Quando O Amor Chegar escrita por kcaldas


Capítulo 8
Fogo da paixão


Notas iniciais do capítulo

Aurélio desiludido e Julieta sequestrada, por quanto tempo mais sofreriam separados? Teria ela chance de se declarar? Enfim podemos conhecer o desfecho daquele sequestro.



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Aurélio acordou cedo, mal conseguira pregar o olho depois da longa espera por Julieta na última noite. Ele ainda não acreditava que a mulher que amava podia ser tão fria e indiferente ao ponto de brincar com os seus sentimentos. Era menos dolorido que tudo tivesse acabado naquele encontro do que esperar novamente por uma resposta dela e ela simplesmente não aparecer. Como aquela mulher tão linda, podia ser tão cruel? Quando teve Julieta nos braços sentiu quer diferente, ela era doce, apaixonada, tinha o fogo do amor queimando dentro dela. Estava enganado quanto a tudo isso? Ele custava a crer que sim. Era verdade o que todos diziam e agora lhe parecia óbvio, Julieta não amava ninguém, só a si mesma e a posição de Rainha do Café que tanto ostentava. O melhor que tinha a fazer era voltar a SP e esquecer de uma vez por todas esse amor inventado por ele.

Devastado com essa conclusão, mas decidido a esquecer Julieta, tratou de colocar-se de pé para viver um novo dia, era o que lhe restava. Foi ao encontro de Ema na casa dos Benedito. Precisava atualiza-la de seu sucesso no escritório de Jorge e acalma-la, pois logo estariam livres daquele infortúnio.

— Papai que ótima surpresa! Não sabia que o senhor estava de volta ao Vale.

— Não estou de volta minha filha, pelo menos, ainda não. Jorge pediu que eu viesse para tratar de uma negociação com um cliente importante. Eu cheguei ontem e passei o dia inteiro em razão dessa reunião de negócios. Hoje estou de folga, mas parto para SP nesta noite mesmo.

— Ah, que pena! Mas fico feliz que o senhor tenha conseguindo se dar bem nos negócios! É o meu orgulho!

— Obrigado! Fico feliz que ainda posso despertar o orgulho de minha filha! Eu vim para lhe tranquilizar, com os honorários recebidos pela negociação de ontem e o que juntei em SP já temos o suficiente para uma nova casa. Nada comparada ao luxo que tínhamos na fazenda Ouro Verde, mas você poderá levar o seu avô para um lugar nosso e cuidar dele com mais tranquilidade.

— Claro papai. Estou muito feliz que o senhor providenciou o dinheiro necessário para um novo lar. Uma casa é o mínimo que alguém precisa para ter alguma tranquilidade nessa vida. Mas, mesmo com tantas conquistas o senhor não me parece muito feliz. Aconteceu alguma coisa?

— Nada minha filha. Eu estou muito feliz sim. Deixarei o dinheiro todo depositado no banco em seu nome, assim que encontrar uma casa que julgue ser ideal poderá sacar o dinheiro e comprar. Como está o Barão?

— Está bem! Implicando um pouco mais que o de costume e rabugento como sempre!

— Aurelinho! É você que está aí? – o Barão gritava dos fundos da casa dos Benedito.

— Acho que ele já descobriu que o senhor está aqui! Vou busca-lo.

— Não precisa. Eu mesmo vou falar com ele.

Aurélio se entreteve ali com Ema e o Barão. Naquela manhã, um pouco de felicidade conseguiu invadir o seu coração machucado. As horas ao lado da família o fizeram esquecer um pouco de Julieta e toda a dor que ela lhe causara. Foram almoçar na casa de chá de Dona Ágatha. Passaram momentos agradáveis juntos e mataram toda a saudade que sentiam pelo afastamento de Aurélio. Acostumados a sempre estarem juntos, os últimos três meses foram bem difíceis devido à ausência do filho do Barão. Principalmente para Ema, que não sabia da derrocada da família de repente se viu em meio à pobreza com um avô paralítico para cuidar.

Terminado o cafezinho após o almoço, se preparavam para pagar a conta e retornar à casa dos Benedito quando um senhor cambaleante entrou no estabelecimento caindo ali mesmo na porta. Dona Ágatha, enraivecida, gritou do lado de dentro do balcão que ali não era permitido ninguém bêbado. Aurélio correu para socorrer o homem.

Não se tratava de um bêbado, o homem estava muito machucado. Virando o rosto do rapaz na tentativa de perguntar o que tinha acontecido com ele, Aurélio reconheceu Tião, empregado de Julieta. Gritou logo por ajuda:

— Não se trata de nenhum bêbado, dona Ágatha, ele é o Tião, empregado da Rainha do Café, e está muito machucado. Ema, minha filha, vá chamar o Dr. Rômulo, depressa!

Tião estava extremamente machucado. Não havia uma parte do corpo que não tinha hematomas. O rosto estava desfigurado. Ele mesmo não sabia como conseguiu chegar com um sopro de vida até a cidade.

Dona Ágatha chegava com compressas para tentar aliviar a dor daquele pobre homem.

— Não podemos deixar ele aqui no chão Dr. Aurélio.

— Ele está extremamente machucado Dona Ágatha, se mexermos nele poderá ser pior. Ema foi buscar Rômulo e logo estarão aqui.

Tião respirava com muita dificuldade, apanhou muito daqueles homens covardes, tanto que eles pensaram que ele estava morto. Quando eles chegaram próximo Tião tratou de ficar imóvel para que eles confirmassem a suspeita e o deixassem. Fora abandonado à própria sorte do lado de fora da estrada. Horas depois reuniu as últimas forças que lhe restaram e andou em direção à cidade. Precisava buscar ajuda. Não era religioso, mas rogou à Deus que tivesse compaixão dele e o fizesse aguentar. Por um milagre conseguiu chegar. Quando se aproximou da casa de chá desfaleceu. Ao longe ouvia as vozes em sua volta. Sentia os primeiros cuidados, a compressa aliviava um pouco da dor.

— Tião, calma, Ema foi buscar ajuda. Tente não se mexer porque você pode ter quebrado ossos.

Ele não podia ficar calmo. Sua patroa corria perigo. Ele precisava avisar. Com dificuldades, abriu os olhos, ofuscado com a claridade e sufocado com a quantidade de gente que estava em cima dele tentou balbuciar algumas palavras.

— Gente, por favor, todos estão vendo as condições desse pobre homem, vamos nos afastar e liberar o ar para que ele possa tentar respirar melhor. – falou Aurélio afastando a multidão, mas já voltando para ficar próximo de Tião novamente. Percebera que ele tentava falar algo.

A multidão se afastou.

— Pronto Tião, o que você ia falar? O que aconteceu? Quem fez isso com você? – disse Aurélio bem perto dele.

— Ju... Ju... – Tião se esforçava, mas o ar lhe faltava para terminar as palavras.

Aurélio sentiu seu corpo gelar de pavor.

— Julieta? O que aconteceu com Julieta?

Tião respirou fundo e reuniu às forças que não tinha mais.

— Sequestro! – falou com todas as letras, mas tão baixo que somente Aurélio que estava com os ouvidos atentos pôde ouvir. Dizendo isso, Tião desmaiou, no exato momento em que Ema chegava com Rômulo.

Aurélio se afastou da multidão. Não conseguia coordenar todos os seus pensamentos. Julieta, sequestrada? Onde será que a levaram? Já haviam feito algum contato? Queriam algum valor para resgate? Rapidamente pediu uma ligação para Casa de Jorge. Precisava de alguém que conseguisse contato com Camilo e pedir ajuda em como agir. Foi orientado a procurar o delegado e denunciar. Da mesma forma Jorge prometera encontrar Camilo para avisar do sequestro da mãe dele.

Disparou rumo à delegacia. O delegado não era um sujeito muito agradável. Tinha atitudes suspeitas, mas era o homem da segurança naquela pequena cidade. Só ele poderia ordenar para que os homens do coronel Brandão começassem as buscas para descobrir o paradeiro de Julieta.

— Eu quero denunciar o desaparecimento de Julieta Bittencourt. Ao que tudo indica ela foi sequestrada.

— Sequestrada Sr. Aurélio? No nosso pacato Vale do Café? Conte-me essa história direito. O que aconteceu com a Rainha do Café?

— Eu não sei delegado. Estou aqui para que o senhor investigue o que aconteceu. O funcionário dela chegou como um morto vivo na casa de chá de dona Ágatha, só conseguiu dizer a palavra sequestro.

— Sei. – O delegado falava com sarcasmo – E, o senhor sabe desde quando dona Julieta está desaparecida?

— Bom, acredito que desde ontem à noite. Tivemos uma reunião de negócios ontem na fazenda do sr. Venâncio. Eles devem ter sido atacados na estrada ao sair da reunião.

— Atacados sr. Aurélio? O senhor tem certeza que está falando do Vale do Café? Está me parecendo mais histórias de crimes que acontecem na capital!

Aurélio se enfureceu e partiu para cima do delegado sendo impedido pelos guardas.

— Eu vim aqui denunciar o sequestro de Julieta Bittencourt sr. Delegado, que desde ontem está desaparecida, o senhor pare de gracinha e vá logo mandar os homens do coronel atrás dela.

— O senhor acalme seus nervos sr. Aurélio. Cuidado com suas atitudes ou terei que prendê-lo por desacato a autoridade. Eu vou atrás desse funcionário de dona Julieta para tentar saber o que aconteceu. De qualquer forma, só poderei registrar a ocorrência como desaparecimento 48 horas depois do sumiço da vítima.

— O que o senhor está me dizendo? O empregado de Julieta quase foi morto espancado, Julieta foi levada por bandidos mascarados e o senhor me diz que só pode começar a fazer alguma coisa depois de 48 horas.

— É a lei senhor Aurélio e eu estou aqui apenas para executá-la. Daqui a pouco dona Julieta aparece e verá que tudo não passou de um mal entendido. Caso ela realmente não apareça, mandarei os homens de coronel Brandão para começarem as buscas. É o que posso fazer. Agora, se o senhor não se importa, tenho mais o que fazer, passar bem!

Desnorteado Aurélio foi embora da delegacia, só conseguia pensar em Julieta, precisava encontra-la. Nascido e criado no Vale do Café Aurélio conhecia como a palma da mão as estradas e as fazendas da região, mas devido à distância, levaria dias procurando por Julieta, e tempo era uma coisa que não estava em seu favor.

Pediu a Ema que avisasse ao Coronel Brandão, chefe dos militares, do ocorrido com Julieta. Pediu também que ela ficasse atenta ao telefone da casa de chá, pois tinha pedido a Jorge que encontrasse Camilo. Pegou um coche até a casa dos Benedito e de lá disparou pela estrada com o cavalo de Ema. Sem saber ao certo aonde começar a procurar refez o caminho da fazenda do encontro do dia anterior. Um tanto quanto descuidado às obrigações da religião, apenas elevou o seu pensamento: “Deus não permita que façam mal a ela e me guie ao seu encontro”.

Julieta foi levada pelos bandidos até um casebre abandonado da fazenda Santa Clara. A fazenda era uma propriedade de médio porte produtora de café que estava nos planos de Xavier adquirir. Ele pretendia queimar para comprar mais barata, entretanto, Julieta, como sempre, chegou primeiro e comprou antes do inimigo executar seu plano. Agora, sem saber, estava refém em suas próprias terras.

A cabana não tinha nenhum conforto, apenas uma cama improvisada, uma mesinha com um jarro de água, uma cadeira e um lampião que trazia um pouco de luz para o lugar. Julieta passou a noite ali, vigiada por dois capangas. Não conseguiu pregar o olho, não temia por sua vida. Após tudo que já havia passado em vida, a morte não lhe assustara. Pensava em Camilo, se morresse não teria chance de se desculpar com o filho por não permitir que ele fizesse suas próprias escolhas. Pensava também em Aurélio, pela primeira vez um amor tão puro chegou ao seu coração e não teve a chance de dizer a ele que o estimava mais que um amigo.

Ao meio dia o mascarado líder do bando entrou truculentamente assustando a Rainha pondo-se de pé instantaneamente.

— Olá dona Julieta, me desculpe se a assustei, acredite não foi minha intenção. E então, gostando da estadia? Acredito que não seja o melhor hotel que já tenha passado à noite, mas era o único que tínhamos disponível.

— Pare com essa palhaçada e me deixe logo ir embora!

 - Ora, quanta agressividade. Eu só estou querendo ser gentil. Permiti que a senhora tivesse a noite inteira para pensar na minha proposta. Eu voltei para negociar.

Julieta apertou o olhar em sinal de desafio e prontidão às palavras do inimigo.

— Sim dona Julieta, estou disposto a negociar com a Senhora.

— Eu não faço negócios com alguém que não conheço o rosto.

O mascarado deu uma risada sarcástica.

— Pois então agora a senhora vai ter que aprender! Não estou disposto a me revelar!

Ela partiu pra cima dele.

— Covarde!!!

O bandido a empurrou fazendo-a cair na cama.

— Amarrem ela. – ordenou aos capangas. Parece que a fera é difícil de amansar.

— O senhor é um covarde! Não tem coragem nem de ficar cara a cara comigo? Por quê? Medo das consequências? – Julieta bufava de ódio enquanto se debatia sem sucesso para se livrar dos capangas.

— Acho melhor a senhora se acalmar dona Julieta. Eu já lhe expliquei que aqui as regras são outras? Pois é, aqui a senhora só obedece. Entendo que tenha dificuldades com isso, pois está acostumada somente a dar ordens, mas, para o seu próprio bem, é melhor cooperar. – ele falava lentamente saboreando o sofrimento da Rainha do Café.

Julieta, amarrada, pára de se debater, mas continua encarando o inimigo. Só tinha ódio no olhar. Em nenhum momento sentiu medo.

— Então, agora que a senhora parece estar mais calma, eu te pergunto: Pensou na minha proposta?

— O senhor terá que me matar para me fazer desistir dos meus objetivos.

— Pelo visto o senhor seu marido não ensinou que nos negócios às vezes é preciso recuar.

— Eu aprendi a negociar sozinha mesmo. Diferente de mim, o meu marido era um perdedor!

— Bom, então vejo que nem mesmo uma noite tranquila de sono fez a Rainha do Café a voltar atrás. Está decidida mesmo a ficar no Vale do Café.

— Não só estou decidida como além de expandir minhas terras, trarei uma ferrovia para cá. Eu vou trazer o progresso para a região meu caro, quer o senhor queira ou não.

— Ah dona Julieta eu acho tão bonito os seus planos, pena que não será possível concretiza-los, não é?

— O que o senhor está falando? Pare já com esse jogo e diga logo quanto quer? É dinheiro que o senhor quer? Vamos, ande logo com isso?

— Não querida Rainha, todo o seu dinheiro não vale de nada agora. Eu já disse o meu preço. A minha condição para liberta-la é que a senhora vá embora do Vale do Café e não volte nunca mais ou...

— Ou o quê?

Ele saca a arma e aponta firmemente para ela.

— Ou eu serei obrigado a finalizar o que começamos ontem e lhe dar o mesmo destino do seu pobre cocheiro.

— O senhor é muito abusado! Como ousa a desafiar a Rainha do Café? Eu vou repetir, caso não tenha entendido: eu não tenho medo da morte!

— Eu entendi dona Julieta, e é admirável a sua coragem! Pena que ela não lhe vale de nada agora! Chega de conversinha, eu estou cansado desse chove não molha! Diga-me, qual é a sua resposta final?

— Minha resposta final é a mesma que venho lhe dando desde que começou com esse seu plano patético! É NÃO! Eu não vou desistir dos meus objetivos, não vou embora do Vale do Café!

— Pois bem. Deus é testemunha de que eu tentei preservar a sua vida. – disse puxando o gatilho da arma.

— Não fale o nome de Deus em vão. O senhor vai é para o inferno!

Ele da um sorriso de canto de boca emitindo um som sarcástico. Pega a arma. Julieta fecha os olhos.

— Eu posso até ir, mas a senhora, com toda a sua fama de durona, vai primeiro! – falou atirando pra cima aterrorizando Julieta.

— Aliás, a senhora acaba de me dar uma ótima ideia! – falou abaixando a arma e saindo da cabana. Julieta abriu os olhos.

— O que vai fazer?

— O serviço do diabo! – saiu, levando o lampião e passando uma corrente na porta.

Julieta ficou amarrada e com pouca luz que vinha de fora pela fresta da porta de madeira. Sentiu o cheiro forte de querosene vindo do lado de fora. Dois capangas espalharam o combustível.

— Até logo dona Julieta, a gente se vê no inferno!

Ao dizer isso jogou fortemente o lampião no chão provocando uma faísca que rapidamente se incendiou em contato com o querosene. Ao ver o início do incêndio os bandidos fugiram em seus cavalos. Não precisavam ficar ali vigiando mais, a cabana não resistiria por muito tempo, logo o fogo se alastraria e incendiaria tudo, a cabana e a plantação. Era o fim da Rainha do Café.

O sol estava alto quando Aurélio parou um pouco para tomar uma água num pequeno riacho e dar de beber ao animal. Estava visivelmente cansado. O calor escaldante fez com que deixasse o figurino comum do dia a dia para trás. A camisa para fora da calça, aberta para tentar se refrescar um pouco. Era quase inútil. A falta de ar não vinha só do ar parado de verão, mas da angústia de não saber onde encontrar Julieta, sequer sabia onde procurar. Cavalgou horas procurando por um rastro dela sem nenhum sucesso.

Sentou-se à sombra de uma árvore para descansar enquanto seu animal se fartava da água do riacho. Tentava organizar os seus pensamentos. Talvez, o melhor seria voltar à cidade e se reunir aos homens do coronel Brandão para saírem em comitiva. Provavelmente teriam mais êxito do que ele sozinho. Decidido, levantou-se.

Montou no cavalo novamente, mas ao olhar para trás viu algo que lhe chamou a atenção. Um foco grande de incêndio ao longe, parecia vir da direção da fazenda Santa Clara, propriedade recém adquirida por Julieta. Seu coração gelou novamente, sentiu ele parado na garganta. Só conseguia pensar em Julieta. As fazendas da região sofriam com queimadas constantemente, principalmente por causa do tempo seco. Não pensou mais. Virou rapidamente o cavalo para a posição contrária e partiu em disparada novamente.

Quase não podia coordenar suas ações e pensamentos juntos, ainda bem que seu cavalo entendeu que precisava ir o mais rápido que aguentasse. Quanto mais perto se aproximava do incêndio, mas se confirmava a sua suposição, o foco de incêndio vinha mesmo da direção da fazenda Santa Clara. Ao chegar mais próximo já podia sentir o calor das chamas, inclinou o corpo sobre o cavalo para exigir mais velocidade do bicho que estava quase voando em terra.

Julieta não tinha forças mais para se debater e tentar se livrar das amarras, já estava cansada. Sentia o calor insuportável das chamas, havia muita fumaça por toda a parte e tinha certeza que era questão de pouco tempo o fogo invadiria a cabana e a queimaria viva. Ficou imóvel, fechou os olhos e rezou. Em pensamento pediu perdão ao seu tão amado filho Camilo por não ter sido uma boa mãe, não ter sabido demonstrar o imenso amor que sentia por ele. Uma angústia tomou conta daquela mãe. Mesmo com os olhos fechados lágrimas escorriam pelo seu rosto. Não tinha medo da morte, mas não podia aceitar aquele destino. Reuniu suas últimas forças e começou a gritar por socorro. Em vão, ela pensou, ninguém jamais iria ouvi-la.

Aurélio chegou à fazenda Santa Clara quando o fogo já ameaçava entrar adiante na plantação. O estalar das fagulhas era alto e constante, mas lhe chamou a atenção dois cavalos amarrados que avistou ao longe se debatendo por causa da proximidade do fogo. Correu para perto deles e reconheceu a charrete de Julieta. De dentro da cabana ouviu um grito rouco e abafado de socorro que em menos de um segundo cessou. Era a Rainha no que parecia um último suspiro de força.

Aurélio pegou a manta que cobria os assentos da charrete e arrombou a porta da cabana que já estava começando a se queimar. O fogo iniciava o caminho da pequena acomodação. Encontrou Julieta amarrada e desmaiada em cima da cama. Molhou a manta com o jarro de água que estava sobre a mesa. Soltou as cordas. Envolveu o corpo dele na manta. Segurou Julieta nos braços. Ela voltou a si. Abrindo levemente os olhos e um pouco atordoada falou baixinho, quase sem ar:

— Aurélio?

— Não fale nada Julieta, precisamos sair daqui ou vamos virar churrasquinho.

Julieta fechou os olhos e segurou firme nele. Ao tirá-la da cama com ela nos braços um pedaço do teto caiu sobre o colchão trazendo o fogo mais intenso para dentro da cabana. Aurélio atravessou a cortina de fumaça protegendo Julieta com a própria vida. Já do lado de fora da cabana a acomodou na charrete. Julieta abriu os olhos, agradecida por ele ter lhe salvo a vida, e chorou. Ele enxugou as lágrimas dela.

— Obrigada.

— Vai ficar tudo bem. Eu vou levar você para a casa.

— Pra casa não Aurélio. Por favor. Quem fez isso comigo queria que eu morresse, e eu quero que pense que eu morri.

— Julieta quem pode ter feito isso com você?

— Eu não sei, mas eu vou descobrir.

— Bom, aqui é uma propriedade sua. Podemos ir até a casa grande.

— Onde estamos?

— Na Fazenda Santa Clara, uma que comprou recentemente.

— Pois então me leve para a casa grande.

As nuvens escuras da noite começavam a chegar, mas estavam carregadas também. Já se podia sentir o cheiro da chuva vindoura. Naquela estação do ano eram comuns as tempestades, depois de um dia de calor intenso. Naquele dia não foi diferente. Sob os raios e trovões a tempestade se armava. Chegaram a tempo de se abrigar na casa grande.

Aurélio desceu da charrete e abriu para ela se preparando para carrega-la novamente. Julieta fez sinal que não precisava, mas ao descer, sentiu-se tonta e caiu nos braços dele que prontamente a segurou. Os olhares novamente se encontraram. Ela estava tão vulnerável que aceitou a ajuda. Novamente ele a pôs nos braços e a levou para dentro. A casa estava com poucos móveis ainda cobertos. A propriedade foi adquirida recentemente e Julieta não teve tempo sequer de se apossar dela.

— Eu vou te levar para um quarto para você descansar.

A Rainha não respondeu só encostou sua cabeça no ombro dele.

Aurélio a levou para o quarto principal. O cômodo era bem grande acomodava uma cama de casal grande, um sofá e duas poltronas, penteadeira e possuía um banheiro tão grande quanto aquele quarto. Ao deixa-la ele passou a mão em seu rosto ao que ela fechando os olhos apenas sentiu o carinho de Aurélio. Ela segurou nas mãos dele beijou em agradecimento ao carinho que ele lhe ofertava e disse suavemente:

— Eu preciso me recompor.

— Claro eu vou deixar você descansar.

— Não Aurélio. Eu só preciso de um banho, me espere. Precisamos conversar. A conversa que eu estou te devendo há três meses.

Aurélio sorriu. Estava tão feliz que nem percebeu que a tempestade que começava a cair. Encostou-se no sofá e fechou os olhos a esperar por Julieta.

Ela saiu renovada do banho. Deslumbrante. Com os cabelos soltos e com uma combinação de renda preta longa que usava por baixo daquele volumoso vestido que a acompanhava diariamente. O perfume que saiu junto com ela despertou Aurélio. Os dois se olhavam como se o mundo não existisse além daquele quarto. Ela se assustou com um trovão mais barulhento, como se acordasse de um transe. Ele correu e a abraçou.

— Calma, vai ficar tudo bem.

— Eu já passei por tantas tempestades na minha vida, nunca tive medo delas, mas de repente eu não sei o que me deu.

— Fragilidade. Isso não é um defeito. É apenas resultado de tudo o que você passou hoje. Mas eu estou aqui, vou cuidar de você. Eu vou ver o que temos nessa casa, você deve estar com fome. Eu vou também procurar velas. – Ele ameaçou sair, mas ela o segurou pela mão.

— Por favor, não me deixa aqui sozinha.

— Eu jamais vou te deixar sozinha.

— Então, fica aqui comigo esta noite.

— Pode descansar, eu ficarei aqui velando o teu sono.

— Aurélio eu...

Eles não desgrudavam o olhar. As respirações se descompassavam. Os corpos vibravam desejando um ao outro. As mãos se seguravam, mas se escapavam transpirando.

— Eu não quero descansar, eu quero ser sua! – Falando isso, o beijou.

Um estrondo de trovão e um relâmpago mais demorado clarearam fortemente aqueles dois amantes. A chuva forte da tempestade apagou o incêndio na plantação, mas ali, naquele quarto o fogo estava apenas começando. O desejo que eles sentiam não cabia ali dentro. Ultrapassava todos os limites racionais de Julieta. Talvez, ela, que sempre se julgou dona absoluta de suas emoções, não se permitiria dizer aquilo, mas com Aurélio não sentia mais medo.

O amor que sentia por ele ardia dentro do peito, levava-a para fora dela mesma. Ela só queria que ele sentisse que o amor dele era correspondido, e que, agora ela podia, pelo menos entender aquilo. A tão controlada Julieta era refém daquele sentimento genuíno que nasceu por Aurélio. Um amor que jamais pensou ser capaz de sentir por um homem depois de tudo o que passou em seu casamento.

Beijaram-se com tanto desejo que o ar chegou a faltar. O beijo dele provocava em Julieta sensações conflitantes, sentia ao mesmo tempo calafrios, calor, o coração acelerava. O fogo daquela paixão que sentiam era muito maior que o incêndio que enfrentaram naquela tarde. Era desejo incontrolável. Não se apagava com os beijos, ao contrário a cada investida de uma boca dentro da outra o fogo queimava aqueles corpos de paixão e desejo. Ao fim do beijo as bocas se largaram lentamente, os lábios ainda se tocavam enquanto o ar ia voltando aos poucos. Aurélio acariciava o rosto de Julieta e mantinha os olhos dentro do olhar dele abraçando-a com o olhar. Sussurrou no ouvido dela.

— Eu te amo!

Julieta fechou os olhos. Ele lhe beijou o pescoço, abriu o vestido, tocou e beijou cada pedaço que ia revelando do corpo de Julieta. Ela sentia arrepios pelo calor do beijo dele. Não resistia mais, estava totalmente entregue ao amor de Aurélio. Ele estava disponível para as vontades dela, cuidava para que ela se sentisse a mulher mais amada do mundo, porque era assim que ele a amava. Cuidou de cada detalhe. Deslizava a mãos pelo corpo de Julieta. Ela delirava de amor com o calor do corpo de dele. Sua vida não era mais dela, pertencia a ele.  

Passaram a noite dando carinho e fortalecendo aquele sentimento que os uniam. Amaram-se ao som da tempestade e à luz dos raios que vez em quando caiam para iluminar o amor mais sublime que eles já conheceram. Adormeceram abraçados.

Aurélio despertou primeiro assim que a claridade invadiu aquele quarto. Julieta viveu emoções tão fortes nas últimas 24 horas que dormia profundamente e ele não ousou interrompe-la, apenas a admirava. Vendo-a nua deitada ao seu lado, coberta apenas por um lençol branco fino que transparecia toda a beleza daquele corpo escultural. Quem a via apenas coberta por tantas camadas de tecido preto, não imaginava o quão bonitas eram as suas curvas. Ele estava hipnotizado com tanta beleza.

Queria acordar Julieta com beijos, repetir o quanto a amava, fazer amor de novo com ela, mas segurou o seu ímpeto. Ela precisava descansar. Aurélio se levantou com todo o cuidado, cobriu apenas as partes íntimas e saiu do quarto.

Julieta abriu os olhos e sentiu um friozinho pela pouca roupa. Cobriu-se um pouco mais. Olhou para o lado e não viu Aurélio. Sentiu uma leve angústia por estar ali sozinha, mas se voltou para a porta do quarto e ele estava ali com uma bandeja nas mãos e o sorriso mais encantador que já havia lhe dado. Tinha tanto brilho no olhar que ela se emocionou.

Ele deixou a bandeja aos pés da cama e a beijou.

— Bom dia meu amor.

— Eu senti medo quando não vi você aqui. – Ela o beijou novamente.

— Eu não sou capaz de deixar você sozinha, mas... nem só de amor vive o homem! – Levantou-se para pegar a bandeja e mostrar a ela, que se sentou na cama cobrindo o corpo com o lençol.

— Eu peço que me desculpe por isso, mas eu tentei fazer o melhor com o que eu encontrei nessa casa!

A bandeja tinha o melhor café da manhã que Julieta já teve. Frutas, mel, algumas bolachinhas, um café bem forte e uma rosa vermelha. A flor foi a primeira coisa que Julieta pegou, fechou os olhos e a passou lentamente pelo seu rosto relembrando as mãos de Aurélio quando a acariciavam. Parou na sua boca, contornou seus lábios e abriu os olhos beijando a rosa com o olhar fixo em Aurélio. Ele sorriu.

— É a sua flor preferida, não é? Colhi agora no jardim para você. – Julieta sorriu de volta.

Tomaram café e aos poucos iam se dando conta da realidade que tinham passado nas últimas horas. A despedida na cachoeira. O reencontro que tiveram. A espera daquela noite depois da reunião. O sequestro de Julieta. As horas de terror que ela passou com os bandidos. A angústia de Aurélio por não saber onde ela estava. O incêndio que ele a salvara. E a paixão que os unia. Eram tantas emoções vividas em tão pouco tempo que agora só queriam desfrutar daquele café e da paz que sentiam por estarem juntos.

— Julieta, infelizmente precisamos voltar. Daqui a pouco, serão 48 horas do seu desaparecimento e a cidade toda estará a sua procura.

— Antes eu preciso te agradecer Aurélio.

— Você não precisa me agradecer por ter te salvado daquele incêndio Julieta. Eu não quero imaginar o que seria da minha vida se eu não tivesse tirado você de lá.

— Não é pelo incêndio. – Aurélio faz uma expressão não entendendo o que ela queria dizer – É por ter me salvado de mim mesma. Da escuridão que a minha vida se tornou desde que...

— Desde que?

— Aurélio eu tenho um passado que só fez sombra na minha vida. Você despertou a mulher que eu era antes disso. Eu ainda não estou preparada, mas ao tempo certo você irá saber.

— Você sabe dos meus sentimentos. O dia que você quiser conversar sobre o que te atormenta no seu passado eu estarei aqui. Mas eu tenho um pedido: não se afaste de mim novamente. Permita que eu faça parte da sua vida Julieta, deixa eu ser o seu homem, seja a minha mulher.

— Aurélio, eu ainda não estou pronta para tudo o que o amor envolve. Tem tantas coisas que você precisa saber. Tantas coisas que eu preciso resolver antes de ser completamente sua. Eu preciso reaver minha relação com Camilo. Eu virei as costas para o meu filho e o atirei no mundo. Não posso conviver mais com essa culpa. Preciso do perdão dele. Você não merece uma mulher com tantas marcas do passado como eu tenho. Eu preciso me livrar dessas correntes. Tenha certeza de apenas uma coisa: eu renasci com o seu amor e é da força dele que eu vou me refazer. Uma nova mulher para você.

Aurélio se emocionou com as palavras dela. As lágrimas não chegaram a escorrer, mas os olhos brilharam ainda mais. O coração se aquietou.

— Eu espero o tempo que for. Quando você estiver pronta eu estarei aqui para amar você.

Eles se abraçaram com os olhos, as testas se encontraram numa calma troca de carinho e um beijo selou aquele momento, a cumplicidade daquele amor. A resposta de Aurélio era o “eu te amo” mais doce que Julieta poderia receber. O destino a reservou um homem que respeitava a sua vontade e esperaria o seu tempo.

Emocionados com a descoberta daquele amor, eles partiram.

Ao chegarem à fazenda de Julieta perceberam o tumulto que se havia formado ao redor da casa. Viam-se soldados e cavalos por toda parte. Aurélio cuidou de abrir o caminho para a Rainha passar e finalmente conseguiu chegar à porta da casa dela. Quando Julieta finalmente adentrou no salão principal percebeu que estavam reunidos o delegado da cidade, coronel Brandão, Jorge, Suzana e os demais empregados da casa.

— O que é isso? Que bagunça é essa em minha casa.

— Julieta, minha amiga, graças a Deus você apareceu!

— Dona Julieta, fomos informados do seu desparecimento, os homens da segurança da cidade estavam reunidos para começarem às buscas. O governador do Estado de São Paulo mandou uma cavalaria extra para as buscas.

— Ora delegado não sei porque resolveu começar suas buscas logo em minha própria casa, mas de qualquer forma, como pode ver não estou mais desaparecida e todo esse esforço não é mais necessário. – Julieta olhou para Aurélio e continuou – Graças ao senhor Aurélio, fui resgatada do meu sequestro e estou bem.

Um buchicho se formou ao ouvirem a palavra sequestro. A sala estava cheia de pessoas supostamente preocupadas com Julieta, mas causava estranhamento a ausência de Camilo.

— Jorge, não conseguiu avisar Camilo do desaparecimento da mãe? – cochichou Aurélio para que não fosse ouvido.

— Eu falei pessoalmente com ele Aurélio, mas ele se recusou a me acompanhar ao Vale.

— Coitada de Julieta.

— Julieta! Meu Deus, quem fez isso com você? Quem sequestraria a Rainha do Café? E por quê?

— Não sei Suzana, infelizmente os bandidos estavam mascarados, tenho as minhas desconfianças e você sabe muito bem quem. Diga-me, como está Tião?

— Está aos cuidados do Dr. Romulo, felizmente já está fora de perigo.

— Ótimo! Agora, senhores, se não se importam eu preciso descansar, não há mais necessidade da presença dos senhores aqui.

Todos aos poucos vão se dispersando. Jorge olha para Aurélio que dá sinal para que o espere do lado de fora. Suzana faz que sai da sala, mas observa com os olhos e ouvidos atentos a todos os movimentos de Julieta. Consegue ver a aproximação de Aurélio quando Julieta ficou sozinha.

Aurélio segura a mão de Julieta.

— Preciso voltar a São Paulo, se precisar de mim, sabe onde me encontrar. Eu espero que nos encontremos em breve. Fique calma, o mal já passou. Apenas descanse.

— Obrigada pelo seu carinho meu querido, mas eu não preciso descansar, eu preciso reagir! Mas, antes eu preciso resgatar meu filho. Quando estava naquele cativeiro só conseguia pensar que talvez eu nunca mais fosse ver Camilo. Eu preciso desfazer o mal que eu fiz a ele. Eu poderia ter morrido e Camilo sequer saberia o quanto o amo.

— Julieta, me desculpe te dizer isso, e eu sinto muito em dizer, mas quando eu soube que você tinha sido sequestrada eu liguei para Jorge em SP e pedi que avisasse Camilo. Aqui em sua casa Jorge me disse que falou pessoalmente com Camilo e que ele não quis acompanha-lo até o Vale do Café. Disse que tinhas seus motivos.

— Meu filho deve estar muito magoado comigo Aurélio, não o culpo, eu cometi erros graves tentando protege-lo das escolhas dele, mas na verdade ele precisa se proteger de mim. Preciso dessa nova chance que a vida me deu para tentar recuperar o amor do meu filho.

— O que pretende fazer?

Aflita, Julieta segura as mãos de Aurélio e sela a boca dele com um beijo inesperado. Sem graça, ela recua rapidamente. Contudo, há tempo suficiente para Suzana assistir a cena e ficar perplexa, porém sem emitir o som de horror que gostaria. “Julieta está apaixonada” – pensou ela.

— Vou a SP ver meu filho! Preciso pedir o perdão dele por todo o mal que eu o causei. Parto pra SP hoje mesmo também!


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Notas finais do capítulo

Final do capítulo editado, eu achei que estava faltando uma conclusão melhor para o que há por vir. Espero que tenham gostado. Deixem comentários eles são importantes demais pra mim. Beijos, e até o próximo capítulo! ;-)