catch me if you can escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 3
III


Notas iniciais do capítulo

Voltamos ao presente, yay. E também chegamos na metade da história.



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O aniversário de dezoito anos de Rori chegou uma semana depois da noite em que Anne-Marie a arrastara para fora de um bar comum à força.

A família dela havia preparado uma festa relativamente grande, com uma lista de convidados surpreendentemente pequena. Depois do acidente, a maioria das pessoas ficara sem jeito demais para interagir com os O’Callaghan de forma confortável, ou Rori as afastara. No geral, eram só os O’Callaghan, a família de Anne-Marie, e alguns poucos amigos.

Anne-Marie foi a primeira a chegar, como todos sabiam que ela seria; assim, Rori ainda estava arrumando quando ela bateu à porta do quarto e entrou sem esperar resposta.

— Como vai a aniversariante do dia? – brincou ela, porque sabia que a amiga precisaria de ajuda para levantar o ânimo.

Rori estava de pé no meio do quarto, de frente para o grande espelho de corpo inteiro perto do guarda-roupa. Usava um vestido verde escuro na altura dos joelhos, surpreendentemente recatado para ela, e os tênis de costume, pretos, de cano alto. Sobre o seio esquerdo, exibia um broche dourado em forma de trevo, que Anne-Marie supunha que fosse uma herança de família, visto que o trevo fazia parte do brasão dos O’Callaghan. O cabelo escuro e repicado estava a mesma bagunça de sempre, embora ela tivesse feito um esforço para manter a franja longe dos olhos, delineados em preto, como de costume.

Ela olhou para Anne-Marie pelo espelho, sem se virar, e suspirou.

— Animadíssima – disse, em tom de voz neutro. – Yaaaaaay.

Anne-Marie se aproximou. Ela era mais alta que a amiga, e conseguia encarar o espelho por cima do ombro dela sem nenhuma dificuldade. Com seu vestido florido, as sapatilhas lilases e nenhuma maquiagem, ela pensou que não parecia nem um pouco impressionante ao lado de Rori. O pensamento não a incomodou.

— Você está linda – disse Anne-Marie, porque não conseguiu pensar em nada mais para falar. Havia outras coisas que ela gostaria de dizer, mas, no momento, aquilo era tudo que sua coragem permitia.

Ela soou um pouco mais tímida do que pretendera, mas Rori apenas sorriu.

— Você também – Ela tocou o broche no próprio vestido, e sua expressão se tornou distante. – Sam pretendia me dar isso de presente. Quer dizer, foi o que meus pais disseram. Era dela, vovó deixou pra ela, mas ela... – Ela engoliu em seco, piscando como que para afastar as lágrimas, e deu uma risada seca, sem humor. – É tão idiota, não é? Ela queria que eu o tivesse. Como se isso fizesse alguma diferença.

Anne-Marie pegou a mão dela, entrelaçando os dedos das duas. Ela esperava que Rori visse aquilo como um gesto platônico de conforto e não se afastasse; havia tantos motivos pelos quais Anne-Marie não poderia suportar se ela se afastasse.

— Não faz nenhuma diferença para você? – perguntou ela, baixinho.

Rori soltou o broche para secar os olhos com força. Foi um milagre ela não ter borrado completamente o delineador. A mão que estava segurando a da amiga, no entanto, permaneceu onde estava; Anne-Marie tentou sufocar a onda de alívio que a atingiu.

— Suponho que sim – murmurou ela. Então, forçou um sorriso. – Acho que já estamos prontas pra descer, né?

Anne-Marie a fitou por alguns segundos, então sacudiu a cabeça.

— Não. Não tá convencendo.

O sorriso de Rori se desfez e ela grunhiu, frustrada, soltando a mão da amiga para andar até a cama e se jogar nela.

— Merda – resmungou. – Eu nem queria ter essa festa idiota, de todo jeito. Suponho que eu ainda possa ir ao Timber Bell depois...

Anne-Marie congelou no meio de um passo. Timber Bell era o nome do bar comum onde ela encontrara Rori na semana anterior.

 - Ao Timber Bell? – repetiu ela. – Rori, não me diga que você continua indo àquele lugar.

Rori revirou os olhos. Anne-Marie conseguiu ver o gesto de longe, mesmo ela estando deitada.

— Lição de moral hoje não, Annie, por favor. É meu aniversário.

— Não é lição de moral – protestou Anne-Marie. Ela se sentou na beira da cama, se virando para encarar a amiga. – Rori, você sabe que não podemos nos misturar com os comuns – Era assim que eram chamadas as pessoas que não tinham habilidades mágicas, o que, segundo Rori, era terrivelmente prepotente da parte dos mágicos. – E você, de todas as pessoas é quem menos deveria estar andando por aí sozinha.

— Ah, fala sério. Você acha mesmo que alguém ainda vai vir atrás de mim? – Rori ergueu uma sobrancelha. – Leander Brom está morto, Annie, e eu não acho que ninguém da quadrilhazinha dele se importe o suficiente pra isso.

Para a surpresa de todos que a conheciam, Rori nunca procurara vingança pela morte da irmã ou pela maldição jogada no resto de sua família; ela parecera dar o caso de Leander Brom e sua gangue de Execrados como encerrado, o que era um alívio. Se Anne-Marie não conseguia nem impedi-la de escapulir para a cidade dos comuns para ficar bêbada, ela duvidava que pudesse impedir uma Rori com sede de sangue de fazer qualquer coisa.

— Você não tem como saber disso – retrucou ela. – E, deixando isso de lado, uma menina menor de idade entrar num bar sozinha e ficar bêbada com um monte de desconhecidos não é uma boa ideia nem no mundo dos comuns, e tem um motivo pra isso.

Rori se sentou, parecendo irritada.

— Eu sei cuidar de mim mesma, Annie, muito obrigada – disparou. – Caralho, você parece minha mãe. Por que as pessoas não podem simplesmente me deixar em paz? Como se já não bastasse toda essa merda, eu não tenho nem o direito de relaxar um pouco?

Anne-Marie respirou fundo. Ela sempre fora boa em entender o lado da amiga, mas, de certa forma, isso fizera com que ela se sentisse responsável por Rori.

— Não se seu jeito de relaxar for acabar com você morta ou pior – disse ela, em voz baixa. – Isso não é saudável, Rori.

Nada disso é saudável! – explodiu Rori, se levantando de um pulo. – Porra, eu literalmente acabei de completar dezoito anos, Annie, e tudo que eu faço é treinar o dia todo pra uma porra de ritual, porque eu sou responsável pela herança mágica de um povo inteiro, incluindo meus pais e meu irmão mais novo, e ninguém nem realmente sabe se esse ritual vai sequer funcionar. Qual parte disso é saudável, Annie, me diz?

Isso não é culpa minha, Anne-Marie queria dizer, então não adianta você descontar em mim. Mas aquilo não era o que Rori precisava ou queria ouvir, então ela não falou nada. Rori não pareceu se incomodar, apenas continuou:

— E nem vamos mencionar o fato de que eu devo realizar esse tal ritual daqui a poucas semanas, e não tenho, em suma, a menor ideia do que fazer. – Foi a vez dela de respirar fundo, trêmula, os punhos fechados ao lado do corpo, como sempre ficavam quando ela se estressava. – Então, me desculpe se eu preciso escapulir pra, sim, encher a cara com um monte de desconhecidos de vez em quando. Eu tô literalmente só tentando não perder a cabeça, porque...

Ela acenava com as mãos enquanto falava, e o vestido deslizou pelo seu ombro o suficiente para mostrar um hematoma ali. Imediatamente, Anne-Marie se levantou e segurou o braço dela.

— Rori – disse, na voz mais calma que conseguiu. – O que foi isso no seu ombro?

Rori ajeitou o vestido, tentando em vão se libertar do aperto da amiga.

— Nada – murmurou ela, sem encontrar o olhar de Anne-Marie. – Eu experimentei uma coisa nova, só isso. Não deu muito certo, então não precisa se preocupar.

Anne-Marie soltou-a.

— Você foi pra uma das arenas – adivinhou.

As arenas eram ringues de luta ilegais, onde os seres mágicos podiam lutar diante de uma audiência por algum dinheiro e adrenalina. Alguns eram pessoas mágicas, como Anne-Marie e Rori, e alguns eram bestas, criptídeos e coisas parecidas.

— Não importa – rosnou Rori, depois de certa hesitação. Estava esfregando o pulso, embora não houvesse a menor possibilidade de Anne-Marie tê-la machucado. – Eu voltei inteira, não voltei? Ainda sou capaz de fazer a porra do ritual. Ou tão capaz quanto posso ser.

— Rori, você não pode continuar assim – retrucou Anne-Marie. Ela estava ciente de que estava quase implorando, mas não poderia se importar menos. – Você... Nós podemos achar outra coisa, uma forma melhor de descontrair. Você não está sozinha. Você ainda tem à sua família, e a mim, e nós precisamos de você – Ela fez uma pausa. – De você, Rori, mais do que de qualquer ritual que você ache que vale mais do que a sua vida pra nós.

Enquanto ela falava, Rori havia se afastado e voltado para a frente do espelho, e agora estava fitando o próprio reflexo outra vez, os dedos brincando com o broche em seu peito.

— Eu não te peço que entenda, Annie – disse ela, em voz baixa. – Até porque você não poderia. Eu só... – Ela balançou a cabeça. – É melhor você voltar para a festa. Diga aos meus pais que vou descer em um minuto, certo?

Anne-Marie sentiu seu coração rachar, só um pouquinho.

— Rori...

— Por favor, Annie – Os olhares delas se encontraram no espelho; Rori foi a primeira a olhar para outra direção. – Eu não quero ouvir isso. Não de você.

Anne-Marie hesitou por mais um longo instante, mas não conseguiu pensar em nada para dizer que pudesse convencê-la, acalmá-la ou confortá-la.

— Eu sempre vou estar aqui – disse, por fim. – Só não esqueça disso, Rori. Eu sempre vou querer cuidar de você.

Então, ela deixou o quarto para se juntar à própria família e aos O’Callaghan no andar de baixo.

Depois, quando todos os convidados da festa já haviam ido para casa, Anne-Marie foi até o Timber Bell, porque se recusava a deixar que Rori a afastasse como fizera com tantos outros. Porém, não havia sinal de sua melhor amiga no bar. Depois da briga que as duas haviam tido, Anne-Marie não conseguia decidir se aquilo era um alívio, ou algo com o que se preocupar.


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