O destino do tigre - POV diversos escrita por Anaruaa


Capítulo 36
Amuleto reunido - Kishan




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Quando tudo terminou, eu me sentia destruído. Kelsey venceu o demônio. Ela era a deusa destinada a matá-lo. Kelsey era a verdadeira Durga.

Percebi que, para o meu destino se cumprir, eu tive que perder meu irmão. Ren estava morto e eu sabia que Kelsey estava sofrendo. Eu nunca seria feliz se Kelsey não pudesse ser feliz também. 

A deusa estava prostrada no chão, tremendo e soluçando. Perto dela, o corpo morto do tigre branco. Eu não queria ter perdido meu irmão. Eu o amava. Ele era minha família. Meu coração estava em pedaços.

Finalmente consegui me transformar em homem. Aproximei-me da deusa e deslizei a mão por seu ombro.

— Kelsey?

Ela balançou-se para frente e para trás, sem me responder. Segui até o corpo de Ren e comecei a retirar as lanças que Lokesh havia lançado contra ele. 

— Ele realmente se foi, não é? 

Meus olhos estavam cheios de lágrimas quando me virei para olhar para Kelsey. Eu assenti e voltei-me para Ren, enxugando as lágrimas que começavam a descer pelo meu rosto. Pensei em tudo o que eu e meu irmão vivenciáramos juntos. Lembrei-me da nossa amizade antes da maldição, da nossa família feliz e pensei em como, mesmo dividindo o amor da mesma mulher e apesar desta rivalidade, meu irmão e eu havíamos nos perdoado e confiávamos um no outro. Mas agora, tudo estava acabado. 

Tentei puxar uma das lanças, mas ela estava profundamente arraigada ao corpo de Ren. Percebi que aquela lança fora a responsável por sua morte. Eu a puxei com força, soltando-a. Olhei para o corpo morto de Lokesh, lágrimas cobrindo minha visão e, tomado pelo ódio, caminhei até ele. Em um grito de fúria, cravei a lança no corpo do demônio. Então, chorando, tombei de joelhos no chão. 

Ouvi a voz de Anamika dizer algo. Então a voz irada de Kelsey chamou minha atenção. 

— Tire suas mãos de cima dele! Você nos traiu. Se não fosse por você, ele poderia estar vivo. 

Olhei para trás e vi Anamika e Kelsey discutindo perto do corpo de Ren. Kelsey culpava Anamika, que tentava se explicar. 

— Eu tentei ficar para trás — ela explicou — Kishan…

— Não se atreva a culpar Kishan por isso! — Kelsey apontava o dedo para Ren— Isso aconteceu porque você foi incompetente! Eu tive que vir aqui para este tempo para fazer o seu trabalho. Que deusa você acabou se tornando. Bem, tenho novidades para você. Estou cansada de ser sua escolhida. Você me entende? 

Anamika abaixou a cabeça e assentiu tristemente. 

— Eu também o amava, irmãzinha.

— Amor?Amor? Como ousa falar de amor! Você o conhecia há quanto tempo… um mês? Ele foi meu muito antes de você pôr os olhos nele e era meu quando morreu. A única coisa que sempre nos manteve separados no passado ou no presente foi você. Você roubou suas memórias da mesma forma que o roubou aqui. Se não fosse por você, ainda estaríamos juntos. Ren nunca foi destinado a você.

Lágrimas escorreram por seu rosto.

— Mas eu nunca… — ela começou e parou quando Kelsey se virou e afastou-se. 

Eu nunca tinha visto Kelsey daquela forma. Ela sempre fora bondosa e piedosa, mesmo com seus inimigos. Eu sabia que ela estava sofrendo, mas ela parecia não se importar em fazer Anamika sofrer também. Anamika ajoelhou-se boquiaberta. Ela também parecia não acreditar na forma como Kelsey a tratava. 

Kelsey se colocou diante de Ren e alisou suas patas. Então envolveu-se no lenço divino e quando o retirou, não era mais a Deusa Durga. Ressentida, Kelsey tocou o em seu peito e sua armadura se encolheu em broche, assim como as placas metálicas de Ren se desfizeram. Kelsey arrancou o broche e jogou-o aos pés de Anamika, que ainda era Durga.

Ana olhou para Kelsey em agonia, como se implorasse seu perdão. Mas Kelsey permaneceu fria, sem demonstrar qualquer compaixão por ela. Anamika pegou o broche, cheia de culpa, levantou-se e correu para a mata. Eu senti vontade de ir atrás dela e consolá-la, não queria que ela ficasse sozinha. Mas Kelsey também precisava de mim. 

Sunil seguiu a irmã pela mata, então eu fiquei, para ouvir Kelsey chorar alto, olhando ao redor e implorando ao seu amado:

— Por favor, volte. Preciso de você. 

Kelsey segurou o corpo do tigre branco no colo e o balançou para a frente e para trás. Eu chamei pelo nome dela, mas Kelsey sequer me ouviu. Ela não via ou ouvia nada. O sofrimento dela era tão palpável, que me doía. Eu me agachei ao seu lado e ela me olhou rapidamente, voltando-se para Ren novamente. Eu retirei uma mecha de cabelo do rosto dela e prendi atrás de sua orelha.

Uma movimentação na grama chamou sua atenção. Kelsey sorriu e estendeu a mão para Fanidra, que trazia seu amuleto enrolado em seu corpo. Kelsey o retirou e Fanindra deslizou para as costas de Ren. Sua língua balançava levemente para dentro e pra fora enquanto ela olhava para os olhos vidrados do tigre.

— Você pode curá-lo? — Perguntou.

A cobra virou a cabeça para Kelsey e deslizou para ela, parando em sua perna. 

— Imagino que seja um não. 

Kelsey ergueu o braço e a cobra subiu por ele, até tornar-se um bracelete novamente. 

— Não teríamos conseguido sem você. Obrigada.

Eu permaneci ao lado de Kelsey, esperando em silêncio. Ela alisou a testa de Ren e o beijou na cabeça.

— Eu te amo — sussurrou.

— Nós precisamos partir, Kelsey.

Ela apertou o pelo de Ren e então respondeu com firmeza:

— Não o deixarei aqui.

— Eu irei carregá-lo.

Kelsey levantou-se, retirou a corrente quebrada do amuleto de fogo e o entregou a mim, como se aquilo não tivesse nenhum significado. Magoado, fechei minhas mãos sobre ele, pensado se eu deveria aceitá-lo de volta. 

— Este foi o primeiro presente que lhe dei — olhei para ela e disse baixinho: — Não acho que possa ser devolvido. 

Assim como o meu coração, que eu havia entregado àquela mulher. Eu abri a minha mão, oferecendo-o a ela, esperando que ela o aceitasse de volta. O amuleto e o meu amor. Kelsey o pegou, sem olhar nos meus olhos. Então, amarrou o amuleto a uma fita que pediu ao lenço e o prendeu de volta em seu pescoço.

— Pegue o restante do amuleto — Ela me disse. 

Fui até o corpo de Lokesh, rasguei seu manto e arranquei o amuleto de seu pescoço. Então o entreguei a Kelsey que o apertou entre os dedos, com força e ressentimento. 

— O sangue do Capitão Dixon, do Sr. Kadam, de Ren e de inúmeros outros foi derramado por este… demônio. Ele precisa ser completamente destruído. 

Então Kelsey ergueu a cabeça e parecia certa do que deveria fazer. Ela chicoteou a corda de fogo no chão e uma cratera se abriu. Labaredas de fogo subiam do buraco. Kelsey ergueu a mão em direção a Lokesh, e o corpo do demônio subiu ao ar e flutuou à nossa frente. Kelsey o encarava com ódio. Ela não parecia consigo mesma. Eu tive medo de perdê-la. Tive medo de perder a mulher doce e gentil para a Deusa da morte que estava diante de mim. Então, eu delicadamente toquei em seu braço. 

Kelsey pareceu sair do seu transe e enviou o corpo de Lokesh para dentro daquela cratera. Quando ele não era mais nada além de cinzas, Kelsey chicoteou a corda de fogo novamente, então a cratera de fechou. 

— Estou feliz que ele tenha ido — Anamika disse baixinho enquanto caminhava lentamente em nossa direção, desta vez acompanhada por seu irmão.

Sunil apoiou-se em sua irmã e nos observou com um olhar de admiração.

— Podemos ir, Kishan?

— Só um minuto, Kells.

Anamika entregou-me o kamandal, olhando a imensa ferida que sangrava na lateral do meu corpo e ordenou que eu bebesse. Naquele momento, me senti agradecido por ter alguém que se preocupasse comigo. Segurei um dos pulso de Anamika, que ainda era Durga e nossos olhos se encontraram. Eu percebi dor, culpa, tristeza e ternura em seus olhos. Então ela suavizou a voz, e me pediu novamente que tomasse o elixir. Eu a obedeci e então ela ofereceu a Kelsey, que também estava ferida. Mas ela empurrou sua mão, friamente. 

— Você precisa se curar, Kelsey.

— A dor que sinto não irá embora.

— Por favor, tome um pouco.

Kelsey pegou a concha e tomou o elixir, depois devolveu a Ana, que lhe pediu, meio sem jeito. 

— Há algo que você possa fazer por… eles? — Ela indicou as tropas que estavam ao nosso redor, congelados em pedra e gelo.

Fiquei profundamente tocado pelo cuidado de Anamika. Temi que Kelsey estivesse quebrada o suficiente para não se importar. Mas ela não estava.

— Posso tentar.

Kelsey se concentrou e esfregou o amuleto em seus dedos. Gotas de água começaram a se movimentar ao seu redor, como se chovesse. Então Kelsey soprou essas gotas em direção aos homens congelados. Senti o vapor da água quente passar perto de mim e alcançar os homens, que começaram a se mexer. Kelsey continuou e eu senti a terra se mover levemente. Então, as pedras ao nosso redor começaram a derreter. Todos os seres aprisionados ali, voltaram a respirar. 

Anamika-Durga seguiu em direção a cada homem, usando o elixir do kamandal para curá-los. Eles se ajoelhavam diante dela, gratos por suas vidas, sem perceberem que o poder de verdade vinha de outra Deusa. Kelsey cruzou os braços, como se aquilo tudo não fosse nada. Os homens se reuniram perto de Anamika, que se virou para todos nós. 

— Essas pessoas precisam de descanso e alimentação. Devemos levá-las ao acampamento e ajudá-los a se recuperar — então a deusa humilde se virou para Sunil em respeito. — Se for aceitável para você.

— Você está certa, Mika. Devemos cuidar deles — ele respondeu, dando um passo para trás.

Ela assentiu com a cabeça e deu instruções para retornamos ao acampamento. Flanqueados por Anamika e Sunil, os homens partiram imediatamente. Eu peguei o corpo do tigre branco em meus braços e segui a caravana, com Kelsey ao meu lado. 

No acampamento, deixei Kelsey sozinha com Ren e fui ajudar Anamika. Ela estava cansada e desapontada. Eu sentia sua tristeza, apesar de não estarmos mais conectados. Eu a admirava, sempre a admirei por sua força e liderança. Mas agora era mais do que isso. Eu a conhecia, sabia dos seus medos, suas fraquezas. Anamika confiou em mim e me mostrou seus sentimentos mais profundos. Eu lhe era grato por isso.

O que eu sentia por Ana era compaixão, respeito, amizade. Eu queria ajudá-la, cuidar dela. Tentei lhe falar, mas ela disse que não estava pronta, então eu a deixei. 

Voltei à tenda onde Kelsey preparava o corpo de Ren para o enterro. Ela estava triste mas não chorava. Ouvi suas confissões ao tigre branco. Ela dizia baixinho o quanto o amava e como sua vida perderia o sentido sem ele. Kelsey lhe dizia que nunca havia amado outro homem e nunca amaria como o amava. Ela confessou que se arrependia de muitas coisas, mas que não tê-lo escolhido foi o pior de seus erros.

No fundo eu sabia, que Kelsey nunca me amara como a ele. E nunca me amaria. Mas doeu ouvir. Quando Anamika e Sunil pararam na porta da tenda, Kelsey finalmente percebeu a minha presença. 

— Há quanto tempo você está ai? 

— O bastante.

Eu entrei, seguido por Ana e seu irmão. Um momento depois, a tenda se abriu e Phet apareceu.

— Posso entrar? — Phet perguntou.

— Por favor! — Ana respondeu.

Phet viu Ren naquele momento e balançou a cabeça.

— Esse foi o mais infeliz dos acontecimentos — ele disse e se abaixou em uma almofada.

— Você tem um dom para eufemismos — respondeu Kelsey, com lágrimas nos olhos. 

— Há esperança, minha flor. Você tem todas as peças do amuleto?

— Sim.

— Posso vê-las?

Kelsey retirou o amuleto do fogo de seu pescoço e entregou a Phet, depois lhe entregou as partes que tiramos de Lokesh. 

— O Amuleto de Damon é um Astra. Um Astra é uma arma cósmica ou ferramenta, como quiserem, que canaliza grandes poderes quando devidamente invocados.

— Invocados?

— Sim. Uma divindade irá responder a um encantamento e tomar as armas como seus presentes. Por exemplo, o Agiastra cria uma chama inextinguível, o Suryastra gera luz muito brilhante e o Varunaastra produz grandes quantidades de água. Quanto maior o deus, maior o poder que o Astra empunha.

— E qual é este? — Kelsey perguntou. — E como vamos invocar esse poder?

— Você já usou muitas das partes individuais do amuleto, mas o que não tinha acesso era o poder do amuleto reunido.

E com um estalo, Phet havia acabado de colocar a peça de fogo na seção vazia do disco do amuleto. As extremidades de cada pedaço brilharam com uma luz branca, e, em seguida, as cinco peças se tornaram completas. Ele segurou o Amuleto de Damon para cima, a luz da fogueira brilhava na pedra. Ele o entregou a Kelsey.

— Nós sabemos que o Lokesh tinha poder sobre os elementos e as criaturas ainda vivas — falou Kelsey. — Agora que o amuleto está inteiro, o que quer que façamos com ele? 

— Bem, a primeira coisa que gostaria de fazer é trazer de volta o seu belo príncipe — Phet disse com uma piscadela. 

Kelsey o encarou quase feliz. 

— Posso realmente fazer isso? — perguntou baixinho.

— Você não. O Damonastra pode. Mas você deve canalizar o poder de Damon.

— Damon, como tigre de Durga?

O xamã hesitou e escolheu as palavras cuidadosamente.

— O único e mesmo. Damon se sacrificou, dando a vida aos tigres no começo — ele explicou suavemente. — Ele pode conceder o mesmo poder novamente. Tudo o que você tem a fazer é ler o mesmo encantamento.

Kelsey olhava o amuleto, então o ofereceu a mim:

— Kishan? Poderia ler isso? 

Eu assenti e me sentei ao seu lado, abraçando-a brevemente. 

—Damonasya Rakshasaya Mani-Bharatsysa Pita-Rajaramaasya Putra. Aqui diz: O Amuleto de Damon. Pai da Índia. O filho de… Rajaram.


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