Shard of Lies escrita por XIII


Capítulo 13
Resolução




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Recomponha-se, Vincent. Você tem uma faca ensanguentada nas mãos, um padre morto no andar de cima e o filho dele, uma criança doente e travada na cama. Compreendo que essa não é uma situação normal para mim, mas não é hora de choramingar pelos cantos. A influência de Cross na minha mente não é justificativa para degolar padres, mesmo aqueles que portam Artefatos do Crown. Mas eu não queria ter feito aquilo e isso eu posso jurar a você do fundo da minha alma. O que está acontecendo? Sinceramente, não pensei que Cross poderia me fazer matar gente inocente. A culpa, sem sombra de dúvidas, é minha.

O garoto começou a se mexer na cama. Ainda não havia me notado, mesmo que apenas eu estivesse contra a luz da porta. Num fluido movimento, me sentei à frente da cama e, como se eu fosse um vulto na escuridão, o garoto olhou pra mim, sem me enxergar de verdade. Todo movimento que ele fazia tinha muito mais esforço que o normal. Essa criança está morrendo, dá pra notar com uma olhada de raspão. O milagre que Oliver Saint procurava era para salvá-la do destino inevitável. Eu arruinei esta esperança, estraguei o milagre. E eu não quero ter que viver com isso na cabeça. Ao olhar para o meu colo, encaro as minhas mãos ensaguentadas. Meus olhos correm para a criança, como um reflexo. O garoto pulou de susto, começando a gritar assim que gargalhei, bem de leve. A minha presença foi notada.

 

— Qual é o seu nome? - de pé diante dele, ele parecia ainda menor. Ele olhou para as minhas mãos vermelhas, e se encolheu para perto da parede. As lágrimas feitas de medo surgiram em seus olhos de criança. Inclinei-me para perto do rosto dele e repeti a pergunta.

— Ivan… Ivan Saint - que voz terrível. Parecia que haviam agulhas presas na garganta dele.

— Muito bom o seu nome, Ivan. Você tá bem mal, né? Tem quantos anos?

— Dez… quem é… quem é você? - ele franzia a boca, tentando conter o choro, mas criança nenhuma, enquanto vê um homem grande e desconhecido, cujas mãos estão ensanguentadas como a minhas, no meio da noite, dentro do próprio quarto, conseguiria isso.

— Eu sou Vincent Grinn, garoto, você já deve ter ouvido falar de mim. Sabe, eu gosto de crianças energéticas. Por que você tá travado nessa cama?

— Meu pai disse que… - a tosse era a resposta - eu estou com uma doença, mas que logo… eu vou ficar bom. Eu vou sarar e… vou poder ajudar ele…

— Não vai não, garoto. Você vai comigo - ele claramente não compreendeu - Eu não estou em posição de ser um cara legal pra você, mas eu fiz uma coisa errada. Você é o único meio que eu tenho pra pagar a dívida. Eu não vou poder salvar a sua vida, como era a intenção de Oliver, mas não pretendo deixar você definhar até a morte, travado no quarto.

— Eu… eu não quero… eu… quero ficar com o papai - eu o puxei pelo braço, impaciente. Comecei a arrastar o garoto doente pra fora do quarto.

Ele esperneou até a metade do corredor, quando percebeu que era esforço demais pro corpo pequeno e frágil. Imaginando que arrastar uma criança moribunda por aí seja antiético, deixei que o garoto andasse com as próprias pernas. Quando percebi que ele não conseguiria dar três passos sem cair, o carreguei no colo, mantendo seus olhos nas minhas costas.

Refleti que o que eu estava fazendo era terrivelmente errado. Eu mesmo não sou páreo para Abigail e Oswald Cross agora. Estou levando a criança para um lugar extremamente perigoso. Talvez seja melhor pra ele morrer de fome e doença aqui, no subterrâneo da igreja. Isso o privará de ter que lidar com os magos no futuro. Também não terá que me ver perder o controle para Cross, dia após dia. Bem, parando pra pensar, essa criança não tem muito futuro. Não vai ter que lidar com porra nenhuma. Só espero que ele não sofra. Oliver Saint o prometeu um milagre. Em meu caminho, apenas posso garantir maldições. E eu não acho que maldições tenham o poder de salvar a vida deste garoto.

Cada degrau tinha um peso enorme, pois eu sabia o que estava para acontecer. O garoto está aflito, mas ainda não sabia o que o esperava. Eu já o via. Lawrence me esperava, de costas para a escada. Oliver Saint permanecia no mesmo lugar, na mesma poça de sangue. Larguei Ivan Saint, seu filho, ali mesmo, naquele mar vermelho. Ele pisou e escorregou, lambuzando-se naquele sangue, encarando o pai degolado. Continuei andando para a frente, até que ouvi o garoto começar a gritar, desolado, desesperado. O mundo dele estava desabando e eu sabia que ele estava olhando para mim, agora com o ódio descarado. Virei-me, com um sorriso malicioso. Lawrence continuou de costas para o garoto.

Com uma força que ninguém pensaria que sairia dele, ele correu na minha direção, com as lágrimas jorrando de seus olhos, seus punhos cerrados, gritando com pura raiva, com todo o descontrole que poderia ter. A ira estava tatuada em seus olhos. Ele me bateu, continuou socando o meu peito e a minha barriga até mesmo depois que percebeu que eu não reagiria. Começou a tossir com muita força, até sair sangue. Agachou, sentindo muita dor, gritando de acordo. Não sei se era a tristeza ou a dor física, mas bem que poderia ser as duas coisas. Fiquei de joelhos para ver o que estava acontecendo. O garoto rugiu, juntando suas últimas forças, me acertando um soco bem dado, no meio da cara. Tenho certeza de que o meu nariz começou a sangrar. O garoto caiu no chão, não conseguindo mais respirar direito. Ele sabia que não aguentaria o esforço, mas continuou. Eu também causei isso a ele.

— Isso é o que acontece com gente fraca, Ivan Saint. O destino do seu pai era morrer aqui. Mas eu sou o único bonzinho o suficiente pra te deixar viver também - eu não tenho certeza se ele ouviu. Não importa muito, pois eu estava falando aquilo pra tentar me consolar. Levanto-me e vou atrás do corpo de Oliver Saint, retirando dele o Manto do Anfitrião. Enlameado de sangue, sem poderes nas minhas mãos. Perdoe-me, padre. O senhor não foi capaz de me ajudar aqui, mas eu tentarei preservar a vida de seu filho. É o mínimo que posso fazer.

Indo embora de Mandrágora, não procurei por Rodge. Não pretendo ver o rosto dele novamente. Levo o garoto inconsciente até a carruagem, ignorando as perguntas do condutor sobre a ausência do manco e a presença do garoto. Estou voltando à Baronesa agora. Abigail e Cross já me causaram problemas demais. Estou farto de ser tratado como um peão no jogo dos dois. Vou fazer as coisas mudarem agora. Será o descanso para as minhas adagas, pois…

Matarei Oswald, ou morrerei tentando. Se Abigail for pega no fio da minha faca, não terei reclamações. É hora de terminar essa história e, infelizmente, não será do modo divertido. Se eu morrer, espero que Lawrence cuide da criança, pelo menos até o dia de sua certa morte. É o mínimo que ele pode fazer também. Que ele acabe matando Rodge também, seria um bom presente para mim no pós-vida. Até logo, meu acompanhante.


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