Quando O Amor Chegar escrita por kcaldas


Capítulo 6
O recomeço


Notas iniciais do capítulo

Pessoal o Aurélio da novela tem a formação de botânico, porém muito tarde isso foi revelado na história. Aqui optei por escolher uma nova opção, que na minha imaginação seria um caminho para o recomeço do personagem. Mantive os conhecimentos em botânica como uma habilidade do personagem para não distancia-lo da novela.



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6º Capítulo: O RECOMEÇO

Julieta saiu dali sem olhar pra trás. Não poderia dar chances à fraqueza. Se olhasse de novo para aqueles olhos que tanto lhe encantavam ia se perder e ficar ali pra sempre. Sentia medo desse algo novo que ardia em seu coração. Para ela o amor era assustador, e, naquele momento, sufocante, não cabia em seu peito de tão grande. Perdia o ar, a consciência de quem ela era. Desconhecia o poder de transformação desse sentimento e o quão forte ele poderia ser para enfrentar as enormes barreiras criadas por ela mesma. Deixou Aurélio na cachoeira, mas ele não deixaria mais o seu coração.

Aurélio, ainda inebriado com o perfume de Julieta e pelo amor que viveu com ela naquela tarde, permaneceu ainda por algumas horas deitado, olhando para o céu e agradecendo por aquele encontro inesperado e que o encheu de forças para os novos rumos que iria tomar. Julieta deixou não só o cheiro de seu perfume, mas a marca ardente do amor mais profundo que já havia conhecido.

Depois de algumas horas ali, perturbado apenas com o pensamento em Julieta, sentiu forças pra voltar. Partiu ao encontro de Jorge. Despediu-se de Ema e do Barão. Agradeceu novamente à família Benedito pela acolhida dos seus e rumou na companhia do advogado para São Paulo.

Jorge era seu amigo há muitos anos. Praticamente membro da família. O pai de Jorge advogava para o Barão desde à época da Monarquia. O amigo cursou a faculdade de Direito em SP e influenciado por ele e pelo pai, Aurélio se formou na mesma faculdade 4 anos depois de Jorge.

O escritório herdado por Jorge já tinha clientes fidelizados e com a competência dele não foi difícil continuar a carreira do pai. O desafio era encontrar um espaço para Aurélio no escritório que sempre foi da família. Em nome da amizade que tinham resolveu dar uma chance ao amigo, apesar de achar que seria difícil Aurélio se adaptar ao novo trabalho, uma vez que nunca havia precisado trabalhar na vida.

— Jorge, eu quero agradecer mais uma vez pela oportunidade e por acreditar em mim.

— Imagina Aurélio, eu jamais deixaria de estender a mão a um amigo. Eu espero que você consiga se adaptar a rotina de trabalho. Escritório de advocacia exige dedicação. Os clientes são exigentes e alguns deles não temos nem mesmo hora para atender, podemos ser chamados a qualquer hora do dia ou da noite.

— Não se preocupe Jorge, eu estou preparado para enfrentar qualquer dificuldade. E você pode esperar o melhor de mim.

— Que bom ouvir isso meu amigo. Eu nunca te vi assim tão animado! Bom saber que está com disposição, vai precisar bastante dela, mas tenho certeza que aprenderá rápido!

— Isso se chama amor meu amigo! Esse é o nome da minha disposição!

— Amor? Aurélio, você está apaixonado? Como assim? Conte-me essa novidade.

— Estou apaixonado por Julieta!

— Julieta? Julieta Bittencourt? Aurélio, aquele beijo, no baile? Mas e o despejo? Vocês conversaram? Eu não estou entendendo nada.

— Eu também não quero entender meu amigo, apenas sentir esse amor! Só posso te dizer que eu estou apaixonado por Julieta e eu sei que ela está apaixonada por mim também! Então, que venha o mundo de dificuldades que está por vir, eu sei que eu vou vencê-las!

Jorge ficou surpreso com a notícia e não entendia como Aurélio tinha tanta certeza do amor de Julieta. O caminho até SP era longo, e a felicidade do amigo não cabia dentro daquele automóvel, o que deixou a viagem madrugada à dentro bem mais tranquila e agradável.

Já passava do meio da madrugada quando chegaram à residência de Jorge.

— Aurélio, vamos dormir e descansar, a viagem foi longa demais e você eufórico com essas novidades não conseguiu pregar o olho no caminho. Amanhã não temos clientes e vou aproveitar para te passar as primeiras coordenadas e os tipos de processo que eu cuido. Como você bem sabe o Direito é muito vasto e o meu escritório cuida de uma parte importante dos interesses dos clientes, mas isso eu te passo amanhã. Agora, vamos descansar.

— Tudo bem Jorge. Amanhã começamos o trabalho então. Boa noite!

— Boa noite meu amigo.

Julieta desde que havia chegado da cachoeira subiu para o quarto e de lá não mais saiu. Passou por Suzana sem ao menos cumprimenta-la direito, o que causou um estranhamento na amiga. O normal depois de tantos dias em SP seria ela fazer uma reunião para se informar dos rumos dos negócios na capital, ao invés disso, ignorou sua presença e subiu diretamente para o quarto.

A Rainha do Café queria ficar sozinha com seus pensamentos para prolongar a intensidade dos momentos que viveu com Aurélio. Trancou a porta do quarto e se preparou para ficar ali até terminar o dia. Preparou um banho. Soltou os cabelos. Despiu-se. Pela primeira vez na vida estava ali por ela. Não tinha pressa. Tomou um banho quente e demorado, estampava um sorriso leve. A cada espuma que passava pelo seu corpo lembrava-se das mãos de Aurélio passeando por ela, o toque mais delicado que já recebera de um homem.

Perdeu a noção de quanto tempo ficou ali com aquelas lembranças. Acordou dos devaneios quando Suzana batia tão forte na porta que a assustou. Enrolou-se rapidamente no roupão e, com os cabelos molhados, correu para abrir a porta.

— O que é isso Suzana? Posso saber o que está acontecendo? Algum incêndio?

— Não Julieta, minha amiga, mas estou muito preocupada com você. Você chegou e nem ao menos, me cumprimentou, está aqui trancada há horas e não deu sinal de vida. Eu fiquei preocupada.

— Como pode ver estou ótima! – Julieta já ia fechando a porta, quando Suzana insistiu.

— Tem certeza querida? Você não comeu nada desde que chegou, quer que eu mande preparar alguma coisa para você?

— Eu estou ótima Suzana e vou ficar melhor ainda assim que você me deixar em paz. Amanhã conversamos, agora quero apenas ficar sozinha.

Suzana saiu com a pulga atrás da orelha, mas obedeceu e deixou a Rainha do Café em paz.

Julieta respirou fundo depois da interrupção desnecessária de Suzana, fechou a porta do quarto e voltou para os pensamentos que antes foram interrompidos. Sorriu de novo. Sentou em frente ao espelho da penteadeira e com a toalha começou a secar os cabelos enquanto olhava para a sua imagem refletida. De roupão e cabelos molhados, com um sorriso no rosto, não se reconhecia. Ali não era Julieta Bittencourt. Aquela tarde com Aurélio havia resgatado alguém que julgava não existir mais: Julieta Sampaio.

Era ela que se libertou e passou à tarde com ele. Agora naquele quarto poderia até querer ser Julieta Bittencourt, mas a outra, Julieta Sampaio, estava acordada e vibrante dentro dela. Como conviver com aquelas duas personalidades tão diferentes? Uma fria, amarga pela vida que teve ao se casar com o Sr. Bittencourt, aquele monstro que matara a inocente Julieta Sampaio. A outra cheia de vida, com alguns sonhos e muita vontade de desvendar o mundo. Ela foi sufocada pelo monstro. Entretanto, aquela tarde serviu para descobrir que ela não estava morta, apenas adormecida num sono profundo e que Aurélio a despertou com o calor dos seus beijos.

É claro que não ia deixar de ser Julieta Bittencourt. Trabalhou duro para conquistar e chegar onde chegou com ela, só ela sabe o quanto lhe custou ser a Rainha do Café. Só que agora despertara para o amor novamente, sentimento que matou dentro de si, que jurou nunca sentir, mas que agora nascia puro e foi alimentado por Aurélio. Duas Julietas, partes do seu eu que eram tão diferentes e entrelaçadas entre si. Sabia que precisaria de tempo para descobrir o que aquela nova mulher era capaz, mas gostou de saber que ela ainda estava ali, mais viva do que nunca gritando para se mostrar ao mundo. Levaria tempo, mas era preciso recomeçar. Mas será que estava preparada?

Sorriu novamente, como há muitos anos não sorria tantas vezes. Levantou-se, tirou o roupão, vestiu a camisola preta de seda e deitou. Com a cabeça no travesseiro, ainda com os olhos abertos pensou: “Boa noite meu amor” – fechou os olhos e adormeceu mantendo aquele leve sorriso que estava grudado em seus lábios.

Aurélio acordou antes de Jorge. Sonhou com Julieta, não com os momentos vividos, mas com o futuro que vislumbrava ao lado dela. Sentou-se no sofá enquanto aguardava Jorge para o café da manhã e suspirava continuando a sonhar, só que agora, acordado. Quando Jorge desceu nem percebeu a presença do amigo.

— Aurélio, bom dia! Aurélio... Aurélio...

— Ah, oi Jorge. Bom dia, tudo bem?

— Tudo bem, você que não parece bem. Estava em outro lugar. Deixa eu adivinhar... talvez seus pensamentos visitavam uma certa viúva brava cheia de mistérios que chegou ao seu coração, acertei?

Aurélio sorriu.

— Sim, eu estava pensando em Julieta. Está tão evidente assim?

— Sim meu amigo. Você está sonhando acordado. Cuidado, ou vai acabar esquecendo de respirar! – falou achando graça da cara de apaixonado do amigo.

— Você está fazendo troça, mas tem toda razão. Pensar em Julieta me tira os sentidos e eu preciso deles agora, sobretudo em meu primeiro dia de trabalho.

— Isso! Guarde seus pensamentos para o seu travesseiro porque temos um dia longo de trabalho. Vamos tomar café e em seguida começamos!

Sentaram-se à mesa do café e já começaram ali mesmo a reunião de trabalho. Jorge explicava à Aurélio a linha de trabalho e o ramo do Direito que trabalhava. Como herdou os clientes do pai, continuou atuando com as ações civis em relação às terras, em sua grande maioria, produtores de café. Estava presente nos contratos mais simples de uma compra e venda até os processos mais complicados como os de reintegração de posse.

Aurélio estava afastado dos estudos desde que se formou, mas lembrava-se bem dos ensinamentos da faculdade, sempre foi um aluno dedicado. Com a paciência de Jorge em explicar o atendimento que dava a cada cliente não teve dificuldades em compreender o novo trabalho. A reunião durou o dia todo, e ao final Aurélio já conhecia a particularidade da carteira de clientes e sentia-se pronto para os desafios. A teoria não era complicada. A prática é que demonstraria se ele poderia mesmo ser um advogado, afinal lidar com pessoas não era tão simples quanto compreender livros!

No Vale do Café, Julieta também teve um dia bem cheio. Acordou cedo, como de costume e no café da manhã já iniciou uma reunião de trabalho com Suzana.

— Ah!! Agora sim estou reconhecendo minha amiga, disposta ao trabalho. Essa é a Julieta Bittencourt que eu conheço.

— Que bobagem Suzana, pare de troça! Eu sempre fui Julieta Bittencourt! Vamos logo ao que interessa.

— Preciso de um relatório das terras produtivas do Vale do Café. Quantos hectares, como anda a produção, quem são os donos, as famílias. Preciso colocar em prática logo meu plano de dominação do Vale.

— Pode deixar minha amiga. Hoje mesmo preparo esse relatório para você. Mas tenho uma notícia que talvez você não vai gostar.

— Fale logo Suzana. O que aconteceu?

— Nosso Camilito não quis voltar pro Vale comigo como você ordenou. Ficou em SP com a namoradinha sonsa.

— Camilo extrapola qualquer limite que uma mãe pode tolerar, mas eu não vou interferir. Vou esperar ele mesmo chegar a conclusão que ela não é pra ele.

— Julieta eu não estou entendendo. Você não vai fazer nada?

— Camilo está fazendo a escolha dele Suzana. Ao escolher Jane está rompendo comigo. Não posso interferir na vida de meu filho, só me resta estar aqui para assistir de camarote a derrota dele, consequência das escolhas erradas que está fazendo. Camilo vai ter que me pedir perdão de joelhos por essa afronta.

— Eu te entendo minha amiga, mas ainda acho que você deveria fazer alguma coisa.

— Eu vou fazer Suzana. Ligue pra SP e proíba a entrada de Camilo em casa. Ligue também para o banco e mande o gerente da conta transferir todo o dinheiro da conta conjunta de Camilo para a minha pessoal. Sem dinheiro e sem ter onde morar quero ver se Camilo chega muito longe com essa bobagem!

— Assim que se fala Julieta. Camilo não vai durar muito tempo nesse namorinho. Aposto que vai voltar correndo com o rabinho entre as pernas!

De repente Julieta não estava mais ouvindo Suzana. Por um momento pensou que aquela atitude era dura demais para Camilo aprender a lição, mas achou que não, afinal ela mesma não teve refresco, sofreu na pele os revezes que a vida a impôs de forma amarga. Amava o filho mais do que tudo, mas sentia-se obrigada a lhe ensinar que o mundo é implacável e não perdoa qualquer fraqueza. E o amor era uma delas.

Retirou-se da mesa e se isolou no escritório. À mesa de trabalho à sua frente apenas as estratégias para alcançar o objetivo que lhe trouxera ao Vale do Café, a expansão de suas terras e aumento da sua produção. No meio dos pensamentos de trabalho vagou pela doce lembrança de Aurélio. Julieta chegou ao Vale com objetivo de expandir seus domínios, aumentar sua produção e se reafirmar como a Rainha do Café. Para isso derrubou o principal oponente o Barão de Ouro Verde, mas o destino lhe pregou uma peça: se apaixonara pelo filho de seu maior inimigo. Suspirava e ainda resistia a essa ideia. Como pôde se apaixonar se jurou nunca se entregar ao amor?

Fato é que ao chegar os pensamentos no filho do Barão, sorriu novamente, tirou os óculos, fechou os olhos e se permitiu sonhar acordada lembrando dos momentos inesquecíveis que passou ao lado de Aurélio.

Rapidamente Julieta acordou do sonho, lembrou que precisava se confessar! Mas não tinha a menor ideia de como falar ao padre o que tinha acontecido. Precisava falar, mas teria que reunir mais coragem para enfrentar o sacerdote. Resolveu fechar os olhos novamente e se aproveitar daquele momento de delírio tão vivo em sua memória que era capaz de sentir cada detalhe das emoções que passou ao lado dele.

Com tantos afazeres diários os dias até que passaram rápido. Reuniões intermináveis, audiências, viagens para atender os clientes fazendeiros de todo o estado de SP, a agenda estava sempre lotada, inclusive aos finais de semana. Aurélio passava o dia inteiro com Jorge em função dos afazeres do escritório e conforme ia aprendendo começava a dar seus primeiros passos sozinhos na profissão. Ao final de três meses de muito trabalho, Jorge estava satisfeito com os resultados do amigo.

— É impressionante o seu desempenho no escritório. Eu nunca vi um advogado novo com tamanha desenvoltura.

— Obrigado Jorge, me sinto lisonjeado com o elogio.

— Não é um simples elogio. Veja o que você fez ao longo desses três meses. Resolveu ações que estavam paradas há anos em brigas de família. Entrou no meio de negociações de gente grande do mercado cafeeiro e conseguiu o que ninguém imaginava uma conciliação. E se não bastasse tudo isso, usou seus conhecimentos e ajudou os fazendeiros que tiveram problemas com pragas em soluções simples na lavoura do café. Inacreditável!

— Que isso Jorge. Eu que não tenho palavras pra agradecer toda a sua ajuda. Eu aprendi a ser advogado com você. A prática é muito diferente do que o que eles ensinam na faculdade. E na lavoura ajudei com um pouco do que sei de curioso que sou. Teria me formado em botânica, caso meu pai tivesse permitido. Ele achava que não ficava bem o filho de um Barão estudando plantas. Exigiu que seguisse o caminho das leis.

— Olha, seu pai não estava de todo errado. Você com certeza tem dom para o Direito. Aliás, você tem um algo a mais que eu nunca vi em nenhum advogado nesses anos todos de profissão: a sensibilidade. Você não senta à mesa frente a um inimigo a ser combatido. Sua sensibilidade permite fazer acordos extraordinários, consegue o que eu jamais vi um advogado fazer, agradar as duas partes! Mesmo quem sai perdendo, perde pouco e fica feliz ao final. Parabéns meu amigo. Você tem o diferencial que nenhum livro ensina, a sensibilidade e a compaixão pelo próximo. Nossa profissão nos chama para os momentos mais adversos da vida das pessoas, um litígio sempre é um caminho penoso para as partes conflitantes. O que você faz é amenizar essa dor e trazer soluções inimagináveis!

— Fico feliz que tenho ajudado. Eu confesso que tomei gosto por ajudar as pessoas, estou me sentindo útil e renovado a cada dia. É claro que também estou feliz com os resultados financeiros, não imaginava juntar uma boa quantia em tão pouco tempo.

— Resultado mais do que merecido, fruto do seu trabalho. As ações que envolvem terras sempre tem alto valor e os honorários são calculados sobre esse valor, mas, além disso, você conseguiu o que ninguém antes havia conseguido: agradar gregos e troianos e assim agregou mais valor ao seu trabalho. Já se tornou indispensável nas negociações com os clientes da capital e sua fama está se espalhando pela região. Alguns clientes já ligam exigindo a sua presença para mediação da lide não se importando em pagar um alto preço pra isso.

— Ainda bem! Graças a isso, logo vou poder voltar ao Vale e conseguir um lugar para minha família se instalar.

Aurélio parou. Por um instante a alegria que estampava seu rosto se foi. Ficou triste de lembrar do Vale. Há 3 meses tinha ido embora e não tinha notícias de Julieta. Ele a deixou naquele dia na certeza de que ela o amava e que o procuraria para se acertarem de uma vez. Deixou claro os seus sentimentos, se atirou de peito aberto. Não estava brincando quando disse que queria se casar com ela. Ela era o seu primeiro amor, queria ter o primeiro casamento de verdade, já que com a mãe de Ema foi um negócio entre as famílias.

Jorge percebeu que o semblante de Aurélio mudou:

— O que foi Aurélio, mesmo com tanta notícia boa, você de repente não me parece feliz. Aconteceu alguma coisa?

— Não Jorge. É que, já faz 3 meses que eu saí do Vale e não tive mais notícias de Julieta. Nenhuma carta, nenhum bilhete, nada. Será possível que ela me esqueceu?

— Eu não sei Aurélio. Dona Julieta me parece uma mulher tão... como eu vou dizer... insensível. É dura demais nas atitudes e tem frieza no olhar. Parece-me um pouco complicada essa mulher que você escolheu pra amar.

— Eu não escolhi Jorge. Aconteceu...

— Bom, de qualquer forma logo você voltará ao Vale do Café e poderá encontra-la novamente e declarar os sentimentos, mas agora eu vou deixar você descansar porque o dia hoje foi cheio e amanhã tem muito mais!

Aurélio começou a tirar o nó da gravata e o paletó, e aos poucos o restante do terno de trabalho. Não conseguia pensar em outra coisa que não fosse Julieta. Preparava-se para um banho quando Jorge bateu à porta de seu quarto. Enrolou uma toalha no corpo e foi atender o amigo.

— O que foi Jorge?

— Meu amigo eu gostaria de deixa-lo descansar, mas acabei de receber um telefone do escritório do Dr. Araújo, sabe? O dono do maior escritório de advocacia de São Paulo.

— Sim, sei, mas o que houve para ligarem a essa hora? Algum problema com um de nossos clientes?

— Não. Ele precisa que nós o ajudemos numa negociação no Vale do Café amanhã no final da tarde. Ele tem excelentes advogados à disposição, mas como a negociação é de um valor muito expressivo gostaria de mandar um reforço. Lembrou que o meu escritório atende aos fazendeiros daquela região há muitos anos e pediu para que eu os acompanhasse. Mas, você sabe, nós temos uma agenda cheia aqui em SP e eu não posso deixar os nossos clientes na mão. Então pensei em nos dividir. Ninguém melhor do que você para acompanhar o advogado do Dr. Araújo nessa negociação, já que conhece mais do que ninguém todos os fazendeiros do Vale. Vai tirar de letra.

— Jorge você está querendo que eu vá sozinho numa negociação das mais importantes para o maior escritório de advocacia de SP?

— Sim, caso você aceite, é claro. Acho que você é o mais recomendado a ir. E eu ficarei em SP para cuidar dos outros clientes. Aurélio eu te garanto que os honorários serão bem expressivos e compensarão o esforço.

— Não, não é isso. Primeiro que eu não sei se tenho capacidade para enfrentar uma negociação sozinho Jorge. Você sempre esteve comigo nesse tempo que estamos trabalhando junto. O que eu fiz sozinho foram apenas pequenos contratos. Segundo, que voltar ao Vale do Café...

— Acredite, você é muito mais indicado que eu Aurélio, já conhece a região como a palma da mão e com as habilidades que desenvolveu, está preparado, eu não tenho dúvidas. E com o sucesso das negociações, eu não dividirei os honorários, eles serão integralmente seus. Acredito que, com o que você já tem, seja o que você precisa para recomeçar e dar um lugar decente para Ema e o Barão.

— Está bem Jorge, se tem tanta certeza assim de que sou capaz farei o que estiver ao meu alcance para ganhar o caso.

— Eu só preciso te alertar de uma coisa meu amigo.

— Sobre o quê?

— Do outro lado da mesa dessa mesa de negociação estará Julieta Bittencourt.

A informação de Jorge caiu como uma bomba no coração de Aurélio. Novamente estaria contra Julieta em uma briga por terras. Por outro lado, era uma oportunidade de mostrar a amada que não era um almofadinha mimado que ela pensava que ele era. Sem contar que seria uma oportunidade de reencontrá-la sem quebrar a promessa que havia feito. Esses pensamentos passaram como flashes em milésimos de segundos, prontamente respondeu.

— Tudo bem Jorge. Julieta não me assusta. Voltarei ao Vale do Café e enfrentarei a fera! - Falou com um sorrisinho de lado. – É só o tempo de tomar um banho e parto hoje mesmo, assim chego com antecedência.

— Ótimo! Aguardarei você lá embaixo para os detalhes importantes da negociação.

Aurélio seguiu para o banho completamente feliz. De repente recobrara o ânimo. Iria de volta ao Vale, agora em condições bem diferentes daquelas que o levaram embora. Reuniria sua família novamente. Poderia finalmente dar uma condição melhor do que a que estavam vivendo. Veria também Julieta novamente, é bem verdade que em condições adversas, mas só o fato de revê-la reacendeu nele a esperança de receber a resposta que tanto esperava dela. Finalmente poderiam viver o amor que sonhara todos os esses dias desde que a teve pela primeira vez nos braços.

Tomou as instruções de Jorge e partiu logo no início da noite, mal podia esperar para chegar de volta ao Vale do Café. Estava pronto para o seu recomeço!

Julieta Bittencourt passou os últimos 3 meses fazendo o que sabia fazer de melhor, negociar! Só que não contava com um oponente tão duro de vencer: Xavier Vidal. O novo inimigo se mostrava desleal nas negociações. A Rainha do Café claramente o incomodava, pois era melhor negociante e, claro, tinha mais “poder de fogo”, ele, sozinho, não era páreo para ela. Ocorre que Xavier não era amante das boas práticas comerciais e usava de artifícios não utilizados por Julieta, o que a deixava em desvantagem em relação a ele.

Os últimos três meses para Julieta foram intermináveis. As negociações do Vale do Café não andavam como ela gostaria, pois o Barão de Ouro Verde se aliou à Xavier e resolveu difamá-la na região espalhando aos moradores que ela havia roubado suas terras. Com a notícia os fazendeiros resistiam em vender suas terras para Julieta, sequer aceitavam recebê-la para ouvir suas propostas.

Por outro lado, Julieta Sampaio estava mais viva do que nunca. Aproveitava os momentos de ócio entre uma negociação e outra para voltar a fazer coisas que gostava. Voltou a cuidar pessoalmente do seu jardim, as rosas vermelhas que tanto gostava estavam mais lindas do que nunca. Voltou a tocar o piano com mais entusiasmo, e, extraordinariamente voltou a cavalgar! Há muitos anos que não sentia vontade de cavalgar. Nunca se sentiu tão livre, sem a necessidade de dizer a ninguém aonde ia sentindo o vento batendo no rosto. Passou a cavalgar todos os finais de tarde quando não estava trabalhando.

Aproveitava os momentos sozinha para guiar-se apenas por suas vontades. Não teve um só dia que não pensasse em Aurélio, mas o medo dos seus sentimentos ainda a paralisavam. Queria vê-lo, mas sabia que ele queria uma resposta que ela ainda não sabia qual era.

No jantar Julieta estava mais bonita do que de costume, porém calada. Suzana que lhe conhecia muito bem estranhou que a chefe não falava de negócios, até porque no dia seguinte teriam finalmente a reunião que estavam esperando há meses para a compra das terras da família Venâncio, e seria normal conversarem sobre os detalhes. Ao terminar o jantar Julieta já estava se retirando da mesa, quando Suzana a interpelou:

— Julieta, minha querida, você não falou nada o jantar todo. Não quer conversar sobre a reunião que teremos amanhã?

— Não é necessário Suzana, já discutimos todos os detalhes dessa negociação. Amanhã quando os advogados chegarem acertaremos os trâmites jurídicos apenas. Não se preocupe, o sucesso está garantido amanhã. Agora, se me permite, estou com um pouco de dor de cabeça e vou me recolher mais cedo. Boa noite.

— Boa noite.

Suzana há meses reparara que Julieta não parecia mais ser a mesma pessoa. Continuava uma negociante implacável e dura com os seus oponentes que não se abatia com as dificuldades, mas alguma coisa tinha mudado nela. Além de voltar a tocar piano, saía para cavalgar quase todas as tardes e quase não falava mais de trabalho nas horas livres. Suspeitava que algo estava errado, mas não fazia ideia do real motivo de tantas mudanças. Ainda, não fazia ideia, mas estava empenhada a descobrir. Não gostava de não ter o controle sobre cem por cento da vida de Julieta como sempre teve. Precisava descobrir logo o que tanto estava deixando a amiga naquele estágio de graça que nunca tinha visto.

Julieta, nos últimos três meses, adotou a estratégia de mentir a amiga que estava com dor de cabeça para fugir das chatas e intermináveis conversas depois do jantar.

Em seu quarto sentia-se livre. Ao se recolher mais cedo ela podia sossegadamente dar asas à sua imaginação! Passou esse tempo todo se dedicando à arte de se conhecer, fazia com cuidado, um pouco sem jeito, não sabia direito como fazer, mas não desistia.

De pé em frente a penteadeira soltou os cabelos. Tirou a gargantilha e os brincos. Afrouxou o laço do vestido. Abria lentamente a roupa, soltando um botão de cada vez. Não tinha pressa, aprendeu a ter todo o tempo do mundo pra ela.

Despiu-se. Não tinha mais vergonha de olhar o próprio corpo nu. A dureza da vida e as roupas austeras lhe faziam aparentar uma idade mais avançada do que a que realmente tinha. Mas assim, sem roupa o espelho refletia a beleza de seus 40 anos. O corpo perfeito e esguio que sempre estava escondido embaixo de tantas camadas de roupa.

Vaidosa em suas escolhas de roupas e perfumes, agora fazia desses cuidados um ritual, fosse ao acordar, fosse antes de dormir. Caminhou para o banheiro e largou-se em um banho quente e demorado. Gostava de passar lentamente a espuma pelo corpo. Os sais de banho importados perfumavam não só o corpo de Julieta, mas todo o ambiente. Ao terminar, enxugou-se lentamente e vestiu um penhoar preto de seda.

Voltou ao quarto, apenas uma luz fraca do abajur clareava o seu leito. Preparava-se para vestir sua camisola, mas, antes de encontra-la, sorriu e mudou de ideia. Resolveu, pela primeira vez, deitar-se nua. Permitiu-se aquela noite tocar-se um pouco mais além do banho. Deitada em sua cama só conseguia pensar em Aurélio. O amor que ele semeou em seu coração fez nascer àquela mulher livre que agora estava entregue aos seus desejos mais profundos e às emoções mais voluptuosas. Ali, novamente deixou-se conduzir por Julieta Sampaio.

Descobriu o prazer que podia sentir sozinha, jamais imaginou que isso era possível. Tocar seu corpo só aumentava o desejo de encontrar Aurélio novamente. Sim, precisava admitir, ao menos para si mesma, queria estar com ele. Desejava ser dele por toda a vida! E com esse desejo ardendo em seu corpo chegou tocou-se de uma forma tão intensa que chegou ao ápice do prazer. Sorriu. Sentiu-se satisfeita consigo mesma, e, radiante com as novas descobertas, apenas se cobriu e adormeceu.

No dia seguinte, após passar três meses relutando, tomou coragem para enfrentar o Padre Gregório. Ele era seu amigo e saberia lhe aconselhar melhor. Julieta era temente à Deus e aos preceitos da Igreja, sabia que seria condenada por cair em tentação e se deixar levar pelos prazeres da carne. Tinha medo de sua punição pelos pecados que julgara ter cometido ao se entregar à Aurélio, mas era preciso se libertar da culpa que sentia e seguir uma direção certa.

No dia seguinte, saiu bem cedo, antes do café da manhã. O dia seria cheia com as negociações da compra das terras do Sr. Venâncio. Precisava resolver tudo na cidade a tempo de chegar para a reunião. Ao entrar na Igreja, vestiu o véu negro, pegou o terço e se dirigiu ao confessionário.

— Quero confessar meus pecados Padre.

— Pois não Julieta. Estou te ouvindo.

Constrangida ela falou:

— O problema é que eu não sei como dizer isso Padre.

— O pecado é aquilo que ofende a Deus Julieta. Confesse aquilo que está no seu coração que é uma ofensa aos olhos de Deus.

Com aquelas palavras Julieta recuou. Não sentia que teria feito algo que tivesse ofendido a Deus, muito menos julgava que aquele desejo que estava em seu coração poderia fazer algum mal, ao contrário, tudo o que sentia por Aurélio só lhe remetia aos mais nobres sentimentos e emoções. Sem saber, o Padre já havia livrado da culpa. Ela ficou em silêncio.

— Diga Julieta, eu estou te ouvindo, o que quer confessar?

Com dificuldade e a voz um pouco engasgada Julieta falou:

— Eu acho que eu encontrei o amor Padre. E não sei o que fazer com esse sentimento. Não sei como me deixei levar, mas o fato é que não consigo mais parar de pensar, e, desejar Aurélio.

— Isso não é nenhum pecado Julieta, pelo contrário, é um sinal de que seu coração finalmente se abriu minha filha. Não desperdice esse presente de Deus que é o amor Julieta. Você sempre foi uma guerreira e conquistou todos os seus objetivos, viveu para os negócios e venceu, mas se fechou para o amor, não se sentia merecedora dele. Pois eu lhe digo: “Não jogue fora essa chance que Deus está te dando de recomeçar”.

— Eu não sei o que fazer Padre. Ele aguarda uma resposta minha. Eu sempre mantive o controle absoluto das minhas emoções, mas o amor ele chega sem avisar. Não pede licença. Confunde os pensamentos, faz nublar completamente o raciocínio e paralisa as minhas ações.

— Comece acalmando o seu coração Julieta. Você passou a vida inteira controlando todas as suas emoções e agora foi tomada por uma que descobriu que não pode ser controlada. Depois procure esse homem Julieta. Abra seu coração, e pela primeira vez na sua vida permita-se amar e receba o amor que ele tem pra te dar.

— Qual é a minha punição Padre?

— Punição por amar? Julieta, o amor não merece punição, o amor salva! É uma dádiva de Deus. Deixe para trás o luto filha, você já o viveu por muitos anos, não merece a condenação eterna. Vá em paz e siga o seu coração.

Julieta saiu da Igreja abençoada pelas palavras do Padre. Ali teve a certeza que seu coração estava certo. Há três meses ele lhe avisava que o amor era o caminho para a salvação da sua alma. Não podia mais esperar. Precisava concluir a negociação daquela tarde e em seguida partiria para SP para encontrar Aurélio. Finalmente sentia-se pronta para o seu recomeço!


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Notas finais do capítulo

Optei por um desenvolvimento maior do Aurélio, pois não vejo esse desenvolvimento na história. Espero que tenha gostado! Deixe pra mim o seu comentário. Obrigada por ler, até o próximo capítulo!