Mãe escrita por Inial Lekim, Ariane Munhoz, InsaneBoo


Capítulo 1
Karura - InsaneBoo


Notas iniciais do capítulo

Como foi dito na sinopse, essa história é uma junção de fics falando sobre as mães do universo de Naruto (sendo algumas personagens originais que não foram mencionados pelo Kishimoto, mas que existem em nossos corações). Vai ter um total de 17 capítulos, cada uma escrito por uma pessoa diferente e falando sobre uma das mães. Esperamos que gostem da proposta ♥

ass.: Arrombadinhas ♥



E agora vamos a primeira fic, escrita por InsaneBoo, dona, rainha e proprietária de todos os Sabaku.



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— Por Kami, Karura! Não temos esse tempo!

Yashamaru nunca foi muito de confrontar a irmã mais velha, apesar viver discordando dela em diversos pontos, mas às vezes algo era grave ou urgente demais para que ele se impedisse de protestar mais intensamente e até ousar falar alto, se necessário.

E desde que ela se tornara a esposa do quarto Kazekage, infelizmente, a frequência desses momentos aumentara exponencialmente.

Karura sabia que não era como se tivesse perdido o respeito de seu irmão. Era mais como se tivesse feito aumentar suas preocupações.

E não tinha como tirar suas razões.

E talvez, de todas as situações graves e urgentes pela qual Yashamaru tenha gritado, aquela fosse a pior.

Talvez não... Com certeza.

Por que seria a última, e ambos sabiam.

Um deles no entanto, não queria admitir.

— Eu preciso, me despedir dos meus filhos Yashamaru... Eu preciso... – E sua voz falhou no fim da frase, pois a dor lhe roubou mais uma vez o fôlego naquela noite.

Por que urgências médicas teimam em acontecer de madrugada?

Yashamaru se perguntava internamente. Há um motivo para que médicos costumem evitar tratar os próprios familiares. É muito difícil, quase impossível, ser frio e racional, quando o que está envolvido são aqueles a quem mais se ama. 

Podia ser um shinobi de elite em todas as áreas em que atuava, podia, por isso, ter sido condecorado braço direito do Kazekage, não apenas por ele mesmo, mas também pelo próprio conselho de Sunagakure, e mesmo assim, naquele momento, nada disso parecia fazer diferença em sua reação mediante ao dilema da mulher a sua frente.

Sua irmã, a pessoa mais importante do mundo pra si.

— Para de falar nesse tom! Vai dar tudo certo...

Não ia. Ele sabia que não ia, tão bem quanto ela, talvez até melhor. Porém, nada nunca foi tão difícil de aceitar, em toda sua vida, quanto a premissa da morte de sua alma gêmea.

E ela segurou em seus ombros, firme como sempre, apesar de sua doçura, encarou-o profundamente, olhos nos olhos, por todos os segundos necessários para que se entendessem sem longas falas, também como sempre.

Yashamaru nunca odiou tanto terem essa conexão, nunca odiou tanto, ter compreendido alguma coisa.

Compreender não é exatamente a melhor palavra nesse caso. Aceitar soa mais cabível.

Quando os olhos dele finalmente marejaram, ela tornou a se pronunciar.

— Traz eles aqui, por favor. Eu sei que não tenho muito tempo, não me faz perder o pouco que resta.

Ele finalmente assentiu, tão quebrado quanto o sorriso que ela forçou pra esboçar.

Mas é claro que ele não deixou de se certificar sobre quanto tempo tinham exatamente.

— Duração e intervalo. – Era pra ter sido uma pergunta, porém era tão difícil erguer qualquer postura num momento tão devastador que sua tentativa soou autoritária.

E, ainda que fosse surpreendente que conseguisse fazer isso naquelas circunstâncias, ela riu.

— Não use esse "modo médico shinobi" comigo. Eu não sou sua paciente agora, e ainda sou sua irmã mais velha.

Yashamaru franziu o rosto, entre a confusão e uma leve ofensa, numa fração de segundo.

Karura se explicou.

— Rasa costuma errar muito, mas às vezes ele acerta alguma coisa. E ele tem razão sobre você não dever fazer isso. Eu não quero que você participe Yashamaru, essa não deve ser a última visão que você tem de mim e nem a primeira que terá do seu sobrinho. Eu não quero que associe ele a minha morte, você entende?

Como ela podia ser tão forte, a ponto de estar encarando aquilo melhor do que ele, sendo que sua posição era a pior de todas?

Ao menos a seu ver.

Karura, por outro lado, achava que a pior posição seria a da criança que colocaria no mundo em poucas horas, que já daria seu primeiro choro carregando o peso de toda uma aldeia nas costas, sem ao menos poder escolher, ou não, isso.

E ela também não achava que os homens que ficariam responsáveis por essa nova vida estavam realmente preparados para lidar com alguém tão especial. 

Ao menos pra ela, ele era especial. Sempre foi, desde o princípio.

Finalmente, a encarando como o irmão caçula que era por trás de todos aqueles títulos e responsabilidades, que, no fim, apenas por ela acabou tomando pra si, Yashamaru engoliu em seco, silencioso.

Queria protestar, mas também não queria que essa fosse a última visão que sua irmã teria a seu respeito.

Doloroso ou não, se era como ela queria, devia respeitar.

Parecia um karma em sua vida, que todas as piores situações pelas quais passava envolvessem ter que aceitar algo do qual discordava e engolir, sozinho, amargamente a dor que sentia.

Ele ia refazer sua "pergunta" técnica antes de sair, era importante afinal, mas acabou não sendo necessário. Falaram demais, então acabou vendo e calculando por si próprio o tempo das contrações da irmã.

Simplesmente a abraçou e manteve consigo, quando suas dores voltaram a se fazer presentes. Amparada e segura – ao menos por hora – como já havia feito antes nos dias em que Temari e Kankuro nasceram.

Simplesmente a deixou usá-lo como pilar para se equilibrar quando suas pernas fraquejaram e apertá-lo como se fosse uma almofada.

Mas dessa vez, haviam muito mais emoções carregadas nesse abraço, do que nas experiências anteriores.

Dessa vez, ele também estava sentindo dor. A dor do adeus e da impotência. A dor de não poder dizer "eu vou estar do seu lado o tempo todo e vai ficar tudo bem no fim".

Nada ficaria bem. Aquele era o início do caos. E de algum modo, não parecia difícil para Yashamaru prever isso.

— Duração de trinta segundos, intervalo de vinte minutos. Mas essa não devia ser a hora, é cedo, então não posso ter certeza de como vai prosseguir e...

— Yashamaru... – Ela teve que ser um pouco rígida no tom, para que ele calasse seu discurso e lhe desse a devida atenção. Suavizou um pouco o tom, logo depois de obtê-la. – Eu sei. Eu não quero que me faça uma consulta agora, eu só quero me traga meus filhos. Por favor...

Karura não precisava implorar. A última coisa que seu irmão permitiria, era que ela tivesse que lhe implorar algo em seu último dia.

Céus! Como era terrível ter ciência de que aquele era o último dia.

Amparou a irmã até que estivesse sentada o mais próximo e confortável possível, para, finalmente, atender seu pedido.

Chegou ao quarto dos sobrinhos, tentando ser o mais discreto possível, pois imaginava encontrá-los dormindo.

Kankuro estava. Despreocupado e pouco ciente de toda aura de caos que cercava a família, desfrutava de um sono pesado e aparentemente com sonhos agitados, visto pela posição atravessada em que se colocara na cama, chegando até mesmo a derrubar as cobertas e travesseiros no chão.

Temari, no entanto, abraçou suas pernas logo assim que abriu a porta.

— Mamãe está doente?

Além de acordada, a garotinha parecia ter mantido os ouvidos grudados na parede. E era inteligente o suficiente, no auge de seus quatro anos recém completos, para compreender que sentir dor, talvez estivesse ligado a alguma doença.

Yashamaru se esforçava, de fato amava aquelas crianças e não se podia, em hipótese alguma, chamá-lo de um tio ruim.

Mas sua habilidade de falar com seres humanos tão pequenos não era, nem de longe, seu maior atributo.

Se é que podia-se dizer que essa era uma habilidades que possuía.

Contudo, o importante era que dava o seu melhor. Sempre. Não importava o quão difícil fosse.

E sem dúvida, aquele era um momento difícil. O mais difícil que já havia passado em toda sua vida.

Logo, só o que fez foi abaixar na altura da garotinha, segurar suas pequenas mãos e encarar seus olhos aflitos, como aprendera ao longo de sua relação com a irmã.  Passando segurança, ele disse o melhor resumo que conseguiu, sem tirar de Karura as palavras que deviam ser dela.

— Não, ela não está doente. Lembra o que conversamos sobre estarmos todos esperando seu irmão mais novo chegar? Ele chega hoje.

— Por que dói? – A menina ainda estava confusa sobre isso. Não tinha lembranças de como foi o nascimento de Kankuro, era pequena demais para se recordar, o que fazia daquele seu primeiro contato com a experiência.

— Porque não é fácil trazer um bebê pro mundo, precisa ser muito forte. – Por fim, optou por embelezar os fatos e omitir partes feias, das quais não precisava falar.

Em outra ocasião, teria pensado que deu sorte em não precisar mentir ou inventar alguma coisa, ainda que soubesse que Karura o repreenderia assim que descobrisse.

Mas naquele dia, nada podia ser tomado como sorte. Não era sorte ter omitido a parte do: "Eu queria dizer que ela é forte, que já fez isso antes e vai ficar tudo bem, só que não vai. Ela não vai resistir".

Era quase excruciante olhar para aquelas crianças com o pensamento de que, no dia em que ganhariam o irmão ao qual tanto esperaram, perderiam a mãe. Sem contar que havia todo um jogo político cruel por trás disso.

Antes que ela pudesse fazer alguma pergunta que tornasse tudo ainda mais doloroso, se levantou e sentenciou:

— E agora...ela quer se despedir de vocês antes de partir, temos que ser rápidos. Não queremos ver a mamãe com dor por muito tempo, não é? – Agora cruzara um pouco a linha da verdade. Não era exatamente como se seus atos influenciassem sobre parar as dores.

Temari balançou a cabeça afirmativamente, deu a mão ao tio e, como a boa garota obediente que sempre foi, guardou suas perguntas pra si e seguiu acordada como nunca, analisando tudo o que podia compreender na inocência astuta de sua mente de quatro anos.

Em seguida, Yashamaru foi até a cama de Kankuro, porém não teve coragem de acordá-lo para viver aquela madrugada tão tensa. Apenas o envolveu nas cobertas novamente e o pegou no colo como estava.

Orientou Temari a também se enrolar em sua coberta, as madrugadas de Suna eram realmente cruéis de tão frias, para enfim partir com as duas crianças de volta a sala.

Mal viu a mãe e a garotinha já disparou correndo até ela, quase tropeçando nas cobertas que arrastava consigo, por fim escolhendo deixá-las cair no chão, priorizando o abraço apertado que lhe deu, tão logo a alcançou.

Karura não ousou pedir que ela tivesse cuidado ou agisse mais devagar. Pouco importava qualquer dor ou desconforto a mais naquela noite, nada podia tirar de si o prazer de receber aquele abraço da filha.

E ela conhecia a menina, ela criou aquela criança com esmero. Mais uma vez, Temari era muito inteligente.

Inteligente o suficiente para aquela não ter sido a primeira conversa tensa que espiava e analisava atrás das portas, ao longo daqueles meses.

Temari era inteligente o suficiente para estar assustada.

Yashamaru acomodou Kankuro nos braços da mãe e se afastou um pouco. Acomodou-se  sentado de frente a um relógio, mas também de onde podia enxergar um pedaço do corredor, através de uma pequena janela.

Sua prioridade era calcular o tempo, porém também era importante garantir a privacidade daqueles que estavam na sala.

Karura, de solsaio, lançou-lhe um singelo olhar de orgulho. Podia implicar o quanto fosse, assim como Yashamaru podia relutar o quanto quisesse, mas no final ele sempre ia dar o melhor de si para toda missão que aceitasse.

Admirava essa força nele e, sem dúvida, se orgulhava do homem, e do shinobi, que ele se tornara.

Temari deu um jeito de também se aconchegar perto da mãe, mas fazendo questão de permanecer de frente pra ela, de onde podia encará-la.

Karura notou que ainda tinha nos pulsos as xuxinhas que tirou dos cabelos da filha, antes de colocá-la na cama no início daquela mesma noite, e começou a pentear os cabelos dourados da menina com dedos, planejando prendê-los de volta uma última vez, enquanto dizia:

— Presta bem atenção no que estou fazendo. Seu tio e seu pai não levam muito jeito com penteados, então você vai ter que passar a fazer sozinha daqui pra frente, entende? – Mal começara a falar e já havia falhado em conter os olhos de marejar e a voz de embargar um pouco.

— Não, mamãe, você faz... – Temari era inteligente, mas ainda era só uma criança muito assustada com o rumo que as coisas lhe pareciam ter.

O pior medo de toda criança é perder os pais por qualquer motivo. E mesmo sem entender completamente os detalhes complexos de toda aquela história, Temari podia sentir um alerta sobre isso.

Raramente via a mãe chorar ou parecer tão abatida. Melhor do que Yashamaru, Temari conseguia ver claramente, por trás de sua força, que ela também estava assustada.

— Minha filha, eu queria ter mais tempo pra te explicar melhor, com calma, o que está acontecendo, porquê está acontecendo... 

Karura teve que fazer uma pequena pausa para suspirar, morder os lábios e sentir mais uma contração. Yashamaru praticamente prendeu a respiração e todo seu foco pertencia ao relógio, onde seguia monitorando intervalos e durações, como se sua vida dependesse disso.

Ela afastou as mãos do filho em seu colo, não querendo ceder ao instinto de apertá-lo ou mover-se muito a ponto de tirá-lo de seu sono.

Por isso, Temari puxou as mãos pra si e as segurou. Olhava tão firme nos olhos da mãe que parecia até uma pequena adulta que sabia muito bem o que estava fazendo.

— Pode apertar, eu não ligo...

Karura sabia que não devia seguir esse conselho, não com toda sua força, e aquilo acabou tornando muito mais difícil, seu esforço para não chorar.

E quando mais essa onda de dor passou, ela olhou pra Yashamaru ofegante e cansada, esperando por alguma informação relevante.

— Mesmo intervalo, só aumentou um pouco a duração. Segue rápido. – Ele informou, dando seu aval para que continuasse a se despedir.

— Tudo bem... – Assentiu resignada, tentando pôr sua respiração de volta sob controle e reunir um pouco mais de força pra encarar a próxima, enquanto voltava sua atenção aos olhos ávidos de Temari. – Eu sei que você está confusa, sei que está com medo e eu queria poder dizer pra você que não precisa disso, mas não posso...

— Mãe... – Ela choramingou um pouco, interrompendo seu discurso, sentindo o maior nó que já havia se formado em sua pequena garganta quase lhe roubar a voz.

— Me escuta, Temari... – Karura enxugou o rosto da filha e em seguida o seu próprio, antes de retomar. – O mundo é muito maior do que essa casa, filha, e eu não posso mentir pra você, porque todas as outras pessoa já vão fazer isso. Quero que, ao menos de mim, você escute a verdade. As coisas vão ficar muito, muito difíceis daqui pra frente. Mas eu confio em você, confio que aprendeu tudo o que eu pude te ensinar e que vai ser forte. Eu nunca quero ver você abaixar a cabeça diante de uma dificuldade, está ouvindo? E também não deixe seus irmãos fazerem o mesmo, jamais. Não importa o que aconteça, não importa o quanto a situação seja difícil, não deixe nada te mudar, nem por um segundo. Nada que faça você deixar de ser você mesma vale a pena. Se for pra mudar, apenas melhore quem você já é. – Precisou novamente de uma pausa para recuperar o fôlego, e voltou a prender os cabelos da filha. – Por mais esforço que faça, não pode prever completamente os eventos de sua vida. Alguma coisa sempre vai te surpreender e, às vezes, você vai se sentir muito sozinha. Eu queria te prometer que só haverão coisas boas em seu caminho, mas Temari, a vida não é assim. E momentos difíceis, até mesmo ruins, são necessários porque fazem a gente aprender e evoluir, ficar mais forte, sabe? Você não tem que esperar que tudo dê certo sempre, você tem que aprender a superar tudo o que vier e tirar proveito de todas as situações. Então meu amor, o que quero dizer é: vai haver dor, e haverá amor também. Vai haver esperança, mas também haverá medo. Os anos vão passar, sua visão vai se tornar mais clara e você não vai mais estar tão confusa, talvez até se lembre e finalmente entenda, tudo o que estou te dizendo agora. Você vai levantar e cair muitas vezes ao longo disso tudo. Mas querida, ainda que meu corpo morra hoje, amor de mãe não morre e eu sempre vou estar bem aqui pra vocês. – Finalmente terminou o penteado. Analisou e acariciou o rosto da filha orgulhosa e admirada de sua obra, antes de aconchegá-la mais a si, agora praticamente tendo os dois no colo. – Preciso te dizer que ser mulher não é fácil, especialmente aqui em Suna. É por isso que você deve ser forte e ter empatia por suas semelhantes. É claro que vai ter problemas com algumas, mas nenhuma mulher realmente devia tentar derrubar outra. Tenha em mente que as vezes fazemos isso porque estamos com medo e insegura, evite isso e tente mostrar que elas estão erradas. E por favor, por favor, por tudo o que é mais sagrado, nunca mude por homem nenhum, em hipótese alguma. Jamais deixe alguém dizer que você não pode fazer alguma coisa, que não pode mais ser uma kunoichi se casar e tiver filhos. Não abaixe sua cabeça, não ande na sombra dele, não admita ser desrespeitada, não se deixe diminuir. E nunca acredite nos primeiros encontros perfeitos. Nesse dia eles vão te pegar pela mão, te oferecer as estrelas, mas não acredite só em palavras. Eles tem que provar e isso vai muito além de promessas.

Se tinha qualquer coisa a mais pra falar, não pôde concluir, pois foi mais uma vez interrompida pela dor.

A essa altura, tanto a mãe quanto a filha, já tinham o rosto muito molhado pelas lágrimas. Temari podia não conseguir compreender totalmente, com sua pouca idade, todos os detalhes do que Karura dizia, mas apenas o básico foi suficiente para fazê-la chorar.

A mãe estava se despedindo dela e, pela primeira vez, alguém lhe falava sobre o futuro, sem as ilusões de contos de fadas que usualmente são contadas para crianças.

Pela primeira vez alguém falava sobre as partes difíceis e admitia que elas existiam.

E, acima de tudo, sua mente gravou como principal, aquilo que a mãe mais pareceu repetir.

“Você tem que se forte. Sobre toda a dor, você tem que ser forte.”

E por isso, apenas deixou as lágrimas escorrerem, imitando a mãe e contendo qualquer tipo de escândalo tipicamente infantil.  Ela seria forte.

Nem mesmo a dor impediu Karura de olhar pra menina com orgulho. Ainda que, com o tempo, toda sua fala viesse a ser nublada no fundo da mente de sua filha, tinha certeza de que algo ficaria com ela ao longo de sua vida, mesmo que de forma inconsciente.

Temari a abraçou dessa vez, ao invés de só segurar suas mãos. E a maneira com que fez isso, unida ao fato de que, dessa vez, falhou em ficar completamente calada, acabaram por fazer Kankuro despertar.

O menino abriu os olhos aos poucos, confuso por se achar fora do cama, custando a se acostumar com a luz acessa no cômodo.

Karura o ajeitou e acariciou com as mãos trêmulas, colocando todo o esforço do mundo em se conter para não expressar sua dor de forma plena e assustá-lo.

— Eu acordei você... Me desculpe querido...

Ele passou a mão no rosto da mãe, franzindo o rosto em interrogação quando esta retornou úmida.

— Triste? – Perguntou simplista, pois ainda não tinha tanta eloquência quanto Temari.

— Não... – Murmurou forçando um sorriso, sentindo enfim, aquela contração aliviar, se repreendendo internamente por mentir pro filho. Kankuro era passional demais para encarar um longo discurso da mesma forma que Temari. E a forma como a última dor a açoitou mais forte que as anteriores, lhe indicou que não tinha mesmo mais tanto tempo sem sequer precisar que Yashamaru dissesse. Ainda que ele já tivesse se levantado para tal. – Eu só amo vocês, muito.

Ajeitou os dois e aos abraçou simultaneamente.

Antes que Kankuro pudesse perguntar porque Temari também estava chorando, Karura focou a atenção dele em si, tentando ser o mais breve possível.

— Você prometeu que seria amigo do seu irmãozinho, lembra?

O garoto vinha ansioso por mais alguém pra brincar, desde que ouvira o assunto pela primeira vez.

Logo, não surpreendeu ninguém, quando a mera menção do assunto o deixou animado e ele se colocou de pé no sofá, sorrindo.

— Agora?

— Daqui a pouco... – Karura respondeu contente, pois a animação pura dele quase a fez esquecer toda a parte triste que a história continha.

O puxou pelas mãozinhas, forçando-o a se abaixar e parar de pular em comemoração.

— Não vai ser uma amizade fácil, mas ele vai precisar muito de você. Por favor, não desista dele com facilidade, tudo bem? Nunca perca seu humor e nem esse seu jeito de ver tudo com arte, com paixão. Essa aldeia é muito rígida, precisa de pessoas que sorriam tanto quanto você. Se quer ser um artista, então seja um mestre no que escolher. Se também quer ser um shinobi, saiba que não precisa se obrigar a estar em nenhuma posição que não queira. Não importa o que seu pai ou qualquer um diga, nunca deixe ninguém tirar seu espírito livre. Fique apenas onde quiser estar. Seja forte assim como a sua irmã e fiquem juntos. Por favor, não abandonem seu irmão...

E ela abaixou a cabeça encarando a si própria e tentando disfarçar o fato de ter voltado a chorar. 

Kankuro no entanto, ergueu novamente o rosto da mãe e deu um ligeiro beijo em sua testa.

Talvez tenha dito todas aquelas coisas aos filhos mais por si mesma, porque era muito triste partir sem poder tê-los criado completamente. Contudo, reações como aquelas, davam sentido a tudo.

— Sua mãe tem que ir agora crianças.

Era difícil pra Yashamaru dizer aquilo, especialmente sabendo que ela poderia não voltar, porém sabia que era muito mais difícil pra ela, então achou que devia poupá-la e dizer ele mesmo.

Assistiu os pequenos darem o último beijo e o último abraço na mãe e ajudou a irmã a se levantar.

Os dois foram enviados com suas cobertas de volta ao quarto, ainda que estivesse ciente de que, depois disso, eles não  iriam dormir.

E novamente sozinhos na sala, foi a sua vez de se despir de sua postura e roubar um último abraço da irmã. Permitindo-se chorar por pelo menos alguns segundos. 

— Yashamaru...

— Não ouse. Não ouse se despedir de mim... – Sabia que aquele era o momento, mas já não se achava capaz de ouvir um discurso direcionado a si.

— Eu não preciso. Não preciso me despedir de você Yashamaru. Estive ao seu lado a cada dia de sua vida e você da minha, não há o que dizer, já sabemos tudo o que o outro diria. – E por fim riram, porque era verdade. Mas foi um riso curto e completamente quebrado pelas circunstâncias, que, em suspiro, tornou-se novamente choro. – Eu sei que você é meu irmão mais novo, mas eu preciso da sua benção para o que estou prestes a fazer...

Karura costumava sempre fazer isso, antes de tomar decisões ou atos importantes.

Yashamaru engoliu em seco.

— Quer minha benção pra morrer? – A pergunta saiu em um fio de voz.

— Não, quero sua benção pra trazer uma criança ao mundo. Para me sacrificar por ela.

Essa, sem dúvida, foi a benção mais difícil que já havia dado.

Tudo naquele dia podia se resumir a palavra difícil.

É óbvio que, por fim, tomou as mãos da irmã nas suas, as beijou e concedeu sua benção. Ao que ela lhe sorriu satisfeita e completou.

— Rasa não vai conseguir ficar com ele na maior parte do tempo. Talvez ele tente, mas não vai conseguir. Ele vai deixar o bebê sob sua tutela e por favor, aceite. Por favor, Yashamaru, faça por ele o que eu não puder, diga a ele o que eu não vou poder em palavras. Por favor, não o deixe sozinho...

— Tudo bem, tudo bem... – Ele a calou, assentindo com pressa, querendo impedi-la de continuar a se esforçar e protelar, ainda que cada minuto restante com a irmã, fosse precioso.

Guiou-a até a porta, mas quando ia seguir com ela pelos corredores, Karura o impediu.

— Você fica aqui com eles. Eu vou falar com meu marido agora.

A sala do Kazekage não ficava longe, e depois de tudo o que já haviam falado, aquilo era ousado, mas compreensível.

Ela queria caminhar pra própria morte sozinha. De cabeça erguida, honrada e por escolha própria.

E qualquer coisa menor do que isso, não seria mesmo digno dela.

E aquela foi a última visão que teve da irmã. Dela erguendo sua postura o máximo que pôde, se amparando nas paredes e caminhando.

Se orgulhava dela. Se orgulhava e esperava conseguir honrar não só sua morte, mas também a forma como viveu cada dia de sua vida.

Enquanto Karura batia na sala do Kazekage, Yashamaru foi para o quarto das crianças.

Como esperava, ambos ainda estavam acordados. Temari, nitidamente se esforçava para não mostrar ao irmão o quão devastada estava enquanto Kankuro permanecia eufórico e queria fazer algo com que pudesse presentear o bebê que ia chegar.

Yashamaru engoliu a própria dor e permitiu as crianças que voltassem pra sala, onde passaram o resto da madrugada, ajudando as crianças a terminar a costura do urso de pelúcia que Karura tinha começado, sem conseguir completar.

E, de fato, Karura faleceu naquela noite após dar à luz seu filho.

Mas seu espírito e força permaneceram vivos entre a família através daquele ser por quem dera a vida, porque ela sempre esteve completamente certa ao dizer que amor de mãe, quando real, não morre.

 


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Notas finais do capítulo

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