos e análises concomitantes que pudessem me guiar por passos seguros para os próximos caminhos. Comecei aquela discussão por pura diversão, e iria encerrá-la da mesma forma.

A declaração de Tom roubou-me as palavras.

— Repete. – foi apenas o que pude dizer, a voz sob um fio, meu corpo arrepiado respondendo a ele reduzido a tensão e ansiedade.

— Você me pertence... – disse lentamente, seus lábios úmidos e quentes tocando minha orelha enquanto encaixava seu corpo próximo ao meu. – E eu pertenço a você.

— Qual é... – tentei articular meus pensamentos para fora da cabeça, enquanto Tom apertava minha cintura com uma das mãos e conduzia meu rosto para o seu com a outra. – A probabilidade de alguém vir estudar aqui, agora?

— O mais próximo possível de zero, suponho. – eu já estava perdida. Seus olhos negros consumiam-me enquanto eu admirava de perto cada milímetro do rosto barbeado, branco, e tão calmo de Tom. Aquela sobriedade e braveza de antes esvaindo-se enquanto minha íris verde deixava à mostra que sim, eu pertencia a ele. Seria tudo o que ele quisesse, tão conformada de que esse caminho era o único possível, mas ansiando para que sua resposta também fosse afirmativa.

Seu pertencimento mudaria tudo para mim.

No amor, o que há de beleza, há também de destruição.

— Tenho uma pergunta. – balbuciei quase que sob seus lábios, parando-o por alguns instantes. Tom se afastou de mim, tão afetado quanto eu por tamanha proximidade.

— Hum?

— Quão bom amante você é? – disparei, temendo que isso o deixasse encabulado. Ao contrário, retoricamente, Tom colou-se mais sobre mim, deixando meu corpo exposto ao encaixar-me sob a mesa, erguendo-o com leveza e prática. Não o questionei. Abri minhas pernas para que estivesse novamente preso a mim, e o calor de seu corpo queimou-me como fogo.

— Quer ser a primeira a descobrir? – seu olhar engolia-me com a mesma ferocidade que Voldemort atacava seus inimigos, e eu já o vira fazê-lo pessoalmente. Ambos, tão similares, e tão distintos, e eu, na tentativa de traçar uma tênue linha entre eles, não respondi com palavras o jovem rapaz que dizia pertencer a mim. Ele deveria me pertencer, mesmo. E eu sabia a melhor maneira de fazer isso.


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Notas finais do capítulo

Vocês podem esperar porque essa hora chegou, rs.



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