Infravermelho escrita por supercritico


Capítulo 3
O Primeiro Passo (pt. 3)


Notas iniciais do capítulo

Parte final do primeiro capítulo. Boa leitura!



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Teleporte, ela pensou.
Um poder Infravermelho, como qualquer outro que fosse físico. Nunca tinha visto antes, não sabia como funcionava, mas as lendas já lhe haviam dito sobre Infravermelhos capazes disso. Desejou não saber, não agora, não aqui. O homem se aproximou, estendendo a mão como se Myranda carregasse uma arma.
— Não se assuste, por favor – ele disse. Era mais jovem do que aparentava, uns dezoito anos, talvez? A pouca luz refletiu no líquido escarlate que escorria da sua boca. Seus lábios estavam inchados e a testa arranhada. A garota não enxergava mais nada, a não ser a aura tênue que seu corpo emitia.
— Eu não queria me envolver eu estava tentando ajudar – as palavras caíram de sua boca, se explicando. – Me deixa em paz.
Ela estava realmente com medo. Seus poderes não a ajudariam em nada e não havia ninguém por perto.
— Eu sei, eu agradeço que me ajudou, mas não fique com medo – ele levantou as mãos, em sinal de rendição. A luz de fora agora iluminava o seu rosto conforme tentava se aproximar. – Meu nome é Lud, eu estava só resolvendo umas coisas.
— Resolvendo coisas? – ela perguntou, se afastando.
— Não conte para ninguém o que você viu, tudo bem?
— Por que não?
— Porque... Porque eu... – ele levantou as sobrancelhas, como se esperasse que Myranda falasse alguma coisa, mas ela ficou calada, respirando mais rápido. – Porque ele é perigoso.
— Perigoso? - ela perguntou, desconfiada. - Você parece perigoso.
— Eu não sou, eu juro - ele disse, mas não convenceu a garota. E ele percebeu isso - Olha, ele me atacou. Eu estava na minha.
— Na sua? Você atravessou a cerca e estava brigando com outro cara - Myranda e todos os habitantes, tanto da Zona Vermelha como da Zona Violeta, sabiam que era estritamente proibido atravessar a cerca ou a ponte sem autorização. - E não parece que tem autorização para fazê-los.
Os olhos de Lud serraram para ela e ele simplesmente balançou a cabeça e começou a rir.
— Está rindo do que? - ela perguntou, cruzando os braços e franzindo o cenho.
— Você é só uma garota - ele respondeu, como se isso fosse óbvio.
— E daí?
— Eu não devia estar me explicando pra você, é só uma garota assustada.
Aquilo a fez arquear a sobrancelha. De repente tudo pareceu menos ameaçador, como se uma lâmpada fosse acesa entre os dois.
— Acha que eu não vou contar o que vi?
— Eu não sei, mas acho que não deveria.
— E porque não?
— Porque você também está aqui fora, você saiu do seu lar depois do toque de recolher - era verdade, se ela contasse para a polícia iria acabar se entregando também. - E você estaria ajudando eles.
A forma com que Lud disse “eles” fez com que Myranda entendesse num piscar de olhos. Um arrepio correu o seu corpo. Ela estaria ajudando a polícia Ultravioleta, ele quis dizer. Os membros que governavam aquele mundo, os que tinham dinheiro, segurança e comida o tempo todo. Os que proporcionavam uma vida boa para eles mesmos e os humanos que tinham sorte de nascer na Zona Violeta. Eles poderiam dominar quem quisessem, especialmente os Infravermelhos. E ela não queria ajudar aqueles que a oprimiam.
— Eu não estaria os ajudando, eu... - ela tentou dizer, sem acreditar nas próprias palavras.
— Ah, não? Colaborar com a polícia é ajudá-los - ele limpou o sangue que escorria dos lábios com as costas da mão. - Acredite em mim, eu não sou o cara mal aqui.
— E então por que estava brigando? Você me deve essa resposta.
Lud hesitou por um momento, pensando se realmente poderia confiar nela. Seus olhos pousaram na garota e uma ideia se formou em sua mente. Se fosse capaz de persuadi-la, teria uma carta a mais na manga. Só precisava ser gentil e honesto.
— Tudo bem - ele disse, finalmente. - Eu estava voltando da Zona Violeta.
A resposta gerou um bilhão de perguntas na cabeça de Myranda.
— O que estava fazendo lá?
— Isso eu não posso te dizer.
— É algo ilegal?
— Tecnicamente, não.
— Trabalha para os Raios? - ela perguntou. Os Raios X era um grupo formado, em sua maior parte, por Infravermelhos revoltados. Tinham em mente derrubar o governo Ultravioleta, mas nunca conseguiram fazer algo de verdade. Estavam ocupados demais lutando contra a polícia que quase sempre tentava invadir os seus domínios.
Sabiam que aquilo era um jogo para os Ultras, uma espécie de diversão cruel. Poderiam muito bem atacar e prender os Infravermelhos envolvidos, mas gostavam da provocação. Aquilo fazia parte de uma campanha que os fariam se tornar os heróis para o povo da Zona Violeta. Fazer os Infravermelhos sofrerem era só o bônus.
— Já trabalhei para eles, mas eu caí fora.
Myranda examinou o rosto dele. Ele não parecia um rebelde Infravermelho. Ele nem mesmo parecia...
— Você não tem deformidades.
Ele foi pego de surpresa. Mordeu o lábio inferior e pareceu se arrepender, pois o sangue jorrou mais um pouco. Limpou a boca novamente e cuspiu o excesso de sangue perto de uma lata de lixo.
— Já deve saber o que isso significa - ele disse.
Sim, ela sabia. E era algo ilegal.
— Filho de um Ultravioleta? - Myranda nunca havia visto alguém como ele. Normal físicamente mas com poderes de um Infravermelho. Ele era raro e perigoso, uma isca grande para a polícia. Ele olhou para baixo e ficou em silêncio. Não precisava responder, já estava tudo bem claro. Myranda sabia que devia se afastar dele, mas não conseguia resistir. De repente ela esqueceu de que estava em um beco escuro com um estranho, mas a curiosidade estava martelando a sua cabeça e ela precisava saber mais.
— O que estava fazendo do lado de lá? - a garota apontou para a ponte, insistindo em saber.
— Olha, eu cansei disso, - levantou os braços em rendição - não vou mais responder suas perguntas.
— Tudo bem - Myranda aquiesceu. - É melhor ir embora.
— Você mora ai? - ele perguntou de repente, indicando o orfanato. Ela fez uma expressão, como se estivesse com medo de contar. Ele levantou uma sobrancelha e disse, um tanto ameaçador: - Eu sei que mora ai, quase todas as vezes que saio durante a noite eu te vejo no terraço, olhando pra cidade.
Myranda congelou. Ela se sentiu exposta, vulnerável. Ele já havia a visto diversas vezes e ela nunca tinha notado. Mas como? Ela com certeza perceberia as ondas de calor do seu corpo. Isso fez o oposto de tranquilizar e ela se apressou para as escadas de metal. Lud a deixou subir, mas teve que perguntar:
— Como nos viu brigando na margem do rio? - Ela não respondeu, continuou subindo as escadas, segurando firme nas barras de metal cheias de ferrugem. - Algo a ver com os seus olhos?
— Vai embora.
— Por favor, pode me dizer só isso? - ela olhou para ele, um sorriso se abriu em meio a sangue e hematomas.
Ela hesitou. Não queria contar, mas sentia que deveria. Sempre que Infravemelhos se conheciam, a primeira coisa que compartilhavam eram os seus poderes. Era uma forma de lembrar que estavam na mesma, que aquelas cicatrizes os ligavam, mesmo não conhecendo uns aos outros.
— Sinto o calor das pessoas - ela disse -, consigo vê-lo em forma de uma aura vermelha.
Ele pareceu pensar sobre isso, olhando diretamente nos olhos dela. Através dos seus poderes ela viu uma concentração de aura vermelha se espalhar pelo corpo dele, como se estivesse em chamas.
— Como um radar? - ele perguntou.
— É, acho que pode ser - ela revirou os olhos. Um ruído de metal se arrastando veio da rua, seguido por um grito de dor. Myranda olhou para a rua e viu que uma figura cambaleante e ensanguentada se adiantava em direção ao beco. - Ele voltou, é melhor eu subir.
— Posso te ver novamente?
— Não.
— Qual o seu nome?
— Vai embora! - ela subiu o último lance de escadas e correu para a porta de acesso para as escadas internas. Desceu na ponta dos pés, evitando fazer qualquer tipo de barulho. Já havia passado da hora de ir para a cama.
Atravessou um corredor que levava para o quarto que dividia com mais vinte garotas e ficou aliviada ao ver que a porta permanecia aberta. Ao entrar, estava escuro e todas as garotas estavam dormindo, mas Myranda sabia que estavam fingindo.
Ela correu para o armário no fim do quarto e abriu sua gaveta, a única que tinha. De lá tirou as suas roupas de dormir e a vestiu no banheiro ao lado. Ela não iria tomar banho, não estava afim de chamar atenção da monitora do quarto.
Escovou os dentes rapidamente e depois disso correu para a parte de baixo de um beliche, cobrindo-se com um lençol fino. Fechou os olhos e tentou esquecer o que tinha acontecido. Ele não iria voltar para vê-la, não poderia fazer isso. Tentou ignorar a aura vermelha que emanava de todas as camas e se concentrou na sua respiração. Quando abriu os olhos novamente, era manhã e uma mão agarrava o seu ombro.


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Notas finais do capítulo

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