O destino do tigre - POV diversos escrita por Anaruaa


Capítulo 5
Templo de Vaishno Devi - Ren




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Nós estávamos em casa. Kadam e Nilima estavam de volta. Apesar da estranheza de Kadam, tudo estava voltando ao normal.

Muita coisa havia mudado desde que saímos daquela casa. Minha memória havia voltado, mas eu havia perdido a mulher que amava.

Quando estive nessa casa pela última vez, Kelsey era minha namorada, e nós estávamos felizes, apesar das limitações. Agora, eu a amava tanto, mas ela era a namorada do meu irmão. E eu tinha que ouvi-los felizes, combinando encontros românticos na minha frente. Aquilo me deixou tão irritado que eu tive que descontar em alguma coisa. Fui para o meu quarto e joguei algo na parede. Não foi o suficiente para me acalmar. Tentei voltar à sala, mas vi Kishan e Kelsey se beijando. Doeu muito. 

Voltei para o quarto e tentei me acalmar. Não consegui. Arremessei uma estante no chão, enquanto meu coração disparava de ciúme e tristeza.

Eu estava sentado de frente para a janela e de costas para a porta, quando senti o cheiro doce da mulher que entrava em meu quarto. O cheiro delicioso de Kelsey me trouxe uma imagem à cabeça: Nós dois abraçados, sorrindo felizes. Depois outra imagem: ela e Kishan se beijando.

— O que você quer, Kelsey? — falei baixo, sem me virar, enquanto ela se abaixava recolhendo os papéis que estavam espalhados pelo chão.

— Estou aqui para ver o porquê de toda essa comoção. Você está tentando derrubar um alce?

— O que eu faço em meu quarto é problema meu.

Ela suspirou.

— Você faz com que seja nosso problema quando faz todo esse barulho.

— Ótimo. Na próxima vez em que minha vida for destruída, tentarei expressar minha angústia de maneira silenciosa, longe de sua doce sensibilidade auditiva.

— Você tem um dom para o exagero.

Incrédulo, eu me virei para ela:

— O único exagero está em dizer que você tem doces sensibilidades. Obviamente esse não é o caso. Uma doce mulher admitiria que está errada. Uma doce mulher teria escutado seu coração. Uma doce mulher não teria desprezado o homem que ama. Percebe que quase te perdi para sempre? Não tem a menor ideia de como isso me afetou? O pensamento de Lokesh te machucando era mais do que eu podia aguentar. Sabe como eu me senti? O seu medo, o seu terror, se tornou meu. Não dormi em semanas em minha própria agonia pensando acordado, me perguntando se você estava machucada e sofrendo. Esperando te trazer de volta para te segurar finalmente em meus braços e saber que você estava segura foi a única coisa que me manteve são.

— Ren…

— Aí você chega em casa e o que faz? Se volta para Kishan. Estou autorizado a te oferecer conforto, mas não amor. Kelsey, como você ainda pode negar o que sente por mim?

— Você sempre foi mais poeta quando está com raiva. Rezei para que você viesse. Eu sabia que moveriam céus e mares para me encontrar se pudessem. Não estou negando que amo você. Eu já admiti isso, na verdade.

— Então explique para mim novamente. Como você pode me amar e escolher Kishan?

— Se acha que não amo o Kishan, está enganado —Ela se sentou na minha cama e suspirou — Você acredita que ele é um bom homem? Que ele cuidaria de mim, me protegeria, e me manteria segura?

— Sim.

— Então, em sua mente, não há nada de errado com a minha escolha, exceto que não é você.

— E também o fato de que você não está apaixonada por ele.

— Kishan é um bom homem, gentil, corajoso e maravilhoso, e seu irmão. Não é o suficiente que ele me faça feliz?

— Não.

— Então não há mais nada que eu possa dizer.

Kelsey se virou e saiu do quarto. Eu fiquei olhando enquanto ela ia embora. Eu queria discutir, queria brigar com ela. Mas de nada adiantaria. Ela fez uma escolha e era teimosa demais para admitir que estava errada.

No dia seguinte, começamos uma longa jornada para o templo de Durga. Kadam escolheu um templo em Katra, ao norte da Índia. Ele estava com pressa, dirigindo em alta velocidade e fazendo poucas paradas pelo caminho. Era inverno e o ar estava muito frio. Teríamos que caminhar por 13 quilômetros até o templo e Kelsey parecia desanimada. 

— Sinto muito, Srta. Kelsey. Prometo que descansaremos com frequência ao longo do caminho.

— Tudo bem. — ela falou, tremendo de frio —É o templo do pico da montanha nevada. Só estou feliz por esta ser a última missão.

Nós paramos ao entardecer, acampamos usando uma barraca feita pelo lenço e comemos a comida fornecida pelo fruto. Kelsey mantinha a tenda aquecida usando o poder de fogo.

Na manhã seguinte, retomamos a caminhada. Kelsey ficou irritada por eu ter providenciado roupas quentes para ela, acusando-me de exagerado e super protetor. Mas pelo menos ela não estava mais tremendo de frio. Kadam começou a contar a história do templo que estávamos indo visitar.

—Cerca de setecentos anos atrás, um demônio chamado Bhairon Nath perseguiu Durga, ou Mata Vaishno Devi como ela era chamada nestas colinas. Quando Bhairon Nath encontrou seu esconderijo em uma caverna, ela cortou a cabeça dele com um tridente. Diz-se que as gigantescas pedras perto da boca da caverna são os restos petrificados do corpo do demônio.

— Tenho uma pergunta. Por que deuses e deusas hindus têm tantos nomes e formas? Por que Durga não pode ser apenas Durga?

— Cada forma é chamada de um avatar, uma forma reencarnada do deus. Em uma vida pode ser chamada de Durga, na outra ela pode ser Parvati, por exemplo. O conceito de reencarnação varia de religião para religião. Alguns acreditam que uma pessoa está reencarnada porque precisa continuar a aprender, e só para de reencarnar quando adquiriu em sua vida humana todo o conhecimento necessário para subir ao próximo nível de existência. No budismo, a reencarnação não é vista como o mesmo espírito que habita um novo corpo, é mais do que isso: a reencarnação é um velho espírito dando origem a um novo, como uma chama se apagando ao acender uma nova vela. As duas velas são diferentes, mas o fogo vem daquelas que já se foram.

— Mas os deuses e deusas já não são iluminados?

— Ah, na Índia nossos deuses e deusas não são perfeitos.

— Ainda é confuso.

— Sim — ele sorriu. — Muitos também acreditam que os deuses chamam seus devotos para este templo, muitos deixam o que estão fazendo para fazer uma peregrinação até aqui.

— Que interessante. O senhor sentiu um chamado para vir para cá?

Ele olhou para a trilha a nossa frente.

— Sim. De certa forma — ele respondeu suavemente.

Continuamos subindo por várias horas por um caminho bastante utilizado que inclinava-se na montanha, depois por uma série de degraus escavados no gelo que levavam até a caverna. Finalmente chegamos ao templo. Havia a estátua da deusa, e desta vez era feita de cera. Kelsey olhava encantada para a imagem.

— Ela é linda — sussurrou.

Kishan estudou a estátua por um momento e então concordou:

— Sim, ela é linda.

— Então é isso. Sr. Kadam, tem certeza de que estamos no lugar certo?

Kadam sorriu estranhamente.

— Confie em mim. Estamos no lugar certo.

— Ok, vamos tentar dar as oferendas.

Kishan e Kelsey começaram a colocar objetos aos pés da Deusa. Desta vez, as oferendas eram elementos que remetiam ao fogo: caixa de fósforos longos, várias velas de cera, alguns pedaços de madeira, carvão vegetal, um par de fogos de artifício, um isqueiro e uma série de pimentas ardidas.

Kelsey tentou tocar os sinos de sua tornozeleira, mas não conseguiu, porque estava usando muita roupa. Kishan ficou rindo ao invés de ajudar. Eu critiquei sua inércia e me abaixei para tocar os sinos. Então me levantei, juntei as mãos e comecei:

— Hoje buscamos sua ajuda em nossa última tarefa. Viemos para completar o seu quarto e último desafio e pedir sua bênção para que o caminho à frente possa ser suave, e nossos passos seguros e firmes.

Kelsey continuou:

— Por favor, nos ajude a ter a sabedoria e a habilidade para trilhar com segurança esta última parte de nossa jornada.

Quando foi a vez de Kishan, ele disse:

— E, quando tudo estiver dito e feito, e nós entregarmos os seus quatro presentes a seus pés, pedimos em troca a oportunidade para uma nova vida.

Depois de alguns segundos de silêncio, Kishan cutucou Kadam, que esteve encarando o chão distraidamente.

— Oh, sim. Peço que, por favor, vigie e proteja meus encargos, de modo que o que está destinado venha a acontecer.

Kishan e eu nos transformamos em tigres. As velas e fósforos irromperam em chamas, os fogos de artifício explodiram, e o fogo se espalhou rapidamente em torno, começando a lamber as paredes atrás da estátua de Durga. De lá, o fogo se espalhou parede a parede, e logo estávamos envoltos por ele.

Kishan e eu nos tornamos homens e colocamos Kelsey entre nós dois. Ela começou a tossir, por causa da fumaça, tentando esconder o rosto em minha camisa.

A estátua de cera começou a derreter, formando uma poça de cera no chão. Na parede, atrás de onde a estátua esteve, uma marca de mão brilhava. Kelsey quis tocá-la, mas eu quis tocar primeiro. Queimei minha mão.

Kelsey pediu ao colar de pérolas que resfriasse o local e água começou a escorrer pela marca. Quando a água parou de evaporar e passou a correr livre pela parede, ela colocou as mãos sobre a marca. A estátua de Durga começou a brilhar e a cera passou a escorrer. Então, a Deusa surgiu.

Desta vez, ela usava um vestido simples e só tinha dois braços, assemelhando-se a uma mulher comum, ainda que muito bela. Com os olhos fechados, ela respirou fundo e alisou o cabelo com as mãos. As únicas joias que ela usava eram a braçadeira e um cinto dourado. A deusa sorriu para nós quatro, e ouvi o som de sinos tilintando enquanto falava.

— É bom vê-los novamente — apontando para o chão, ela riu. — Como podem ver, suas ofertas foram aceitas.

Durga acenou com a mão em um grande arco, e as paredes de fuligem e pedaços de material queimado desapareceram. Kelsey colocou Fanindra no chão. A cobra ganhou vida e foi em direção à Deusa, que a pegou e a acariciou. Kishan limpou a garganta para chamar a atenção de Durga, que suspirou e falou sem se virar:

— Deve aprender a ser paciente com relação a mulheres e deusas, meu tigre de ébano.

Kishan rapidamente se desculpou:

— Perdoe-me, Deusa — e inclinou-se, cavalheiresco.

O traço de um sorriso apareceu no rosto da deusa.

— Aprenda a amar o momento em que vive. Valorize suas experiências, pois momentos preciosos passam muito rapidamente, e se estiver sempre correndo em direção ao futuro, ou com saudades do passado, irá esquecer-se de desfrutar e apreciar o presente.

— Vou me esforçar para valorizar cada palavra que passa por seus lábios, minha deusa — Kishan levantou a cabeça, e Durga inclinou-se para tocar seu rosto.

— Se você fosse sempre assim… dedicado — Disse ela.

Incrivelmente, a Deusa parecia estar flertando com meu irmão. E ele estava flertando de volta. Preocupado com Kelsey, estendi a mão para segurar a dela. Então a deusa olhou para Kelsey.

— Kelsey, minha filha. Sua chama tem queimado bem?

— Hmm, na maioria das vezes. Um tubarão gigante mordeu minha perna, mas fora isso, tenho ido bem.

— Um… tubarão gigante? — Ela pareceu confusa, e seus olhos se moveram na direção de Kadam.

— Sim. Um tubarão. Mas nós temos o colar de pérolas para lhe entregar. Vê?

A deusa sorriu ao ver o colar.

— Sim, e estou feliz. Este presente será muito necessário em sua próxima missão — Durga segurou as mão de Kelsey— Seus dias mais difíceis estão à frente, minha querida. Você deve ajudá-la — ela se dirigiu a mim. — Encoraje-a. A limpeza vem da queima do coração e da alma. Quando vocês três saírem dessa, você será mais forte, mas haverá momentos em que será tentado a pedir que o fardo seja tirado de seus ombros. Kelsey precisará muito de você nos próximos dias. Não pense em si ou em seus sonhos, se concentre no que precisa fazer para salvá-la e ao resto de nós. Estamos todos dependendo de você.

— Os tigres passarão a ser homens o tempo inteiro depois de encontrarmos o próximo presente, certo?

— A forma de tigre foi-lhes dada para um fim, e logo o feito será realizado. Quando esta quarta tarefa for completada, eles terão a oportunidade de separar-se do tigre. Venham e tomem suas últimas armas.

De seu cinto, a deusa retirou uma espada de ouro e, em um movimento rápido, dividiu a lâmina em duas armas. Com um flash de seus braços, ela girou as espadas em cada mão, girando as armas até que ambas as lâminas descansaram nas gargantas minha e de Kishan. Ela retirou a lâmina do meu pescoço e a jogou para mim, mas manteve a outra no pescoço de Kishan. Os olhos dele apertaram-se ligeiramente.

Durga sorriu para Kishan e girou a espada novamente, mas ele antecipou a ação e evitou a lâmina. Eles fizeram um dança mortal juntos, e Durga parecia encantada por suas proezas. Depois de um momento, ela encurralou Kishan, que congelou, desta vez com a lâmina apontada para o seu coração. 

— Não se preocupe, minha querida Kelsey, pois o coração do tigre negro é bastante difícil de romper.

Kishan olhou para a bela deusa na postura de luta. Ele olhou para as pernas através da fenda de seu vestido e subiu os olhos lentamente até o rosto de Durga, que sorriu zombeteira, deixando Kishan irritado. Kelsey tocou no braço dele.

— Kishan, ela está apenas demonstrando como usar a espada. Relaxe.

Ele o fez, mas a deusa sorriu como se pudesse ler sua mente. Moveu a lâmina para longe do peito dele antes de, carrancudo, ele tomar a espada. A deusa ajeitou-se e tirou dois broches de seu cinto dourado. Dando um passo e descendo do estrado, ela prendeu um na minha roupa, outro na de Kishan.

Kishan permanecia imóvel, acenou com a cabeça, hesitante e observando cada movimento enquanto a deusa demonstrava como utilizar os broches aparentemente comuns. Durga cobriu o broche de Kishan com a palma da mão e falou:

— Armadura e escudo.

Imediatamente o broche cresceu e metal dourado disparou em todas as direções, envolvendo corpo de Kishan. Logo, ele estava usando uma armadura completa, e segurava a espada e um escudo. Durga pressionou o broche de novo e sussurrou:

—Bruucha, broche.

A armadura recuou para baixo até que virou apenas um enfeite brilhante mais uma vez.

— Talvez fosse melhor para você permanecer assim por enquanto… — ela falou em uma voz baixa e sensual, passando a mão sobre o ombro de Kishan —… com roupas modernas. Tenho uma fraqueza por belos homens vestidos em roupas de batalha.

A expressão de Kishan mudou para uma de surpresa, assim como a de Kelsey. Eu também estava surpreso. Olhei para Kadam, mas ele parecia distante. 

— Esses broches foram criados especialmente para vocês dois — continuou Durga. Ela olhou nos olhos de Kishan. O calor entre eles era palpável. — Gostou do meu presente, meu ébano? — ela perguntou em voz baixa.

Kishan respirou, adiantou-se, e colocou sua mão na dela.

— Penso que você é… Quer dizer, penso que o presente é… incrível. Obrigado, Deusa — Disse, ele e beijou seus dedos.

— Hmm — ela sorriu. — Disponha.

Eu estava irritado. Kishan não podia flertar com outra mulher assim descaradamente, ainda que esta mulher fosse uma Deusa. Ele estava constrangendo Kelsey. Antes que eu dissesse qualquer coisa, Kadam quebrou a tensão:

—Talvez, seja melhor começarmos a nossa jornada. A menos que a senhora tenha mais a nos dizer… Deusa?

Durga imediatamente deu um passo para longe de Kishan, que olhou para ela como se fosse um pedaço saboroso que ele queria devorar. A deusa devolveu o olhar, e os olhares que se passaram entre eles formaram calor suficiente para derreter o chão de pedra. Durga virou-se para Kadam e acenou com a cabeça.

— Eu já disse tudo o que é necessário. Até o nosso próximo encontro, meus amigos.

Suas feições começaram a solidificar. Kelsey perguntou:

— Quando nós nos encontraremos novamente?

Durga sorriu e piscou para ela. Em seguida, as chamas subiram pelo seu corpo, atrapalhando nossa visão, e quando o fogo reduziu, ela era uma estátua de oito braços mais uma vez.

Kelsey se aproximou do estrado para recolher Fanindra. Kishan, por sua vez, afastou-se do estrado, aproximando-se de mim. Ele estava distraído, mas em êxtase. Parecia estar sonhando com a Deusa. Eu o olhei com raiva e não consegui me controlar. 

—Isso foi totalmente inadequado! — E lhe dei um soco no rosto.


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