O destino do tigre - POV diversos escrita por Anaruaa


Capítulo 37
Troca de lugares




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KISHAN

Aquelas palavras escritas no amuleto me intrigaram. O que aquilo significava? Assim que terminei de proferir tais palavras, o amuleto de Damon começou a brilhar. A inscrição em sânscrito parecia flutuar acima da pedra, e a secção exterior do amuleto começou a girar. As palavras circularam mais e mais rápidas, até que se tornaram uma linha branca contínua.

— Agora, use o poder de Damon para trazer a vida de volta ao seu irmão — Phet instruiu.

— Mas como? 

— A dificuldade não está no conhecimento, e sim na escolha. 

Lembrei-me das palavras de Phet: "Damon se sacrificou, dando a vida aos tigres no começo". Então, havia chegado a hora do meu sacrifício. Fechei meus olhos e me concentrei naquelas palavras e em meu irmão. 

Senti meu corpo queimar e tremer. Senti uma energia muito grande fluir de mim e me enfraquecer. Eu vi o espírito de Ren diante de mim. Ele estava fraco e precisava da minha energia. Eu tinha que fazer uma escolha. E eu fiz. Então eu vi o meu espírito diante do de Ren. 

Deixei a energia fluir de mim, até o meu irmão. Eu me senti enfraquecido enquanto minha força vital me abandonava. Eu senti uma dor intensa, mas eu não podia desistir. Eu não podia abandonar Ren. Kelsey não seria feliz sem ele. 

O espírito de Ren tocou o meu, mostrando que estava forte novamente. Então, eu senti como se algo saísse de dentro de mim. Era como se o espírito de meu irmão tivesse penetrado em meu corpo para receber minha energia e agora o abandonasse para retornar ao próprio corpo. Este processo me enfraqueceu. 

Eu caí no chão, apoiando em meus joelhos e mãos, esgotado e gemendo de dor e cansaço. Senti os braços de Kelsey envolverem meus ombros. 

— Anamika, depressa. Ele deve beber do kamandal. 

Pensei que Phet estava falando de mim, mas Anamika passou direto por mim, em direção ao corpo de Ren. Então ergui a cabeça e vi que o tigre branco respirava penosamente. Anamika se posicionou ao lado de Ren e despejou o elixir em sua boca. As feridas de lança no corpo de Ren começaram a cicatrizar.

— Agora, é sua vez, Quel-si. Você deve curá-lo com a sua chama dourada.

— Mas… — ela vacilou. — Eu não tenho mais o amuleto de fogo.

— A chama dourada vem de dentro de você.

Kelsey me deixou e foi até Ren. Ela abraçou seu corpo de tigre, embalando-o. Ela tinha os olhos fechados quando a luz dourada começou a fluir dela, envolvendo o corpo de Ren. 

Eu já me sentia melhor e me sentei para observar os dois. Kelsey sussurrava palavras de carinho e implorava para que Ren se curasse, enquanto aquela luz envolvia-os. As feridas no corpo de Ren continuaram se fechando rapidamente e em alguns minutos, ele foi capaz de sentar-se. Kelsey o agarrou, afundando o rosto no pelo do pescoço do tigre branco. Ela chorava emocionada quando ele se transformou em homem e a abraçou forte, encostou os lábios em sua têmpora e sussurrou palavras de carinho e confissões de amor para ela. 

Todos na tenda estavam emocionados e impressionados pela volta de Ren. Apenas Anamika voltou seus olhos para mim e me sorriu, apontando para o Kamandal. Fiz sinal com a cabeça, indicando que eu já estava me recuperando. 

Depois de algum tempo, Ren levantou a cabeça e perguntou:

— Como isso aconteceu?

— Seu irmão fez o sacrifício necessário — Phet respondeu sombriamente, e todos se viraram para mim. 

— O que você quer dizer? — Kelsey perguntou.

Limpei a garganta antes de responder.

— É difícil de explicar. Uma vida restaurada não é coisa fácil. Para trazê-lo de volta, tive que dar uma parte de mim.

— Eu ainda não entendo.

Kelsey ajoelhou-se diante de Phet.

— Do que Kishan desistiu? 

Phet suspirou e respondeu:

— Sua imortalidade. Felizmente, ele foi forte o suficiente para sobreviver ao processo.

Lágrimas desceram pelo rosto de Kelsey, enquanto Phet a consolava.

— Não se preocupe, Quel-si, Kishan ainda vai viver por um longo, longo tempo, muito mais do que vários humanos. 

Kelsey se ajoelhou ao meu lado e tocou meu ombro. 

— Obrigada por salvar Ren.

Kelsey me abraçou. Eu estiquei as pernas e coloquei meus braços em sua cintura, puxando-a para o meu colo. Olhei em seu rosto e falei com emoção e sinceridade:

— Eu tinha que fazer isso por você, Kelsey. Você sabe disso, não é? 

Ela sorriu e acariciou meu rosto.

— Eu sei. 

Ren e eu nos olhamos por alguns segundos, cientes de que nossos espíritos agora eram como um. Nós dividíamos a mesma energia e nossas vidas estavam ligadas, de certa forma. Nós éramos mais do que irmãos. Phet levantou-se e anunciou:

— Vocês devem comer e descansar esta noite. Amanhã discutiremos o futuro.

Em seguida, ele saiu da tenda.

Segurei a mão de Kelsey e nós nos levantamos juntos para seguir Phet. Ren e ela trocaram olhares e ele tocou em sua mão enquanto passávamos por ele. Eu sentia que o fim daquela história se aproximava. 

Nos sentamos diante da fogueira para jantarmos. Kelsey parecia nervosa, mas estava feliz, aliviada. Era bom vê-la assim novamente. Segurei sua mão e ela sorriu para mim. Eu sentia falta daquele sorriso.

Ren, Sunil e Anamika sentaram-se perto de nós. Ana olhou para mim com carinho. Então olhou para Kelsey e para nossas mãos unidas. Ela se levantou e disse que não estava com fome, dando as costas para nosso grupo. 

— Ana, você precisa comer alguma coisa — Gritei preocupado. 

Mas Anamika não me deu atenção, sumindo na escuridão. 

Dei um beijo em Kelsey e saí para buscar o fruto sagrado. Quando retornei, Ren estava sentado em meu lugar, ao lado de Kelsey. Ela sorria enquanto conversava com Sunil. Ren apenas a observava pensativo, mas com um leve sorriso nos lábios. Ele me ignorou, então eu sentei-me do outro lado de Kelsey, espremendo-me no pequeno espaço que restara. 

Durante o jantar, Sunil nos contou como fora capturado por Lokesh:

— A ironia é que, se eu tivesse escutado minha irmã, eu não teria sido pego — explicou Sunil. — Nós ouvimos pela primeira vez sobre o demônio há um ano. Os rumores de que ele estava reunindo um exército e que aldeias inteiras estavam desaparecendo se espalharam pelas caravanas de comércio. Qualquer um que se aventurasse ao norte, perto das grandes montanhas era avisado de que estava arriscando suas vidas, senão suas almas. As pessoas disseram uma vez que se o demônio olhasse em seus olhos, você viveria uma eternidade escravizado por ele, um espírito maligno que nunca o deixaria ir. As histórias eram terríveis, e quando uma das caravanas carregadas do tesouro de nosso rei desapareceu, finalmente os nossos exércitos foram enviados para cuidar da situação.

Ele continuou:

— Foi durante o nosso segundo assalto que fui tomado. Eu tinha sido atingido na cabeça e cai inconsciente. Anamika me encontrou e me trouxe de volta ao acampamento, e estou triste em admitir que duvidei quando ela descreveu o terrível destino dos nossos mortos. Eu não conseguia compreender como um mal. Era impossível. Eu sempre fui o prático, o cético, e falei que magia como essa não existia.

— Mas você não viu os soldados inimigos? — Kelsey perguntou.

— Nós lutamos com eles em névoa rodopiante, e durante a luta muitos deles usavam armaduras. Como eu poderia pedir aos meus homens para lutar contra magia? Eu simplesmente recusei a ceder à especulação e disse a eles que lutaram com homens inteligentes que usaram truques para assustar seus inimigos — Sunil dobrou os joelhos e passou os braços em torno deles. — Anamika era a crente entre nós dois. Ela adorava os deuses e sempre sentia que alguma coisa, ou algum… poder existia além de nossa existência humana. Ela mostrou uma grande fé em tudo o que nosso professor disse a ela, mas eu considerava apenas como histórias inventadas por um monge. Depois da minha primeira derrota, ela descreveu terrores tão indomáveis que a nossa única opção era voltar para casa em vergonha. Meu orgulho não permitiria isso. Alguns dias mais tarde, eu prendia minha armadura e deixava apenas um pequeno número de soldados para trás com minha irmã. Ela chorou e pediu para não eu ir. Alguns homens tiveram que contê-la fisicamente de saltar sobre seu cavalo para me seguir. Quando saí, ouvi sua voz levada pelo vento, me implorando para voltar e deixar este lugar de morte.

Nós prestávamos atenção  na historia com os olhos fixos em Sunil.

—Quando a batalha começou, os meus homens foram literalmente rasgados ao meio. Eu tinha acabado de dar o sinal para a retirada e virei meu cavalo quando ouvi um grito de cima. Garras enormes afundaram em meu ombro e garras perfuraram minha pele, fui arremessado através do céu e caí em um afloramento rochoso. Diante de mim estava o demônio. De alguma forma, ele me prendeu à montanha usando apenas sua mente para congelar meu corpo. Eu ainda estava consciente do que estava acontecendo, mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso. Ele pegou uma faca e cortou minha mão, o meu sangue pingando em um talismã de madeira. Ele disse: ‘Eu preciso de um comandante para o meu exército. Por isso o deixei vivo, guerreiro.’ Ele começou a cantar, e o medalhão brilhou em vermelho e branco. Um raio de luz veio em minha direção e entrou no meu corpo. A dor era tão intensa que eu teria afundado de joelhos e implorado pela morte se eu pudesse. Tudo ficou preto e então meu corpo já não era meu para controlar.

— Você se lembra do que aconteceu?

— Lembro-me de partes, mas era quase como se eu estivesse em um sonho escuro. As coisas que eu experimentei ocorreram em um lugar distante, fora de mim. Isso faz sentido?

Ren assentiu.

— E sua irmã? Será que ela sentiu essa dor? — perguntou.

.— Sim — Me lembrei das memórias que Ana me mostrara durante a batalha — ela sentiu. 

— Eu sinto muito — Disse Kelsey colocando a mão em meu braço quando Sunil levantou, dizendo que estava indo encontrar sua irmã.

— Boa noite, Sunil. Vamos descansar um pouco, Kells.

Kelsey e eu caminhamos em direção à sua tenda. Ren levantou-se para nos seguir. Eu lancei um olhar irritado a meu irmão:

— Você não tem outro lugar para estar, irmão?

Ren deu de ombros e sorriu descaradamente.

— Pense em mim como seu acompanhante. Você está lamentando ter me salvado agora? —Provocou.

— Talvez — respondi enquanto arrumava um lugar para dormir. 

Depois de acomodar-se, uma Kelsey mais tranquila nos perguntou se ainda podíamos nos tornar tigres.

— Sim — respondemos ao mesmo tempo.

— Então a maldição não foi quebrada. Ainda há outra coisa que precisamos fazer, não é? 

— Eu acredito que há. — Ren respondeu.

— Isso é o que me assusta.

Na manhã seguinte, caminhando por entre os soldados, ouvíamos relatos sobre a destruição do demônio. As versões das histórias eram contadas de forma diferentes, mas todos relatavam a visão de dois avatares da Deusa Durga. 

De fato, Kelsey e Anamika eram ambas versões diferentes da mesma deusa, Ren e eu éramos seus tigres. E ainda não tínhamos nos livrado da maldição, ainda podíamos nos transformar. Pensei que talvez, o nosso destino, fosse ficar no passado, lutando e servindo às Deusas. Eu não tinha mais desejos de voltar para casa. Não havia nada no futuro que me interessasse: faculdade, a empresa, nada. Nada, a não ser Kelsey.

Onde estávamos agora, havia tanto o que se fazer. Reconstruir reinos, forjar alianças, conquistar aliados. Era o que Anamika estava fazendo naquele momento, liderando seus soldados. Era o que eu queria fazer. Imaginei como seria maravilhoso se Phet nos dissesse que deveríamos ficar no passado para ajudar Anamika. Se ele dissesse que Durga era necessária naquele tempo, Kelsey não iria se opor. 

Durante todo aquele dia, trabalhamos no acampamento, organizando os homens e ajudando os feridos. Nenhum de nós teve tempo para conversar sobre o dia anterior, havia muito o que fazer. À noite nos sentamos para jantar. Kelsey veio e sentou-se entre Ren e eu. Phet apareceu mais tarde.

Sem dizer nada, Phet dirigiu-se através da floresta para um vale isolado. Nós cinco o seguimos. Phet parou em uma clareira, virou-se para Anamika e perguntou se ela estava com a corda de fogo. Anamika assentiu, tirou a corda de sua bolsa e entregou a ele. Phet enrolou a corda na mão e disse:

— Estou orgulhoso de todos vocês. Vocês fizeram uma grande ação em proteger o mundo do demônio. O palco foi montado, e o tempo chegou para vocês tomarem seus lugares e atuarem em seus papéis.

Todos silenciosos, aguardávamos o que Phet iria nos revelar. Eu estava nervoso. Tinha medo do que iria acontecer. Eu sentia que estava prestes a perder algo. Mas sabia que estava prestes a começar um novo caminho, em busca da minha plena felicidade. 

Kelsey segurou a minha mão e a de Ren e sorriu apreensiva. Phet olhou para ela e sorriu. 

— Kelsey — disse ele — é hora de ir para casa. 

Ela apertou forte sua mão na minha e perguntou:

— Mas o que vai acontecer com Anamika?

— Ela assumirá o papel no destino criado para ela.

Olhei para Anamika. Ela estava tensa e pensativa. parecia triste. 

— Você deve deixar todas as armas de Durga e os presentes com ela, pois ela precisará deles — Phet instruiu. 

Ren e eu pegamos todas as armas e prêmios que ainda estavam conosco e levamos para Ana, que se mexeu desconfortável. Eu busquei seu rosto, mas ela não olhou para mim. Seu irmão disse algo baixinho para ela, mas ela se recusou a fazer contato visual conosco. Sua expressão era dura, e ela parecia determinada a não dizer adeus. Kelsey a abraçou pela cintura e falou:

— Você é a mulher mais corajosa que conheço. Será uma Durga maravilhosa. 

Ana hesitou antes de retribuir o abraço e falar em voz triste:

— Obrigada por devolver meu irmão para mim. É mais do que eu mereço. 

Kelsey retirou Fanindra do braço e a entregou para Anamika. 

— Cuide dela. 

— Vamos mantê-la segura.

— Adeus, Kelsey — Sunil sorriu e apertou seu braço. 

Ren acenou para Anamika e ela lhe deu um pequeno sorriso em troca. Eu me aproximei e estendi a mão para ela. Ana e eu criáramos um vínculo quando lutamos juntos. Ela se abriu para mim, mostrando-me sua vulnerabilidade. Eu também me abri para ela. Aquela mulher conhecia-me melhor do que qualquer outra pessoa. Ela conhecia meus medos e meus sentimentos mais profundos. Eu estava amargurado por deixá-la para trás. Eu aprendi a confiar em Anamika e sentia necessidade de cuidar dela. Mas eu sabia que ela não estava mais sozinha. Sunil havia voltado para ela. Ana ficaria bem. 

Ela virou-se e colocou o braço em torno da cintura de seu irmão. Esperei teimosamente que ela retribuísse meu cumprimento e se despedisse de mim, mas Anamika se recusava a me olhar. Então eu suspirei resignado e voltei para o lado de Kelsey. Ela segurou a minha mão e a de Ren. 

— Ainda há uma última coisa que deve ser feito antes de eu mandá-la de volta, Quel-si — disse Phet.

Ele começou a falar palavras em híndi e então perguntou:

— Você se lembra da primeira parte da profecia que foi traduzida?

— Buscai prêmio de Durga. Quatro presentes, cinco sacrifícios. Uma transformação. Animal se tornando mortal.

— Correto. Vocês encontraram os quatro presentes de Durga.

— Demos também sacrifícios em seus templos — Eu disse.

— Vocês o fizeram, mas, neste caso, os cinco sacrifícios de que fala não são mundanos na natureza. Vocês ofereceram quatro dos cinco sacrifícios. O primeiro sacrifício foi quando Ren deu as suas memórias de Quel-si para salvar sua vida. O segundo foi quando o Sr. Kadam deu a sua vida para enviar Lokesh para o passado. 

Kelsey agarrou meu antebraço. Seus olhos encheram-se de lágrimas. 

— O terceiro sacrifício foi quando Quel-si se entregou à Fênix como esposa sati. Seu corpo queimando para que os tigres estivessem seguros. O quarto sacrifício aconteceu ontem, quando Kishan deu um pedaço de sua própria imortalidade para trazer a vida de volta ao irmão. 

Kelsey engoliu em seco.

— Então o quinto sacrifício…?

— Deve ser feito antes que vocês possam voltar.

— O que mais precisamos fazer? — Kelsey sussurrou trêmula.

Phet olhou para Kelsey com pesar.

— Durga precisa de um tigre. 

Meu coração congelou em meu peito. O que aquilo significava? Ren e eu nos olhamos sem entender o que Phet estava nos dizendo. Kelsey caiu de joelhos no chão, chorando.

— Não. Não. Não — murmurava repetidamente. 

Anamika olhou para mim pela primeira vez. Foi um olhar rápido, mas cheio de esperança. Ela deu alguns passos em direção a Kelsey.

— Fique longe de mim . Eu… Eu apenas não posso olhar para você agora.

Ren

Quando Phet disse que Durga precisava de um tigre, eu soube que o quinto sacrifício seria um de nós abrir mão de ser liberto de sua maldição. Um de nós serviria a Deusa como seu tigre. 

Todos nós havíamos nos sacrificado. Eu havia morrido e Kishan sacrificou a própria imortalidade trazendo-me de volta. Eu estava disposto a me sacrificar novamente e me tornar o tigre de Durga. Desde que eu pudesse ficar perto de Kelsey.

Kelsey tinha os joelhos no chão e chorava. Depois ela levantou-se e ficou andando de um lado para o outro.

Kishan questionou o porquê de Sunil não ficar e se tornar o tigre de Durga.

— Sunil é parte da vida humana de Anamika. Ela deve assumir seu papel como Deusa e esquecer seu passado humano. O destino de Sunil é outro. 

Pensei sobre aquilo e concluí que Phet tinha planos diferentes para o irmão de Anamika. Então eu me ofereci, com uma condição:

— Então eu ficarei e servirei a Deusa. Desde que Kelsey possa ficar também.

Kishan não protestou. Eu sabia que ele não se importaria em ficar no passado, se Kelsey também ficasse. Phet sacudiu a cabeça, negando veementemente. Segundo ele, Kelsey deveria voltar para o futuro, onde estaria seu caminho. 

Phet saiu para consolar Kelsey, deixando-me sozinho com meu irmão. Eu o olhei calmamente. Minha decisão já estava tomada: Eu iria para onde Kelsey fosse.

— Ren, Kelsey é minha noiva, portanto, eu devo partir com ela.

— Eu sei disso meu irmão. Eu também sei que você gostaria de ficar aqui no passado. Eu vejo como você se comporta aqui. Você está mais feliz aqui do que em casa.

— Meu lar é Kelsey. Eu estou feliz se ela estiver comigo. Onde ela estiver.

— Eu sei que você acredita que Kelsey está destinada a você. Talvez você tenha razão. Mas eu pertenço a ela, Kishan. E não há nada que possa me impedir de estar perto dela. Eu irei aonde Kelsey for.

— Eu a amo Ren.

— Eu a amei primeiro. Eu morri e voltei, graças a você. Mas foi por ela. Eu conheci a morte. E nem isso me afastou de Kelsey. Eu sei que nem a morte é pior do que a ausência dela. Eu não tenho vida sem ela.

Kishan suspirou e olhou para onde Kelsey estava, chorando agachada. Mais distante estava Anamika. Kishan olhou para ela e demorou-se um pouco. Eu vi o olhar de Anamika cheio de esperança. O coração de Kishan, que batia angustiado, acalmou-se. Anamika não desviou os olhos suplicantes. Kishan baixou a cabeça e suspirou. Depois olhou de volta para mim.

— Eu sei que Kelsey me ama, mas ela te ama também. Quando você estava morto, uma parte dela também estava. Tive medo de perdê-la, de perder o que ela tem de melhor. Ela precisa de você mais do que de mim. Ela é mais feliz com você. — Ele me olhou com os olhos tristes, mas resignados — Eu ficarei— E me deu as costas.

Kishan caminhou até onde Kelsey estava e se agachou à sua frente, retirando o cabelo do rosto dela. Eu sabia o quanto aquela decisão foi difícil para ele. Mas eu não iria abrir mão de Kelsey novamente. 

— Shh, bilauta. Tudo vai ficar bem.

— Como você pode… — Kelsey fungou— Como você pode dizer isso? Nós estamos…— Ela soluçava. — Vamos perdê-lo para sempre. 

Ela parecia acreditar que eu ficaria para trás. Fiquei inseguro pensando se era isso o que ela preferia. 

— Vamos lá — ele falou enquanto a colocava de pé. — Seque seus olhos e tente sorrir. É hora de dizer adeus.

— Eu não posso, Kishan. Eu apenas não posso.

— Por favor, tente — ele beijou sua testa e usou seus polegares para enxugar as lágrimas de seu rosto. 

Eu os observava de longe. Kelsey balançava a cabeça e recomeçava a chorar. Meus olhos se encheram de lágrimas emocionadas ao ouvir a confissão de meu irmão. Ele falava suavemente:

— Eu a quis desde o primeiro momento em que a vi, escondida na selva, Kells. A verdade é que eu sabia que você estava lá todo tempo. Coloquei meus olhos em você naquele dia e não fui capaz de desviar o olhar desde então. Eu tentei, mas… — ele encostou a testa na dela —… havia algo irresistível sobre você. Você estava tão perdida e com raiva como um gatinho. Eu a queria em meus braços e queria mantê-la assim. 

— Kishan, Eu…

— Eu sei que você o ama, Kelsey. Sei desde aquele dia na selva quando confessou seus sentimentos verdadeiros para Saachi, sem saber que era eu disfarçado. Se eu fosse completamente honesto comigo mesmo, confesso que teria sabido antes disso — ele respirou fundo e sua voz tremeu. — Eu disse a mim mesmo que enquanto você usasse o meu anel, enquanto você me quisesse, precisasse de mim, eu estaria lá por você. Que eu ia tentar me tornar o tipo de homem que você poderia amar. Há amor entre nós, não há Kells? — ele perguntou quase desesperadamente.

— Há — Ela alisou o cabelo no rosto de Kishan e meu coração quase parou. — Eu não poderia desistir mais de você do que dele.

Ele riu trêmulo e assentiu.

— Isso é realmente o que eu precisava ouvir — Ele beijou as mãos dela, uma por uma— Então me de um beijo de adeus, bilauta.

— O quê? Adeus? O que você…

Kishan a beijou com ternura. Um beijo longo e triste. Ele envolveu o corpo dela em seus braços e eu sabia que ele estava sofrendo. Eu desviei os olhos, mas ainda podia ouvi-los.

— Por que você está fazendo isso? — Kelsey perguntou baixinho. 

— É a coisa certa, Kelsey.

— Eu não posso desistir de você, Kishan. Como podemos ser intimados a fazer esta escolha? 

Fechei os olhos e uma lágrima desceu pelo meu rosto. Kelsey queria ficar com Kishan. Ela o escolhera uma vez. E por mais que ela me quisesse por perto, era com ele que ela queria estar. Tentei pensar em ficar. Tentei me imaginar com Durga, naquele lugar tão longe da minha amada. Eu simplesmente não pude. Não havia outra escolha para mim. 

— Uma vez, há muito tempo, você me pediu para deixá-la ir. Você se lembra? — Ouve uma breve pausa — Agora eu estou te pedindo, Kelsey. Me deixe ir.

— É isso o que você realmente quer?— Kelsey perguntou a Kishan.

Ele hesitou apenas brevemente antes de responder:

— É o que precisa acontecer.

Ela recomeçou a chorar copiosamente. Voltei a olhar para os dois. Kelsey estava nos braços de Kishan e seu corpo se balançava em espasmos, enquanto ele acariciava suas costas e beijava sua têmpora. Finalmente, ele suspirou e perguntou:

— Você está pronta?

— Não — Ela acariciou seu rosto— Eu te prometi um final feliz.

Ele sorriu.

— Meu final não foi determinado ainda — ele pegou o rosto dela em suas mãos e prometeu: — Vou sempre manter um pedaço de você em meu coração, Kelsey Hayes.

— E sempre manterei um lugar para você no meu, Kishan Rajaram.

Ele segurou sua mão e colocou algo nela. Kelsey olhou surpresa.

— Mas ela pertence a você. 

— Leve-a com você e construa uma casa como a que falamos.

— Eu irei.

Ele beijou suas pálpebras fechadas. 

— É hora, Kells. 

Ele a guiou para onde eu estava, acompanhado de Phet, Anamika e Sunil, mas parou um pouco antes de chegar em nós. 

— Você vai lembrar-se de mim?

— Como você pode ter dúvidas?

Ele resmungou.

— Prometa-me uma coisa.

Ela olhou em seus olhos. 

— Qualquer coisa.

— Prometa que vai ser feliz.

Ela assentiu balançando a cabeça. Kishan enxugou as lágrimas que rolavam pelo rosto de Kelsey. 

— Estamos prontos — Kishan anunciou. 

Ele a trouxe até mim e ela me deu a mão trêmula. 

— Cuide dela — Kishan me disse.

Meus olhos estavam repletos de lágrimas. Emocionado, apertei o braço de meu irmão, grato por tudo o que ele fez por mim. 

— Seu na vida, Kishan.

— Seu na morte, Dhiren.

— Obrigado.

— Esforce-se durante toda a vida para merecê-la, irmão. 

Eu assenti e ele tocou o queixo de Kelsey, antes de parar ao lado de Anamika e cruzar os braços, sem olhar para ela. Phet avançou.

— Um sacrifício foi feito. Kishan passará a ser conhecido como Damon, o tigre de Durga. Ele vai manter o seu poder de cura, bem como a sua capacidade de mudar de forma para tigre, apesar de agora não haver limites sobre quanto tempo ele pode permanecer humano. Como para Ren…

Phet levantou o amuleto Damon e murmurou algumas palavras. Uma luz brilhante circulou em torno do amuleto. Ele parecia desenhar uma névoa branca em meu corpo e puxando através do disco. 

— A transformação foi feita. A fera é mortal. 

Phet se adiantou e apertou meu ombro. Seus olhos também estavam cheios de lágrimas. 

— Parabéns, meu filho. 

Eu coloquei a mão sobre o peito, sentindo-me leve, como se algo tivesse sido tirado da minha alma.

— É… ele… se foi. O tigre se foi.

— Você é um mortal mais uma vez — Phet disse. — Viverá uma vida normal, como se estivesse começando de novo aos 21 anos de idade.

Phet aproximou-se de Kelsey e pegou a corda de fogo, girando-a em torno de si mesma. Ele chicoteou em um círculo para abrir um vórtice. Phet anunciou:

— Três de vocês vieram para o passado, e três devem voltar. Sunil?

— Não! — Durga ofegou em choque. — Você não vai levar o meu irmão.

— Um que eles amam por um que você ama, Anamika. Assim é como o universo mantém o equilíbrio.

— Não é justo! Meu fardo é pesado demais para suportar!

— Damon irá ajudá-la — aconselhou Phet.

Ela estreitou os olhos para Kishan, que aceitou seu escrutínio com paciência. Voltando-se para o irmão, ela pegou suas mãos.

— Eu nunca pedi por isso — ela falou com uma voz embargada pelas lágrimas.

— Shh, Mika — Sunil disse. — Tudo vai ficar bem. Phet me contou sobre isso noite passada, e eu concordei — ele apertou as mãos dela de volta e explicou: — Não há mais lugar para mim aqui, querida irmã. Os exércitos olham para você agora, você é seu líder, se eu ficasse ao seu lado, lembrarão que você foi uma vez humana. Os homens irão testá-la, questioná-la, e vão me usar como desculpa para tentar tirar o poder de você. Você deve saber que Anamika e Sunil Kalinga morreram nesta batalha. Durga sobreviveu, e você se tornará Durga agora. Segure esta energia. Guarde-a. O mundo está em suas mãos, minha irmã. Não é fácil deixá-la, mas para você ter o seu verdadeiro lugar na história, eu devo fazer isso.

— Como continuarei sabendo que meu irmão existe em outro tempo, outro lugar?

— Do mesmo jeito que eu. Mandarei meus desejos para você nas estrelas. Estou tão orgulhoso de você, Mika — ele beijou sua irmã gêmea em ambas as faces.

— Sentirei sua falta, Sunil.

— E eu vou pensar em você todos os dias — ele agarrou o braço de Kishan. — Você cuidará de minha irmã?

— Eu vou protegê-la com a minha vida — Kishan prometeu.

Os dois homens estudaram um ao outro por um momento antes de Sunil assentir.

Todos nós demos um gole final no kamandal de modo que a pressão do universo fosse menos pesada para suportar. Kelsey olhou para Kishan e sussurrou:

— Eu te amo. 

Então eu peguei sua mão e corri com ela até o vórtice. Sunil corria ao nosso lado. 

Ao saltar através do vórtice, ouvi Kishan dizer baixinho:

— Adeus, bilauta.


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