O Preço da Glória escrita por Carol Coelho


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura (-:
Caso não tenha lido o disclaimer, segue o link de um mini glossário de termos náuticos usados ao longo da história pra ninguém se perder: https://docs.google.com/document/d/1_p8nDcWIHyTIy6ufASDyzSe_pxx8PB-tRPf4cUl_uCQ/edit?usp=sharing



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Verão, 1901

Os fogos de artifício enchiam a noite de ano novo com suas cores acima do mar da cidade de Santo Ignáceo. Na praia todos se abraçavam e comemoravam a chegada do novo século. Leonardo olhou seu pai e ergueu o copo na sua direção, brindando a mais um novo ano de glória para seu navio. Eriberto estava afastado. Era olhado torto pela cidade que o considerava um lunático.

Em meio à musica e o barulho do mar, Leonardo começou a se sentir tonto.

— Vou entrar — avisou seu pai.

— Boa noite, meu filho — desejou Eriberto, pegando as mãos de Leonardo entre as suas e depositando um beijo sobre cada. — Que esse ano nos traga tudo de bom e de melhor.

Leonardo beijou a cabeça careca do pai, já em uma idade avançada, e se encaminhou para seu navio, ancorado nas docas. No convés, viu Veronica Monjardim ninando seus filhos de apenas um ano e parou por alguns segundos para admirar a cena. Ela levantou os olhos e sorriu para Leonardo, que no meio da sua vertigem conseguiu sorrir de volta.

— Feliz ano novo, capitão — desejou, como sempre cordial.

— Feliz ano novo, Veronica. Cuidado para não se resfriar, o vento está bem forte.

Ele gostaria de prolongar a conversa, porém estava se sentindo muito nauseado. Com uma ultima troca de olhares, ele entrou trôpego em sua cabine e mal conseguiu tirar os sapatos antes de cair na cama. Sua cabeça girava como se estivesse no meio de um tsunami e ele queria vomitar. Foi despertado de seu torpor pelos gritos altos que pareciam vir do corredor.

— Pare! O que você está fazendo?

Era a voz de seu pai.

— Leonardo! — ouviu Veronica gritando e seus bebês chorando.

Com a visão turva e mal conseguindo se sustentar de pé, ele pegou um facão de cima da mesa e caminhou para o corredor dos quartos se apoiando na parede de madeira do navio.

Conseguiu identificar a forma de seu pai pois o conhecia muito bem, mas havia outro homem.

— Entregue, Leão! — bradou o homem apontando algo para o pai.

— Não sei do que está falando — respondeu o pai.

— Sabe sim, seu velho maldito! Entregue!

— Saia do navio — balbuciou Leonardo, chamando a atenção para si. O homem sem face riu de sua cara.

Ele viu o relance de um objeto voando em sua direção. Quando sentiu a dor passar pelo rosto e os olhos perderem a habilidade de ver devido ao sangue que escorria de um corte enorme, entendeu que era uma faca. Fraco e agora perdendo sangue, ele caiu de joelhos no chão.

— Eu pedi.

— Só por cima do meu cadáver.

— Pai — balbuciou Leonardo debilmente.

O pai fez um som de engasgo e caiu no chão ao seu lado poucos segundos depois.

— Eu sempre consigo o que eu quero, Leão. Mais cedo ou mais tarde.

E então Leonardo apagou.

***

Verão, 1916

Ele acordou suado e assustado com o mesmo sonho de sempre. Seu peito subia e descia rapidamente enquanto ele olhava ao redor e via seu quarto sendo banhado pela luz fraca que se infiltrava pela escotilha à sua direita. Leonardo Leão fechou os olhos para acalmar sua respiração enquanto repetia para si que havia sido apenas um sonho. Flashes de uma faca na sua direção, uma dor alucinante que turvava sua visão e o som do corpo pesado caindo no chão ao seu lado invadiram sua mente. Ele abriu os olhos de sobressalto e mirou a foto do pai na cabeceira da cama, bem ao lado de seu obituário publicado no jornal da cidade:

A TRAGÉDIA DOS LEÃO
Morreu nesta madrugada de terça-feira, dia primeiro, Eriberto Leão, o excêntrico e controverso capitão do S. S. Salamandra do Mar de causas desconhecidas. Seu corpo foi encontrado em seu navio por um de seus tripulantes, cujo nome não foi divulgado. Seu filho Leonardo (18) não se pronunciou sobre o caso, apenas manteve-se isolado no navio desde o ocorrido.
Fontes extraoficiais afirmam que Eriberto escondia informações importantes do governo da cidade de Santo Ignáceo, alimentando a teoria dos conspiradores de que foi uma morte política.
A tragédia acometeu a cidade bem às vésperas da incursão do navio Escafandro, ao qual desejamos uma boa sorte em sua missão, sobre a qual pode-se encontrar mais informações na página dezesseis. À família de Eriberto, nossos mais sinceros sentimentos pela perda.

Curto e impessoal. Finalizado com uma menção ao homem que ele e o pai mais desprezavam no mundo. Leonardo odiava aquele obituário, mas o guardava para relembrá-lo todos os dias de seu ódio pela cidade em que nasceu e cresceu. Sua mãe havia morrido cedo, Leonardo mal se lembrava dela, porém o pai desempenhava um ótimo papel sendo pai e mãe e ainda cuidando de um grande navio, dentro do qual Leonardo fora criado. Eriberto foi um homem bom e justo, mas guardava um segredo perigoso.

Criou o filho da melhor forma que pôde e teria orgulho de ver o homem e o capitão que ele havia se tornado. O coração de Leonardo doía com saudade todas as vezes que pensava no pai, ainda mais quando acordava daquele sonho recorrente, perturbador e vívido. Um sonho que se misturava com a realidade das memórias embaralhadas daquele dia, há dezesseis anos. Mas Eriberto Leão conhecia os riscos de proteger o que protegia, de lutar pelo que acreditava e acabou por pagar com sua própria vida. Leonardo conhecia os riscos também e todos os dias sofria tentando não cometer os mesmos erros do pai.

O gosto amargo das memórias ainda estava em sua boca quando Leonardo passou as mãos pelo cabelo curto e se arrastou para fora da cama naquela manhã, tão comum como todas as outras. Ao mirar o dia pela escotilha de seu gabinete, viu o navio Escafandro ancorando a uma pequena distância e o ódio preencheu seu ser. Leonardo estremeceu e tocou a cicatriz no rosto, que cortava sua sobrancelha esquerda e seguia até a raiz dos cabelos claros.

Ao mirar sua mesa, viu que uma xícara de café o aguardava e conseguiu sorrir um pouco. Alguns sons de atividade vinham do convés e Leonardo se perguntou que horas seriam. Tomou sua xícara de café, colocou seu sobretudo azul marinho, seu cinto e calçou as botas, saindo para mais um dia no S. S. Salamandra do Mar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, até o próximo capítulo!