Ampulheta escrita por hina dono


Capítulo 9
Norio do Norte


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, fiz um mapinha para ajudar vcs a se situarem em que lugar fica qual reino e tal.

Hokkaido - É o território do Norio.

Honshu - Foi dividido (de forma irregular) entre Sesshoumaru e Rihan. Nagoya é uma das fronteiras.

Shikoku e kyushu - Pertencem à Chiyo



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O Norte continuava exatamente o mesmo: frio, inóspito e nada agradável aos olhos. Apesar de mais de um século ter se passado, Sesshoumaru conseguiu guiar-se por aquelas terras usando somente o mapa de suas memórias. 

Jaken e ele viajavam há dois dias inteiros e tudo o que havia para ser visto era o branco da neve - ali, quando o inverno chegava, recusava-se a ir embora. O contraste daquela paisagem, sem cor ou humor, com o Oeste - que já tinha alcançado a primavera quando ele partiu -, fez com que sentisse saudades de casa.

Suspirou. Por que seu querido tio tinha de morar tão longe?

 - Jaken - chamou por seu fiel servo, que cochilava encostado em Ah-Un -, acorde. 

 Jaken não ouviu o chamado de seu mestre, mas o dragão sim. Ao levantar-se, uma das cabeças do animal colidiu contra a conífera em que esteve apoiado até aquele momento, fazendo com que um punhado de neve caísse sobre o pequeno youkai. Assustado, Jaken ponhou-se imediatamente em guarda, brandindo seu cajado contra o ar.

 Somente dessa vez, não repreendeu o servo por sua lentidão - depois de dois dias viajando, sem nenhuma pausa para dormir ou comer, era natural que ele tivesse adormecido tão profundamente na primeira oportunidade. Contudo, não podiam mais procrastinar. Ao longe, cerca de 20 km à frente de onde estavam, Sesshoumaru foi capaz de distinguir algo além de neve: fumaça. Cercada por uma muralha natural de coníferas - brancas, devido à neve -, estava Ezochi: lar do Lorde do Norte. Finalmente poderia encontrar-se com ele. Agora estava um passo mais próximo de retornar para o conforto de seu próprio lar.

 - Vamos logo.

 - H-Hai - respondeu um sonolento Jaken, bocejando no processo.

Pegando as rédeas de Ah-Un, pôs-se a caminhar, com grande dificuldade devido à neve, atrás de seu mestre.

 *** 

 Definitivamente, nada tinha mudado.

 Sesshoumaru pôde confirmar isso novamente ao pousar na entrada da aldeia. A primeira cena que viu foi um homem puxando um cabriolé cheio de madeira. A cicatriz em seu rosto deixava claro tratar-se de um escravo. Por que outra razão ele estaria ali, afinal? Humanos não eram permitidos no Norte a não ser que um youkai completo os declarasse como sua propriedade - para tanto, era necessário marcar à ferro o nome do senhor a quem serviam em seus rostos.

Pobres criaturas. Ainda que não simpatizasse particularmente com a raça humana, nunca entendeu o porquê daquilo. Qual a graça em aterrorizar seres infinitamente inferiores? Devia ser tão divertido quanto é para um Deus esmagar um inseto.

 Ignorando aquilo, seguiu em frente. Conforme andava pelo lugar, notou que o povo refletia exatamente qual tipo de líder eles tinham: havia cinza por todos os lados. E Sesshoumaru não referia-se à cor. Não, os Ezo não usavam roupas cinzas ou algo do tipo; simplesmente, eram tão apáticos quanto um dia chuvoso. Por mais que o Norte fosse o maior entre os quatro territórios, a população parecia sem vida, triste, fraca. O que significava que seu tio tinha refinado sua técnica de camuflagem. 

 Qualquer um que entrasse ali com segundas intenções, ganharia confiança ao deparar-se com tal cenário, atacando assim que visse uma oportunidade. E esta com certeza surgiria. Rumores sobre o Lorde ter caído de cama espalhariam-se; uma doença repentina acometeria os soldados; um guarda bêbado deixaria escapar algumas informações sobre o castelo... Entre várias outras. Tudo dependeria do nível de tédio que Norio sentisse no momento. E assim que os tolos mordessem a isca, estariam mortos.

Esse era o verdadeiro Norio do Norte: um predador. Sua fome podia igualar-se à de Chiyo. Entretanto, diferente da antiga Lady do Sul, ele sempre esteve no controle de si mesmo, o que tornava-o cem vezes mais letal que ela. Um estrategista nato, havia sido ele o responsável por comandar os Irmãos Cachorro durante a Grande Guerra Youkai. De que outra forma o Norte teria ido parar em suas mãos? Com certeza não foi um presente oferecido pela Deusa da Fortuna. Ele simplesmente chamou aquela ilha de "meu reino" e os outros três Dai-Youkai deram um passo para trás - quem ousaria desafiá-lo?

 Rosnou levemente. Ainda que estivesse ciente da importância daquela visita, tinha vontade de virar-se e ir imediatamente embora dali. No entanto, não podia fazer isso. As vidas de Yuki, Rin e sua futura cria dependiam dos resultados daquele encontro. Por elas, não hesitaria em selar um acordo com o demônio. Por elas, pagaria o preço exigido.

 - Que horror...

 Sesshoumaru foi arrancado de seus pensamentos pelo sussurrar indignado de Jaken. Ele olhava para o meio da aldeia, onde humanos foram pendurados em três troncos enfileirados e estavam sendo chicoteados ao mesmo tempo. Pela quantidade de youkais reunidos ao redor, aquilo parecia mais um espetáculo do que qualquer outra coisa. Um jogo talvez? Era bem possível já que moedas podiam ser vistas passando de mão em mão. 

 - Nunca esteve no Norte, Jaken?

 - Nunca tive o desprazer, Sesshoumaru-sama. 

 Sorriu internamente com a resposta do servo.

 - Então terá de aprender a guardar suas opiniões sobre este lugar para si mesmo. E rápido.

 - Ah! Desculpe-me, Sesshoumaru-sama! - exclamou, arrependido. Somente agora tinha percebido que qualquer imprudência de sua parte colocaria tudo a perder. Não poderia fazer ou dizer nada que ofendesse o Lorde do Norte enquanto a visita durasse. - Não foi minha intenção! Ficarei em silêncio a partir de agora!

 - Ótimo - respondeu -, porque nós chegamos. 

 Em frente a eles, no centro da cidade, um castelo de três andares erguia-se em meio às residências youkais. O castelo de Norio. 

 - Aqui?! Mas é tão simplório! - Jaken deixou escapar. Ficou tão chocado pela simplicidade do local que esqueceu momentaneamente sua promessa de comportar-se. 

 - Calado

 - Hai! 

 Aproximaram-se, então, do Castelo Ezochi. Não haviam muralhas ou atalaias ao redor dele. Nada além de arbustos usados como cerca, e alguns guardas estrategicamente posicionados, protegiam a residência real. Mais um cenário cuidadosamente montado para demonstrar fraqueza. Não podia culpar Jaken por ter caído naquele truque. O próprio Sesshoumaru teria ousado duvidar do poder de Norio caso não conhecesse as histórias, contadas por Inu no Taishou, de quando a guerra ainda acontecia. A palavra "fraco" sequer deveria ser cogitada como um adjetivo apropriado para defini-lo.

 - Quem vem lá?! - gritou um dos soldados parado em frente à entrada do castelo. Ele e seu companheiro tinham cruzado suas lanças a fim de impedir a passagem dos forasteiros.

 Jaken adiantou-se e respondeu, pomposamente:

 - Vocês estão na presença de Sua Majestade Sesshoumaru-sama, Lorde do Oeste! Abaixem as armas e deixem-nos passar!

 - Lorde do Oeste, é uma honra! Lorde Norio-sama esteve o esperando. - Após desfazerem a posição de defesa, os guardas deram dois passos para o lado, deixando o caminho livre para que os convidados possam adentrar o local. 

 Do outro lado, um servo já os esperava. O nome do youkai de aparência frágil era Wu - Sesshoumaru recordava-se dele de suas outras visitas àquele lugar. Wu servia Norio há mais tempo do que qualquer um dos dois podia lembrar e não dava sinais de querer aposentar-se tão cedo. 

 - Lorde Sesshoumaru-sama, há quanto tempo - cumprimentou com uma voz gentil, curvando-se enquanto o fazia.

 - Wu. Como tem passado? 

 - Tem sido um ano bom, assim como os outros cento e oitenta e um que se foram desde que o senhor nos honrou com sua presença pela última vez - gracejou. 

 - Ótimo. Onde está seu amo? - perguntou. Queria resolver aquilo o mais rápido possível. 

 - No momento, Lorde Norio encontra-se em seus aposentos, atarefado demais para vir recebê-los, infelizmente. Pediu que eu transmitisse seu pedido de desculpas e avisasse que sua reunião terá de esperar até à noite. 

Sesshoumaru teve de engolir um rosnado. Norio estava obviamente o esnobando, mostrando quem detinha maior poder entre eles. O Lorde do Oeste desejou não estar encoleirado pela atual situação, assim poderia deixar claro a magnitude do seu poder. Todavia, não deixou que seus pensamentos alcançassem seu rosto. Apenas concordou com um leve aceno e seguiu o outro youkai porta adentro - sabia muito bem que aquele era somente o primeiro de muitos afrontes que teria de suportar durante sua estadia ali. 

 *** 

Norio apareceu para o jantar, o que foi uma grande surpresa. Sesshoumaru chegou a pensar que seria obrigado a comer sozinho - como não passava de um servo, Jaken comeria em outra sala, junto de Wu e outros empregados mais distintos. Não que isso o incomodasse. Simplesmente ficou surpreso ao vê-lo adentrar a grande sala de jantar, um sorriso alegre no rosto.

 Como todo o resto ali, Norio não tinha mudado em nada. Para Sesshoumaru, olhá-lo era como olhar seu falecido pai, tão parecido eles eram. Inu no Taishou e Norio possuíam uma similaridade física espantosa. Os cabelos prateados, a estatura, até mesmo suas marcas youkai pareciam-se. Contudo, a semelhança entre os dois terminava aí. Diferente do pai, seu tio sempre sorria carinhosamente quando o via. Sempre dizia que Sesshoumaru era seu sobrinho favorito, e falava sério. O mais novo podia sentir a veracidade nas palavras do mais velho. E ainda que nunca fosse admitir, também simpatizava com o tio, apesar de tudo.

 - Sesshoumaru! Pensei que nunca mais voltaria a te ver, meu sobrinho!

 - Olá, Norio - respondeu educadamente. 

 - Ah, vejo que continua seco como sempre. - Balançou a cabeça, desapontado. - Pensei que o matrimônio e a paternidade teriam abrandado seu gênio, mas creio ter enganado-me. 

 Manteve seu rosto cuidadosamente neutro ao ouvi-lo mencionar sua esposa e filha - não daria a ele um franzir de cenho sequer. Notando isso, Norio sorriu abertamente. Era hora de mudar de tática.

Sentando-se à ponta esquerda da mesa, foi direto:  

— O que ganho ao proteger-lhe de Rihan? 

 O segundo afronte. Sesshoumaru quis atacá-lo por este. Proteção? Proteção?! 

 - Não estou aqui para pedir sua proteção. Na verdade, não estou aqui para pedir coisa alguma. Essa é uma reunião de negócios, a qual você aceitou de bom grado por saber que tem muito a lucrar com ela. Sendo assim, pare de falar como se estivesse prestando-me um favor, ambos sabemos que não é o caso - terminou de falar. Não conseguiu segurar um leve rosnar que escapou junto de suas palavras. Aquele era seu nada sutil aviso de que o mataria caso continuasse com suas provocações. 

 - O mesmo mau humor de sempre. - Riu, como se divertido com a raiva de uma criança. - Você consegue ser mais ranzinza do que um velho milenar como eu. Talvez por isso sejamos tão apegados! 

 - Nunca fui apegado a você, Norio. 

 - Assim você deixa seu velho tio triste. Sabe que sempre foi meu favorito, não é mesmo? - Vendo que não receberia resposta, mudou de assunto: - Bom, meu exército está à sua disposição. Use-o como bem entender. E coma sua comida! Não está envenenada! - Apontou para as várias travessas com imensos pedaços de carnes espalhadas pela mesa. - Infelizmente, os ursos pardos ainda estão hibernando. Você tem que voltar durante a temporada de caça. No fim do verão e começo do outono, sabe? 

Ignorando a tentativa do tio de iniciar uma conversa sobre culinária, perguntou: 

— O que você quer em troca?

 - Coma

 Percebendo que seria mais fácil simplesmente obedecer ao comando dele, Sesshoumaru abriu uma das tigelas, deparando-se com seu prato favorito: carne de carneiro mergulhada em um preparado de sangue. Não orgulhava-se de dizer que salivou com a visão daquele belo escarlate. Entretanto, serviu-se de uma porção moderada. Não iria deixá-lo totalmente satisfeito, mas era preferível à agradar Norio ao devorar toda a comida.

 Um leve riso percorreu a sala de jantar, antes que o lugar fosse tomado por silêncio. Apenas o ruído recorrente de talher contra talher foi ouvido durante o resto da refeição. 

Sesshoumaru comia lentamente, perdido em pensamentos. Como estariam Rin e Yuki? Pela hora, talvez a pequena já tivesse ido dormir. Ou talvez não. Conhecendo a filha, era provável que ela aproveitasse sua ausência e convencesse Rin a deixá-la acordada até mais tarde.

 - No que está pensando? - indagou o mais velho.

O Lorde do Oeste nem sequer piscou antes de responder: 

— No que terei de abrir mão para conseguir seu exército. 

 - O que está disposto a oferecer? - Norio tinha um olhar inocente em seu rosto, enquanto movia seu copo de saquê circularmente.

 - Não tenho tempo para seus jogos, Norio. Diga logo o que quer. 

O outro bebeu mais um gole de saquê antes de dizer:

 - Não quero muito. Você deve saber que não sou ganancioso. - Sorriu, divertido. - Quando tudo acabar e os odiosos Rihan e Chinatsu estiverem mortos, reivindicarei o Leste e o Sul como meu território. 

 - Metade de cada um deles será seu - retrucou, apenas porque era o esperado de sua parte. Não dava a mínima para o Sul ou o Leste, Norio podia ficar com ambos se quisesse. 

 - Oh, vejo que aprendeu a negociar. Estou orgulhoso de você, Sesshoumaru. - Bebeu o restante do saquê. Depois abriu uma nova garrava e encheu novamente seu copo. - Ficarei com o Leste, então. Você pode ter o Sul. E todos ficam felizes.

 - Que seja. 

 - A propósito... É uma bela espada a que tem aí. - Apontou para a Bakusaiga. Sesshoumaru não gostou do rumo que a conversa tinha tomado. - Ouvi dizer que ela apareceu durante uma batalha de vida ou morte. Como o esperado de uma  herança deixada pelo General Cão. 

 - Talvez você devesse repreender os responsáveis por essa informação enganosa - respondeu. - Bakusaiga não é uma herança de meu pai. Ela foi conquistada por este Sesshoumaru.

 - Bakusaiga? É um bom nome. - Sorriu. - Eu a quero. 

— O que vê de tão especial em minha espada?

Tentava não exaltar-se, mas era difícil controlar sua fúria. 

— Você acaba de responder! Primeiro - começou a contar nos dedos -, Bakusaiga é sua. Segundo, você esforçou-se para, como você mesmo disse, conquistá-la. Apenas saber disso já faz com que eu a queira para mim! - Riu, divertindo-se com a expressão do sobrinho. - E então? O que me diz? 

Sesshoumaru ficou em silêncio, pensando. Não devia ter deixado transparecer seus verdadeiros sentimentos sobre a espada. É claro que seu tio a cobiçaria caso soubesse o valor dela para ele. Erro seu. Agora perderia sua única espada. Todavia, iria ter certeza de não ser o único a sair perdendo daquela situação.

Retirando  Bakusaiga de sua armadura, depositou a arma em cima da mesa. 

 - Ela é sua - disse. - Porém, agora é a vez deste Sesshoumaru impor condições. 

— Estou ouvindo. 

 - Mantenha seu exército, não o quero mais - começou a falar, deixando Norio surpreso. - Você deseja o Leste, o Sul e a minha espada; eu desejo sua cabeça. Dê ela para mim e todo o resto será seu. 

 Norio não sorria mais. É claro que não. Tinha sido encurralado, por que sorriria? Sesshoumaru sabia que desafiá-lo tão descaradamente era, no mínimo, imprudência de sua parte, mas não podia mais tolerar aqueles afrontes em silêncio. Ele era o Lorde do Oeste por vários motivos - suportar humilhações calado não era um deles. 

 Depois de sua fala, ficou alerta, pronto para atacar ao menor sinal de ameaça. Contudo, ao invés de uma investida assassina, o que recebeu do tio foi uma risada. Alta e alegre. Ele claramente estava divertindo-se. Isso ou sua atuação tinha alcançado um nível superior. 

 Recuperado de seu riso descontrolado, Norio usou um lenço de linho para enxugar os resquícios de lágrimas em seu rosto. Mais calmo, ele fixou seus brilhantes olhos no sobrinho, que continuou sentado em sua cadeira, sem mexer um músculo sequer, durante toda a crise de riso que o acometeu.

 - Você, meu caro Sesshoumaru, realmente aprendeu como negociar. Eu retiro o que disse: não quero sua espada. Pode ficar! Gosto de minha cabeça exatamente onde ela está! - Suspirou exageradamente, antes de continuar: - Lembra-se da primeira vez que esteve em Ezochi? Você ainda era um filhote, mas isso não o impediu de rosnar para mim quando eu mencionei este fato. - Riu levemente. - Você sempre foi assim: destemido. E não trata-se de uma confiança infundada, você sempre foi poderosíssimo! - Bebeu um grande gole de saquê, voltando a falar em seguida: - Fiquei triste por você não ter voltado depois de sua última visita. Uma vez eu te disse algo, tenho certeza que recorda-se, eu disse: "Sesshoumaru, tenho orgulho de você. Odeio crianças, barulhentas demais, mas você - apontou o dedo para Sesshoumaru, exatamente como tinha feito séculos antes -, você eu gostaria que fosse minha cria." Lembra-se disso? Espero que sim, pois foram palavras sinceras. Eu realmente me sentia assim sobre você. 

 Sesshoumaru nada respondeu. Seu silêncio já era esperado por Norio, por isso ele apenas retornou o assunto para seu caminho original. 

 - E então? - perguntou. - Qual o seu plano de guerra? 

 Pelas próximas horas tudo sobre o que falaram foi guerra. Juntos, traçaram o melhor dos planos para massacrar o inimigo de uma vez por todas. No fim daquela conversa, Sesshoumaru quase sentiu-se inclinado a ter pena de Rihan e seus comparsas.

Quase.

 *** 

O Castelo Ezochi era bem maior do que podia parecer em um primeiro momento, Jaken tinha certeza agora. Descobriu isso ao levantar-se durante a madrugada para ir ao banheiro. Teve de perambular por muito tempo - quase tempo demais - até encontrar o lugar apropriado para fazer suas necessidades. 

 Agora, voltando para seu quarto temporário, reclamava internamente sobre a mesquinharia do anfitrião em ter alocado-o na ala dos empregados. De fato, ele era o servo de Sesshoumaru - o melhor e mais fiel! -, mas ainda assim era um convidado! O que custava ter oferecido  aposentos melhores? Pelo menos um pouco mais próximo de seu mestre! 

 - Quanta mesqu... - Interrompeu sua reclamação ao adentrar o quarto. Tinha algo errado ali, pôde dizer de imediato. Lembrava-se perfeitamente de ter deixado uma vela queimando em cima do móvel próximo ao futon, e agora o lugar encontrava-se mergulhado em escuridão. 

 - Ah, o vento deve ter apagado a vela! - exclamou. Rezava para que o responsável por aquilo não se ativesse ao fato de que na ala dos empregados não haviam janelas. - Agora vou ter de dormir no escuro! Este lugar é realmente terrível! - continuou resmungando, conforme avançava pelo cômodo, braços estendidos em frente ao corpo, em uma atuação pouco convincente. 

Se ao menos pudesse alcançar seu cajado... 

 Sentiu quando o primeiro ataque veio. Pelas costas, como o esperado. Felizmente, seus reflexos e o fato de que já estava alerta o ajudaram a desviar facilmente. Infelizmente, estava cada vez mais longe do maldito cajado. 

— O que é isso?! Quem está aí?! - Manteve seu disfarce, mesmo já sabendo a resposta para sua pergunta. Podia ver o inimigo claramente agora. Tinha jantado com ele não fazia muito tempo. 

 - Deixemos as máscaras de lado, Jaken-sama. Sei bem que pode me ver - respondeu Wu. 

 - Maldito! O que pensa estar fazendo?! Irei imediatamente denunciá-lo ao Lorde Norio! 

 - Acaso acredita que eu faria algo sem o consentimento de meu amo? Francamente, Jaken-sama. Pensei que o senhor, dentre todos, entenderia o que significa ser o braço direito de um Lorde. 

 Sim, ele entendia. Perfeitamente. Estar ao lado de Sesshoumaru demandava uma obediência incondicional. Deveria fazer tudo o que seu mestre ordenasse e nada além disso. Sendo assim, o ataque de Wu só podia significar uma coisa: Norio tinha os traído. 

 - Onde está Lorde Sesshoumaru?! O que Norio pretende com isso?!

 - Os planos de Norio-sama não dizem respeito a você ou a mim. Apenas cumpro ordens - falou, dando um passo para frente, ao que Jaken respondeu dando dois para trás. - No momento, tenho ordens para silenciá-lo.  

— Escória! Você e Norio não passam de escória! - gritou. Precisava distraí-lo ou não sairia dali vivo.

 - Cuidado, Jaken-sama. Desejo terminar isso de forma limpa, mas caso desonre meu amo novamente, farei com que sofra. - Wu tornou-se imediatamente sério. 

Bingo! Como um servo leal, Jaken entendia melhor do que qualquer um o quão odioso era ouvir alguém insultar seu mestre. Daria um jeito de usar isso a seu favor. 

 - Digo e repito: um anfitrião que ataca seus convidados na calada da noite não passa de escória!

 Ao ouvir isso, Wu atacou novamente. Os movimentos dele eram fluídos e letais, dignos de um verdadeiro espadachim. Mal conseguia ver a espada cortando o ar. Não havendo como revidar, tudo o que podia fazer era desviar. A dança mortal arrastou-se por alguns segundos, até que um descuido o levou a ser golpeado, o impacto fazendo com que voasse de encontro à parede, ficando momentaneamente desprotegido.

 Essa não! 

 No entanto, ao contrário do esperado, Wu não aproveitou-se do momento de descuido para atacá-lo. Seria essa a tão falada honra samurai? Não... Os orbes violetas do velho youkai brilhavam na escuridão, ostentando um olhar de dever cumprido.

Notando sua confusão, ele explicou:

 - Esta espada foi um precioso presente de meu amo. - Ergueu-a, orgulhoso. - Sua lâmina foi banhada em um veneno corrosivo, tão mortal que eu sequer posso tocá-la. - Com cuidado, guardou a arma de volta em sua bainha. 

— Imagino que deva ser trabalhoso limpá-la - desdenhou. - A luta ainda não terminou! Desembainhe sua espada! - ordenou. Tentou levantar-se do chão, mas cambaleou, tendo de apoiar-se em seus joelhos para não cair. - M-Maldito! O que você fez? 

 - Não prestou atenção em nada do que eu disse? - Soou desapontado. - Francamente, não entendo como Sesshoumaru-sama o tolerou por todo esse tempo. Os rumores sobre ele ter tornado-se um fraco devem ser verdadeiros.

 - N-não fa... 

 - Seu braço - interrompeu-o, apontando para o rasgo em suas vestes na altura do ombro. - Pode parecer um ferimento superficial, mas assim que o veneno entra em contato com o sangue... Bem, você já deve estar sentindo os sintomas, não é mesmo? - Ao não receber uma resposta, Wu sorriu. Virou-se, então, caminhando em direção à saída do quarto, enquanto falava: - Sinto muito, mas tenho que ir. Norio-sama já deve ter encerrado sua conversa com Sesshoumaru-sama. Alguém precisa limpar a bagunça. Sangue é uma mancha difícil de sair, você deve s...

 Wu nunca chegou a terminar sua frase. Antes que fosse capaz, Jaken avançou contra ele, pressionando-o contra a parede. Para compensar a diferença de altura, bateu com seu cajado - finalmente tinha conseguido alcançá-lo - nas pernas do youkai, fazendo-o cair de joelhos. Não deu tempo para que ele se recuperasse. Usando toda sua força, desferiu o próximo golpe direto contra a cabeça do inimigo. Pôde ouvir o terrível estralo, tão característico do quebrar de ossos. Após um tenso segundo, o corpo do youkai caiu para trás, inerte. Seus olhos violetas já não ostentavam brilho algum - estava morto ou muito próximo disso.

Mesmo estando ciente deste fato, Jaken olhou-o de cima, dizendo:

 - Pensei que você soubesse o que significa ser o braço direito de um Lorde. Achou mesmo que sendo servo de quem sou, eu poderia ser afetado por um veneno qualquer? - Sua voz era puro gelo. Qualquer um que visse aquela cena poderia finalmente entender o porquê de Sesshoumaru ter aceitado os serviços de Jaken: armado com todo seu orgulho youkai, ele era assustador. - Limpar o sangue de meu mestre, você disse? Sabe qual a mancha mais difícil de limpar? Mais difícil do que sangue? - Mirou seu cajado em direção ao corpo. - A mancha deixada pelo fogo.

 Assim que Jaken terminou de falar, a boca do Ancião foi aberta e dela, intensas chamas saíram. Rapidamente o vermelho alastrou-se, consumindo o corpo e todo o quarto. Não ficou para vê-los queimar. Tinha de ir até Sesshoumaru e fazer o que fazia de melhor: torcer por ele.

 *** 

Encostado contra uma das paredes do quarto de hóspedes que ocupava, Sesshoumaru sentia-se apreensivo. Não sabia exatamente o porquê já que tudo havia corrido como o planejado. Eles discutiram, Norio concordou em ajudar - ainda que por um preço altíssimo - e, logo, logo poderia voltar para casa. Só precisava matar Rihan e Chinatsu durante o caminho. Até aí, nada de anormal. Então por que sua apreensão persistia? 

— Lorde Sesshoumaru-sama? - Uma voz feminina soou através da porta.

 - Fale.

 - Norio-sama gostaria de falar com o senhor. Ele diz ter esquecido de mencionar algo importante sobre o-senhor-sabe-o-quê. 

 E foi assim que compreendeu.

 - Onde?

 - Nos aposentos dele. Fica n...

 - Eu sei onde fica. Pode ir agora.  

— Hai. 

 Sesshoumaru finalmente havia entendido o porquê de sentir-se tão incomodado desde o fim da reunião com Norio. Por ter estado tão concentrado nos preparativos para a guerra, esqueceu-se de algo dito por seu tio durante o jantar. 

"Sesshoumaru, tenho orgulho de você. Odeio crianças, barulhentas demais, mas você, você eu gostaria que fosse minha cria." Lembra-se disso? Espero que sim, pois foram palavras sinceras. Eu realmente me sentia assim sobre você. 

 Eu realmente me sentia assim sobre você. Sentia, no passado. Como não percebeu isso antes? Foi um tolo por acreditar que Norio tinha aceitado seu casamento com uma humana, pior, que iria ajudá-lo a protegê-la. Realmente, seu tio havia elevado - e muito - seu nível de atuação. Conseguiu até mesmo ludibriar o grande Sesshoumaru do Oeste. 

 Levantando-se, vestiu sua armadura, deixando Bakusaiga pronta para ser usada, e saiu do quarto.

Não precisou ir muito longe para encontrar o inimigo - eles estavam à sua espera. Em ambos os lados do corredor, obstruindo a saída, youkais de olhos brilhantes o encaravam fixamente. O exército de Norio. O exército pelo qual tinha deixado sua esposa e filha sozinhas em casa, estava ali agora, pronto para matá-lo. A ironia da situação o fez sorrir.

 - Venham - chamou.

Eles o obedeceram. 

 Um a um, Sesshoumaru ia silenciando os gritos de guerra dos soldados. Não precisou sacar Bakusaiga para isso - seu chicote venenoso era o suficiente. Ainda que fossem superiores a ele em quantidade, Sesshoumaru possuía qualidade. A seu favor havia mais de quatro séculos de experiência junto ao poderoso sangue Dai-Youkai correndo em suas veias. Mas mais do que isso, ele estava armado pelo desejo de proteger algo precioso. Este fator foi essencial para que derrotasse todos os youkais que opuseram-se a ele. Quando terminou, cerca de dez minutos depois, só o que restou daquela curta luta, naquele e nos próximos corredores, foi um amontoado de corpos no chão. 

 Com uma falsa calmaria, andou sobre o sangue e pedaços dos inimigos até alcançar o lado de fora do castelo. No pátio dos fundos, com o braço direito apoiado despreocupadamente sobre sua espada embainhada e neve até seu tornozelo, estava Norio. Atrás dele, o resto de seu exército: alguns milhares de youkais, todos trajando armaduras e portando escudos. Todos com suas espadas apontadas para ele.

Patético. 

 - O que significa isso, Norio? - perguntou, mesmo estando ciente da resposta. 

 - Uma pequena traição, espero que não se importe. Vejo que destruiu meus soldados. Bom garoto. - Sorriu, mas não tinha felicidade alguma em sua expressão. Pelo contrário, sua voz ostentava uma amargura sem fim. - Por que justo você teve de mudar, Sesshoumaru? Logo você, que tinha planos de dominar o mundo um dia. Por que jogar tudo para o alto por uma... humana? - Pronunciou a palavra com nojo. - Você costumava desprezá-los tanto quanto eu, o quê mudou? 

Sesshoumaru não respondeu. Não devia explicações a ele.

Suspirando, Norio continuou a falar: 

 - Eu teria relevado, sabe? Ainda que não fosse capaz de compreender, eu teria relevado seu pequeno deslize. Eu avisei na carta, lembra-se? Disse que te apoiaria contanto que não me desapontasse novamente, lembra-se disso?! - Sua voz ia subindo um tom conforme sua irritação aumentava. - Responda! 

 Sesshoumaru continuou calado e essa foi a gota que faltava para que o outro youkai transbordasse de ódio. Saindo da frente de seu exército, ele ordenou: 

 - Acabem com ele! 

 Os soldados não precisaram ouvir duas vezes a mesma ordem - atacaram todos ao mesmo tempo. O Dai-Youkai por sua vez sacou a Bakusaiga - aquela luta exigiria certo esforço de si.

Fazia muito tempo que não a usava. Na verdade, não tinha sacado-a sequer uma vez desde que Toutousai tinha retirado um pedaço dela para fazer a Byakusaiga de Rin. Contudo, não havia tempo para ficar apreensivo. Se houvesse qualquer alteração nela, teria de lidar com isso durante a luta. 

Não se preocupou em olhar para Norio, pois sabia que o tio não interferiria na batalha. Ele provavelmente também via aquilo como um modo eficaz de testar seus soldados - os que sobrevivessem seriam considerados verdadeiros guerreiros, dignos de servir a um Lorde. Infelizmente para ele, Sesshoumaru não tinha intenção de deixar nenhum deles vivo. 

 Com a Bakusaiga em mãos, avançou em direção à primeira horda de youkais. Quando seu primeiro ataque chocou-se com a vanguarda do exército, uma intensa luz verde iluminou os arredores do Castelo Ezochi. Não esperou que a claridade diminuísse, continuou atacando-os ferozmente. Quando os soldados deram por si, o que antes eram dezenas de milhares, tornaram-se somente algumas centenas. Com o poder destruidor da Bakusaiga, Sesshoumaru havia sido capaz de reduzir o exército de Norio para menos da metade em apenas um minuto. 

Assim que os soldados perceberam isso, afastaram-se. Estavam decididos a lutar à distância até que encontrassem uma forma de combater o Lorde do Oeste, ou de tirar aquela espada dele.

 - Ingênuos! - exclamou, ao mesmo tempo em que desferia mais um de seus ataques. 

Será que eles não percebiam que manter distância só tornaria as coisas mais fáceis para ele? No fim, o tão falado exército de Norio - aquele que o havia apoiado durante a Grande Guerra - não passava de uma grande decepção. Pensar no quão tolo havia sido por depositar sua confiança em seres tão insignificantes fazia sua fúria se intensificar enormemente. Deixando-se levar pelo ódio que sentia correr em suas veias, embainhou Bakusaiga.

 - Venham! - novamente os chamou para a luta.

Queria massacrá-los com as próprias mãos. Queria sentir seus ossos, músculos e pele partirem-se ao meio. Queria matá-los; sentir a vida esvaindo-se de cada um deles. Essa era sua vontade. Foi exatamente isso o que fez. 

 Levou um pouco mais de tempo dessa vez. Não porque esses soldados fossem mais fortes do que os anteriores e sim porque Sesshoumaru esforçou-se para fazer durar. Depois de anos reprimindo-o, finalmente deixou seu monstro interior sair para passear. Naquele momento não havia reino, família, preocupações; só havia ele, sua sede de sangue e os inimigos. Se de fato houvesse um Deus no mundo, um Deus mais poderoso do que qualquer Dai-Youkai, seria bom que ele tivesse misericórdia para com as almas daqueles pobres infelizes, pois Sesshoumaru do Oeste não teve. 

Quando o último grito foi silenciado, o som de palmas ressoou pelo lugar. Não era preciso olhar para trás para saber a quem elas pertenciam, mesmo assim ele o fez.

Norio tinha lágrimas em seus olhos e um enorme sorriso no rosto.

Um sorriso orgulhoso. 

— Incrível! Incrível! - exclamava, enquanto aproximava-se com passos firmes. - Simplesmente incrível! Vê? Você nasceu para isso, Sesshoumaru! Nasceu para tomar vidas, não para trazê-las ao mundo! Essa sensação que nos acomete após nos banharmos no sangue inimigo é inebriante, não é mesmo?

 - Sim - respondeu Sesshoumaru.

 - Ah! Eu sabia! Você ainda é você em algum lugar aí dentro, não é? - Norio estava quase perto o suficiente para tocá-lo no peito. - Ainda bem que decidi testá-lo com meu exército ao invés de matá-lo assim que chegou à Ezochi! - Sorriu, convencido. - Darei a você, estimado sobrinho, a chance de redimir-se. Estou disposto a perdoar tudo, você apenas tem de mostrar que seu orgulho Dai-Youkai continua intacto. 

— Como assim? 

— Mate a humana e a hanyou. Lave a mancha que recaiu sobre seu nome com o sangue delas e tudo será perdoado. E então? O quê me diz? Voltará a agir como um verdadeiro Dai-Youkai? - inquiriu, esperançoso.

 - Eu nunca deixei de agir como um Dai-Youkai.

 Tal apática resposta foi o único aviso que deu a Norio antes de golpeá-lo com um poderoso soco. 

 Mesmo tendo sido pego de surpresa, Norio não chegou a cair. Voou alguns metros, mas equilibrou-se, parando em pé. Quando olhou novamente para o sobrinho, que tinha desembainhado de novo a espada, não exibia mais nenhuma amabilidade. O mais novo claramente havia feito uma escolha, respeitaria ela.

 - Posso entender isso como uma negativa? - Exalou pesadamente. - Não se preocupe, eu pessoalmente cuidarei de restaurar a honra dos Quatro Dai-Youkai depois de sua morte.

 Assim que terminou de falar, atacou. Tão rápido que caso Sesshoumaru tivesse escolhido o momento errado para piscar, teria morrido. A precisão e força dos golpes eram assustadoras. Cada vez que as lâminas das espadas chocavam-se, faíscas podiam ser vistas. Diferente de seu exército, Norio já tinha percebido que para impedi-lo de usar seu ataque especial, deveria manter-se por perto, pressionando-o. Como o esperado do Lorde do Norte. A verdadeira intenção dele com aquelas lutas era observar Sesshoumaru. E agora que já conhecia todos os pontos fracos do sobrinho, não demoraria para atacar um deles. 

 Acerca de cem metros de distância daquela luta, escondido atrás de uma pilastra, estava Jaken. Como chegou ali quase ao mesmo tempo que seu mestre, pôde observar em primeira mão todos os acontecimentos. Podia dizer com certeza que o plano de Norio para enfraquecê-lo aos poucos tinha funcionado. O tempo de reação dele estava ficando cada vez maior, assim como sua respiração tornava-se mais pesada. Em contrapartida, Norio desferia  poderosos e constantes golpes sem sequer suar. Se as coisas continuassem assim... Não! Jaken recusava-se a imaginar um cenário no qual seu amado mestre perdesse!

 - Sesshoumaru-sama! - gritou, atraindo a atenção de ambos os Lordes. - Transforme-se!

 Não sabia se aquilo iria ajudar, mas sendo Sesshoumaru um Dai-Youkai era de se esperar que sua forma natural fosse mais poderosa.

 - Entendo... - sussurrou Norio. Parecia triste. - Wu também se foi, não é mesmo? 

 Aproveitando-se do momento de distração do tio, Sesshoumaru seguiu o conselho de seu servo e voltou à sua forma original. Tentar usar mais um ataque da Bakusaiga seria muito arriscado - odiava admitir, mas não sabia se teria forças para mais ataques caso Norio desviasse do primeiro.

 De fato, sua forma original era bem mais vantajosa. Ele podia sentir todos seus poderes serem ampliados, ao mesmo tempo em que o cansaço ia abandonando seu corpo. Infelizmente, isso não era exclusividade sua. Norio pareceu acompanhar sua linha de raciocínio, pois, soltando uma risada nada divertida, disse:

 - Já faz algum tempo que estive nessa forma. Acredito que devo agradecê-lo. - Jogando a própria espada no chão, deu início à sua própria transformação. Sesshoumaru até cogitou atacá-lo nesse meio tempo, mas não... Não teria graça alguma. 

Surgiu, então, no meio da neve, um enorme cachorro. Se em sua forma humana Norio parecia-se com Inu no Taishou, sua forma original também não era muito diferente. Só que, ao invés de branco, o cachorro em frente à Sesshoumaru era cinza. O tipo de cinza encontrado nos fios dos humanos idosos; grisalho. Foi uma surpresa para Sesshoumaru, que nunca antes havia visto o tio em sua forma Dai-Youkai.

 Por longos segundos, eles apenas encararam um ao outro. Talvez estivessem lembrando sobre os bons momentos que tiveram, e lamentando-se sobre eles terem de chegar ao fim. Ou talvez apenas estivessem tentando encontrar falhas na defesa um do outro, imaginando qual sabor teria o sangue do inimigo. No fim, não importava muito o que eles pensaram antes de atacar. Não importava porque, uma vez que os Dai-Youkai chocaram-se, não houve espaço para lembranças, pensamentos, ou sentimentos. Tudo o que houve foi destruição.

 Jaken fugiu assim que viu eles preparando-se para lutar. Por conhecer seu mestre, sabia exatamente como um Dai-Youkai portava-se durante uma batalha. E agora que dois deles iriam se enfrentar, longe demais não seria longe o suficiente para fugir do raio de destruição que aquela luta causaria. 

Enquanto corria, pôde ouvir às suas costas os sons característicos de rosnados e mordidas. Atreveu-se a olhar para trás por um instante, mas tudo o que viu foi uma confusão de branco, cinza e vermelho. Rezava para que este último não pertencesse à Sesshoumaru. Na verdade, rezar foi tudo o que fez durante as horas seguintes. Enquanto o Castelo Ezochi ruía e o povo evacuava a cidade, enquanto a lua recolhia-se e o sol nascia, tímido, ele rezava pelo retorno de seu mestre e para que tudo ficasse bem.

 Mais tarde, Jaken encheria-se de felicidade ao saber que suas orações foram atendidas. Isso, é claro, até descobrir que não foram todas elas.

***

 A quilômetros de distância de onde seu servo leal fazia suas preces, bem no olho do furacão, Sesshoumaru lutava. Ou melhor, ele finalizava uma luta. Foi preciso um esforço colossal de sua parte, mas finalmente havia conseguido encurralar Norio. O Lorde do Norte, sem dúvida alguma, foi o oponente mais forte que já enfrentou em toda sua existência. Tão forte que Sesshoumaru viu a morte por mais de uma vez durante aquela batalha. O único motivo pelo qual era Norio e não ele quem estava no chão, caído em uma poça de seu próprio sangue, era que Sesshoumaru tinha uma razão - a razão mais importante de todas - para não perder. Diferente de Norio, Sesshoumaru não estava sozinho.

 - Suas últimas palavras? - perguntou, apontando Bakusaiga para o pescoço do outro youkai.

Ambos haviam retornado às suas formas humanas e, embora a sua estivesse visivelmente mais machucada, era a de Norio que estava fatalmente ferida.  

 Ao contrário do esperado, Norio reagiu ao seu questionamento com um riso. Havia mais sangue do que som, mas com certeza tinha sido uma risada.

 - V-você já e-está morto. - Uma tosse sangrenta ameaçou o interromper, mas ele lutou contra ela. - Só não s-sabe disso! 

 - Nada mais?

 - L-lembre de quem o matou!

Essas foram as últimas palavras de Norio, Lorde do Norte, antes de ter sua cabeça decepada pelo inimigo.

O último dos Quatro Dai-Youkai, que um dia conquistaram e dividiram aquele país em quatro, partiu desse mundo com um sorriso satisfeito no rosto.  


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