Shard of Lies escrita por XIII


Capítulo 30
Sucessão




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Claro que sim. Aquilo que você estava buscando estava dentro de você o tempo inteiro. Maldito. No que ele estava pensando? Aumentar o número de membros no clube? Ele não realmente achava que superaria o poder de Alistair Crown, não é?

Não, é claro que não. Nem por um segundo eu deixei que ele percebesse o que estava acontecendo.

E qual era o plano, Sombra? 

Alguma coisa estava faltando, garoto. Agora eu sei que eram as memórias, mas o mago sabia o tempo todo. Toda aquela magia e ele achava que tinha controle. Claro, ele não sabia como usar o Estilhaço de Mentira ainda, foi só uma amostra. Ele achou que você seria só um peão dele pra me superar, mas…

Ele não contava que eu fosse descobrir como você funciona. Ou que Abigail fosse mesmo poderosa o suficiente para pará-lo. Mas não faz sentido que ele tenha tentado usar o Estilhaço de Mentira, na verdade. Oswald Cross perderia os poderes sobre você se ele conseguisse. A menos que…

A menos que ele não soubesse das consequências. A mente de Oswald Cross já era a minha àquela altura. Ele não sabia que os pensamentos dele eram os meus e eu precisava de Abigail Crown. Eu sou os poderes de Alistair Crown, garoto! Eu busco recriar a minha consciência a todo instante! É claro que eu ensinaria ao mago como usar o Estilhaço de Mentira! Ele ficou tão orgulhoso de si mesmo quando foi à Mansão Crown e aprendeu os meus segredos! Oh, apenas um mago medíocre, um cavalinho se achando o rei! Só faltava o próximo passo e eu teria poder para matar os Valvarin remanescentes!

Uma imagem engraçada o interrompeu, no passado, nos nossos devaneios e até mesmo agora. Uma mulher jovem e bela, de vestes vermelhas como o crepúsculo distante e de cabelos loiros como os dele de outrora, sangue de seu sangue, impedindo que o sangue dos Valvarin fosse derramado. Um jovem muito bem apessoado e de sorte pendendo muito para o lado do azar desvendando seu complexo segredo de forma quase acidental, colocando-se em seu caminho. Alguém como uma mente inalcançável, não porque ele tinha qualquer vontade insuperável ou um rigoroso treinamento. Só porque havia destruído aqueles circuitos mágicos dos quais a invencível Sombra de Cartola precisava para invadir pobres mentes. Vincent Grinn nem sabia ainda o motivo pra aquilo tudo. Talvez Abigail Crown conseguisse superar a Sombra se fosse contaminada por ela. Talvez o garoto só não quisesse dar mais alguma coisa para torná-la ainda mais distante.

De repente, os dois eram crianças.

Drake Grinn derramou bastante dinheiro na mão do filho, para que partisse em busca de algo impossível de ser achado: o Estilhaço de Mentira.

Atlaz. Eric. Karla. 

Eu e Abigail.

Poderiam estar contando histórias sobre nós cinco, mas ninguém mais se lembra.

Karla avisou que era perigoso continuar. Droga, e ela nem sabia que o Estilhaço de Magia nem existia daquela forma.

Atlaz era jovem demais. Só queria voltar pra casa.

Eric nos protegeria. Ele era assim mesmo.

Mas eu queria poder.

Abigail era poder, então eu também a queria. Você precisa me perdoar, todos já fomos adolescentes um dia.

Ela não queria o Estilhaço, não de verdade. Eu até hoje não sei o que ela queria, mas não valia aquelas vidas. Ela deu um passo longe demais. Tudo foi pra merda.

Eu não quero e não vou me estender muito sobre eles, mas essa cena, por mais que os rostos deles já não estejam presentes, permanece.

Atlaz morreu primeiro. A maldição naquele calabouço acabou com sua vida em instantes, bem como Karla previu. Arrependimento e vergonha tomaram a alma de Eric, que disse que nos protegeria. Aquele sofrimento só poderia vir de alguém sincero. Karla foi a segunda, perseguida por alguma criatura criada por alguma magia suja, irreconhecível até mesmo para Abigail que, assim como eu, estava parada, cheia de pânico. Eric nos agarrou e saiu correndo. Não parou até que saíssemos daquele lugar. Foi só quando vimos a luz do céu noturno que notamos as estacas que saíam de suas costas. Tudo isso não durou dez minutos.

 Eles queriam parar. O Estilhaço de Mentira ou era uma farsa ou era perigoso e escondido demais para valer a pena. Nós dois os convencemos e nenhum de nós pagou o preço. Depois daquele momento, eu tentei matar a minha ex-namorada algumas vezes, mas Abigail era perspicaz demais, forte demais e escapou ou me deu uma surra todas as vezes. Nunca entendi o porquê dela simplesmente não me matar de uma vez. Ou talvez eu só finja não perceber o que está acontecendo, mas é melhor assim.

Mas agora, ela estava bem aqui e eu adquiri os poderes de Alistair Crown. Nada estaria no caminho do garoto, que conjurou o Grimório da Mente facilmente. Bom. Eu não aguentava mais ter que dividir meu foco. Aqui as coisas já estão encaminhadas.

—_________________________________________________________

Você já deve ter percebido que eu quero meus poderes de volta.

Não é a melhor hora pra ouvir as vozes da minha cabeça. Sinceramente, eu achava que o Vincent já tinha superado essa coisa toda de querer me matar, mas não tem problema. Mesmo que ele esteja com o Manto do Anfitrião, aqui não é a casa dele. Mesmo que ele esteja com o Grimório da Mente, a ferramenta só tem serventia na mão de quem sabe usá-la. 

Ele já controla a sombra muito bem. Alistair Crown bancava um velho sábio no meu ombro. Eu tinha dois olhos, dava pra ver. Ele conjurou uma corrente das sombras, mas reavaliou a situação e a transformou numa adaga. Era confiável. Eu imaginei que ele guardaria o livro depois de conjurar a arma, mas ele o manteve aberto em sua mão direita.

— Eu não consigo enfrentar você e as três bruxas ao mesmo tempo, Abigail Crown - me chamar pelo nome completo era coisa nova, e eu não gostava da junção de Abigail e Crown, principalmente vindo dele.

— Então fique parado aí até que elas tirem essa Sombra de você.

— Sabe, isso até seria uma benção, mas eu preciso aproveitar a oportunidade. Você sabe, matar você e tudo o mais.

— Se me matar é o que você quer, por que não fez isso no teatro?

A Sombra já pegou ele, acaba logo com isso.

— Você já tinha sido derrotada lá. Não seria muito satisfatório. Fora que eu já tinha derrotado um mago.

— Ou você foi manipulado e agora

— Quem é você pra falar de manipulação?! 

— Vincent, pensa direito, é óbvio que essa merda de Sombra tá te afetando!

Pegue o Grimório, Abigail. Isso vai enfraquecer o domínio da sombra! Finalmente, uma informação útil! Bem a tempo de Vincent não ter mais nada a dizer. Não há resposta que refute a loucura.

Ele estava mais forte, mais imprevisível. Aquele corte realmente teria aberto um rasgo na minha garganta, mas a barreira preparada às pressas defletiu o golpe corretamente. Tentei acertá-lo com a mão direita, mas ele desviou sem problemas. Caiu na armadilha, porque o meu foco sempre foi o Grimório, que eu já estava tocando com a mão esquerda.

— Previsível demais - retraí a minha mão ao sentir o calor. Em poucos instantes, o Grimório da Mente desaparecia, consumido pelas chamas - Oswald Cross precisava vocalizar os comandos pra fazer o Grimório funcionar, sabia? A Sombra coopera muito melhor comigo. 

Agora você não tem outra escolha senão matá-lo. Depois que recuperarmos o meu poder, você vai poder recriar aquele Grimório da Mente sem problemas, agora foque na missão.

— Será fácil recriar o Grimório depois que eu te matar, Abigail Crown.

Ah… é claro.

Nem a Sombra nem a Consciência de Alistair Crown ligam pra quem vai sair daqui vivo. Mas Alistair Crown não quer se afastar de seu sangue. O que você não está me contando, Alistair?

Silêncio em minha mente, mas Vincent não havia parado. Eu não conseguia criar um fluxo de magia que pudesse pará-lo, então parei de gastar meus esforços nisso. Concentrei minha magia no meu corpo, para atacar e proteger ao mesmo tempo. Ele continuou vindo com tudo com sua adaga. Às vezes ele me acertava de raspão e deixava um arranhão feio, outras vezes eu o acertava com um soco cheio de magia, mas era como socar as sombras. Sem palavras para serem trocadas, apenas esfaqueadas para além da minha audição, ele atacava de todas as direções, cheio de ressentimento. Pelo menos, com esse novo foco, pude afirmar que ele nunca quis me matar nas outras vezes. Sinceramente, deveria ser óbvio desde o princípio. Ele é um infame assassino. Eu posso ser muito mais poderosa que ele, mas ele já teria dado um jeito se quisesse. Honra não define a profissão dele.

 Enquanto defendia e devolvia os ataques, percebi que ele não poderia descobrir sozinho que o Grimório pode ser reconstruído. O que só pode significar que a Sombra está criando consciência. “Você já deve ter percebido que eu quero meus poderes de volta.”

É claro! A Sombra quer recriar a consciência, por isso Oswald ficou tão alterado. Por isso Vincent está fora de si. Mais uma vez, aquele silêncio mental, que só dizia que eu estava correta. E se a Sombra tenta recriar a Consciência…

— A Consciência quer recuperar os poderes! E se o processo já aconteceu com você..! - eu senti como se roubasse os planos de Alistair e expandi minha magia por todo o salão, para depois focá-la em Vincent. Ele percebeu a merda na qual tinha se metido, mas não importava. Me concentrei em acertá-lo dezenas de vezes com a minha magia concentrada, num esforço que o teria matado, se não fosse pelos poderes de Alistair Crown dentro dele também. Foi o suficiente para arremessá-lo por uns metros e deixar um rastro de sangue. Me segurar não teria o efeito desejado também e, convenhamos, honra também não define a minha profissão - Quer dizer que alguma parte do poder do Alistair Crown já foi recriada em mim. O que explica o fato de eu estar morrendo.

Por isso, você deveria matá-lo e salvar a sua vida.

Agora você volta.

— Ainda está consciente? - ele olhou pra mim com raiva, rangendo os dentes.

— Consegue responder? - ele desistiu de levantar.

— Eu estava errado, Abigail Crown - ele disse, visivelmente derrotado.

— Sobre o quê?

— Sobre não conseguir enfrentar vocês quatro ao mesmo tempo. Por muito pouco, eu consegui.

Foi quando eu senti.

A lâmina atravessando as minhas costas, visível através da minha barriga. Uma ilusão? Vincent ainda estava ferido, ainda estava bem na minha frente. Ele levantou, se apoiando na parede atrás dele. Eu começava a cambalear, mas uma mão atrás de mim me apoiou.

— Quase conseguiu. Quase me salvou da Sombra.

A pessoa atrás se esforçava pra não me deixar despencar, mas eu ainda estava caindo. Confusa. Amedrontada. Derrotada? Eu estava perdendo o foco. O gosto de sangue invadiu a minha boca. O rosto de Vincent Grinn ficava mais e mais borrado, mas eu não parei de olhar pra ele.

—_________________________________________________________

— Eu sei que está aí, Delula DeWrigg - e assim, ela saiu das sombras.

— Vai tentar me matar nesse estado? Bem, eu não devo passar de uma velha, você derrotou as minhas Senhoras, matou Abigail Crown… O que te impede, não é mesmo?

— Nós dois sabemos que Abigail Crown me feriu demais. Parece que meus descendentes foram muito bem instruídos. Eu não conseguiria te vencer hoje, infelizmente. Mas as suas defesas foram… superadas. Pode ser que amanhã você durma com os peixinhos.

— Então agora você é Alistair Crown, definitivamente? Faz um bom tempo, não? 

— Não, ainda falta. Como você pode ver… - a minha bisneta, que poderia ter me alcançado um dia, rastejava na minha direção - Crowns não simplesmente morrem.

Me virei de costas para Delula e abaixei, para que Abigail pudesse ver meu rosto. Uma vingança, de alguma forma. Mas quando eu levantei a adaga, foi Delula quem me parou. Suas Senhoras se levantaram, exceto Miuzand, que estava onde eu a havia deixado, no lugar onde atravessou Abigail por trás.

— Você deveria estar me agradecendo. Aquela Senhora teria morrido se não fosse pelo meu Estilhaço de Mentira.

— Devo te agradecer por utilizar uma coisa que criamos juntos, Alistair? Isso foi só pagar uma dívida. E eu não vou deixar você matar Abigail Crown por outra dívida.

Abigail Crown segurou minha perna. Eu não sabia dizer se estava olhando para a minha bisneta ou para uma amante antiga. Minha Consciência... Eu precisava da minha Consciência de uma vez. Miuzand começou a se mover na nossa direção. Ótimo. Ela só precisa golpear mais uma vez. Ela levantou a espada, moveu o braço com rapidez.

E me arrancou um olho. A dor era insuportável. Quando eu perdi o controle?! O que está acontecendo?! 

Ah, você sabe o que está acontecendo. Você foi enganado, mago. Deveria ter visto essa chegando, não acha? Tomei o controle como quem rouba uma carteira numa noite agitada em Baronesa, porque Alistair Crown simplesmente deixou a carteira dele dando sopa por aí.
Me esforçando o máximo que pude, ignorei a dor. Foi um esforço idiota e a minha voz saiu extremamente falhada. Perca um olho e saberá do que eu estou falando.

— Salvem a Abigail, por favor! E eu vou precisar do Estilhaço de volta, se não se importa - uma pequena parte da sombra de Miuzand saiu do lugar, voltando pra mim. Olhei para Delula e me surpreendi com a diferença da imagem que ela tinha nas memórias de Alistair Crown, mas também me surpreendi com a ausência total da vontade de matá-la. Olhei para Abigail, ferida e derrotada. Tudo por minha causa. E eu não sabia se ela era minha bisneta ou uma ex-namorada. Tomado por essa confusão, uma terrível crise existencial, a realização de que eu estava no lugar errado e na hora errada, eu fugi, sem saber como, nem porquê, nem pra onde.


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