O Preço da Glória escrita por Carol Coelho


Capítulo 3
Capítulo 2 - Uma Proposta Inesperada


Notas iniciais do capítulo

Oláá! Mais um capítulo dessa aventura. Espero que gostem, boa leitura ♥



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No dia quinze de outubro de 1917, o Escafandro ancorara bem ao lado da Salamandra do Mar. Os capitães se encararam no cais com uma rivalidade faiscando entre eles.

Leonardo Leão mirou Marco Martins com asco, ao que o outro só devolveu um sorriso debochado. Ambos caminharam lado a lado em silêncio até a prefeitura da cidade, cruzando as ruas de pedra com rapidez. O dia já começava a se esvair, banhando as ruas com o dourado do sol poente e os comércios começavam a fechar. As ruas eram lentamente preenchidas com estudantes e trabalhadores ávidos para chegarem em suas casas após um longo dia. Alguns rostos sorridentes cumprimentavam os capitães que cruzavam rapidamente as ruas na direção da praça.

Ao mesmo tempo que Leonardo sentiu a raiva típica que a presença de Marco trazia, sentiu-se aliviado. O prefeito dificilmente chamaria Marco para uma conversa em que quisesse falar de Eriberto. Provavelmente conversariam sobre alguma futura expedição.

A fachada coberta de limo era iluminada pelo sol que se punha atrás das montanhas de Santo Ignáceo. O saguão circular estava vazio, então as botas dos dois marinheiros fizeram um verdadeiro estardalhaço ao baterem contra o chão de madeira muito bem polida. Uma secretária levantou os olhos e bateu na porta do prefeito logo atrás de si. O velho prefeito Araldo Bertoldo colocou a cabeça para fora da porta e mandou que os dois entrassem. Os homens carregaram um cheiro pesado de maresia para dentro da sala gelada e estéril. Ao fechar a porta, o prefeito iniciou seu discurso sem rodeios.

— Bem, capitães — disse sorrindo. — Trago para vocês uma missão muito importante. Sei que vocês competem entre si pela liderança da marinha da cidade de Santo Ignáceo há bastante tempo.

Perante o silêncio dos dois marujos, o prefeito puxou duas pastas cinza de sua mesa e entregou uma para cada, retomando a fala.

— Existe uma colônia de animais perigosos vivendo próxima a ilha de Ákilah. Porém esses animais nos seriam extremamente úteis. Seu DNA tem propriedades curativas — a cada palavra, Araldo os estudava com cautela, medindo suas reações à proposta. — Quem de vocês me trouxer esses animais para auxiliar a produção de vacinas da cidade e, futuramente do estado, ganha a liderança da marinha e todos seus benefícios. É bem simples.

Os olhos de Leonardo brilharam em expectativa ao mesmo tempo que algo se enroscava em seu estômago. Ele associou isso a ansiedade. Finalmente poderia honrar o nome de sua família, ou o que havia sobrado dela. Seria reconhecido pela cidade da forma que merecia, junto de sua tão fiel tripulação. Orgulharia seu pai, onde quer que ele estivesse, se é que ele estava em algum lugar. Nada o impediria de chutar Marco Martins para a sarjeta de onde ele jamais deveria ter saído, nem mesmo o sentimento estranho que tomava conta de seu corpo ao pesar as palavras da proposta do prefeito Araldo.

— Posso contar com vocês e suas tripulações? — indagou o prefeito.

— Absolutamente, senhor — respondeu Leonardo de pronto.

— Sem dúvidas, senhor — respondeu Marco.

O prefeito apertou as mãos dos dois que logo em seguida partiram de volta para o cais afim de abastecer seus navios e preparar suas tripulações para partir o quanto antes.

— Que o melhor marujo vença — disse Marco com deboche ao chegarem no cais.

— Pode ter certeza que irei — prometeu Leonardo.

— Francamente, Leonardo, cá entre nós — Marco aproximou-se. — Você realmente acha que consegue me passar? Que consegue encontrar a colônia antes de mim?

Os olhos negros de Marco brilhavam com a ameaça.

— É um jogo justo. Não sabe onde a colônia está de verdade.

— Nisso você está certo, já que é uma colônia itinerante — disse Martins como se fosse óbvio, revirando os olhos. — Mas meu navio é superior em tudo. Meus homens estão em maior número.

As mãos de Leonardo se fecharam em punho e coçaram para acertar o nariz de Marco.

— Você tem onze homens e um cachorro, Leão. Não é nem de longe um adversário interessante.

Antes que Leonardo pudesse rebater, uma voz respondeu por ele.

— Acho que você esqueceu de incluir alguém nas contas.

Leonardo se virou e viu Veronica caminhando até eles carregando uma pesada sacola com frutas e legumes. Seu olhar era ferino e seus cabelos ruivos estavam soltos, dando-lhe um ar selvagem. Veronica Monjardim era a única mulher no navio. Quando seu amante havia morrido em uma incursão, ela se encontrou incapaz de sobreviver sozinha em terra tendo vinte anos e estando grávida de gêmeos. O pai de Leonardo acolheu a mulher grávida e hoje os gêmeos tinham dezessete anos. Todos respeitavam Veronica por sua força e destemor, afinal criar dois filhos sendo a única mulher em um navio cheio de homens não fora uma tarefa fácil, mas ela a cumpriu com excelência. O Salamandra do Mar havia se tornado sua casa e ela era exatamente a pessoa que todos procuravam quando tinham algum problema.

— A vadia da cidade — debochou Marco. — Grande acréscimo.

Veronica se aproximou de forma lenta e colocou a sacola no chão.

— Acho que você só quis dizer a mãe solteira da cidade — corrigiu Veronica.

— Lave a sua boca antes de... — antes que Leonardo pudesse concluir sua fala, Marco estava curvado com a mão no nariz, onde Veronica havia socado. No chão, algumas gotas de sangue pingavam manchando a madeira.

Leonardo a olhou assustado.

— Você é muito lento as vezes, capitão — sorriu Veronica, pegando a sacola do chão.

Sem olhar para trás, ela subiu a rampa do Salamandra do Mar a passos largos e empolgados, sendo seguida por Leonardo que ainda estava impressionado. Veronica era uma mulher impulsiva e destemida. Era uma ótima companhia e seus atos muitas vezes impensados a tornavam única quando o choque passava.

A noite foi cheia de cerveja, gritos e promessas de sucesso partindo dos doze tripulantes do Salamandra do Mar, todos jovens e cheios de energia.Os latidos do cachorro Milton faziam coro à comemoração dos marujos. Era um vira lata preto que vagava pelo cais e acabou tendo a sorte de ser adotado pela tripulação do Salamandra do Mar. Era uma tripulação pequena se comparada à do Escafandro, mas eram bons homens.

Leonardo ficou feliz ao ver seus amigos marujos empolgados dessa forma. Desde que o pai morrera há dezesseis anos o deixando no comando do navio, não havia visto os tripulantes tão agitados. A perspectiva de liderar a marinha da cidade, a mais forte do Estado inteiro, lançava uma onda de empenho e empolgação sobre todos. Leonardo não podia os decepcionar.

— Partiremos amanhã antes do sol raiar, marujos! — anunciou, levantando uma nova onda de celebrações.

A glória total do Salamandra do Mar seria restaurada ao final desta missão e a ansiedade era palpável entre os homens ali presentes. A comemoração não durou muito. Dois terços dos homens foram dormir cedo para iniciarem o dia seguinte também cedo. O restante deles se posicionou em pontos estratégicos do navio para resguardá-lo noite afora caso algum tripulante do Escafandro resolvesse tentar sabotar o Salamandra do Mar.

Leonardo foi o último a se recolher em sua cabine. Assim que entrou no quarto, viu a pasta cinza sobre a mesa, onde a havia jogado mais cedo. Deu uma folheada rápida, porém não se atentou muito, eram apenas descrições de como capturar os animais e quais seriam seus fins. Estava cansado porém agitado. Caminhou para a cozinha na intenção de buscar uma xícara de chá para que pudesse dormir melhor.

Ao pousar a cabeça no travesseiro, não conseguiu reprimir aquela sensação de algo se enrolando em seu estômago. Novamente associou isso à ansiedade de sair em missão novamente, ainda mais uma missão tão importante como aquela. Bateu os olhos na foto do pai na cabeceira da cama e quase pode ouvir a voz de seu velho recitando sua típica oração. Ele nunca havia acreditado em deuses, criaturas míticas e nas histórias de pescador que ele cresceu ouvindo. Na verdade, ele não era um homem de fé, mas em sua mente Leonardo se juntou ao coro:

Peço aos senhores das águas que me deixe navegar,
posso me arriscar e da água meu sustento tirar,
posso mergulhar e um belo tesouro encontrar
suplico por boas doses enquanto estou no pleno mar.

Que belas sereias eu possa encontrar
que o mar me faça enriquecer
pois eu quero no meu barco belas festas fazer

Não deixe o mar meus homens levar
Peço que a âncora só seja usada 
quando essa terra for por nós conquistada  


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? No próximo capítulo, nossa aventura efetivamente começa, einnn. Vejo vocês lá! ♥