Shard of Lies escrita por XIII


Capítulo 29
Estilhaço de Mentiras




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Estou ficando louco, Abigail.

 

Ela olhava pra mim como quem olhava pra um cachorro moribundo. Eu não tinha ideia se ela tinha me ouvido, se eu havia mesmo pronunciado alguma coisa do lado de fora da minha cabeça. A maga deu um passo hesitante na minha direção, observando a situação ao seu redor. Três bruxas mortas, me aprisionando num selo custoso demais. Aprisionando ele. Alistair Crown estava em outro lugar, lutando contra as três. Silhuetas das bruxas atravessando um lugar definhado pela Sombra. Senhora Miuzand, com a alma queimando em brasas; Senhora Olga, com sua alma fria como gelo, determinando o destino do filho da puta que me sequestrava a carne; Elena, que avançava na direção da Sombra que ela sabia que podia arrancá-las de suas vidas, ignorando a própria verdade do que as tornava Bruxas, suas próprias existências intermináveis. Dos meus olhos, eu via Abigail deixar a hesitação de lado e se aproximar de mim, abaixando-se até que seus olhos estivessem alinhados com os meus. Ela aproximou a mão do meu rosto.

 

Não faça isso. Não me toque.

 

Ela me ignorou ou não me ouviu. Sabia que, em alguma extensão, as bruxas contavam com ela aqui do lado de fora. Tocou gentilmente o meu rosto. Foi como se tivessem enfiado uma agulha na minha cara. Pelos olhos de Alistair, eu via que ele se encarava num espelho muito bem ornamentado. O toque de Abigail o afetava, mais a ele do que a mim, e o instante no qual ele perdeu o foco foi o suficiente para que conseguissem ferí-lo. Como se sempre estivessem ali, eu senti as memórias de Alistair Crown. Foi a mesma coisa pra Sombra. Ela não se definia por ele, mas com o toque de seu sangue, quando foi forçada a se encarar no espelho que era a bisneta, sua identidade se forçou para dentro. A instabilidade momentânea o descontrolou, espalhando a Sombra e atacando as bruxas. Violentas, as memórias começavam a demandar atenção.

 

Eu não sou o melhor em narrar qualquer coisa fora da minha própria vida. Eu estava vendo a mente dele. Sei que ele está vendo a mesma coisa. Estou vendo a minha própria mente. Sei que ele também está vendo a mesma coisa. Vejo as formas do passado dele. O Primeiro Rei de Baronesa, Atteno Valvarin e sua irmã gêmea, Helena Valvarin, mulher que seria a mãe de Arthur Crown. Atteno Valvarin, Paladino da Cidade-Estado de Spellborn, começando seu golpe para levar seus homens até as extintas muralhas de Baronesa e tomar seu trono, que carecia de ser construído. Helena Valvarin, a Feiticeira-Surda, que ouvia tudo através do coelho branco e rechonchudo. Vi, em minha mente, o quadro de minha avó, Barbara Grinn, e sabia que Alistair Crown a via também. Víamos juntos sua esposa, Helena, morta ao seu lado na cama. Eu sabia que isso era obra de minha avó. Ele também sabia, na hora. Não que pudesse fazer qualquer coisa. Essa era a função do Sabre de Spellborn; matar as ameaças. Isso, é claro, não adiantava em nada para amenizar a dor que Alistair Crown sentiu, quando o sangue de Helena manchava os lençóis ao seu lado. Os Grinn sempre tiveram essa mania de dramatizar as coisas. Naquela mesma noite, a magia turbulenta no coração de quem viria a ser o maior Mago de Baronesa gritou, mais alto que sua voz jamais alcançaria. Alistair Crown atirou seus relâmpagos para o céu, ainda sujo de vermelho. Arthur Crown era uma criança que mal tinha aprendido a falar ainda, mas viu o ódio do pai antes mesmo de saber do destino da mãe. Arthur Crown aprendeu a usar aqueles relâmpagos antes da puberdade. Após o funeral da gêmea Valvarin, reconheci a mulher que a Sombra vem querendo fazer com que eu mate. Ainda jovem, lá estava Delula DeWrigg, e a própria imagem da bruxa plantou a ideia da recusa na minha mente. E se pudéssemos desenvolver a imortalidade? E se eu pudesse me vingar dela, sem um limite de tempo? Kezitar, o Druida que vivia na cidade, aconselhou a desistência. A vida não deve ser corrompida com a eternidade, ele dizia. Conversar com as suas árvores imortais não estava lhe fazendo bem, era o que Alistair pensava, mas sabia que tentar convencer o amigo era impossível. Claro, a sombra de Delula se alongava mais e mais, a ideia da imortalidade se tornara uma obsessão na minha mente. Precisava matar Atteno Valvarin, mais que a qualquer um. Claro, eu sabia que havia sido Barbara Grinn quem matara Helena, mas o que era ela senão uma ferramenta do Paladino? Ele queria agarrar o pescoço do gêmeo Valvarin até que o ar não pudesse passar, até ouvir o estalo do osso. Os Grinn teriam o que mereciam algum dia, mas era o Valvarin, que mandou matar a irmã, quem precisava morrer.

 

Fujam, por favor. 

 

Alistair arruinava a Dimensão dos Mortos e espalhava sua dor e sua magia, ferindo as três bruxas. A dor que eu sentia era a que ele sentia e ele não sabia se as bruxas conseguiriam derrotar o Mago antes que ele destruísse as suas almas.

 

Delula tornou-se a amante dele, e os dois compartilharam muito mais que a cama. Eu sabia os segredos da osteofagia, e eu contava a ela as artimanhas da magia. Delula usou tudo isso para pavimentar seu caminho para de tornar a Primeira Bruxa, tornando suas Senhoras fortes com a magia dividida com Alistair. Enquanto isso, o Mago afundava nas bruxarias até que seu corpo se tornasse quase imóvel. Seu filho, Arthur Crown, cuidava das necessidades de seu pai enquanto também precisava cuidar de sua família. O que o jovem Mago não percebia é que o pai refinava a magia em seu corpo. Eu estava tão próximo, tão próximo de completar minha última magia, mas meu corpo não suportaria. Ah… tão pouco. Meu filho cuidava muito bem de mim. Ele era um garoto com muito futuro pela frente, mas meu tempo havia acabado. Ah, Atteno… Isso não vai ficar assim. O rosto de Alistair se retorceu numa carranca, a última vez que viu o rosto do filho. A primeira vez que usou seu Estilhaço de Mentiras.

Abriu os olhos novamente anos depois. Não conhecia reconhecer-se mais ao espelho, mas sabia seu nome: Alistair Crown. Mas a magia não estava completa ainda. Sentia o corpo definhar novamente. Ainda estava distante dos Valvarin, mas Atteno ainda estava vivo. Sentia a magia de sua neta, Aelin Crown, crescer como a de seu filho um dia cresceu. A neta dos Crown, entretanto, tinha talento para a bruxaria, ele podia ver. Não teria medo de entregá-la para Delula, para que sua antiga amante terminasse seu treinamento de forma adequada. Refinou mais um pouco a sua magia. Dessa vez, ele pretendia ser um eco que moveria a neta para a direção que bem entendesse. Para matar os Valvarin. Usou, pela segunda vez, seu Estilhaço de Mentiras. 

Mas não se lembrava da terceira. Nada fazia sentido, pois sua magia havia sido partida, dividida em duas partes irregulares. Não conseguia entender aquele corpo fraco demais, não teria usado sua magia naquele corpo sem o menor potencial. Não havia escolhido Avin Crown, mas sentia seu poder sendo desperdiçado em outro lugar, algum lugar sem seu sangue e sem seu poder. Mas ainda assim, usou seu Estilhaço de Mentiras uma quarta vez.


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