WSU's Raiju escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 13
Último Quilômetro




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Subestação de metrô de Primavera, terminal F

 

Cabisbaixo e sentado no que restara do banco de cimento da plataforma de embarque, Aarseth atentava para o vagão, segurando a espingarda apontada para a porta quebrada e esperando qualquer tentativa de fuga de Azar.

Tocou o torniquete que improvisou com sua camisa no ombro e grunhiu com a dor. Só então, foi surpreendido com a ventania e os elétrons desprendidos do chão pelo homem iluminado de azul que parou em sua frente.

Segurando o corpo de Catarina em seu colo, o velocista se agachou, repousando o corpo da falecida no chão. O hacker apenas observou tudo com um nó na garganta, foi inevitável a lágrima única que escorreu pela sua bochecha direita. Ele se ajoelhou e tocou o rosto da garota sem vida.

— Ela era tão linda — lamentou, arrumando os óculos para enxugar as lágrimas. — Seria bom, se fosse uma mentira.

O Raiju agarrou seu pescoço com a mão direita e escorou sua cabeça na do irmão.

— Eu preciso de você agora, irmão.

— Esquece isso, Arthur. — Chateado, levantou-se. — Fodeu.

— Não, ainda temos uma chance — disse o herói, também se erguendo, esperançoso. — Se recriarmos uma singularidade de mesma intensidade e direção, mas em sentidos opostos...

— Eles se sugam e os campos gravitacionais se anulam — completou o hacker, com tristeza e desesperança.

— Andei estudando, como pediu.

Incrédulo, Aars negou com a cabeça.

— Sabe que é quase impossível, não é? Essa coisa aumentando cada vez mais. Vai engolir Primavera, daqui a pouco o Rio e quando nos dermos conta...

— O mundo todo — desta vez, o velocista interrompeu.

Um filete de sangue verde escorreu pelo nariz do Gladiador Azul e sua mão direita apresentou um leve tremor.

— Me leva pro terminal B — pediu o hacker. — Preciso normalizar as suas taxas com os nanobots.

— É pra já — respondeu o herói.

— A sua adorável mãe está repousando naquele vagão. — Apontou, ao dizer. — Traga ela e...

Ao olhar para baixo, suas palavras travaram e seus olhos fecharam-se. No abrir, já estava em sua velha casa, o terminal B. Todas as máquinas de seu quarto improvisado na bilheteria espalhadas e lacradas como provas criminais, assustaram o jovem hacker.

— Puta que pariu! — xingou, aborrecido. — Os gambé foderam tudo! Vai levar um ano pra eu instalar tudo!

Ao terminar sua gritaria, viu um feixe de luz azul formando um círculo ao redor de si e dos lacres. Num instante, parecia que uma faxineira havia organizado toda a bagunça da semana e o quarto de Aarseth estava com tudo devidamente instalado.

 — Elas estão no meu quarto — alertou o velocista, ao surgir na frente do rapaz. — Vou precisar que você entre no sistema do Phoenix Labs para eu ter acesso ao acelerador.

— Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar desse jeito — rebateu o hacker, desanimado.

— Vai ter que cair — respondeu o velocista — Sprint!

A ventania e os elétrons no ar ficaram visíveis, quando ele deixou o local em alta velocidade.

 

 

 

Centro de Primavera

 

— Já deveríamos ter tirado o prefeito daqui! — gritou o acompanhante, nervoso.

O SUV fez uma curva fechada em alta velocidade, com a singularidade dificultando o movimento do veículo.

— Você é assessor dele, não meu! — esbravejou o motorista, apontando com o indicador. — Eu não funciono com pressão! — Olhou para o retrovisor e viu o portal negro se aproximando. — E aquilo não tava no meu contrato!

— Pelo amor de Deus, homem! — pediu o prefeito do banco de trás, desesperadamente. — Tire-nos daqui!

Aos berros do espanto dos três, o veículo virou no ar. Tudo pareceu congelado, quando a porta do motorista foi aberta.

— Que ironia! — debochou o Raiju. — Prefeito “Gordo” Valencia!

Ele retirou um por um, deixando o carro se espatifar no asfalto. Já estavam todos a quilômetros dali, gritando como bodes assustados. Constrangeram-se ao ver o herói parado com ambas as mãos na cintura.

— Você é ele? — perguntou o prefeito.

— Em pessoa — respondeu com um sinal de positivo do polegar direito.

— Como posso lhe agradecer por isso?

— Apoie a causa dos corrompidos! — falou o herói, sorrindo. — Somos o problema, não a solução. — Olhou para cima, confuso. — Quer dizer isso, só que ao contrário.

Deu as costas aos três, mas repensou e voltou apontado ao político com o indicador.

— E termine a malha dos sentidos Rio e Belo Horizonte, o povo não quer uma estação que liga nada à porra nenhuma.

 Eles ficaram se olhando desconfiados, quando viram a ventania da deixa do velocista os fazer ficarem descabelados e desajustados.

— E eu quero um aumento — protestou o motorista.

— Eu também — reivindicou o assessor.

Raiju olhou para sua mão e viu que o tremor havia se reestabelecido.

Online novamente — disse Aars, do comunicador. — E já entrando no sistema do titio Jacobo.

— Já evacuei metade da cidade, porra! — esbravejou o herói, correndo em direção à subestação abandonada.

No terminal F, ele desceu, circulando pelas beiradas o buraco aberto pelos assaltantes mais cedo. Enquanto o hacker via, de seu monitor, uma barra carregamento em 99%.

Ah, gostei do seu novo colorido luminoso! — elogiou o irmão.Parece até um Raiju de verdade.

— Eu entendo pra caralho que sua namorada morreu e você quer puxar papo, mas eu ainda meio emputecido com você. 

Vai lá pro acelerador — cortou o assunto —, a porta vai abrir em...

O velocista já esperava que a porta circular se abrisse, quando a tela do computador de seu irmão se apagou e ligou numa totalmente azulada.

O quê?! — gritou Aarseth, desesperado. — Não é possível, eu fui desligado!

Atordoado, Raiju deslizou sobre a porta de titânio e se ajoelhou, levando as mãos à cabeça.

Então, as travas da porta se abriram uma por uma, até a passagem ser liberada.

— E aí, azul? — cumprimentou a voz grossa, atrás.

Ao olhar na direção do chamado, o herói avistou o seu pior inimigo.

— A gente não tem que se gostar, só... — o cabeludo, gesticulou com as mãos, mordendo os lábios e procurando a melhor expressão em sua mente — salvar a cidade.

Ligeiramente, o Gladiador Azul se levantou e, de frente ao empresário, o olhou com firmeza.

— Vou precisar usar o seu acelerador para...

— Corta a lorota! — ordenou Jacobo, apontando para o acelerador. — Eu já sei de tudo.

O velocista já percorria o trajeto circular numa rapidez sobrenatural.

— Como nos velhos tempos, hein, Arthur? — perguntou, coçando a barbicha.

Bons tempos em que ele te torturava e usava como objeto de um experimento — disse Aars do comunicador.

Raiju corria mostrando o dedo médio para seu inimigo, fazendo com que ele visse várias projeções do herói fazendo o gesto obsceno.

Sprint! — extravazou o velocista, tentando chegar seu potencial máximo.

Logo, seu corpo já se iluminava azulado, emanando energia gravitacional.

Você já tem energia o suficiente, cara! — avisou Aars. — Continua rápido, o acelerador faz o resto!

Tentou se manter numa velocidade considerável, mas sentiu suas pernas bambearam, fraquejando. Esforçou-se como se lutasse por sua vida e, de fato, estava não só por si, mas por todos.

Assistindo à cena, Jacobo passou a mão em seu rosto, aborrecido.

— Vai azul! — gritou, incentivando com a raiva explícita em seus olhos. —Você não pode deixar eles morrerem lá em cima, porra! — revoltou-se, apontando para o teto.

Logo, ambas as mãos do herói já estavam trêmulas.

Arthur, você precisa ser mais rápido se quiser que o bombardeio de átomos desprenda a energia para criar a outra singularidade! — gritou, Aars desesperado. — O que os nanobots puderam, já fizeram! Agora é com você!

— Você consegue, Arthur! — incentivou o inimigo.

Num impulso forte do herói, a energia começou a se desprender. Porém, depois de um berro de desabafo, o velocista estava parado de quatro apoios. Ofegou. Era o fim.

Jacobo levou suas mãos à cabeça, sem acreditar no que via.

Aarseth tirou seus óculos e os deixou cair ao chão, rachando a lente direita.

— Não dá — disse o Raiju, desistindo. — Eu perdi... de novo.

O herói tirou o capacete de sua cabeça e, em agonia, suspirou arquejando, ao se sentar no chão.

— Aars? — chamou, o rapaz cansando e irradiando energia.

Tá na puta que pariu — respondeu o hacker, do comunicador.

— Eu fui à 1996 e achei um DVD na minha casa. — Tossiu em sua mão e viu a mancha verde em sua mão. — Deixei ele em cima da sua mesa, poderia dar uma olhada nele, depois?

Tá tendo um pré-derrame, cara? — perguntou, observando o disco em uma capa quadrada de papel. — Não vai rolar um... “depois”.

— Onde está a singularidade? — indagou, ignorando o irmão.

Aarseth abriu um mapa com um ponto imenso na tela de seu computador.

Estrada pra Chapada do Umbigo — disse, confuso. — Qual foi?

O vento cortou pela saída do acelerador de partículas, fazendo com que Jacobo protegesse seus olhos com o antebraço.

— Desgraçado — falou rindo, com a certeza do que velocista faria. — Eu não acredito.

O rapaz parou na estrada de terra, de frente para o portal negro, com seu corpo irradiando a luz azul.

— Disse que o meu corpo atingiu a energia equivalente à singularidade? — perguntou Arthur, ofegante. — Então é só eu atingir essa coisa no sentido oposto à ela.

Os ventos já começavam a balançar seus cabelos loiros.

Arthur não pense nisso! — esbravejou, Aarseth. — Você vai morrer!

— Eu não quero mais ver o tempo se arrastando, Aars! — respondeu sorrindo, caminhando em direção ao buraco disforme. — Foi você quem disse que eu só tinha uma semana e eu não quero ver isso lentamente. Quanto tempo o mundo tem?

Mas você é o meu irmão, o resto não! — gritou o hacker, desesperado. — Esquece essa baboseira de não ter medo de morrer.

— Mas eu me cagando de medo aqui, seu egoísta! — rebateu o loiro. — Como eu demorei tanto tempo pra perceber o quanto eu tenho a perder?

Os olhos do garoto de frente àquela tela de computador se encheram de lágrimas.

— Todas essas pessoas, Primavera... você.

Então pensa no resto, gente que te odeia pelo sangue verde e manda tudo à merda!

— E quem sou eu para o resto das pessoas? Um corrompido? Alguém que nunca vai sair do nível mais baixo da sociedade?

O corredor azul suspirou, cerrando os olhos e, em seguida, os abriu ao dizer:

— Então me deixe mostrar do que esse perdedor é capaz de fazer por eles. — Agachou-se de quatro apoios, como se fosse um atleta olímpico. — Sprint!

 

Eu não sei a sensação de vencer uma corrida. Provavelmente não vou saber.

 

Mas há alguns anos eu descobri a sensação que é estar no último quilômetro de uma corrida. Ele é o mais essencial.

 

Correu, irradiando energia azul e os elétrons saindo como faíscas, arrancados a cada passada.

 

É o momento quando você tira de si uma força que não sabe que tem, por que começam a surgir questões como: “O que eu estou fazendo?”, ou “Eu sou capaz?”.

E, ao ver o pódio, mesmo que você nem chegue perto de pisar nele, todas as respostas chegam à sua mente.

 

Sem dúvidas, aquela era a sua caminhada mais longa e tinha apenas alguns metros.

 

A primeira vez que tive essa sensação, estava do lado das pessoas que mais me amavam, naquele momento, e talvez eu não tenha merecido tanto.

 

Olhou ao seu redor e pôde ver toda sua cidadezinha aconchegante, destruída por aquela anomalia temporal.

 

Esta é a última vez que sinto o meu último quilômetro chegar. Ao lado de todos os que amam.

 

Cerrou seus olhos, tomou impulso e se jogou contra a singularidade.

 

Eu não mereço tan...

 

Em milésimos, um clarão azulado, como um relâmpago, incandesceu toda cidade. E, por alguns poucos segundos, todos sabiam que aquela luz era o sinal da esperança suprida ao ver que não havia mais um portal negro.

— Cadê você, irmão? — chamou Aarseth, choroso. — Arthur?

Tampouco um velocista azul, apenas a chuva prevista para o dia.

Com os olhos mareados, ele seguiu para o quarto de seu irmão, ao entrar viu Azar acalentar o corpo de sua filha como um bebê.

— Ele também se foi? — perguntou a loira.

O hacker virou o rosto, ignorando a criminosa e, no cabide do armário aberto, improvisado como guarda-roupas, pegou o seu antigo casaco de vison.

A falta de palavras foi o bastante para que aquela “mãe órfã” de dois filhos se rendesse e também derrubasse uma lágrima solitária, embalando triste o cadáver em seus braços.

O garoto pôs a mão no bolso do casaco e apanhou uma medalha vagabunda de honra ao mérito, das que se encontra em qualquer loja esportiva.

— Você perdeu, irmão.

 

 

 

Avenida Presidente Vargas, Primavera

36ª Corrida Anual de Primavera

Linha de chegada

 

— Você que perdeu — disse Arthur, enfezado.

Nós dois, deitados após a linha de chegada, discutíamos exaustos.

— Eu pulei na faixa antes de você — provoquei.

— Isso depois de eu ter te ajudado na porra do percurso inteiro! — esbravejou o meu irmão, inconformado. — E mesmo assim, você foi desclassificado por lesão, só eu que ganhei medalha!

— Eu não quero essa medalha escrota, pode enfiar no cu — zombei coçando os meus cachos. — Você conseguiu perder até pros para-atletas pra conseguir ela, a gente completou a prova de uma hora e meia em quatro horas e vinte minutos.

Foi inevitável que não caíssemos em gargalhadas diante daquilo.

— Que vergonha — lamentou Arthur, enquanto conseguia parar de rir —, fomos os últimos e aquela velha já deve estar falando mal de mim pros netos dela.

— Você vai ter coragem de pisar aqui ano que vem? — perguntei, sorrindo.

 Olhando para o céu com nuvens negras, ele sentiu os pingos de chuva atingindo seu rosto.

— É claro — respondeu convicto. — Vencedores se realizam e param, mas os perdedores não. Eles sempre voltam.

— Eu gostei disso — falei, ao refletir. — Os perdedores sempre voltam.


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