Shard of Lies escrita por XIII


Capítulo 21
Fim da Linha




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Passos num piso de madeira. Essa é a casa do meu avô, Arthur Crown, mas o cheiro é o da casa da minha mãe. Eu não me sinto como uma criança, o que seria de se esperar num sonho assim. Ouço os passos mais uma vez, intermináveis. São os meus? Parecem ser. De repente, eu sinto a mão da minha mãe sobre a minha, me guiando para um salão que exibia as relíquias de meu bisavô. O Manto do Anfitrião, o Coração do Mago, o Grimório da Mente. Engraçado que esses sejam os primeiros que eu vi no sonho. O Manto está nas posses de Vincent, sabe-se lá onde. O Grimório estava com Oswald Cross, agora morto, também nas mãos de Vincent. Tudo o que me sobrou foi o Coração do Mago, sinceramente, o mais fraco dos três. Ainda estão no salão o Paradoxo Solar, a Tempestade num Copo d’Água, a Cinza Mortal e…

A porta atrás de mim se afastou e deixou de ser uma porta. Eu pude me ver no espelho que se formou. Primeiro, uma garota de catorze anos. Eu nem deixava meus cabelos loiros crescerem ainda. Foi a primeira vez que eu saí em busca do Estilhaço de Mentira. Foi quando o conheci. Outro garoto loiro, ainda que muito diferente de mim. Ele era exibido e queria muito se provar pro pai. Seria a primeira missão: buscar um artefato impossível. Os Artefatos de Alistair Crown já eram famosos muito antes da minha mãe ou meu avô nascerem. Eu sabia que o Estilhaço era real como qualquer outro, mas pra ele, aquilo era lendário, quase divino. Eu não contei pra ele sobre o meu sobrenome. Fazia um ano que a minha mãe tinha desaparecido, sem deixar rastros. Eu achava que encontrar o Estilhaço de Mentira a traria de volta. Hoje eu me pergunto em qual buraco Aelin Crown está enterrada. Eu, o garoto e mais outros moleques da nossa idade partimos em busca do último dos Artefatos de Crown. Já faz tanto tempo agora. 

O reflexo mudou, de repente. Ainda mostrava a mim, só que seis anos mais velha. No dia em que as coisas recomeçaram. Eu não falava com Vincent há anos, mas sabia que eu precisava da ajuda dele. Me vesti com meu melhor vestido vermelho e gastei horas mexendo no cabelo, para depois aplicar a minha melhor magia de glamour. Entrei naquele bar determinada a acabar com a noite dele da pior maneira possível. Na verdade, acabei com a noite de todo mundo ali, não só a dele. O glamour estava forte demais, admito, e ainda assim, não o acalmou como deveria. É incrível como seis anos de ressentimento te fortalecem, mas pra ser sincera, Vincent sempre teve uma certa resistência contra magia, uma convicção que só ele tem que faz com que as coisas não funcionem. Ele não sabia, porém, o quão mais forte eu estava. Não acredito de verdade que ele queria mesmo me matar naquele dia, mas sei que ele não conseguiria se quisesse. Eu sou forte demais, é só isso. Mas eu precisava dele, de qualquer maneira. Oswald Cross estava se tornando uma ameaça na Távola. Agora eu não sei se por causa da sombra. Mas aquela ideia de expandir a magia para o povo era só perigosa demais. Magia deve ser contida. Eu não proibiria, mas tornar magia uma prática comum cria desastres como o de Spellborn. E eu sabia que Oswald jamais deixaria que eu me aproximasse dele. Só sobrava o meu velho amigo com a medíocre resistência à magia dele. Deu tudo errado. Alguma extensão daquela sombra pegou o Vincent e isso matou o padre de Mandrágora.

Pisquei. O reflexo mudou de novo. Um dos meus braços está quebrado. Oswald Cross está movendo as peças dele por Baronesa. Eu sei que ele queria chamar a minha atenção e, pretendendo pará-lo de uma vez por todas, fui enfrentá-lo. E fui derrotada, acho que pela primeira vez na vida.

Mais uma vez, uma mudança no reflexo. Meu braço continua quebrado. Agora os dedos da outra mão também estão. Eu estou uma tragédia. Meu cabelo, cuidado com tanto carinho, está todo bagunçado, pra cima como se eu tivesse tomado um choque. Minhas roupas vermelhas estão destroçadas e meu rosto está todo sujo de sangue, um dos meus olhos está roxo. Mas Vincent está de costas pra mim, sorrindo de leve, empunhando suas duas adagas. Oswald Cross está de frente pra ele, mas está caindo aos poucos. Quando ele termina de cair, a escuridão aparece, engolindo tudo, deixando-me sozinha novamente.

Fogo. No reflexo e atrás de mim. Um homem está caminhando pra fora das chamas. Um homem de longos cabelos, loiros como os meus, trajando um belíssimo terno cor de vinho. Eu me viro na direção dele, como se o reconhecesse. Ele estende a mão direita para trás de mim e eu ouço o espelho rachar.

  – Acorde - o vidro se estilhaça-se, um fragmento o atinge no rosto. Onde deveria haver sangue, existe apenas um nada, como se o rosto dele fosse feito de seda e estivesse rasgando. O espelho continuou a quebrar, atingindo-o diversas vezes, fazendo a imagem dele desaparecer.

— Acorde, Abigail.

 

Ivan Saint estava balançando meu braço esquerdo. Quase acordei dando-lhe um tapa, mas aí eu percebi que meu braço não estava mais quebrado. Nem os meus dedos. Eu ia abrir a boca para chamar os adultos da casa, mas comecei a tossir. E a tossir bastante. Na minha boca veio o gosto de ferro. Fascinante. Levanto da cama com esforço, me segurando na mesa ao lado para não cair. Ivan me encarava, preocupado, e perguntou:

— Você tá bem, Tia Abigail? - aqueles olhos gigantes estavam me encarando profundamente, mas “Tia”? Que jeito terrível de me acordar.

— Já estive melhor, Ivan. Onde estão os adultos dessa casa? - sem dizer palavra, o garoto saiu pela porta e os chamou, voltando instantes depois. Amanda fez uma cara séria e mandou Ivan se retirar, mandando-me sentar. Lawrence se sentou ao lado da esposa e os dois estavam me olhando como se tivessem que me avisar que meu cachorro tinha morrido.

— O feitiço foi um sucesso, Abigail. Ivan está completamente fora de perigo - mas a cara da Amanda ainda não estava contente. Lawrence continuou no lugar dela:

— Mas agora é você quem está morrendo. Não sei o que tinha no garoto, mas passou pra você completamente.

— Mas eu salvei a vida dele, então? - eu vou lidar com isso de morrer depois. O casal se olhou, como se não esperasse essa reação. 

— Sim, Abigail. O garoto está a salvo.

— Ótimo. Já que tudo está bem, eu vou ali fora tomar um ar e, daqui a pouco, vou retomar a minha busca. Parece que agora eu tenho um prazo pra achar o Vincent, não é mesmo?

Saí do quarto sem esperar resposta. O garoto estava brincando com alguma coisa que eu não consegui discernir, mas não importava. Saindo da casa, ignorei um mendigo pedindo uns trocados. Um nó se formava na minha garganta. De repente, saber que vai morrer, é muito pra mim. Ainda não consegui fazer nada da vida. De que adianta eu saber que sou a maga mais poderosa viva se eu não puder fazer nada com isso? Uma multidão estava se formando ao redor de um mastro, mas eu também não liguei muito. Avancei em direção à saída de Baronesa. Eu tenho muito pouco tempo agora.


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