Já deu pra ver que o fim daquele dia foi só choro, certo? Então vamos adiantar a narrativa para a parte em que a Riley, com seu estoque de lágrimas já quase esgotado, pegou um violão pendurado numa das paredes do cômodo enorme onde dormia. Chegando na mansão, ela tinha ido direto para o seu quarto, e se trancado. Passou o tempo de descanso que ainda restava no fim daquele dia, lembrando de todos os bons momentos que viveu com Benjamin. Sabia que aquilo não era justo. Ele tinha feito tanto por ela... Mas achava que seria menos dolorido para o rapaz se não estivesse metido na confusão que a vida privada da cantora provou ser.

Riley podia muito bem ter mandado uma mensagem para Benjamin explicando seus motivos. Mas como isso aqui é uma cena de drama romântico, não foi o que ela fez. O locutor de coração partido passou o resto do dia se sentindo completamente rejeitado, e ao voltar do trabalho foi direto para seu apartamento, se trancando no próprio quarto. Alex ainda bateu na sua porta, perguntando se estava tudo bem, mas Benjamin apenas pediu um tempo para ficar sozinho. Alex, se afastou em respeito. Ele já esperava que a ex-cunhada, por descobrir que era uma estrela, iria se afastar de Benjamin. Era só questão de tempo. Aliás, para Alex, qualquer pessoa normal, ao se lembrar de quem era, voltaria para a própria vida. Sua vontade era gritar pro irmão "Eu avisei!". Porém ele não fez isso, afinal, lá no fundo respeitava-lhe, e tinha aprendido a gostar de Riley também...

Ela, no turbilhão de emoções que sentia, precisava de música para colocar a cabeça no lugar. Acabou começando a dedilhar os primeiros acordes de "Estrelas Perdidas", a canção que tinha composto enquanto estava na casa de Benjamin e não fazia a menor ideia de quem era. Foi incrível perceber como depois de tudo que tinha acontecido, a música fazia mais sentido ainda do que antes.

" Quem somos nós?

Apenas partículas de poeira na galáxia...

Quem sou eu?

Alguém que pode se perder na realidade"

No dia seguinte, decidiu se concentrar na música. Edgar queria que ela trabalhasse em um novo hit para apresentar num show. Riley achava que "Estrelas Perdidas" estava mais do que pronta para ser apresentada ao mundo, tocada por uma equipe inteira de músicos profissionais e técnicos de som, que "embelezariam" a composição. Como poderia aumentar os faturamentos, com alguma relutância, Cíntia conseguiu convencer Edgar a deixar a filha trabalhando com a equipe de som para a canção. No fundo, a mãe de Riley acreditava que isso animaria a garota a voltar para os palcos. Riley não podia se apresentar sem energia, afinal de contas.

Durante as semanas seguintes, o assunto em todos os tablóides era o show de retorno aos palcos da pop-star. Todos queriam entender exatamente o que tinha acontecido com ela, e mais ainda, voltar a ver loira se apresentando com todo seu carisma. A notícia, claro, chegou aos ouvidos de Suzana, Kaio, Pietra e Benjamin.

Estavam todos reunidos no apartamento de Ben comemorando um papel que ele conseguira em outra peça: o Caçador em Branca de Neve. A TV passava um programa de comédia, e o grupo de amigos conseguiu dar algumas risadas com as piadas do programa até chegar no comercial, quando apareceu uma sequência de imagens da Riley, narradas por uma voz empolgadíssima, contando do show, que seria no litoral de Niterói. Todos olharam para Benjamin na mesma hora, com receio da reação dele. Por sua vez, Ben fez apenas um muchocho e trocou de canal. Pietra quase deu um suspiro de alívio pelo amigo não ter tido nenhuma reação pior. Quase, porque Kaio resolveu abrir a boca:

— Gente, que tal uns ingressos pra esse show?

Todo mundo olhou para ele em choque, inclusive Suzana.

— É que meu primo vai trabalhar na bilheteria e ele conseguiu me descolar alguns.

— Você realmente quer prestigiar a ex do seu melhor amigo? - Pietra perguntou, arqueando as sobrancelhas.

— Sou um homem moderno e independente. Não deixo de falar com ninguém que não tenha feito mal a mim mesmo. - Disse Kaio, empinando o nariz. Pietra estava prestes a rebater que ele devia dar um pouco de apoio pro melhor amigo também, quando Benjamin, com um olhar perdido, pronunciou:

— Ele está certo.

O silêncio tomou conta da sala. Suzana olhava para Kaio que olhava para Pietra que olhava para Suzana de novo. Foi a enfermeira, por ser mais amiga de Riley, que perguntou:

— Você acha que deveríamos ir?

Benjamin bufou em resposta. Depois sacudiu os cabelos, meio atordoado, e enfim respondeu:

— Não deixem de gostar dela só porque pisou na bola comigo... Isso é entre eu e ela. Na real... eu mesmo gostaria de ver como vai ser esse show.

Pietra começou a rir, provocando o amigo:

— Wow, desde quando você é uma pessoa assim tão abnegada?

Ele não pôde deixar de dar uma risada com esse comentário.

— Eu só tô muito curioso sobre isso...

Assim, no dia do show de Riley, os quatro; Helena e Vicente (enfermeiros amigos de Suzana); mais o primo de Kaio se enfiaram no ônibus lotado que ia em direção ao Charitas, clube badalado de Niterói onde ocorreria o espetáculo. Benjamin foi pensativo durante o percurso, até Kaio lhe dar um cutucão.

— Que foi?

— Estou tendo um deja-vu. Lembra de quando fomos ver aquele show dela, uns anos atrás? Você tava hiper-mega-ultra-blaster empolgado, só de ficar na grade. Dizia que um dia ia beijar essa mulher, que "estava escrito nas estrelas". Aliás, ter uma conversa contigo era insuportável naquela época... Só sabia falar do seu amor pela Riley.

— Ah, também não era assim...- Benjamin ia responder, mas foi logo cortado por Pietra, que se meteu no assunto.

— Ah, era! Lembra de metade das suas vinhetas no mercado? Eu acabei decorando as músicas dela por causa do tanto que você cantava no auto-falante.

Kaio emendou:

— Pois é, eu achava que essa paixão dele não passava de maluquice. Mas hoje estamos ao lado do ex-namorado da pop-star...Quem diria, não?

— E mesmo assim, vamos com ingresso para a grade de novo. - Cortou, Benjamin- Camarada Kaio, a vida é uma grande maluquice...

— Pode até ser, mas agora temos mais amigos com a gente, e eu encontrei a Suzaninha...

Benjamin riu da maneira com que o amigo chamava Suzana. Então eles estavam namorando? Não teve tempo de perguntar porque o ônibus deu um solavanco, freando. Tinham chegado.

Se o ônibus estava lotado, na frente do clube estava mais cheio ainda. A portaria tinha se transformado em bilheteria, e filas gigantescas se formavam ali, cheias de fãs histéricos. Um deles reconheceu Benjamin.

— Hey, você não era o namorado da Riley? O cara que sumiu com ela?!

"Sujou",pensou Benjamin.

— Eu sou seu fã! - completou o garoto.

— Hein?!

— Você salvou a Riley quando ela sofreu o acidente lá! E conseguiu namorar com ela, que louco! Lembra de mim?! Eu te ajudei no dia que a fanbase foi protestar na porta da tua casa. Vou me sentir muito ofendido se não lembrar, porque catei teu nome na internet e achei umas apresentações tuas em mercado, teatro... Nossa, você arrasa!

Benjamin sorria de boca aberta, sem conseguir falar nada. Era real aquilo?

— Ben, vamos, nossa vez de entrar! - gritou Pietra, tirando o amigo do transe. Sim, era real. Muito mais animado, ele seguiu os amigos para dentro do clube, acenando para o menino que não lembrava o nome. Seu primeiro fã.

Lá dentro, canhões de luz já começavam a iluminar o espaço aberto destinado à plateia. Em poucos minutos, foi feita uma passagem de som arrasadora, capaz de fazer vibrar todos os ossos de quem estivesse ali.

— Que louco! Montaram uma produção digna de Rock in Rio aqui. - Suzana comentou.

Benjamin só conseguiu pensar em Edgar e Cíntia explorando Riley. Podia não ter provas concretas do que faziam, mas ele conseguia perceber que tinha algo errado ali. Até porque Rita e Riley não podiam ser pessoas assim tão diferentes.

Ele estava certo. Assim que Riley subiu ao palco, ele não viu ali a senhorita sorriso forçado, um quilo de make, passos de dança apelativos, ou músicas cantadas sem emoção. Ela apareceu usando um figurino chique e brilhante, ainda tinha todas as luzes sobre si, mas escolheu um repertório mais elaborado, com músicas desde o início da carreira, momentos em que ela sentava e tocava seu violão. Seu rosto estava limpo, com as cicatrizes do acidente aparecendo, e o cabelo curto assumido. E Riley sorria. Só ria, não, dava risadinhas.

Chegando no fim do show, ela pediu atenção para uma música nova, muito especial para ela.

— Existe alguém aqui que tem algo que ama fazer, mas se sente reprimido de mostrar isso pro mundo? Talvez alguém não te respeite, ou até mesmo a sociedade vire as costas pra você. Pode não parecer, mas eu sei um pouquiiinho como vocês se sentem... Mesmo assim, a gente não desiste! Então, eu queria que todo mundo aqui que procura realizar um sonho, levantasse as mãos, e acompanhasse o ritmo da música que vou tocar. Ela é para vocês.

Vários braços se estenderam para o alto cobrindo o gramado do Charitas. Riley sorriu, e puxou seu violão, tocando os primeiros acordes de "Estrelas Perdidas". Benjamin, lá do fundo, reconheceu as notas na mesma hora. A melodia começou só com o violão dela, como nos tempos que estavam juntos. Aos poucos, uma bateria entrava acompanhando o ritmo, até um arranjo de guitarras entrar em cena, num arranjo quase orquestral. Quando ela começou a cantar a letra, tudo parou e voltou só para a voz e violão dela.

" Por favor, não me veja

Apenas como uma menina

Perdida em sonhos e fantasia

Por favor, me veja

Tentando alcançar algo que está fora

do limite do alcance da sua vista

Segure a minha mão

Vamos ver aonde chegamos

Os melhores planos

Às vezes, saem dos nossos sonhos

Quem somos nós?

Apenas partículas de poeira na galáxia...

Quem sou eu?

Alguém que pode se perder na realidade

Será que somos

Estrelas perdidas

Tentando iluminar

As nossas vidas?"

Benjamin, involuntariamente, começou a pedir licença e andar para frente, na direção do palco, ignorando os protestos de quem estava à sua volta. Seus olhos ficaram vidrados apenas em Riley. Aquela era a melhor música que já ouviu da cantora; e essa canção tinha impulsionado o primeiro beijo entre eles, quando foi tocada despretensiosamente no apartamento e ele não fazia ideia de por quem estava se apaixonando.

De repente, eis que a multidão na sua frente foi começando a se abrir, como se desse passagem até o palco. Ele estranhou, mas virou os olhos para cima de novo, e viu. Riley sentou na beira do palco e estava com um braço estendido, apontando para ele e sorrindo, enquanto continuava a cantar.

Benjamin não podia acreditar. Ela realmente tinha achado ele no meio daquela plateia imensa? Curioso, ele se adiantou até a beirada, onde alguns seguranças lhe ergueram para ficar ao lado de Riley. Ela colocou o microfone que segurava entre os dois, e com os olhos brilhando, eles terminaram de cantar "Estrelas Perdidas" juntos.

— Calma que ainda não acabou, pessoal! O meu convidado, Benjamin, é um cara muito talentoso... O sonho dele é ser dublador, sabiam? Benjamin, mostra pra eles o que você sabe fazer!

Riley colocou o microfone na mão dele. E assim, Benjamin iria mostrar seu talento com a voz em cima de um palco para milhares de pessoas. Olhou nervoso para Riley, confirmando se era isso mesmo e ela lhe deu um sorriso encorajador em resposta. Então, ele começou. Como estava em um show de música, preferiu imitar vozes e canções de alguns cantores famosos, de Luan Santana, até uma palhinha de Roberto Carlos, terminando com uma imitação marota da própria Riley, que riu muito com isso tudo. Ao final, o público, rindo, aplaudiu bastante sua performance. Riley lhe deu um abraço, e pediu que ele aguardasse o final do show no camarim. Ele, com o maior sorrisão, acenou a cabeça prontamente, aceitando e sendo guiado por um dos seguranças. Ao alcançar a porta do camarim, simplesmente não conseguia acreditar que os últimos minutos tinham sido reais. A ficha só caiu quando Riley terminou a apresentação e veio falar com ele.

— Mulher do céu, você é incrível! Esse definitivamente foi seu melhor show! E não digo isso por ter me chamado no palco... Mas... caramba, sei nem o que dizer!Como conseguiu montar algo tão espetacular assim?!

A loira deu uma risada tímida e explicou simplesmente que Edgar não era mais seu empresário. Benjamin adorou a notícia e quis saber com detalhes como isso aconteceu. Ela, então, explicou que em cima da hora,muitos dos patrocinadores estavam começando a cancelar os contratos porque eles estavam enrolados para pagar as multas. Cansada da prepotência de Edgar, Riley aproveitou a situação para procurar, ela mesma, novos. Acabou conseguindo apoio em cima da hora com seu ex-patrão, o dono do restaurante onde ela trabalhou enquanto ainda não lembrava quem era. Conseguindo o apoio externo, Riley convenceu a mãe a demitir o empresário.

— Espera! Então agora aquela mulher resolveu te apoiar?

— Bem, não exatamente... Ela só percebeu que o lucro vinha agora de outra fonte, então chutou o Edgar do emprego sem dó nem piedade. Vamos esperar que com isso, ela me respeite um pouquinho mais...

Benjamin, não se aguentou e deu um abraço em Riley.

— Ela é uma burra se não respeitar a mulher maravilhosa que você é. - então se afastou um pouco para olhar em seus olhos - Obrigada. De verdade. Não só por hoje. Mas por tudo.

— Eu que tenho que te agradecer, Ben. Desculpa por ter sumido no último mês. A minha vida estava uma loucura e eu não queria te envolver nisso. Eu queria ter ido na sua peça, mas eu me enrolei e...

— Hey! Como assim? Quando precisar pode contar comigo. Sempre! Eu quero te ajudar quando você precisar. Ficar afastado, preocupado e sem notícias isso sim, foi muito angustiante..

— Pra mim também, mas... a verdade é que eu acho que... eu nunca estive acostumada a ter alguém... se preocupando realmente comigo.

Riley abaixou um pouco a cabeça, tristonha, mas Benjamin, gentilmente levantou seu queixo novamente. Ele sorriu, olhando em seus olhos claros, tão perto de novo. Seu coração acelerou, então, Ben soltou suavemente:

 — Riley... Eu te amo.

Havia tanta verdade naquelas palavras que a garota, num pulo, abraçou o pescoço dele e lhe deu um beijo, o mais longo que já deram.

— Caham! - Uma voz chamou os dois. Eles se viraram um pouco atordoados e viram Kaio, Pietra, Suzana, Helena e Vicente, todos amontoados na porta do camarim, sorrindo.

— Olha, a gente sabe que vocês se amam e tal, mas e os amigos? Passamos um perrengue pra convencer os seguranças que a gente se conhecia. - Suzana falou, entrando de braços cruzados, fingindo estar brava. Riley nem ligou e foi correndo abraçar todos, cheia de saudades.

— Você ficou longe da gente por tanto tempo, desnaturada, que nem sabe da novidade. Eu e Suzanita estamos noivos! - pronunciou Kaio, pegando a mão de Suzana. Os outros pararam os abraços, olhando para os dois, espantados.

— Calma, gente; é brincadeira!

Daí para frente foi só risada e alegria. Suzana e Kaio ainda não noivaram até onde se sabe, mas viraram um casal engraçadíssimo, daqueles que postam vários vídeos zuando um ao outro no Tik Tok. Pietra aprendeu a conviver com eles, principalmente depois que conseguiu ser escalada para o elenco de um filme nacional, sonho que tinha há tempos. Ela precisou se afastar do mercado onde trabalhava, mas está mais feliz que nunca e nos intervalos das gravações, ainda consegue um tempo para os amigos. Alex ficou feliz ao saber que Riley e Benjamin reataram o namoro, ainda que tenha ficado surpreso. Dona Roberta, a mãe de Ben, aprendeu a gostar da nora depois de conhecê-la melhor. Mais especificamente, depois de conhecer a mansão onde Riley morava. Daí para frente, queria visitá-la quase todo dia. Acabou ficando muito amiga de Cíntia; elas se davam bem. Nesse meio tempo, a família de Benjamin tinha parado de pagar o asilo de seu avô, o que acabou sendo bom, pois ele, Alex e a mãe começaram a se revezar para tomar conta do idoso, e Ben conseguiu se aproximar do parente. Aliás, a vida dele ficou melhor que nunca, pois depois daquele show, ele não só conseguiu voltar a namorar Riley, como também foi chamado por olheiros de um estúdio para um teste de dublagem. Hoje ele é a voz de vários personagens do cinema e da TV. E Riley, bem, depois de conseguir administrar a própria carreira, ela finalmente pôde ser feliz fazendo o que amava.

Depois de muitas consultas a um ótimo neurologista particular, ela foi se lembrando completamente de seu passado. Descobriu que a ligação que estava fazendo para Edgar no dia em que sofreu o acidente já era para pedir um fim no contrato deles. A mãe, na época, não concordava ainda com isso, pois não conhecia outra maneira de agenciar a filha. Por isso Riley foi caminhando nervosa para longe da mansão e distraída na sua preocupação, não viu o caminhão se aproximar naquele dia fatídico. Essa descoberta não lhe surpreendeu muito depois de tudo que já sabia. Ao contrário, ela achou melhor deixar pra lá, pois isso não fazia mais diferença para ela agora... Afinal, na escuridão de suas próprias vidas, ela e Benjamin encontraram suas próprias luzes.