Quando O Amor Chegar escrita por kcaldas


Capítulo 4
Um furacão chamado Julieta Bittencourt


Notas iniciais do capítulo

Um pouco dos mistérios da nossa surpreendente heroína, Rainha do Café e do coração de Aurélio



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759043/chapter/4

UM FURACÃO CHAMADO JULIETA BITTENCOURT

No dia seguinte, Julieta já estava refeita das emoções da noite anterior. O encontro inesperado com Aurélio abalou suas estruturas, haja vista o choro que há tantos anos não conseguia liberar. É bem verdade que quase não dormiu naquela noite, mas isso não fazia diferença, uma xícara de café bem forte era o suficiente para revigorar suas energias. Além disso, pensava melhor na madrugada e aproveitou a noite em claro para organizar as ideias.

A presença insistente de Aurélio nos últimos dias bagunçou sua vida e seu coração, então tratou de usar aquela noite para colocar tudo no lugar. É certo que a estratégia do Barão de usar o filho galanteador para atrapalhar seus objetivos não teve sucesso. Ao concretizar esse pensamento sentiu um gosto amargo na boca, lembrou que os homens com quem cruzou na vida passaram para humilha-la e diminui-la, mas não permitiria esse afronte. Resolveria a situação usando o que mais sabia fazer. Sua reação seria rápida e certeira, com um golpe liquidaria o inimigo.

Por mais que Aurélio tenha atingido de alguma forma seu coração aquela brisa suave não era suficiente para derrubar Julieta Bittencourt, talvez, nem mesmo um furacão fosse capaz disso. Aliás, ela era o próprio furacão em pessoa.

Aprendeu desde muito cedo a não se abalar com tempestades, ou se mantinha de pé, ou a vida passava por cima dela como um trator. Sua história era guardada a sete chaves, somente ela sabia o que tinha passado para chegar onde estava. Viu-se obrigada a construir essa fortaleza para não ser massacrada pelo mundo de homens vis que estava cercada, e, depois de tudo o que passou, nada a amedrontava, nem mesmo a morte.

Todos julgavam que seu patrimônio fora herdado do marido. Creditavam a ele o sucesso do maior Império do café da República. Sobre ela, diziam apenas que contou com sorte e possuía um certo talento para administrar e ampliar os negócios.

Entretanto, o que ninguém sabia era que ao enviuvar, Julieta estava falida. Tudo o que o falecido havia lhe deixado foi um filho pequeno para criar e inúmeras dívidas. Assim, com seus próprios punhos foi a luta e construiu o império que hoje administrava com maestria, ganhando inclusive o título de Rainha do Café. O seu maior ódio era ser obrigada a sustentar aquele sobrenome que tanto repugnava “Bittencourt”, o nome da família do marido. Naquela época a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do marido ao contrair matrimônio. Desejava ser conhecida como Julieta Sampaio o seu verdadeiro nome. Mesmo assim, aceitava o seu destino e o fardo de carregar o sobrenome daquele que mais tinha lhe feito mal na vida. Assinava Julieta Bittencourt.

Ao primeiro raio de sol já estava pronta para o novo dia de trabalho, com um de seus modelos pretos mais austeros, com gola alta e uma renda bordada, estampava um leve sorriso no rosto, o sorriso de vitória. Aquele era, sem dúvida, um dia especial. A conquista da Fazenda Ouro Verde, a maior fazenda produtora de café da região, marcaria o início da expansão de suas terras no Vale do Café.

Após o café da manhã rumou a casa de chá no centro da cidade, único lugar que possuía um telefone. Ao chegar pediu uma ligação para São Paulo e marcou com Suzana o detalhe da chegada dos advogados. A amiga informou que todos já haviam partido da capital. Suzana tinha ficado em SP para acertar os detalhes da papelada da negociação e voltaria ao Vale do Café assim que tudo tivesse resolvido na capital. Julieta exigiu que tudo fosse preparado com muito cuidado, pois a tomada de posse da Fazenda Ouro Verde seria o seu triunfo. Mandou vir de SP os seus advogados e mandou buscar também Jorge, advogado do Barão, para que o adversário não alegasse qualquer imbróglio legal que a impedisse de concluir seus objetivos.

Em seguida ligou também para o seu sócio, sr. Williamson, recém chegado a SP, vindo da Inglaterra, para acertar a venda da fazenda. O sócio estava construindo uma ferrovia para exportação do café e pediu prioridade nas negociações, o que prontamente foi atendido por Julieta. Assim, as negociações poderiam ser realizadas no mesmo dia, a tomada da fazenda e a venda ao sr. Williamson.

Julieta não conhecia a cidade direito, essa era a segunda vez que estava ali, sentia-se desconfortável com os olhares dos locais a avaliando o tempo todo de longe. Sabia que despertava a curiosidade deles, afinal, estavam na presença da Rainha do Café, e só isso já era motivo para causar um frisson.

Ao terminar as ligações, foi abordada por um senhor que há tempos estava ali acompanhando toda a sua movimentação.

— Dona Julieta Bittencourt, a senhora não me conhece, Xavier Vidal, uma honra. – Xavier estendeu a mão para cumprimentar a Rainha, não obtendo qualquer resposta dela. Sem graça com a situação, continuou:

— Também sou fazendeiro de café, produtor aqui do Vale, com as devidas proporções de nossos mercados.

— Ah, sim. Eu imagino que com essa abordagem o senhor esteja preocupado com a expansão das minhas terras.

— De forma alguma senhora, pois comungo dos mesmos objetivos. Também estou em fase de expansão dos meus negócios.

— Ótimo! Com certeza então nos esbarraremos em pontos de convergência e aí então veremos quem é o melhor negociante. Com licença. – Julieta saiu rapidamente dali deixando Xavier profundamente irritado com a audácia da Rainha do Café.

Ao deixar a casa de chá, Julieta rumou em direção à igreja. Era uma mulher muito religiosa e temente à Deus. Gostava de pedir proteção para si para tomar as decisões certas. Sempre quando estava atribulada com preocupações depois da solidão do seu quarto a Igreja era o lugar que mais gostava de estar. Ao adentrar a pequena e silenciosa Igreja do Vale do Café, maior surpresa não poderia encontrar. Padre Gregório, seu único amigo e confidente de SP veio pessoalmente recebe-la.

— Padre, o senhor por aqui?

— Como vai Julieta? Sim, agora sou o novo pároco da igreja do Vale do Café. Padre Joaquim, que era pároco dessa Igreja, faleceu há 15 dias, e, como eu já havia solicitado ao arcebispo de São Paulo uma transferência para o interior do Estado, fui atendido dessa vez.

— Nunca imaginei que o senhor gostaria de mudar para o interior, caso soubesse disso antes, poderia eu mesma ter providenciado um pedido pessoal à Igreja em seu favor.

— Isso não era necessário Julieta, tudo tem o seu tempo, e lembre-se: o tempo de Deus nem sempre é o tempo dos homens. Nada é coincidência, tudo é providência Divina. Nós não conhecemos os propósitos de Deus, mas devemos estar abertos para eles.

— Padre, já que está aqui, e isso não deve ser uma coincidência, será que poderia me ouvir em confissão?

— Estou aqui a serviço dos fiéis Julieta, se é isso que deseja, vamos ao confessionário.

Ao ser encaminhada ao confessionário, Julieta colocou o véu preto, pegou o terço e se ajoelhou:

— Confesso que pequei Padre. Confesso que cometi o pecado da luxúria, me deixei dominar pelos prazeres da carne, pela corrupção dos costumes, pela lascívia. Eu não resisti aos beijos de um homem.

— Se for um prenúncio de um amor para ambas as partes pode estar sendo injusta em sua autopunição minha filha.

— Não. Não estou. Eu fui fraca. Me deixei enganar por esse homem, mesmo sabendo que ele estava tentando me manipular, me humilhar. Mas esse erro me encheu de forças.

— Um sinal de que essa disputa de poderes despertou alguma emoção na senhora.

— Estou pronta para receber minha merecida punição, mas preciso ainda confessar uma culpa. Vou me vingar de todos que atravessaram o meu caminho.

— Você não precisa se condenar a solidão eterna Julieta. Considere a possibilidade de um novo amor.

— Não existe essa possibilidade padre. Eu nunca vou me deixar ser enganada pelo amor. Não preciso de nenhum homem em quem me apoiar eu me pus de pé sozinha e vou continuar assim.

— Pois muito bem. 10 pais nosso e 6 aves marias por esse sentimento de vingança que habita em seu coração. Lembre-se Julieta: um amor sincero é um presente de Deus e não uma condenação ao fracasso. Deus te abençoe minha filha e vá em paz.

Julieta permaneceu no silêncio daquela Igreja, cumprindo sua penitência e assim de uma vez por todas, se livrar da culpa por ter se deixado levar pelos impulsos do seu corpo que cederam aos apelos do corpo de Aurélio, sobretudo no último encontro que quase se entregou completamente.

Já era o início da tarde quando a comitiva de SP chegou ao Vale do Café. Nela chegaram os advogados de Julieta, Jorge, o representante do sr. Williamson e o oficial de justiça com a ordem de despejo preparada para apresentar ao Barão. Todos partiram seguindo Julieta rumo a fazenda Ouro Verde.

Na fazenda, Ema tocava no piano o repertório de Choppin. Parecia mais uma tarde comum no pacato Vale do Café. O Barão ouvia atentamente a melodia tocada por Ema, mas Aurélio andava impaciente pela sala. Ema parou a música:

— Papai, o senhor pode me explicar o que está acontecendo?

— Não está acontecendo nada minha filha, apenas estou com um pouco de dor de cabeça.

— Ora, mas se estava com dor de cabeça, por que não me disse logo que eu parava a música?

— Imagina minha filha, eu adoro a sua música e seu avô também estava apreciando a sua melodia. Vamos, continue a tocar, eu não tenho nada, não se preocupe.

Quando Ema se preparava para voltar ao piano, ouviu-se os carros da comitiva de Julieta que acabava de chegar à Fazenda.

— Esperem aqui por favor. – Pediu Julieta aos homens que lhe acompanhavam. – O prazo que dei ao Barão vence em duas horas, enquanto isso, vou na frente para tentar uma última negociação. Caso não haja sucesso vocês já sabem o que fazer. Jorge, por favor, me acompanhe e tente aconselhar o seu cliente do melhor a fazer.

Jorge acompanhou Julieta que como um relâmpago entrou na sala da Fazenda. Ema mal teve tempo de perguntar ao pai e ao avô quem será que havia chegado e Julieta já estava plantada no meio da sala de estar.

— Mas o que é isso? Que invasão é essa na minha fazenda? Jorge, o que você está fazendo ao lado dessa mulher? – Perguntou o Barão abismado em ver Julieta acompanhada de Jorge.

— Boa tarde para o senhor também Barão. – Julieta olhava fixamente para o Barão e não se permitiu desviar o olhar para a direção de Aurélio. – Bom, como o senhor bem sabe, hoje vence o prazo que lhe dei para pensar na minha proposta de compra de suas terras. Tomei a liberdade de mandar buscar seu advogado em SP para que ele analisasse a proposta e lhe aconselhasse do melhor a fazer.

Mesmo sendo ignorado pelo olhar de Julieta, Aurélio a interpelou: - Você não ousaria!!!

— Não ousaria o quê? Tomar as terras que me pertencem por direito? – Julieta desdenhou a interpelação.

— Vovô, papai, o que está acontecendo aqui? – perguntou Ema que até agora não tinha ideia do que Julieta Bittencourt estava falando.

— Ema minha querida, eu lamento que saiba de tudo dessa maneira, mas a sua família está falida. Sou dona das dívidas da Fazenda Ouro Verde, que acredite, é astronômica. Fiz uma oferta irrecusável para o seu avô para comprar as terras dele e até agora não obtive nenhuma resposta. O prazo que dei a ele termina em duas horas e estou aqui para efetuar o negócio ou tomar a Fazenda coercitivamente.

— Papai, vovô, eu exijo uma explicação. O que está acontecendo?

— A senhora não tem o direito de entrar aqui dessa maneira truculenta e afrontar a minha família. Me jogar contra a minha neta. Sua... sua usurpadora!!!

— O senhor não me ofende Barão, entendo que para um homem na sua posição, seja muito difícil admitir que perdeu o domínio de suas terras para uma mulher. Mesmo assim, mantenho minha palavra em negociar com o senhor e estou aqui, na presença do seu advogado, que não me deixa mentir, minha oferta é irrecusável. Caso contrário, serei obrigada a tomar outras providências.

— Que outras providências? A senhora não vai fazer nada. Se quisesse fazer algo contra mim já teria feito faz tempo. A senhora está é se deliciando com a minha agonia e veio aqui para tripudiar e me jogar contra a minha neta, pois eu não vendo a fazenda para a senhora nem morto!!!!

— Barão, seja razoável. A proposta de Julieta é irrecusável. Ela oferece um preço justo pelas terras, os negócios estão afundados e a dívida é exorbitante, não há outra saída.

— Não vendo Jorge, e se essa senhora quiser me tirar daqui vai ter que fazer isso à força.

Ema, no meio daquela discussão, saiu correndo e se trancou no quarto. Seguida por Jorge que correu para tentar confortar aquela menina que tanto ele queria bem.

Aurélio num ímpeto de fúria enfrentou Julieta:

— A senhora não tem piedade de um velho no final de sua vida e nem da minha filha?

— Não transfira a mim essa responsabilidade, foi o senhor e o seu pai que colocaram Ema nessa situação.

— Não ousaria a continuar com esse plano maquiavélico.

— Não há nenhum plano aqui. Apenas um negócio, claro e limpo. Tenho minha consciência tranquila que estou dando a melhor chance que vocês teriam para se recuperarem e manterem a dignidade. Faça alguma coisa de útil e aconselhe seu pai a aceitar a minha proposta.

Aurélio desistiu de convencer Julieta. Já havia percebido que qualquer conversa com ela não a faria mudar de ideia. O Barão era outro cabeça dura.

— Papai, acho que deveria considerar a proposta de Julieta. É a nossa única saída.

— Não vendo Aurelinho!!! – Esbravejou o barão.

— Bom, senhores, infelizmente não me dão outra alternativa. Deus é testemunha de quanto eu tentei resolver isso da melhor forma possível. Não reclamem da sorte, pois eu fui muito benevolente. – Disse Julieta deixando a sala.

— Papai, o senhor é muito teimoso. A dívida com Julieta é impagável. A oferta que ela nos ofereceu é suficientemente justa para comprarmos outra fazenda menor e recomeçarmos em outro lugar. Talvez no Vale do Paraíba.

— Aurelinho pare de se meter aonde não é chamado! Você nunca entendeu de negócios, não tem a minha perspicácia, não sabe como é lidar com esse mundo leões sedentos e prontos a atacar. Julieta não vai fazer nada, não tem pulso para isso não... se quisesse realmente já teria feito alguma coisa há muito tempo.

Aurélio não se acalmava com as falas do pai. Conhecia Julieta melhor do que ele e sabia que a dureza daquela mulher não era só em palavras. Seu coração lhe avisava que a fúria de Julieta iria atacar. E ele não estava errado.

Após acalmar Ema e contar a ela tudo o que estava acontecendo com a sua família, Jorge voltou a sala e se reuniu ao Barão e Aurélio. Mais uma vez tentou, sem sucesso, convencer o Barão a aceitar a proposta de Julieta, mas sequer foi ouvido.

— Não vendo e este assunto está encerrado!!!

— É aqui senhores, é esse o lugar!!! – Falou Julieta em alto e bom som.

— Mas o que é isso? A bruxa voltou? Vai embora daqui! Vai embora da minha fazenda.

Julieta voltara à aquela reunião. Vinha à frente de uma comitiva de homens que estavam ali apenas para cumprirem suas ordens. Entraram ali e a desocupação foi iniciada.

— Senhores, aqui estão os meus advogados, o oficial de Justiça que traz a ordem de despejo e os homens que providenciarão a retirada dos móveis para a minha ocupação do lugar. Ah, claro, já havia me esquecido. Também está aqui o representante do sr. Williamson, meu sócio e futuro dono dessa fazenda. Como vocês já sabem, essa Fazenda agora é minha e posso fazer dela o que eu bem entender!

— A senhora não tem o direito de me expulsar da minha própria casa. Ainda por cima, quer tomar a fazenda para se desfazer dela?

— Minha casa Barão! Não só tenho esse direito, como estou fazendo isso nesse momento. A fazenda é minha e meu sócio tem interesse em comprá-la e eu em vendê-la. Sendo assim, por favor, pegue suas coisas e se retire, ou meus homens o carregarão à força.

— Julieta você não pode fazer isso. – Interveio Aurélio, encarando Julieta.

— Não posso? Não posso porquê? – Encarando Aurélio de volta.

— Ora, porque... porque você não teria coragem.

— Fosse eu fraca como o senhor me julga eu jamais teria me tornado a Rainha do Café. – Julieta saiu deixando Aurélio frustrado com a tamanha frieza da mulher que abalou o seu coração.

Pregava o destino o maior de seus revezes, e não era a perda da sua fortuna, mas estava apaixonado justamente pela mulher que tirara tudo de sua família. Como enfrentar seu pai e sua filha e a si mesmo para admitir que seu coração escolhera Julieta para amar.

Sem argumentos para convencer a Rainha do Café a não prejudicar sua família Aurélio partiu para arrumar as poucas coisas que lhe interessavam levar dali.

Ema foi a primeira a deixar o local. Sentiu-se traída pelo avô e pelo pai e também pelo amigo Jorge, que esconderam a situação de falência da família. Jorge se ofereceu para acompanhá-la mas ela recusou. Pediu permissão a Julieta para usar um cavalo da propriedade e sumiu dali deixando para trás seus vestidos, sua penteadeira e tudo que pertencia àquela vida fútil que levava.

Incansavelmente o Barão ainda resmungava na sala contra os homens de Julieta que passavam ávidos levando todos os pertences da casa. Jorge se ofereceu para levar Aurélio e o Barão até o hotel da cidade e Aurélio agradeceu ao amigo e pediu que levasse seu pai. Ele queria ainda procurar por um documento que estava perdido no seu escritório e assim que achasse partiria para encontra-los no hotel.

Julieta seguia de perto e comandava a desocupação do imóvel. Sentiu-se mais uma vez vitoriosa em ver o seu triunfo no meio daquele bando de homens inúteis que não sabiam gerir seus negócios, ao contrário dela, que aprendera a duras penas que aquele mundo não era para amadores. Entretanto, apesar da firmeza que tinha que ter em suas atitudes, não era uma pessoa má. Estava com a consciência tranquila por oferecer àquela família a melhor oportunidade, mas que foi recusada pela soberba e teimosia do Barão, que não admitia perder para uma mulher o domínio de suas terras. Infelizmente ele havia escolhido o pior caminho e não cabia à ela piedade naquele momento.

No meio à confusão do entre e sai de homens por todos os lados retirando os móveis e antigos pertences da fazenda, avistou Aurélio se despedindo do Barão e entrando no escritório, aproveitou a porta entreaberta e ficou espiando sem ser notada.

Aurélio fazia uma busca em livros e gavetas por um documento que não podia deixar esquecido na fazenda, o problema é que não fazia a menor ideia de onde estava, pois estava há muitos anos guardado. No meio da busca encontrou uma foto de Ema e o Barão e, sem saber que estava sendo observado por Julieta, disse olhando pra foto:

— Desculpem-me por tudo isso. Eu prometo que eu vou arrumar essa bagunça. Eu vou devolver a nossa dignidade. – Uma lágrima escorreu dos olhos de Aurélio molhando o papel amarelado da foto. Desconcertado continuou a procura pelo tal documento, encontrando-o na última gaveta.

Julieta que assistia aquela cena não se conteve e entrou no escritório.

— Me desculpe por estar aqui ainda senhora, é que ainda precisava desse documento. Agora mesmo já estou de saída. – Disse Aurélio enxugando qualquer resquício de lágrima que pudesse existir em seu rosto.

— Eu queria dizer ao senhor que eu não sou uma pessoa má. Eu realmente sinto muito tudo o que aconteceu com a sua família e desejo do fundo do coração que vocês se refaçam. Só que dessa vez sem minha ajuda, pois eu tenho a consciência tranquila que eu fiz tudo que estava ao meu alcance para ajuda-los.

— Eu só queria entender o real motivo dessa fúria da senhora contra a minha família.

— Ora, por que me toma? Bem se vê que o senhor não entende nada de negócios mesmo.

— Negócios Julieta? A quem você quer enganar? Eu posso não entender de negócios como você e meu pai, mas a mim está bem claro que essa sua fúria não tem nada a ver com os seus negócios no Vale do Café, fosse isso você não teria vendido a propriedade para o seu sócio. Que tipo de mulher expulsa um velho da sua casa, afasta um pai de sua filha? Para mim está muito claro que a sua fúria contra a minha família é uma vingança de amor.

— Isso é um disparate!

— Está sendo covarde Julieta, usa da sua força para fugir dos seus sentimentos. Está apaixonada por mim, mas não aceita isso, se debate. Depois do nosso último encontro isso ficou mais claro para mim. Você veste essa armadura de mulher durona para esconder o que está sentindo, não aceita que se apaixonou, ainda mais, sendo eu o filho do seu inimigo.

— Eu admiro a sua autoconfiança, ou será soberba? Meus critérios nessa negociação foram bem práticos e objetivos. Essa mulher fraca que o senhor descreve não sou eu Senhor Aurélio. Eu, desde muito cedo, aprendi que a vida de uma mulher não gira em torno dos sentimentos por homens.

— Eu já disse que admiro pela fibra com que você criou Camilo e levantou esse Império sozinha, mas agora, pode tirar a armadura, eu estou falando de nós.

— Está falando de nós? Eu nunca ouvi tanto absurdo junto. – Resmunga Julieta claramente incomodada com as palavras de Aurélio.

— Se te ajuda em alguma coisa, saiba que eu também me apaixonei por você. Só que diferente da Rainha do Café, eu não sei fingir meus sentimentos. Eu não quero e não posso lutar contra isso. Você entrou na minha vida como um furacão e devastou tudo o que estava no lugar. Se tem dúvida disso é só olhar pra como está essa casa agora, é exatamente assim que está o meu coração também.

— Como o senhor pode dizer que está apaixonado? Eu acabei de despejar o senhor e sua família da sua casa. Acabei de tirar tudo o que vocês tinham. Pare de falar sandices da boca pra fora.

— Se tem uma coisa que o dinheiro do meu pai me permitiu ser é correto. Eu nunca fui tão sincero em toda a minha vida. – Aurélio se aproximou dela e novamente se encararam e ele disse pausadamente com todas as letras - Eu estou apaixonado por você.

Julieta ficava desconcertada com aqueles olhos azuis que de tão fixos nos seus pareciam que penetravam a sua alma. Afinal que homem era aquele que mesmo depois de perder tudo para ela abdicava de qualquer amor próprio e dizia estar apaixonado. Seria possível que se enganara em relação a Aurélio? Depois de tudo que passou na vida, era primeira vez que era surpreendida com a atitude de um homem a sua frente. Aurélio a enfrentava de um jeito que não sabia lidar. Tentava se recompor e impostar o mesmo tom frio que lhe era peculiar, mesmo que abalada com aquela declaração. – Reuniu forças e falou se afastando de Aurélio para não demonstrar o seu abalo:

— Eu vou falar de novo para ver se o senhor entendeu. Eu acabei de tirar tudo o que você e sua família tinham e o senhor vem me dizer que está apaixonado por mim?

— Estamos sozinhos aqui Julieta, pare de fingir que não entendeu o que eu falei. Joga fora essa armadura. Eu estou sim falando de nós.

— Falando de nós? Não existe, e nem nunca existiu nós?

— Como não existe? E tudo o que aconteceu? Os nossos encontros em SP, o nosso encontro ontem na sua casa? Precisa que eu refresque a sua memória?

— O senhor me respeita!!

Julieta ficava irritada com aquele afronte de Aurélio e se irritava mais ainda consigo mesma porque não conseguia controlar nem mesmo sua respiração. Perdia o ar ao lembrar de todos os momentos em que os dois tiveram juntos. Todas as vezes que esteve nos braços dele foram os momentos mais inebriantes que já tivera na vida, como disfarçar e não se entregar ali mesmo se tudo o que mais queria era cair nos braços dele novamente. Mesmo assim, reuniu todas as forças que tinha dentro dela e continuou firme em seu propósito de não demonstrar qualquer sentimento. Ela não podia cair naquela conversa que ouvia de Aurélio. Que homem era aquele?

— O senhor me cortejava antes, como uma tática do seu pai para me fazer desistir dos meus negócios eu posso até entender, mas agora, depois de perder tudo pra mim, como pode dizer que ainda está apaixonado?

— Desde o primeiro dia que te vi aqui mesmo, na sala dessa casa você já despertou em mim a maior admiração que já tive por uma mulher. Uma admiração que só foi crescendo a cada oportunidade que eu tive você nos meus braços. Quando nossos lábios se tocaram pela primeira vez eu nunca mais voltei a mim, e só cresceu o meu desejo de seguir a vida ao seu lado.

Julieta quis sair dali. Não podia acreditar em tudo aquilo que estava ouvindo. Aurélio foi mais rápido do que ela e puxou sua mão de volta fazendo Julieta estremecer e parar. Ela virou o rosto levemente pra trás, olhou-o novamente nos olhos e depois para a boca e novamente para os olhos ao que Aurélio se aproximou e da forma mais doce e sincera disse:

— Eu me apaixonei por você Julieta – falou aproximando-se ainda mais - Eu não escolhi nem planejei esse amor, simplesmente aconteceu.

Continuaram se olhando fixamente, mas Julieta o afastou. Aurélio respirou fundo e continuou

 – Se deseja mesmo fugir de nós dois, a escolha é sua.

— De todas as bobagens o que o senhor disse nessa noite, em uma coisa o senhor tem razão. Se não fosse a minha armadura para me proteger desse mundo vil cercado de homens querendo me derrubar eu não teria criado meu filho e construído esse Império. Graças a minha fortaleza eu sou o que sou, criadora e criatura de meus próprios sentimentos.

— EU NÃO QUERO TER RAZÃO!!!! – Esbravejou Aurélio – Que triste constatar Julieta que você blindou o seu coração para ninguém chegar até ele, e mais triste ainda, observar que a ambição de suas conquistas te cegou e você não consegue perceber os sentimentos sinceros de um homem.

— Eu desconheço a sinceridade vinda de um homem senhor Aurélio. Tudo o que eu sei é que os homens não respeitam uma mulher sozinha. Assim, eu me fiz. Sozinha, nesse mundo de homens, e só cheguei aqui porque não dei espaço para fraqueza.

— Isso que você chama de fraqueza Julieta, eu chamo de Amor, o sentimento mais nobre que eu sei que existe... e mais forte também, capaz de vencer qualquer obstáculo e mudar o destino de duas pessoas. Amor não é sinônimo de fraqueza, é sinônimo de coragem, mas... se você pretende, pela primeira na sua vida ser covarde e fugir de nós dois, a escolha é a sua. Essa é a última oportunidade que temos para falarmos sobre os nossos sentimentos. Eu prometo que não vou mais te procurar.

Julieta ao ouvir aquele ultimato, voltou para ele, em silêncio, tentou toca-lo, mas recuou.  Aurélio mais que depressa segurou a mão dela que já estava no meio do caminho e a levou até o seu rosto. Fechou os olhos e sentiu o carinho que Julieta tinha tanta dificuldade em demonstrar. Aquele gesto não durou, talvez, nem 3 segundos, mas foi suficiente para Aurélio entender que por baixo daquele poço de frieza pulsava com dificuldades, quase agonizando, um coração provavelmente muito ferido. Abrindo os olhos novamente estava anestesiado com aquela tímida demonstração de Julieta e ficou admirando aquela beleza que o deixava estremecido. Alguns segundos mais se olhando e ela interrompeu o silêncio:

— Eu não admito que o senhor me chame de covarde duas vezes na mesma noite!

Ela o segurou pelo paletó e o beijou inesperadamente. Um beijo demorado, carinhoso, ardente, com paixão de 2 corpos que se incendiavam de desejo. Aurélio foi totalmente surpreendido com aquele beijo. Sentiu como se agora aquele furacão girava ao contrário e ao invés de derrubar, passava arrumando as coisas de volta ao seu lugar. Aquela atitude foi tão inesperada e surpreendente que não se lembrava direito nem onde estava quando terminou o beijo. Tinha vontade de gritar para o mundo todo o seu amor por Julieta.

— O senhor deve saber que eu não sou mulher de aceitar e muito menos acatar um ultimato de um homem. Então senhor Aurélio, não me subestime.

— Então Julieta, o que falta para aceitar que me ama também?

— Eu não acredito no amor. Esse sentimento que o senhor defende pra mim não existe. É patético. Sinônimo de fraqueza, de derrota.

Aurélio mal podia acreditar que a mesma Julieta que tinha lhe beijado minutos atrás proferia aquelas palavras tão amargas.

— Que pena... mas que fique bem claro entre nós dois que essa é a sua escolha, não minha. – Falou Aurélio deixando as lágrimas correrem. – Eu só espero que esteja certa dela. Porque talvez um dia descubra que me ama também, e eu só espero que não seja tarde demais. - Agora, me faz um favor, e faça um favor a você mesma também: Saia daqui, saia daqui e leve a sua razão embora com você, já que ela é mais importante!! Eu sei que o escritório e tudo nessa casa aqui é seu, mas eu só preciso de pouco tempo para deixar a Fazenda e você finalmente se apossar de tudo o que conquistou, mas saia daqui agora, por favor.

Julieta sai do escritório deixando Aurélio devastado. Tratou de não se fazer visível aos olhos dele em respeito à sua dor, mas observou de longe a sua saída da Fazenda.

Aurélio deixou o escritório sem olhar para trás, não procurava mais onde estaria Julieta, pois a cada vez que olhava para ela seu coração acelerava tanto que ficava difícil até de respirar. Saiu da fazenda Ouro Verde com uma mala e dois papéis em mãos, a foto de Ema e seu pai e o diploma da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tinha apenas uma certeza: precisava encontrar um motivo para refazer sua vida. A paixão por Julieta conseguira o que ninguém mais havia conseguido, motivação para buscar as suas próprias conquistas. Aquele furacão chamado Julieta Bittencourt colocou sua vida de cabeça pra baixo e devastou o seu coração. Agora precisava se refazer, juntar os cacos e recomeçar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que gostem da leitura. Envie um comentário se puder!! Beijos