Sobre cores e horas escrita por Julia


Capítulo 10
Capítulo 10




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Joan:

Acordei assustada com Liam se acomodando em minha cama. Fungava e suspirava.

—O que foi? Teve um pesadelo?

—Eles estavam brigando.  -Tinha voz de choro.

—Mas essa hora? -Meus olhos sofreram ao estimulo da luz do celular, era quase uma da manhã. Um milagre eu não ter escutado nada.

—Por que estava acordado?

—Eles me acordaram com os gritos. Bati na porta e papai gritou comigo me mandando ir dormir.- Ele choramingava.  O puxei para perto abraçando-o e nos acomodamos na cama. Eu sabia que não deveria, mas tive que perguntar.

—O que você ouviu?

—Não consegui entender muita coisa mas ouvi o seu nome. Por que eles estavam brigando?

  Um frio me percorreu o corpo. Eles estavam brigando por minha causa. Aí Joan, por que você faz isso com você?

—Eles ficaram bravos por que eu cheguei naquele estado hoje de manhã. Igual eu fiz no seu aniversário, só que pior.

—Ah. – Ele ainda chorava.

 Fiquei fazendo carinho no seu cabelo até que ele se acalmasse.

—Desculpa por estragar seu aniversário.

—Não estragou.

—Tem certeza?

—Sim. Você só estava triste. Eu também choro quando fico triste.

—Eu estava bêbada Liam, sabe o que isso significa?

—Não tenho certeza.

—É o que acontece quando a gente bebe coisas com álcool. Começa a ficar estranho.

—Entendi.

—Foi divertido com o papai?

—Foi. Queria que acontecesse mais vezes.

—O que?

—Passear.

—Amanhã eu posso te levar para passear. Aonde voce quer ir?

—No parque.

—Eu te pego na escola então.

—Joan?

—Que?

—Por que a Alex não mora mais aqui?

   Ele me pegou de surpresa. Acendi o abajur.

—Liam, eu gostaria de responder, mas eu não sei.

—E por que não vai mais na escola? Ela sabe que está perdendo as aulas? Ou será que ela mudou de escola? Eu queria estudar lá com ela...

—Eu acho que ela não está indo pra nenhuma escola.

—Por que? Ela vai pra faculdade igual você?

—Também não.

—Então aonde Joan? Me explica. Ninguém me explica nada! – Ele sentou na cama. Me olhava frustrado.

—Liam as vezes as pessoas desaparecem. Somem e ninguém sabe onde elas estão. E elas não avisam ninguém porque não querem ou porquê não podem.

—Ela não quer ou ela não pode?

—Eu não sei.

—Por que?

—Eu não tenho todas as respostas. Não posso explicar tudo.

—Explica sim.

—Talvez tenham levado ela.

—Quem?

—Eu não sei.

—Você não sabe de nada! – Ele gritou.

—Eu gostaria de saber Liam, mamãe e papai gostariam também, mas a gente não sabe. Lembra quando a gente saiu procurando por ela pela cidade? Quando colamos fotos dela nos postes? Era para que alguém que tivesse visto ela nos ligasse. Mas ninguém ligou. É um mistério. Igual nos seus livros do Sherlock Holmes.

—Eu queria que ele existisse para eu contratar ele. Mas ela vai voltar?

Soltei um riso constrangido devido a tantas perguntas sem resposta.

—Eu não sei.

 Ele grunhiu irritado.

—Me empresta seu celular. – Ele pediu.

—Pra que?

—Eu quero ligar pra ela.

—Liam me escuta, é inútil! Se ela pudesse atender já teria feito há muito tempo.

—Eu quero ligar. – Ele passou por cima de mim para alcançar o celular na cômoda.

—Ele está bloqueado você não vai conseguir ligar.

—Põe a senha!

  Mesmo contrariada desbloqueei.

—Está chamando. – Ele disse esperançoso.

—Sempre chama.

—Atende Alex, atende! – Ele falava para o telefone. A ligação caiu e ele discou de novo.

—Chega Liam.

—Não! Mais uma vez para o caso dela não ter ouvido.

 E ele tentou mais uma vez e depois mais uma.

—Deu! Acabou. – Puxei o celular das mãos dele.

—Por que ela não atende? – As lágrimas escorriam e ele tentava inutilmente segurar o choro.

—Está tarde.

—Mas quando eu ligo de dia ela também não atende, queria só perguntar quando ela volta. -Seus olhos estavam vermelhos. O rosto cheio de mágoa. 

—Vamos dormir Liam, por favor.

 Ele deitou virado de costas para mim, emburrado. Beijei seu rosto no lugar onde escorriam as lágrimas.

—Beijinho salgado. – Ele empurrou meu rosto.

 Podia ouvir ele ressonando mas eu não pregava o olho, me revirava na cama sem parar. Com medo de acordá-lo, levantei.Tentando não fazer barulho puxei a gaveta do criado mudo e peguei um maço de cigarro e um isqueiro. Ao passar pelo quarto da Alex percebi que a porta estava aberta. Tomei um susto ao ver que havia um volume deitado na cama, liguei a lanterna do celular para ter certeza que não era uma miragem e fiquei surpresa ao perceber que era Ellen, voltei para o corredor devagar para não acordá-la. Desci e fui em direção ao estúdio. A porta de vidro mostrava a visão do quintal. Quieto, vazio e escuro. Acendi o cigarro e observei. As brasas do cigarro eram umas das poucas coisas que iluminavam o ambiente. Puxei a porta de correr e encolhi com o choque do ar gelado entrando em contraste com a calefação da casa. Mesmo com frio deixei uma fresta aberta para minimizar o cheiro da fumaça. Alex não sofria de insônia assim como eu, mas sempre que possivel ela se forçava a ficar acordada me fazendo companhia. Eu adorava ver ela lutando contra o sono porque sempre acabava fazendo caretas involuntárias e eu achava aquilo muito engraçado. Peguei o celular e comecei a rever as fotos que eu tirava dela com sono. Ela odiava que eu fizesse isso. Fiquei olhando nossa última selfie. Não tinha ficado muito boa. Estava tremida, mas fiquei feliz de ter esquecido de apagá-la. Coloquei como plano de fundo.

Alex:

Minha mãe me colocou no curso de desenho aos 7 anos. Eu lembro de ter ficado bem feliz com isso. Joan nem tanto. Naquela época ela não gostava muito de mim.

—Por que ela só ela vai fazer esse curso? – Joan perguntou durante o jantar.

—Por que ela gosta de desenhar. Você não gosta. Simples.

—Eu também quero fazer.

—Você pode escolher outra coisa. Não precisa ser desenho.

—Eu quero desenho.

—Tudo bem Joan.

—Joan você quer mesmo isso? Não podemos ficar gastando com algo que você não vai se dedicar. - Carl falou.

—E quem garante que ela vai se dedicar? – Joan questiona.

  Ele suspirou e por fim concordou.

—Ok, pode fazer.

 Ela odiava o curso. Ficava entediada e fazia as coisas com má vontade. Mas Joan gostava menos ainda de eu desenhar no estúdio ao lado de Ellen. Sempre que eu estava lá ela vinha também, puxava assunto ou mostrava qualquer coisa para ganhar atenção. E fazia questão de encostar em mim para que eu errasse o traço. Meses mais tarde, quando ela descobriu que gostava de fotografia largou de vez o curso, mas não a implicância comigo.

Na época que nossos pais começaram a brigar, Joan ficou estranha. Largou a fotografia e entrou para o time de vôlei. Mas não tinha paciência para os treinos e competições, então não durou muito. A única competição que ela gostava era de competir comigo, mesmo que na época eu não soubesse disso. As coisas só começaram a se acalmar quando ela entrou para as cheerleaders. Ela voltava tarde e eu aproveitava esses momentos sozinha com Ellen. Eu já havia saído do curso de desenho por que não podíamos mais pagar por ele e minha mãe que me passava as lições. Em troca eu ajudava com Liam que era só um bebezinho. Eu gostava muito mais disso do que ir no curso. O estúdio tinha muito mais vida, muito mais cor e tinha minha mãe. As vezes eu ficava lá só para ver ela trabalhar toda dedicada, algumas vezes até ajudava.

Joan só passou a gostar de mim porque logo depois de tirar a carteira de motorista, ela só poderia pegar o carro se me levasse junto.

—Você perdeu a entrada. Agora vai ter que fazer a volta. – Eu disse.

—Não vamos ao shopping.

—Mas você disse para mamãe que ia.

—Eu menti. Sabe o que é mentir Alex?

—Sei.

—E você vai mentir também. E dizer que você se divertiu muito comigo no shopping.

—Eu não gosto de mentir para ela.

—Vai ficar do lado de quem? Quem te leva para correr? Quem te deixa dormir na cama quando tem pesadelos? Quem falsificou a assinatura dela para você naquela prova? Falsificar a assinatura é uma mentira. E das grandes. O que eu estou pedindo é uma mentirinha só.

—Tá bom. Onde nós vamos então?

—Promete manter segredo?

—Sim.

—Encontrar uns amigos meus.

Isso significava que eles iam beber e eu deveria ficar sentada observando, de preferência em silêncio. Eu gostava de observar, queria imitá-la. Joan era popular, era desejada, tinha o garoto que quisesse. Eu não conseguia sequer cumprimentar o garoto que eu gostava. As vezes ela me levava ao cinema ou ela me levava para comer. E começava a desabafar, geralmente eu não sabia o que dizer então só ouvia. Um dia ela brigou com o namorado, bebeu mais do que deveria e amassou o carro.

—Eles vão me matar e enterrar meu corpo no jardim. Certeza! – Falou ao observar o estrago.

—Calma Joan, não foi tão horrível assim.

—Calma? Não tem calma Alex, comece a se preparar para ser a filha mais velha, por que já estou morta.

 Ela dirigiu até em casa da forma mais lenta que conseguiu. Queríamos evitar que a mãe nos visse, mas para nosso azar ela estava na cozinha e nos abordou assim que entramos.

—E aí como estava o filme? – Ao se virar notou nossas caras de culpadas. - O que aconteceu?

—Aconteceu uma coisa. – Começou Joan.

—O que?

—O carro...

—Joan você bateu meu carro?

—Bater é um termo muito forte...

—Eu pedi pra Joan me ensinar a dirigir. Eu sei que foi errado. Eu já tinha pedido para o papai, mas ele disse que não. Mas eu queria muito e ela também não deixava, só deixou porque eu insisti muito. Achei que não teria problema. Mas deu. – Eu disse.

—Alex? Achei que você fosse dar juízo para sua irmã. Não agir como ela.

—Eu sei, estou muito arrependida. Pode descontar da minha mesada, me desculpe, por favor.

—Não podia esperar alguns anos para isso? Para que tamanho desespero?

—Eu sei. Eu não pensei direito.

—Joan você não pensou que isso poderia acabar mal?

—Eu... É que ela pediu com tanto jeito, achei que não faria mal. – Ela estava em choque.

  Eu e Joan ficamos de castigo por alguns dias. Mas nada mais que isso.

—Por que você mentiu? -Ela me questionou.

—Eu gosto de poder sair sem eles. Se descobrissem que foi você, ainda mais depois de beber eles nunca mais te dariam o carro. Teria sido mil vezes pior. Você me deve uma.

Ela ficou realmente agradecida. Desse dia em diante Joan parou de implicar comigo. Bater o carro foi a melhor coisa que aconteceu com a gente. Agora ela me estimulava a desenhar. Ah que saudade disso. De passear com ela. De desenhar.

 Cheguei a sonhar que estava desenhando. Eu estava em paz. Foi um sonho muito calmo, diferente dos que eu tenho tido. Eu via tantas cores, de forma tão nítida. Queria poder desenhar um pouco. Meia hora que fosse. Isso está tão longe da minha realidade agora. O tédio é atordoante. Lembrei do desenho inacabado na minha mesa, eu queria terminá-lo, mas queria, não, eu precisava correr. Algumas escolhas inocentes se revelam estúpidas depois de um tempo. Eu poderia tê-lo finalizado. Mas não, a louca da corrida tinha que sair porque senão o mundo ia acabar. Bom, eu fui correr e o mundo acabou de qualquer forma, para mim pelo menos. Lide com isso Alex. Você e suas escolhas brilhantes veja no que deu. Podia ter ficado em casa... CHEGA! Eu vou acabar me afogando em culpa. Já é sufocante o suficiente estar com essa máscara apertada. Uma playlist depressiva tocava na minha cabeça.


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