Shard of Lies escrita por XIII


Capítulo 19
Maldição




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Dei alguns trocados para um homem maltrapilho que me apontou, meio sem vontade, a direção do esconderijo de Lawrence. A entrada ficava num beco escuro e fedorento, o que é apenas o esperado. Bati na porta com os nós dos dedos. Ainda doía um pouco, mas pelo menos eu já conseguia mexer a mão. Meu braço esquerdo ainda precisava de um pouco mais de tempo.  Ouvi o ferrolho correr do fecho, a porta abrindo até onde dava, logo em seguida. Lawrence colocou o rosto pela abertura e disse:

— Merda - e fechou a porta, tirando o ferrolho da porta para abrí-la de uma vez. Passei logo, sem esperar que ele terminasse o trabalho.

— Muito bom ver você também, Lawrence. Vou direto ao assunto: tem alguma ideia de onde o Vincent possa estar? - eu já estava olhando pra todas as direções. Eu não tinha esperanças de verdade de encontrar ele aqui, mas não custa tentar.

— A última vez que eu estive com ele, aquilo ali aconteceu - ele me apontou com o queixo para o canto da sala. Um garoto pequeno e magricela estava dormindo, com a respiração pesada. Lawrence continuou: - Esse garoto está morrendo, Abigail. Não tem mais que um ano de vida, minha mulher disse. E ela é a melhor médica de quem já ouvi falar - e então, a própria apareceu, na porta de um quarto improvisado. Tinha cabelos escuros e ralinhos, que iam até um pouco acima do ombro. Era quase tão magra quanto a criança, em um perfeito contraste com o armário de pele escura que era Lawrence. Chego a ter pena dela. A médica me olhou de cima a baixo, tentando disfarçar os ciúmes repentinos.

— Então você é a famosa Abigail? - ela estendeu a mão para mim e eu apertei com firmeza.

— Eu mesma. Acredito que não tenhamos sido apresentadas - dei meu melhor sorriso.

— Eu sou Amanda, a esposa deste homem mau-educado - olhou por cima do meu ombro, na direção do garoto. Me direcionou para a cadeira, dizendo em seguida: - Eu não tenho magia, Abigail, mas estou certa de que esse garoto está sofrendo com algum tipo de selo. Isso está além das minhas capacidades. Eu já vi esse tipo de coisa antes e, sinceramente, muitos magos e feiticeiros também não são capazes. Mas se a sua fama é condizente com a realidade, acho que você pode, pelo menos, dar uma morte digna ao garoto.

— Conte-me tudo sobre o garoto, Lawrence - disse-lhe, indo ao garoto.

— Ele estava numa igreja em Mandrágora. Vincent nos tinha dado uma missão: ajudá-lo a obter o Manto do Anfitrião.

—”Nos”?

— É. Rodge estava conosco, mas sumiu antes de começarmos de fato. Vincent ficou furioso. Enfim, tudo deu muito errado: Oliver Saint era mais forte do que pensávamos, o chefe perdeu a cabeça e acabou matando-o. Ele estava estranho, não vou negar. Pareceu outra pessoa. Depois, entrou nos aposentos do clérigo e voltou com essa criança. Não sei o que deu nele, Abigail. Depois disso, teve o incidente no teatro e isso já faz um mês. Acho que eu estou tão preocupado com ele quanto você.

— Eu não estou preocupada com ele - Lawrence e Amanda se olharam e depois olharam demoradamente pra mim - O que foi?

— Nada não - Amanda respondeu. Depois, concluiu: - Será que Vincent estava, na verdade, atrás da criança o tempo todo?

— Duvido. O Manto do Anfitrião é um artefato de Crown poderosíssimo. Presumo que foi ele o que deu trabalho pra vocês. O manto, quando vestido pelo, obviamente, anfitrião, ajuda-o a proteger a sua casa de qualquer presença indesejada. A pergunta de verdade é: Como um clérigo em Mandrágora tomou posse dele? E outra: como Vincent descobriu?

Houve um momento de silêncio, enquanto pensávamos em tantas questões. Na verdade, a hipótese de Vincent ter ido atrás da criança não era completamente ridícula.

— Vincent Grinn já cumpriu seu destino. - todos olhamos assustados para a criança, que fitava o nada. Depois, o garoto olhou para mim, com a mesma expressão de porcaria nenhuma.

— Vamos, Crown. Retire essa maldição de mim e desvende as mentiras. Este é o seu destino.

— E quem é você? - tentei disfarçar o quanto eu estava embaraçada por ele ter dito meu sobrenome. Se Lawrence ou Amanda ficaram surpresos, não esboçaram reação.

— Acredito que tenham me identificado como Ivan Saint, não? Pois Ivan Saint eu sou, já que não possuo outro nome.

Encarei o garoto. Era fácil concluir que aquela voz grossa e imponente não era a dele, o que era um mistério à parte. Estendi a mão direita, ignorando a dor.

— Como sabe o meu nome, mago?

Ele me encarou de volta e aqueles olhos pareciam o céu tempestuoso. Quando a minha mana encontrou a dele, a casa inteira começou a chiar, as janelas começaram a tremer, desesperadas para abrir e liberar a tensão. A mesa de madeira atrás de mim rangeu e os copos de vidro começaram a rachar. O esforço físico gritava em mim e eu queria vomitar. Nem mesmo Oswald Cross guardava tanto poder dentro de si. Tentei empurrar de volta, sem sucesso. Meus joelhos estavam quase se dobrando quando, de repente, Ivan fechou os olhos e se curvou, tossindo violentamente. A tensão pela casa se esvaiu como se água fosse escoada por um bueiro e eu pude respirar aliviada. Eu podia estar enfraquecida, mas não esperava ter todo esse trabalho enfrentando um garoto que ainda nem passou pela puberdade. Passando o susto, vi que ele continuou a tossir.

— O que aconteceu? - Amanda correu para acudir a criança e Lawrence foi logo atrás. Fui invadida por um sentimento de culpa. Joguei meu poder contra uma criança mesmo? Onde eu estava com a cabeça? - Ivan? Ivan!?

O garoto não parava de tossir, agora se contorcendo no chão. Tinha começado a sair sangue de sua boca. Eu não tinha muito tempo a perder. Qualquer que fosse a maldição ou selo sobre ele, eu o havia acelerado. Peguei a pequena faca que eu sabia que Lawrence tinha guardada na cintura e ele quase teve um ataque, mas esperou para ver o que eu faria com ela. Foi então que eu furei o braço esquerdo. Já estava quebrado mesmo, que mal podia fazer? Sujei a mão direita com o sangue e desenhei um círculo ao redor do garoto. Gritei:

— Afastem-se! - e que bom que Vincent tinha treinado Lawrence pra ser obediente. Depois que se afastaram, concentrei toda a minha atenção no círculo e gritei mais uma vez: - Isolar! - um círculo mágico se formou, brilhando vermelho como o meu sangue. O garoto tossiu forte mais uma vez e cessou. Só eu conseguia ver, mas uma névoa negra saiu pela boca dele, a própria maldição manifestada. Ela não queria sair do corpo do garoto. - Odeio conjurar feitiços! - o suor corria pela minha testa - Conectar! - A névoa veio até mim, agora percebendo uma nova presa. Talvez estivesse feliz por estar indo para um corpo que não estivesse moribundo. Idiota. - Destruir!

A mana precipitou no ar, mas a névoa não se desfez, continuando a ir contra mim. Repeti a ordem, mas a névoa continuou a avançar, agora mais rápido. Não consegui impedir que ela me invadisse. Vi, por um instante, a Sombra de Cartola, se projetando nas costas da criança. Ah. Uma armadilha. Nas sombras, não dava pra discernir o rosto da criança, mas eu juro que tinha uma risada ali. Senti o meu sangue ferver e a minha pele se abrir, cada centímetro da minha carne rasgando. Minha coluna estava girando e eu só conseguia sentir dor. Era como se a minha consciência não mais existisse. Meus braços derretiam e minhas pernas congelavam até rachar e os meus pulmões se enchiam de areia. Meus olhos vibravam como se sofressem um poderoso choque elétrico. O cheiro de queimado saía dos meus cabelos carbonizados. Estava tudo ficando escuro. Maldito seja. Maldito seja...

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O manco tentava, com todo o fôlego, correr de mim. Já havia atestado que sua música jamais funcionaria comigo. Sinceramente, não estou no meu melhor momento pra apreciar violão. Eu sei que ele conhece todos os esconderijos e passagens pelas ruas de baronesa. Ele também sabe que não importa. Ele ainda está tentando fugir. Destravei a arma, agora que ele virou a esquina errada. Paciência. Ele parou de tatear a parede inutilmente, agora que percebeu o erro que cometeu. Sempre foi aconselhado a parar com a bebida, se bem que eu não imagino se foi a bebida ou o desespero que o levou a cometer um engano tão amador. Ele se apóia na parede, olhando para mim com cara de choro. Já sabe que esse é o fim dele.

— Por favor, me dê mais uma chance…

— A culpa não é minha. Você sabe onde Vincent está e todo mundo sabe que você vai dar com a língua nos dentes. A localização do Grinn ainda não pode ser descoberta, eu acho que você compreende. Então…

Disparei duas vezes. Observei ele cair sem vida no chão. Potencial desperdiçado, infelizmente. Espero que ninguém se importe com a morte de Rodge. Eu, certamente, não me importarei.


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