Ampulheta escrita por hina dono


Capítulo 10
O Preço a Ser Pago




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Na manhã do terceiro dia da viajem de Sesshoumaru ao Norte, a árvore cerejeira do Castelo de Edras desabrochou - a primavera do seu vigésimo sexto ano de vida tinha, oficialmente, começado.

 Rin foi acordada naquela manhã por uma Yuki especialmente animada. A criança insistentemente chamou pela mãe, sequer dando tempo para esta vestir-se apropriadamente antes de puxá-la pela mão até o patio central do castelo.

Assim que ambas alcançaram o lado de fora, Rin percebeu o porquê da felicidade da filha: havia cor por todos os lados. A grama  exibia um verde vivo e as flores de seu jardim particular eram uma mistura agradável de branco, amarelo e vermelho. Mas o que mais lhe chamou a atenção foram as delicadas pétalas na cor lilás adornando a árvore no meio do pátio. Era realmente uma visão deslumbrante.  

— Viu, Hahaue? Não é lindo? - Yuki agarrou em suas vestes, tentando chamar sua atenção.

 - Sim, é maravilhoso. - Abraçou a filha de lado. - Agora que ela desabrochou, podemos finalmente dizer que a primavera chegou. E veio mais cedo este ano! Deve ser um bom presságio, não acha?

 A menina balançou a cabeça concordando alegremente. Entretanto, sua felicidade foi momentaneamente nublada por uma expressão tristonha ao lembrar-se do pai.

 - Queria que o Chichiue estivesse aqui. Ele vai demorar muito, Hahaue?

 - Hum... Será que vai? Essas viagens de negócios podem demorar um pouco... Mas não se preocupe. Tenho certeza que seu pai está tentando terminar tudo o mais rápido possível. - Sorriu, acariciando a bochecha da filha. 

— Para onde ele foi mesmo?

 - Para o Norte.

 - Fica muito longe daqui?

 - Eu não sei. - Franziu o cenho em dúvida. - Nunca estive lá.

 - E o que ele foi fazer lá?

 - Negócios, já disse. 

 - Que tipo de negócios? - Insistiu. - Com quem? 

 Teve de rir pela curiosidade da filha. Desde que acordou dois dias antes e descobriu que o pai e seu fiel companheiro, Jaken, haviam viajado sem previsão de volta, a menina bombardeava a mãe com perguntas sobre o território do Norte, das quais Rin habilmente se esquivava - não pretendia revelar à sua filha a verdade sobre a história da família de Sesshoumaru nem tão cedo. Na verdade, ainda mantinha esperanças de que eles pudessem vencer aquela guerra sem que Yuki sequer soubesse da existência dela. Sabia que como Princesa Herdeira ela teria de lidar com coisas piores, mas ainda não era o momento. Sua filha ainda era uma criança e como tal, deveria ser protegida.

 Mal este pensamento cruzou sua mente e aconteceu: uma soldado responsável por vigiar o castelo entrou correndo pelos portões do mesmo, gritando:

 - Onde está a comandante Yang?! É urgente! 

 Afastando-se da filha, Rin aproximou-se, questionando:

 - O que houve? 

 Ao vê-la, a soldado fez uma breve mesura, respondendo em seguida:

 - Vossa Majestade. Preciso relatar algo à comandante Yang com extrema urgência. Saberia dizer-me sua localização?

 Estava prestes a exigir que a youkai relatasse seja lá qual fosse o acontecido a ela, quando uma voz foi ouvida atrás delas: 

 - Estou aqui, Kayo - disse Yang, uma bela youkai de olhos amarelados e pele bronzeada. - Seu relatório. 

— Hai! Ryo-sama está lá fora. - Kayo foi direto ao assunto. Rin não lembrava-se de já ter ouvido esse nome antes, mas a comandante parecia conhecê-lo, já que surpresa dominou seu rosto. - Ela traz notícias. Más notícias. 

 - Vamos até ela.

 - Eu vou com vocês.

 - É melhor não, Vossa Majestade. 

— Eu decido isso - retrucou, firme. - Vou com vocês. Yuki? - Olhou para a filha. - Vá brincar lá dentro, sim?

 - Hai. - A menina concordou mesmo estando visivelmente confusa com toda a situação. 

 Sem mais nenhuma palavra, seguiu em direção aos portões do castelo, as duas youkais atrás de si.

Do lado de fora, deparou-se com os já familiares rostos das soldados que faziam a guarda do lugar há um ano e com alguns novos: sete youkais - todas mulheres, e todas belíssimas - aguardavam ali. Uma youkai de pele quase translúcida e cabelos extremamente escuros deu um passo à frente - devia ser a líder do grupo.

 - Presumo que seja Lady Rin do Oeste, certo?

 - Sim - respondeu, tentando soar tão imponente quanto seu título de Lady a fazia parecer.

 - O que me traz aqui não são boas notícias, infelizmente - começou a explicar-se. - Por certo sabe que nossa amada Kuryuu não fica muito longe da fronteira com o Sul. - Rin concordou, ainda que não fizesse ideia do que ela falava. - Percebemos uma movimentação estranha dos soldados de Lady Chiyo. Uma de nós ousou aproximar-se o suficiente para questioná-los, ao que eles responderam tratar-se de apenas um exercício rotineiro. 

 - Por que o exército de um reino recluso precisaria afastar-se tanto de seu núcleo a fim de realizar um exercício de rotina? 

 A youkai chamada Ryo deixou transparecer uma leve surpresa antes de recompor seu rosto em uma máscara inexpressiva. Com certeza ela e suas companheiras não esperavam tal perspicácia vinda de Rin. 

 - Como o esperado da Lady do Oeste. - Sorriu minimamente. - Vossa Majestade tem toda razão: não há motivos para esta repentina agitação nas forças militares do Sul. Pelo menos não até olharmos em direção ao Leste.

 - Não pode ser! - exclamou uma das guardas.

Levou dois segundos a mais até que Rin conseguisse entender a implicação daquilo. A conclusão a que chegou foi aterradora.

 - Não me diga que... 

 - Nada foi confirmado, mas o fato é que o Sul e o Leste estão mobilizando suas tropas. Precisamos considerar todas as possibilidades, e um ataque à Edras não pode ser descartado.

 - Você está certa - concordou. - Fez um bom trabalho vindo nos avisar. Vamos entrar, precisamos deliberar sobre o que fazer no caso de um possível ataque. 

 - Espere. 

— Comandante Yang?

 - Sinto muito, Vossa Majestade, mas Lorde Sesshoumaru-sama deixou ordens expressas para que ninguém entrasse ou saísse do castelo. 

 - Tenho certeza que Lorde Sesshoumaru-sama não irá se zangar, afinal, ajudaremos a proteger sua amada família durante sua ausência. - Uma das outras youkais pronunciou-se pela primeira vez. Rin teria ficado chocada com a beleza dela - que conseguia ser superior à de Ryo - caso algo em sua fala não tivesse roubado-lhe a atenção.

 - Como sabe que meu esposo está ausente? - perguntou, séria.

Ao seu lado, Yang ficou tensa. Entretanto, Ryo não pareceu se abater pela pergunta.

 - Yang disse que Sesshoumaru-sama "deixou ordens", a implicação na frase é óbvia. Os soldados de Kuryuu são considerados os melhores por um motivo, Lady Rin.

 Então Kuryuu era o lugar onde Sesshoumaru havia ido buscar as soldados para proteger o castelo... 

 - Certo. Agradeço que tenham vindo, porém, como a comandante Yang disse, Sesshoumaru-sama deixou ordens. Nós iremos cuidar de tudo a partir de agora. Vocês podem ir.

 Um riso sarcástico ecoou pelo local, sendo levado pela brisa do vento. 

— Lady Rin... Por um segundo deixei-me enganar. Quase pensei que você fosse uma líder nata, mas, pelo que vejo, não passa de outra serva de Sesshoumaru-sama - a youkai falou, mordaz.

 - Ryo-sama! - exclamou Yang. - Como pode falar assim com Sua Majestade?! 

 Rin nada disse. Apenas encarou fixamente a youkai à sua frente. Pôde ver em primeira mão quando Ryo deixou sua máscara de súdita leal cair, assumindo a postura de líder logo em seguida. 

 - Yang, você tem um minuto para retirar sua tropa do castelo. Estamos aqui para ocupá-lo.

 - O-O quê? - Kayo deu voz aos seus pensamentos. - Como assim ocupar o castelo?! Ryo-sama!

 - 58 segundos. - Ryo ignorou a soldado e continuou falando: - Você sabe exatamente o que está acontecendo aqui, Yang. Faça sua escolha. 

 Rin deu um passo para trás. Então era isso? Um complô? Yang seria capaz de trair o reino? Sesshoumaru havia escolhido aquelas soldados pessoalmente; ele mesmo havia apontado a youkai de olhos amarelos como comandante daquela pequena tropa. Ela não seria capaz, seria? Quase riu desse pensamento ingênuo. É claro que seria. Ryo e aquelas outras youkais também eram súditas de Sesshoumaru e ali estavam elas, aproveitando-se de sua ausência para tentar tomar o poder.

O que fazer? Essa era a  única pergunta que realmente importava. Teria de lutar. Defenderia aquele castelo e a vida de sua filha com unhas e dentes. Yuki... Tinha de encontrá-la e protegê-la, mas primeiro...

 "Ela virá por você quando chamá-la" 

 - Bya... - começou a chamar sua espada, mas foi interrompida por um forte empurrão. Forte o suficiente para fazer com que atravessasse grande parte do pátio central, aterrissando próximo à árvore cerejeira

. Mesmo estando um pouco zonza pela pancada, pôde ouvir, ao longe, Yang dizer:

 - Eis sua resposta! Protejam a rainha! 

 Duas guardas adentraram o castelo, trancando os portões com um baque. Lá fora, gritos de guerra e barulhos de espada contra espada começaram a ecoar.

 - Vossa Majestade! Levante-se! Temos de entrar!

 Rin agarrou a mão que a soldado lhe oferecia e levantou-se do chão. Foi acometida por uma leve tontura e ao levar a mão até a nuca, pôde constatar que estava sangrando. Contudo, não deu importância a isso.

 - A princesa! Temos de encontrá-la e protegê-la! - ordenou.

 - Hai! 

 As três correram pelos corredores do palácio, Rin na frente, guiando-as. Yuki só podia estar em um lugar: na ala dos empregados. Seu pensamento mostrou-se correto quando praticamente esbarrou com ela no meio do caminho para a ala sudoeste. A menina correu para seus braços assim que a viu. 

 - Hahaue! 

 - Yuki-chan! Você está bem? - Olhou atentamente para a filha em busca de qualquer ferimento visível.

 - Estou. - Assentiu com a cabeça. - Danai-san trouxe-me até aqui. - Apontou para a youkai de pele amarelada atrás de si. - O que são esses gritos, Hahaue? 

— Vossa Majestade! - Uma voz agitada ecoou pelos corredores, precedendo a chegada de uma nova youkai. Apesar de todo seu treinamento, a pobre criatura parecia aterrorizada. - Finalmente a encontrei!

 - O que houve? - perguntou Rin, temendo a resposta.

 - Era uma armadilha! 

 - Oras, Aiko! Disso já sabemos! - Uma das guardas retrucou, irritada pelo comentário óbvio da companheira.

 - Não, não sabem. - Balançou negativamente a cabeça. Quando voltou a falar tinha um olhar sombrio no rosto, o qual fez Rin arrepiar-se dos pés à cabeça. - Eles estão aproximando-se.

 - Quem? 

 - Os exércitos do Sul e do Leste aproximam-se da montanha - comunicou, fazendo todos arregalarem os olhos em surpresa. Porém, ela ainda não havia terminado. - Liderando a vanguarda, o próprio Rihan do Leste.

 Ao ouvir aquilo, Rin fechou seus olhos com força. E lá se iam seus planos de não envolver sua filha naquilo. Não havia tempo para lamentações, no entanto. Era hora de agir. Virando-se para a filha, respondeu a pergunta anterior da menina: 

 - Um ataque. Estamos sendo atacados. 

 - Atacados? 

 - Sim. É por isso que preciso que fique aqui dentro e não saia lá fora de jeito nenhum, ouviu bem? 

 - Mas... 

 - Yuki! Isso é uma ordem - falou com seu tom de voz mais gélido. Não queria assustar a filha, mas era necessário. Medo era o mecanismo de defesa natural de qualquer ser vivo. Medo podia ser a diferença entre a vida e a morte em momentos como aquele. Se ela própria tivesse sentido mais medo quando criança, não teria morrido tão jovem. - Prometa-me, Yuki!

 - Hai... - sussurrou em resposta.

 - Ótimo. Obrigada meu bem. - Abraçou a filha o mais apertado que pôde. - Danai - chamou a atenção da única soldado que parecia realmente gostar de sua filha -, com quem está sua lealdade?

 - Para sempre com o Oeste - respondeu sem hesitação.

 - Esta criança - virou Yuki para que Danai pudesse vê-la melhor - é filha legítima do atual Lorde do Oeste, sua primogênita. Ela é a Princesa Herdeira do trono do Oeste, futura Lady deste reino. - Apertou levemente os ombros da menina. - O quão longe está disposta a ir por sua futura rainha?

 - Ainda que a morte recaia sobre mim,  não deixarei de proteger o futuro do Oeste. 

 Rin sabia que não havia tempo, mas não pôde evitar desperdiçar um minuto inteiro sondando a youkai. Não viu nada de bom, tampouco nada de ruim. Sendo assim falou, solene: 

 - Ótimo. Confio a você, Danai, a vida de minha preciosa filha. 

 - Hai.

 - Vossa Majestade?! O que quer dizer com isso?!

 - Vou lutar com vocês - decretou, voltando-se para elas.

 - O quê?! - A soldado, que agora sabia chamar-se Aiko, gritou. - Você só pode estar enlouquecendo! 

 - Aiko! - Uma de suas companheiras chamou-lhe a atenção, mas bastou um olhar para Rin ter certeza de que ela, e as outras duas, pensavam o mesmo.

 - Aiko, não é mesmo? - disse, suavemente. - Eu sou a Lady do Oeste. Vocês podem achar que este é apenas um título dado a mim por um Lorde sem apreço às regras, mas eu não ligo. - Estendeu sua mão para o corredor, sussurrando mentalmente um nome. - Não faço isso por vocês, não tenho interesse algum em agradá-las. - O barulho de algo movendo-se em alta velocidade pôde ser ouvido. - Faço isso por minha filha, por todos os servos deste castelo e por mim mesma. - Atravessando a parede de madeira, Byakusaiga parou em frente à mão estendida de sua dona. Agarrando-a, Rin, orgulhosamente, tirou-a da bainha, deixando que a bela lâmina branca brilhasse à luz do dia. - Eu sou Rin, Lady do Oeste, e se luto, é para defender o meu lar.  

***

Nunca antes havia estado em uma guerra. Sim, tinha presenciado várias das lutas de Sesshoumaru  - principalmente em sua infância, época em que o desprezível Naraku ainda atormentava seus amigos -, mas aquilo era diferente. Presenciar  uma batalha e ter de lutar nela são coisas diferentes. Nada do que já tinha visto, junto de Sesshoumaru ou não, a preparou para aquilo.

A situação era pior do que qualquer coisa que poderia ter imaginado.  

Quando a soldado Aiko disse que os exércitos do Sul e do Leste aproximavam-se, ela imaginou algumas centenas de youkais trajando armaduras e não aquilo. Quer dizer, os youkais vestidos em armaduras estavam lá, mas não eram apenas eles. No meio da multidão haviam todos os tipos de youkai - completos, inferiores e hanyous. Os completos claramente eram os de armadura, orgulhosos por terem recebido a honra de lutar na vanguarda; os inferiores estavam por toda a parte, mas principalmente no céu, seriam os primeiros a alcançar o castelo; já os hanyous foram delatados por suas aparências humanas demais, ou atraentes de menos - estes ficavam atrás, bem longe daquele que liderava o exército.

E por falar no diabo...

"Liderando a vanguarda, o próprio Rihan do Leste", foi o que Aiko dissera. Então aquele era Rihan? Diferente de seus soldados, ele não usava nenhuma armadura, nada que o protegesse de um eventual ataque. Mas era de se esperar: um Dai-Youkai não precisava de tais artifícios, não quando já era poderoso por si só. 

 Desviando o olhar do inimigo que vinha pelo lado direito do castelo, Rin desceu de onde estava: uma das guaritas  localizada no topo de cada uma das quatro muralhas cercando o local. Lá embaixo, deparou-se com um grupo de quinze youkais, todas prontas para lutar e aguardando ordens. Aguardando ordens dela, da Lady do Oeste.

Respirou fundo, precisava manter-se calma. Tinha assumido o papel de líder quando deixou Yuki para trás e puxou Byakusaiga da bainha dizendo que lutaria com elas. 

 - Seu relatório, por favor.

 Aiko, que havia ficado encarregada de reunir qualquer informação pertinente sobre a atual situação, respondeu:

 - Hai! Como sabe, somos um total de 30 soldados. Cinco estão evacuando o castelo nesse momento, levando todos os servos para a aldeia no lado esquerdo da montanha; de lá, todos eles seguirão para o mais longe que puderem e elas retornarão para nos ajudar; menos Danai que está encarregada da princesa.

 Rin assentiu e ela continuou:

— Outras dez de nós estão, nesse momento, lutando contra Ryo-s... - A voz dela fraquejou ao pronunciar tal nome. Rin não podia culpá-la. Pela rápida explicação que lhe deram, ficou sabendo que Ryo era a líder do clã, ou seja, a superior delas. Aquela traição devia ter deixado um gosto amargo em suas bocas. - Elas estão resistindo bravamente às sete youkais lá fora. E por fim, nós. - Fez um gesto com a mão para indicar o pequeno, porém orgulhoso, grupo de guerreiras. - Somos apenas quinze, mas daremos nosso melhor para derrotar o inimigo.

 - Dezesseis - corrigiu. - Não esqueça de mim. 

 - Vossa Majestade, com todo o respeito, tem certeza sobre isso? Ainda há tempo para que parta junto de sua filha. 

 - É justamente por ela que estou aqui. - "Para que ela tenha tempo de fugir" completou em sua mente. - Serei sincera, não tenho experiência alguma em batalhas. Então, caso alguma de vocês tenha um plano melhor do que o meu, falem agora. - Uma soldado deu um passo à frente. - Sim? 

 - Qual exatamente é seu plano, Vossa Majestade?

 Rin corou levemente, não estava acostumada a ter tantas pessoas olhando-a ao mesmo tempo. No entanto, ignorou isso. Não era hora para sentir-se tímida. Pigarreando uma vez para limpar a voz, pôs-se a explicar seu plano improvisado:

 - O inimigo pretende atacar pela terra e pelo ar. Já que não podemos impedi-lo, devemos limitar sua área de ataque. Não podemos deixá-los subir a montanha. Não até o castelo ser completamente evacuado.

 - Está propondo que desçamos lá, apenas dezesseis de nós, e os enfrentemos de frente? - Aiko perguntou, mais chocada do que quando ouviu que a rainha lutaria.

 - Exatamente. - Rin engoliu em seco. - Sabem o que isso significa, certo?

 - Sim. - Para sua surpresa, elas começaram a sorrir. - Significa que mesmo humana, Vossa Majestade tem coragem. - Montando em seu cavalo, Aiko prosseguiu: - Será uma honra lutar ao seu lado ainda que apenas uma vez, Lady Rin.

 Embora Rin tenha limitado-se a sorrir minimamente, estava tremendamente grata. E pensar que seria justo ali que conseguiria o favor - pelo menos de alguns - de seus súditos...

Parando de sorrir, montou seu próprio cavalo. Aquele era o momento de exercer seu papel como líder e assumir a liderança daquela pequena tropa. 

Após os portões serem abertos, reuniu toda a coragem que tinha e gritou: 

 - Vamos!

 Yang ouviu o grito da rainha, mas não podia parar sua luta para entender o significado daquilo. Não quando sua oponente era justamente Ryo e a luta já pendia favoravelmente para o lado da líder de seu clã. Infelizmente para a rainha, não poderia contar com nenhuma ajuda extra vinda dela. Teria de se virar sozinha. 

 Todavia, Rin já estava ciente disso. Não só ela como todas as quinze youkais que seguiam atrás de si. Aquela era uma missão suicida. Todas já haviam aceitado o resultado daquele embate. Agora só podiam esperar que o massacre fosse lento - isso daria tempo para que o futuro do Oeste sobrevivesse.

 ***

 - Continuem seguindo em frente! Não parem! - Shion, uma das encarregadas do evacuamento do castelo, gritou mais uma vez.

Curiosamente, todos os servos do Castelo de Edras eram humanos, não havia um youkai sequer. Talvez por isso fossem tão medrosos. Toda vez que um grito - de guerra ou de dor - era ouvido, eles encolhiam-se e paravam de andar.

Francamente...

— Rápido! Andem mais rápido! - repetiu seu comando pela milésima vez. 

 - Eles estão indo o mais rápido que podem. Não grite com eles. - Uma voz infantil soou ao seu lado.

Virando-se, pôde ver a dona da voz carregando uma expressão séria em seu pequeno rosto. Mas era só o que faltava...

— Yuki-chan, certo? - Sorriu falsamente. - Eu estou apressando-os pois temos de chegar àquele lugar - apontou para a aldeia que estava a algumas centenas de metros de distância - o mais rápido possível, e então voltarmos para ajudar sua preciosa mamãe. Então, poderia me fazer um favor e calar a merda da boca?

 - Eu peço o mesmo, Shion - disse Danai, sua espada displicentemente apoiada contra o pescoço da outra youkai. - Poderia fazer o favor de calar a merda da boca? - Olhou rapidamente para a princesa. - Nunca repita o que ouviu, sim? 

 - Isso é sério, Danai? Está tão desesperada para morrer que não pode esperar até voltarmos lá?

 - Não sou eu quem está a apenas um corte de ficar sem cabeça. - Sorriu, amigavelmente.

Shion devolveu o sorriso, mas em seus olhos havia ódio. 

— Chega vocês duas - a superior de ambas, uma youkai de pele verde e olhos escuros, ordenou. - Danai? Está assustando sua protegida. - Indicou a menina com um aceno. - Shion pode ser bocuda, mas está certa. Não temos tempo a perder. - Dirigindo-se aos servos que elas guiavam, disse firme: - Se não chegarmos logo à aldeia, morreremos todos no meio do caminho. Andem mais rápido se quiserem viver para ver mais um nascer do sol. 

 Por alguma razão, aquelas palavras tiveram sucesso onde  os vários gritos de Shion falharam. Em fila, todos eles seguiram adiante. Sem paradas e um pouco mais rápido dessa vez.

 - Vamos, princesa. - Danai estendeu a mão para Yuki que a segurou firmemente. 

 Juntas, seguiram a procissão até adentrarem a tão falada aldeia localizada no sopé da montanha onde o Castelo de Edras fora construído. Andaram até o centro dela sob o escrutínio de olhares confusos, assustados e enojados. O youkai responsável pelo lugar exibia uma mistura dos três quando dirigiu-se a elas:

 - O que significa isso? O que está acontecendo lá em cima? E por Kami, o que essas criaturas asquerosas fazem em nossa aldeia?

 - O castelo está sendo atacado. Evacuem o lugar e partam para o mais longe que puderem - respondeu Shion, sempre desobedecendo a hierarquia.

Diante de sua resposta, um burburinho teve início. 

 - O que quer dizer com evacuar?! - O youkai sibilou como a cobra que parecia ser. - E quanto ao Lorde Sesshoumaru-sama?! É dever dele nos proteger! 

 - Ele não está! Agora, façam o que eu mandei! Andem!  

 - E se nos recusarmos? 

 - Vocês morrem, simples assim. Não que eu me importe com suas patéticas vidas. 

 - Shion... - Jun, a youkai de antes, chamou a atenção dela.

— Vai dizer que eu estou errada, Jun? - exaltou-se.

 - Não, não está. - Sorriu, pesarosa. - Na verdade, está certíssima. 

 Shion ia perguntar o porquê daquela expressão, mas não teve tempo. Nem mesmo seus reflexos foram capazes de reagir a tempo de impedir o ataque que lhe tirou a cabeça e a vida.

A confusão que seguiu-se àquilo foi tamanha que ninguém notou a ausência de certa hanyou e de sua guardiã. Mas isso já era esperado. Tudo aquilo fazia parte de um plano brilhantemente arquitetado, podendo ser considerado um presente póstumo de Norio do Norte.

 *** 

 A pequena Yuki tapou os ouvidos quando os gritos de horror tiveram início, mas nem isso abafou os clamores por misericórdia ou os rugidos de ódio.

 - O que está acontecendo, Danai-san?! - perguntou. 

 Sua guardiã não respondeu. Ela não falava uma palavra sequer desde que chegaram à aldeia.

 Minutos antes, quando Yuki disse ter ouvido o choro de filhotes de cachorros, a youkai apenas sorriu, dizendo que, se quisesse, ela tinha permissão para ir vê-los. Como não estava gostando nem um pouco da companhia das outras soldados - em todo o tempo desde que elas passaram a morar em seu castelo, nunca haviam sequer lhe dito um "olá", por isso não simpatizava com nenhuma delas -, aceitou a sugestão de Danai e correu em direção ao choro suave que ouvia.

 Juntas, elas tinham entrado em uma das residências - vazia, já que seus donos, assim como todos os outros moradores da aldeia, estavam lá fora - onde depararam-se com três lindos cachorros crescidos e uma ninhada de filhotes deitados muito confortavelmente sobre almofadas e panos em um canto da casa. Yuki estava prestes a fazer uma tentativa de aproximação quando os gritos começaram.

 Parecendo nada afetada pela confusão que tinha tido início, Danai aproximou-se dela, um sorriso no rosto, e perguntou: 

 - Está com medo, Princesa?  

— N-não. 

 Sim, estava. Mas por algum motivo teve mais medo de admitir a verdade do que de mentir. Não gostava do que via no rosto de Danai. Não queria admitir que estava com medo dela, muito mais do que dos gritos.

 - Pois deveria.

Agachando-se, ela esticou a mão direita para acariciar um dos filhotes, mas foi repelida pelo rosnar da mãe deles.

— Vê? Até mesmo eles estão assustados. E isso é uma coisa boa, princesa. O medo, quero dizer. - Levantou-se, calmamente, e então completou: - A capacidade de sentir medo torna até mesmo os animais mais espertos.

 Yuki não entendia. Não conseguia entender nada daquilo. Por que Danai estava estranha? Qual o significado daquelas palavras? Ela não entendia. Só queria voltar para casa, para sua mãe. Quando seu pai voltaria de viagem? E o senhor Jaken? Tantas eram as dúvidas que suas emoções tornaram-se tumultuosas, altas demais.

Com as mãos pequenas e levemente trêmulas tentou secar as lágrimas que transbordavam de seus olhos, mas foi impedida por uma outra mão - maior e menos suave - que tomou a tarefa para si. Naquele momento a hanyou notou, com certa curiosidade, duas coisas importantes: primeira, a mão esquerda de Danai era coberta por cicatrizes e calos, o que tornava-a áspera ao toque. Segunda, em sua mão direita havia uma faca; pequena e bonita.

 - Está com medo agora, princesa?  

Dessa vez Yuki foi sincera. Seu medo era tanto que apenas pôde assentir em concordância.

 - Feche os olhos, se quiser. - Foi a resposta que obteve. - Vai acabar rápido. 

 Seguiu o conselho da soldado, e, ao fechar os olhos, sentiu-se imediatamente mais calma. Não haviam mais gritos, pois sua mente não estava mais ali.

Antes de tudo ficar escuro, lembrou-se de perguntar:

 - Danai-san, você acha que Chichiue vai chegar a tempo de ver as flores de cerejeira?

 *** 

 O grupo de youkais se separou antes de chocar-se com a primeira onda do exército inimigo. Rin e mais duas soldados ficaram encarregadas do flanco esquerdo, enquanto as outras dividiram-se para lidar com as demais posições. Ela sabia que aquilo não era coincidência - Aiko mandou-a para o flanco esquerdo em uma tentativa de protegê-la, ainda que só por um tempo, mantendo-a longe de Rihan.

Rihan... Rin deu um boa olhada nele e foi o suficiente para confirmar suas suspeitas: elas não tinham chances.

 Se ao menos Sesshoumaru-sama estivesse aqui... 

 Balançou fortemente a cabeça para livrar-se de tais pensamentos. Não era hora para aquilo. Foco. Precisava focar-se na batalha à sua frente.

 - É só você e a sua espada, Rin - sussurrou para si mesma.

Com isso em mente, brandiu Byakusaiga contra o inimigo. Mirava-a nas articulações do joelho - um dos únicos lugares que não era protegido pela armadura -, pois havia aprendido que quando há muitos inimigos o melhor é incapacitá-los, e não perder tempo tentando eliminar um por um.

Infelizmente, essas táticas de combate só funcionavam com humanos. Foi com frustração e uma pontada de desespero que Rin observou pelo canto do olho os soldados que derrubou levantarem-se como se nada tivesse acontecido. Assim como Sesshoumaru e qualquer youkai que se prese, eles se curavam quase que automaticamente. Já ela, tinha que fazer malabarismos para não perder um braço ou dois, pois não seria capaz de recuperá-los.

Felizmente, as soldados de Kuryuu não sofriam das mesmas limitações que ela. Por serem mais fortes, atacavam para matar e não para incapacitar. Por serem mais rápidas, um piscar de olhos era o suficiente para que cinco ou mais soldados inimigos perdessem suas cabeças. Era uma visão brutal, mas Rin não deixou-se abater e continuou lutando. 

 Pôde ouvir ao longe os youkais inferiores colidindo contras as muralhas do castelo. Como imaginou, eles foram os primeiros a alcançar o lugar. Só podia rezar para que não houvesse mais ninguém lá; para que sua preciosa filha... Seu pensamento foi interrompido por um grito de "cuidado", o que a salvou de morrer pelo ataque brutal de uma espada. No entanto, mesmo que tenha conseguido bloquear o golpe com sua Byakusaiga, ele foi tão poderoso que a lançou para longe de sua sela, fazendo com que seu cavalo se assustasse e saísse trotando em meio a confusão de corpos. 

— Lady Rin! 

 Um novo grito soou às suas costas, mas não olhou para trás. Não atreveu-se a desviar os olhos do youkai à sua frente, apontando uma espada para si. Tremendo, tentou levantar-se, mas tinha perdido o controle sobre suas pernas. Ao ver o sorriso debochado do youkai, tentou novamente, conseguindo ficar de joelhos dessa vez.

Patético. Se Sesshoumaru pudesse vê-la, sentiria vergonha.

Pelo menos um último golpe! Essa era sua obrigação como Lady daquele lugar!

 Esse pensamento pareceu fortalecer seus ossos, pois, com uma tentativa mais, conseguiu por-se de pé.

 - Lady Rin! Fuja! - A mesma voz de antes gritou. Devia estar muito ocupada para ajudá-la, por isso mandou-a fugir.

 Mas Rin não fugiria. Primeiro, porque duvidava que aquele soldado permitiria sua fuga. Segundo, porque até mesmo uma humana como ela tinha sua honra.

Seu lado racional gritava para que não fizesse aquilo. Não deveria estar pensando em coisas tolas como honra! Deveria somente focar-se em sobreviver!

Com um sorriso triste nos lábios, concluiu que tinha passado tempo demais com Sesshoumaru.

Ainda sorria quando atacou.

Seu último golpe com a Byakusaiga. 

 *** 

Rihan estava entediado. Não era exagero dizer que bocejou algumas vezes durante a "batalha". Certo, ele sabia desde o início que não seria grande coisa. Quer dizer, o dono da casa sequer estava lá para recebê-los - cortesia do Lorde do Norte -, mas aquilo? Decepcionado era pouco para começar a explicar como se sentia. 

Suspirou, abrindo um sorriso em seguida. Ainda não conseguia acreditar que seu tio aceitou ajudá-lo naquela empreitada. Na verdade, o velho se dispôs a fazer todos os preparativos, tomando toda a diversão para si, incluindo o privilégio de matar Sesshoumaru - o que explicava o tamanho de seu tédio com tudo aquilo.

 Sem nada mais importante para fazer, pôs-se a lembrar dos acontecimentos que culminaram naquela situação.

Algumas semanas antes, Norio havia enviado-lhe uma carta - depois de um ano de silêncio - dizendo que havia testado Sesshoumaru e que, infelizmente, ele tinha sido reprovado em seu teste. Não foi preciso muito para chegar à conclusão de que os ataques às cidades próximas da fronteira do Oeste com seu território tinham sido orquestrados por seu querido tio. Astuto como uma raposa velha, o homem manipulou Sesshoumaru como bem quis, fazendo o Lorde do Oeste acreditar que seus inimigos - o Leste e o Sul - estavam fechando o cerco, e que seu único aliado era o bom e velho tio Norio.

Ah, a ironia...

Rihan não precisou mover um dedo sequer para destruir o primo - ele fez isso sozinho ao deixar seu apreço pelos humanos tornar-se visível. Como seu tio disse na carta: "Sesshoumaru não soube definir suas prioridades. Uma pena, de fato." 

Olhando novamente para seu exército - uma mistura de todos os tipos de youkais, seus e de Chinatsu -, sentiu uma nova onda de preguiça. Poderia estar fazendo tantas coisas diferentes nesse momento - todas elas incluindo seu adorável Chiyoko, é claro. Só de pensar nas possibilidades... Infelizmente, não sairia dali tão cedo. Depois de eliminar o inimigo e tomar o controle do castelo, ainda teria que esperar a chegada de Norio, pois o velho insistiu que deveria ser ele a dar fim à família de Sesshoumaru. Realmente, ele estava furioso com o sobrinho, outrora seu favorito. 

 Prestes a bocejar novamente, Rihan teve sua atenção capturada por um grito: 

 - Lady Rin!

 Lady Rin? Pelo que suas espiãs no castelo de Esdras disseram, Rin era o nome da rainha de Sesshoumaru. Mas por que ela estaria ali? Não fazia sentido.

O mesmo grito soou novamente, mas dessa vez com um alerta para que a tal Lady Rin fugisse. A voz vinha do flanco esquerdo do exército. Não havia dúvidas, ela estava bem no meio da batalha.

 - Oh.. - Sorriu, surpreso. Finalmente algo interessante para aliviar seu tédio. - Continuem em frente - ordenou aos seus soldados, partindo em direção à humana de Sesshoumaru em seguida.  

No meio do caminho, no entanto, uma nova surpresa: um raio de luz fortíssimo cortou o céu, como o relâmpago que precede o trovão. Quando abriu seu único olho e percebeu o que tinha acontecido, Rihan teve de sorrir. O motivo? Bem, é que de repente, não mais que de repente, todo o flanco esquerdo de seu exército tinha sido varrido da face da terra.

Sumiu; desapareceu; foi aniquilado.

E no meio de tudo aquilo, que agora resumia-se a nada, uma figura frágil. Vestindo roupas de dormir e segurando uma espada, lá estava a humana de Sesshoumaru.

Àquela visão, seu sorriso aumentou. Aquele dia tedioso não estava mais tão tedioso assim.   


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