Shard of Lies escrita por XIII


Capítulo 36
As Rosas




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Eu não podia fechar os olhos. A insônia me pegou em praticamente todos os dias em que ela esteve no meu ventre. Eu culparia o pai dela por essa condição, mas eu mal faço ideia de quem ele é. Sou uma mulher crescida e extremamente capaz, então quem quer que seja o fecundador, ele não é importante. A Senhora Delula sempre me disse que eu não deveria engravidar, pois os deveres de uma Iniciada eram importantes, muito mais importantes que uma criança. Por isso, então, certa noite, eu simplesmente peguei minhas bolsas e saí do Convento, sem contar nada pra ninguém. Pedi a ajuda de dois amigos meus, Oswald e Oliver, e eles me ajudaram durante toda a gestação, até que Abigail nascesse.

Ela, assim como eu, nunca conheceu o avô. É como se fosse uma maldição entre os Crown, a morte do anterior precede o nascimento do próximo. Meu pai já estava muito doente de qualquer jeito, sempre travado em seus aposentos e preparando suas magias secretas. Talvez a notícia da minha gravidez o tenha preocupado além da conta, porque provavelmente ele imaginava que isso o mataria. Bem, provavelmente matou, então ele estava justificado. Abigail não demorou a correr pela casa e manifestou seus talentos mágicos antes mesmo de começar a falar. Destinada à grandeza, provavelmente. Eu também precisava praticar minhas arcanias, mas os caminhos da magia eram sérios demais e a bruxaria, agora bloqueada pra mim, religiosa demais. Não, provavelmente tinha algo mais intrigante que isso. 

Me dediquei a procurar textos perdidos, rasgados pelas bruxas durante a fundação de Baronesa. Sempre quis entender a rixa entre elas e os druidas, então fui a fundo. Enquanto ensinava Abigail nas artes da magia(afinal, os Crown são uma família de magos), procurávamos, eu e ela explorávamos prédios abandonados, templos ao ar livre que foram depredados, e cavernas que, diziam as lendas, eram utilizadas para que os druidas se conectassem com as raízes na terra. Tudo muito maravilhoso. E mesmo que a minha filha não compreendesse, eu estava me treinando nos caminhos druídicos. Ah, se Delula soubesse…

E por muitas vezes, as árvores me mostraram futuros. Por outras, elas me revelaram passados. Me contaram sobre uma escuridão que pairava sobre os Crown há mais de oitenta anos, que provavelmente vinha dos tempos de meu avô. Provavelmente era isso que os matava, não deixando ver mais que uma geração à frente. Tive medo que minha filha passasse por isso. Abigail era tão talentosa. Também era orgulhosa, irritante, provavelmente má, mas também tão inteligente, tão bela. Uma criança como qualquer outra, eu suponho. Temi que uma maldição tão antiga pudesse fazê-la mal, então me aprofundei nas artes druídicas.

Quando Abigail tinha onze anos, eu reanimei uma bela rosa, que ficou acinzentada com o druidismo. Plantei em nosso jardim. Foi o meu primeiro druidismo. Depois dessa primeira vez, as flores começaram a me contar histórias. Histórias sobre a nossa casa, coisas de Alistair e Arthur Crown. 

“Alistair voltou quando Arthur foi embora”.

  Essa história foi contada várias vezes.

A outra era sobre a emergência da escuridão.

O segundo druidismo foi quando, sem o auxílio da terra, fui capaz de ver uma possibilidade distante. Um segundo filho, de nome Avin. Eu já estava satisfeita com a Abigail, então agradeci ao futuro e o ignorei. 

Abigail aos doze anos já havia superado toda a maga que eu já tinha sido. Não era muito(eu fui uma péssima maga), mas era certamente alguma coisa. Essa coisa de ter que fazer as pessoas acreditarem no seu potencial não é a minha coisa, mas certamente deu poder aos outros Crowns. Causar problemas a mim mesma também não é a minha praia, pra falar a verdade. Mas quando eu descobri que o druidismo consistia de manifestar a minha própria alma e partilhá-la, por algum motivo, eu me apaixonei por aquela arcania.

Privei Abigail de qualquer cicatriz que pudesse ser obtida na infância. Eu não gostava de ver o corpo dela marcado, então, se ela aparecesse com o joelho arrebentado por uma brincadeira ou queimasse os dedos fazendo magia, eu estava lá para curá-la. Era belíssimo o que se podia alcançar com o druidismo. 

Praticando o druidismo da chama, eu senti a escuridão que espreitava o meu corpo. A coisa maligna que as flores me falavam. A escuridão que me impedia de queimar minha alma com aquela chama gentil, que não resistia ao poder e se apagava como se fosse uma fogueira à chuva. Entrei em pânico, então voltei aos velhos hábitos e procurei Oswald e Oliver.

Oswald havia se tornado um grande mago, respeitado por toda Baronesa. Oliver estava estudando para se tornar um clérigo. Abracei forte os dois e falei sobre aquela arcania que estava presa em mim. Os dois passaram a usar suas próprias arcanias pra me proteger, as magias de Oswald para selar o mal que havia em mim, as bênçãos de Oliver para me acalmar e proteger meu espírito. Abigail não gostava de nenhum dos dois. Ela gostava bastante de atenção, mas eu precisava deles, até para protegê-la. Acabei me apaixonando. Acabei cometendo um erro terrível.

A escuridão em mim se afeiçoou por Avin ainda no ventre. Oliver disse que cuidaria de seu filho, que o protegeria da escuridão, mas aquilo não teria fim. Eu não queria uma maldição como aquela pairando sobre outro filho meu. Eu sabia quem poderia me ajudar a controlar aquele poder. E retornei a um outro velho hábito horrível. Retornei à Delula, sem contar nada à minha filha, que eu esperava que pudesse se virar sozinha, logo no começo da gravidez. Ela nomeou a bruxaria que habitava meus corpo e alma: Shard of Lies. Ainda no ventre, ela dividiu aquela bruxaria em duas partes, demorou tanto tempo, mas ela conseguiu. Estive em coma nos outros seis meses da minha gestação, mas me lembro do nascimento de Avin. Lembro-me que Oswald e Oliver estavam comigo, até ali.

Delula fez o parto, mas Avin já estava marcado pela maldição. A maldição que era para me pegar, no meu filho recém-nascido. Segurei-o, em prantos. Nenhuma mãe gostaria de um resultado como aquele. Implorei à Delula que o livrasse daquilo, mas ela afirmou que ele morreria logo ali, se ela o fizesse. Eu sentia a escuridão que restava se espalhar pelo meu corpo, furiosa por perder parte de seu poder, e foi Oswald quem se ofereceu para receber aquilo. A maldição dos Crown, eu não queria que fosse um fardo pra ele, mas eu estava sofrendo tanto, a febre me consumia, meus pulmões cediam, então eu também cedi. Delula usou de sua bruxaria para deixar aquela escuridão prematura sair de meu corpo, apenas para encontrar Oswald Cross. Ele sofreu também, mas aguentou como eu devia saber que aguentaria. Meus corpo e alma estavam livres da escuridão e a chama voltou. Bem na frente da Bruxa.

A Chama do Druida não existe para ferir e ela sabia disso, mas mesmo assim, Delula me mataria por manifestá-la. Lançou sua bruxaria contra nós, mas Oliver, ainda com nosso filho nos braços, nos protegeu. Era assim que ele era. Oswald me ajudou a sair dali e Delula mandou suas bruxas para nos caçar, mas de alguma forma, as evitamos todas. Tomei algum tempo para me recuperar e para procurar pistas daquela maldição, e as rosas gris tornaram a me avisar:

“Alistair voltou quando Arthur foi embora.”

Meu pai não conheceu o avô por pura coincidência, porque ele estava morto muito antes.

Mas Alistair só adoeceu quando soube de mim. E seu pai mudara bruscamente, como se nem mais a reconhecesse. Porque a maldição já havia tomado conta, como tentou tomar conta de mim. Porque a maldição era a própria alma do avô, eu podia reconhecer agora. Não sabia o porquê, mas tinha certeza.

Separei-me dos meus dois melhores amigos. Separei-me do mago que ocuparia a cadeira dos magos na Távola de Baronesa. E separei-me do pai do meu filho, para que Delula não tivesse como rastreá-lo. Porque ela o usaria pra chegar até mim. Foi naquele dia a última vez que os vi.

Não pude me despedir da minha amada filha, porque Delula já havia colocado seus olhos nela. Meu coração se apertou com a aflição e eu quase não aguentei de tristeza. Lágrimas de raiva queimaram meu rosto e a minha chama se apagou naquele dia. Até hoje, não voltou. 

Oswald e Oliver estão mortos. Por minha culpa. O assassino deles pegou a minha criança e a levou não sei pra onde. Velvet ainda está procurando, sem esperanças. Achei que tínhamos alcançado algum progresso quando o feiticeiro matou aquele lacaio de Vincent Grinn, mas acabou que ele não sabia de nada. Vou encontrá-lo e acabar com toda essa palhaçada. Também vou encontrar minha filha e pedir desculpas pra ela. Porque eu mesma vou matar Delula DeWrigg por me separar deles. Também vou matar Vincent Grinn por ter assassinado aqueles dois. Todos um bando de filhos da puta, Delula, Vincent e os relacionados.


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