Quando O Amor Chegar escrita por kcaldas


Capítulo 2
O dia seguinte


Notas iniciais do capítulo

Reescrever o encontro de Julieta e Aurélio após o baile.



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O DIA SEGUINTE

São Paulo amanhecia a todo vapor. Mesmo nas primeiras horas do dia já se ouvia os passos apressados das pessoas na rua, o barulho das carruagens, as portas dos armazéns e lojas se levantando. Era a vida da cidade grande que despertava para um novo dia. 

Na casa de Jorge, Aurélio já estava de pé também, não conseguira pregar os olhos direito. Aquela noite tinha sido demasiadamente cheia de emoções. Precisava levar Ema de volta ao Vale do Café, mas preocupava-se em como o episódio da noite anterior poderia afetar os negócios com Julieta Bittencourt. A situação já estava muito ruim e qualquer piora poderia ser fatal para a sua família. Se a Rainha do Café resolvesse cumprir a sua promessa ele e sua família perderiam tudo que foi conquistado em poucos dias.

Resolvera levantar e sair para caminhar e esfriar a cabeça tentando esclarecer melhor seus pensamentos. Ao descer encontrou Jorge, sozinho, já tomando café.

— Meu amigo, já de pé? O que aconteceu? O quarto não estava a seu gosto?

— Não, claro que não.

— O que foi então? Ontem você saiu às pressas do baile. Não se importou nem em levar Ema. É claro que eu a trouxe quando a festa acabou, mas não entendi o seu desespero em sair de lá. O que aconteceu? Algum problema?

— Ah meu amigo, como você bem sabe, aquela mulher é o grande problema das nossas vidas. Ontem, quando estava procurando por Ema no jardim, encontrei Julieta.

— E vocês conversaram?

— Ela me intimou a dar uma resposta para a oferta de compra dela, e, você conhece a Rainha do Café, mesmo eu argumentando que não estava ali para falar de negócios ela é implacável.

— Mas e então? Conseguiram chegar num acordo um pouco mais favorável?

— Infelizmente não. E pior...

— Pior? Mas como poderia ficar pior?

— Nós nos beijamos?

— Você beijou Julieta Bittencourt?

— Nós nos beijamos, ela me beijou também, mas depois me afastou e me expulsou do escritório dela aos berros.

— Agora eu entendo a sua fuga tão repentina do baile. Mas e você meu amigo? Como estão os seus sentimentos?

— Sinceramente eu não sei o que te responder. Eu só espero que esse beijo não endureça ainda mais o coração de Julieta e ela resolva ser ainda mais dura nos nossos negócios. Isso seria um verdadeiro desastre.

— Parece que esse beijo mexeu bastante com você. Mas eu realmente espero que isso não atrapalhe os negócios com Julieta. Porque como você sabe muito bem a situação está bem complicada, a dívida está vencida e Julieta pode a qualquer momento executá-la e mandar a propriedade que garante a dívida direto para leilão. Bom meu amigo eu preciso sair para atender um cliente importante, fique a vontade, a casa é sua.

— Obrigado meu amigo.

Aurélio ficou ainda naquela mesa com os pensamentos que lhe perturbaram a noite toda e que tinha certeza que ainda lhe perturbariam por muito tempo. Aos poucos ele começava a ouvir o barulho da movimentação das meninas no andar de cima e a casa começava a se agitar para um novo dia. Resolveu sair para caminhar. Tudo o que precisava era ficar sozinho para tentar organizar seus pensamentos e decidir o que fazer.

O caminhar na capital não era nem de perto parecido com o que tinha todas as manhãs na fazenda Ouro Verde. Gostava de acordar cedo pra tomar café com seu pai e sua filha e logo após saía para sua cavalgada de todos os dias. Sim, Aurélio gostava muito de cavalgar. Sempre achou que pensava melhor em cima de um cavalo e era o que mais sentia falta naquele momento. Tinha certeza que se pudesse sair cavalgando conseguiria decidir melhor o que fazer.

Depois de um tempo caminhando e atordoado pelas ameaças de Julieta à sua família, somada a ousadia daquele beijo ele tomou uma decisão. Um pouco precipitada talvez, mas era o certo a fazer.

Voltou a casa de Jorge, encontrou Ema e as irmãs Benedito falantes e alvoroçadas contando umas para as outras sobre o baile da noite anterior. Avisou Ema que seguiriam para o Vale do Café ainda naquele dia, porém ainda precisava resolver alguns negócios, mas pediu que a menina já fizesse as malas, assim como ele também já iria fazer.

Na mansão dos Bittencourt o dia também começara cedo. À mesa do café da manhã apenas Julieta lia o jornal da manhã. Ela sabia que Susana não havia dormido em casa. Provavelmente a amiga teria ido aproveitar o restante da noite na casa de algum dos convidados abastados da festa. Susana era do tipo que gostava de aproveitar a vida, e, apesar de Julieta não concordar com alguns de seus modos, ela tentava não intervir diretamente nas suas escolhas.

Darcy foi o segundo a levantar, porém passou apressado apenas para pegar uma fruta.

— Bom dia Julieta.

— Bom dia Darcy. Não vai tomar café?

— Não. Estou bem atrasado. Tenho uma reunião com alguns investidores do meu pai no meu escritório.

— E Camilo?

— Camilo já saiu. Ele me disse que combinou de ir a faculdade reencontrar alguns amigos e professores que há muito tempo não via. Saiu cedo para encontra-los antes das aulas da manhã começarem. Bom, eu preciso ir. Bom dia.

— Bom dia.

À Julieta restou o silêncio da mansão. Fato que a deixou muito aliviada, pois tinha muitos afazeres com os negócios, e um verdadeiro incômodo a resolver. Aquele episódio do beijo da noite anterior ainda lhe remexia por dentro e atrapalhava seus pensamentos.

Resolvera fazer o que sempre fez, mergulhar no trabalho. Foi para o escritório assinar papéis, analisar documentos e ficou por tanto tempo ali que não sabia ao certo quantas horas havia se passado. O silêncio da casa naquele dia lhe proporcionara se concentrar no trabalho. Entretanto, por mais que quisesse esquecer a noite passada, ao final do dia se deparou com a certidão que lhe fez lembrar de Aurélio novamente, a dívida da Fazenda Ouro Verde. Em suas mãos tinha o documento que lhe faria duplicar o seu patrimônio já tão grandioso.

Como aquele homem poderia sonhar tanto com tantos números negativos jogando contra? Desconhecia tamanha sensibilidade vinda de um homem. Ainda mais naquele de ramo de negócios. Tudo que havia conhecido eram homens machistas e gananciosos que passavam como uma avalanche sobre seus opositores. Assim como Aurélio, os homens creditavam a ela a sorte de ter tido um marido rico que deixou um patrimônio para administrar. Mal sabiam eles as dificuldades que enfrentou para construir todo aquele império.

Viúva, com um filho pequeno, e, cheia de dívidas deixadas pelo marido, se viu obrigada a enfrentar o mundo vil para sobreviver. E fez isso com maestria. Soube como ninguém administrar o patrimônio e triplica-lo. Agora tinha nas mãos a chance de aumentar ainda mais o seu império. Em breve seria dona da Fazenda Ouro Verde, a maior fazenda de produção de café do Estado que somada a tudo o que já tinha seria a maior produtora de café, não só do estado de são Paulo, mas do Brasil. Deu um pequeno sorriso ao pensar em tudo isso. Sentia-se satisfeita com todos os seus esforços sendo recompensados.

Já era bem mais de 4 da tarde quando Aurélio apareceu novamente avisando Ema que eles partiriam em duas horas. Ema estava sozinha em casa, as irmãs Benedito saíram com os seus namorados e a nova amiga Ludmila para desbravar a capital. A Baronesinha do Café preferiu ficar para arrumar suas malas e buscar pela última vez a resposta para a pergunta que lhe motivara a viajar. Precisava encontrar a resposta do sentimento de Jorge por ela, mas até aquele momento ainda não tinha conseguido sua resposta.

Aurélio pegou o coche e partiu para resolver de uma vez por todas seu problema com Julieta. Ia encontrar a Rainha do Café e desfazer qualquer mal entendido, só assim conseguiria partir em paz de volta pra casa.

Ao chegar na mansão dos Bittencourt foi recepcionado pelo criado que lhe prometera anuncia-lo, porém, esquecendo a porta aberta resolveu não esperar a resposta do criado de volta.

Julieta estava em sua sala tomando um cálice de vinho do porto, tentando relaxar após um dia longo de trabalho. Nenhum integrante da casa havia retornado ainda de seus afazeres e provavelmente ia jantar também sozinha. Não fazia mal. Depois de tantos anos de viuvez e com o filho estudando no exterior aprendera a gostar de sua própria companhia. Apreciava o vinho antes do jantar, para abrir o apetite, quando foi interrompida pelo criado.

— Senhora, está lá fora um senhora que pede para ser recebido.

— A essa hora você sabe muito bem que não gosto de receber ninguém. Do que se trata?

— Eu sei senhora, mas ele insistiu dizendo que era muito importante e que não teria outra oportunidade para falar com a senhora. Não me disse o assunto.

— E quem é esse senhor tão importante que não pode esperar até o dia seguinte para falar.

— Aurélio Cavalcante – respondeu o próprio Aurélio antes que o criado respondesse.

— Mas o que é isso? – Julieta se recompõe no sofá. – Como o senhor ousa a invadir a minha privacidade?

— Desculpe, eu não quis invadir, mas a porta ficou aberta e eu desconfiava que não seria recebido após ser anunciado.

— Senhora quer que eu o leve embora? – Perguntou o criado com medo de ser dispensado por sua displicência em deixar a porta aberta para o estranho.

— Não, está bem. Ele já entrou mesmo. Vou ouvir o que ele quer. Pode ir.

— Não brigue com o seu funcionário por minha causa, fui eu que entrei sem esperar ser anunciado.

— E posso saber o que o senhor está fazendo aqui? Pensei que tinha sido bem clara ontem à noite.

— Eu parto em algumas horas para o Vale do Café, mas antes de ir embora eu gostaria de desfazer qualquer mal entendido que possa ter ficado da noite de ontem, do nosso beijo.

— Nosso beijo?

— A senhora me beijou também. E pela sua reação, vejo que o beijo não sai da sua cabeça tanto quanto não sai da minha. Diga-me Julieta, no que pensava enquanto tomava esse vinho?

— Ora, eu não lhe dou essa intimidade pra falar assim comigo. Eu não lhe devo satisfações. Não lhe interessa no que eu estava pensando.

— Por mais que queira passar a imagem de mulher de ferro que você imprime pra todos, ontem eu tive a certeza que você é muito mais do que isso Julieta. Ontem, quando senti você nos meus braços e pude sentir sua respiração ofegante perto da minha, mais do que isso, pude sentir o seu coração batendo tão acelerado quanto o meu, eu percebi que tem uma mulher com sentimentos pulsando dentro de você. Aguardando apenas a hora de ser libertada. Por isso ande logo com isso, me diga, não era no beijo de ontem que estava pensando?

— O senhor é muito atrevido...

Aurélio se aproxima e senta do lado dela no sofá.

— Eu preciso dessa resposta, só assim conseguirei partir em paz. Em que estava pensando enquanto tomava esse vinho? Se te ajuda, saiba que desde que eu saí daqui ontem não consigo parar de pensar no nosso beijo. Como você também sou viúvo há muitos anos e nunca mais havia acontecido comigo o que aconteceu ontem aqui. Tudo isso só me provou que a admiração que sinto pela senhora é real.

Aurélio tinha que se controlar ao máximo para não se aproximar ainda mais de Julieta. A Rainha do Café ouvia suas palavras, mas ela continuava com aquela empáfia que lhe era peculiar, mas seus olhos falavam de forma diferente. A aproximação de Aurélio fazia sua respiração mudar também.

E Aurélio estava diante daquela mulher linda, poderosa, que lhe encantara muito mais do que devia, ele sabia disso, mas naquele momento não era isso que lhe preocupara.

O silêncio constrangia ainda mais os dois. Os olhos fixados um no outro. Não se tocavam, mas a vibração de seus corpos era tão evidente que quase se podia ver, mesmo entre tantas camadas de roupa, o arrepio na pele de um pela simples presença aproximada do outro. 

Julieta novamente não sabia o que dizer. Fora surpreendida com aquele homem ali na sua frente interrogando-a. Jamais iria assumir que pensava nele desde a noite passada. Era ser fraca no meio de um passo tão grande em busca de sua vitória empresarial. E no mundo dos negócios, principalmente naquele mundo de homens, fraquezas não eram toleradas.

De qualquer forma, não esperava aquela atitude, no mínimo corajosa de Aurélio. Sim, porque afinal, ele invadiu o território inimigo e clamava por uma resposta da Rainha. Julieta então se levantou:

— Aurélio, eu vou tentar não ser rude com o senhor, apesar da sua ousadia em invadir a minha casa. O que aconteceu aqui ontem, não passou de um segundo de fragilidade. – Aurélio estranha a resposta e Julieta continua – Sim, no momento em que o senhor clamou por sua família eu senti pena de vocês.

— Eu não acredito!!!

— Ora, mas o senhor é muito petulante. Invade a minha casa, me faz um questionamento estapafúrdio, eu tento lhe dar uma resposta educada e o senhor diz que não acredita. Por acaso sou mentirosa agora?

— A senhora vai me desculpar, mas aquele beijo tinha qualquer sentimento, até ódio, caso queira, mas pena com certeza não tinha. – Aurélio se levanta e se aproxima de Julieta encarando-a de frente. Julieta o encara de volta. Estão novamente próximos, mas dessa vez não se tocam, apenas os olhares são trocados.

Aurélio a provoca falando o mais perto que conseguia sem toca-la e sem tirar os olhos dela.

— Vamos, diga Julieta. Foi pena que sentiu quando nos beijamos? É pena que está sentindo de mim agora. Continue olhando nos meus olhos e diga que é pena. Eu quero ouvir da sua boca.

Julieta não fraqueja. Continua fixamente olhando pra ele. E diz lentamente.

— É pena o que eu sinto por você.

Aurélio se irrita:

— Mentira!!! Você diz isso, mas seu corpo te contradiz. Pelo amor de Deus mulher, estamos só nós dois aqui, somos adultos, pelo menos uma vez, demonstre os seus sentimentos, mas seja verdadeira, comigo e com você mesmo.

Denunciada pelo seu corpo que entregava o desejo que sentia por aquele homem não disse mais nada, apenas diminuiu a distância que separava os seus lábios dos dele e fechou os olhos. Era a resposta que Aurélio queria. Conscientes do que estava acontecendo beijaram-se novamente. Ele a envolveu nos seus braços, ela o abraçou de volta, e, pela primeira vez, Julieta sentiu-se protegida por um homem e sentiu vontade de nunca mais sair daquele abraço.

Dessa vez foi um beijo calmo. Conquistado. Esperado e principalmente quisto por eles. Aurélio estava completamente encantado por aquela mulher. Deixara-se invadir pelo furacão que era Julieta Bittencourt. Pro sua vez, Julieta foi despertada pela sensibilidade dele Permitira-se se esconder naqueles braços pelo menos pelo curto espaço de tempo que duraria aquele beijo.

Beijaram-se novamente. Sem culpa, sem pressa. Ao terminar o beijo, ainda ofegante Julieta se distancia um pouco e diz:

— Eu não acredito que isso está acontecendo.

— Pois acredite. O meu desejo por você é tão real quanto aquela taça de vinho que tomava quando eu cheguei aqui.

— Aurélio, na condição de filho do Barão de Ouro Verde, eu acho que você não entendeu ainda a real gravidade e as consequências disso.

— Eu sei Julieta, não é uma situação cômoda para nenhum de nós dois. Somos dois adultos livres, mas a vida nos colocou na posição de rivais. Mas, eu não quero falar dos negócios do meu pai. Em breve partirei para o Vale do Café e tentarei resolver com ele o que puder ser resolvido.

Beijando-a novamente, Aurélio se despede de posse da resposta que queria. Julieta correspondia ao seu sentimento, porém não tinha a menor ideia do que iriam enfrentar dali pra frente. Qual seria a reação de seu pai e de Ema ao saber daquele sentimento?

— Eu preciso ir embora, mas vou com o coração cheio de alegria pela resposta que você me deu. Agora sei que por mais que queira evitar eu desperto em você o seu lado mais humano. Eu quero conhecer a Julieta de verdade, e não esse personagem que você criou para comandar a sua vida e afastar as pessoas.

A despedida é finalizada por um selinho demorado, daqueles que casais apaixonados promovem quando as bocas não querem se desgrudar. Aurélio foi embora partindo para o Vale do Café com as esperanças renovadas e com forças para tentar mudar aquela situação desconfortável de inimigo de Julieta, pois agora, tudo o que mais queria era estar ao lado dela e não em posição oposta.

Julieta ficou ali tentando entender tudo o que tinha acontecido. Deixou-se levar pela emoção e agora não sabia como lidar com a situação de estar encantada pelo filho de seu inimigo capital. Àquele que não devia medir esforços para derrubar para conquistar seus objetivos. Agora o que mais perturbara Julieta era o questionamento de como conseguir conquistar o que tanto queria, sem atingir aquele homem por quem sentia os mais nobres sentimentos que há tanto tempo não pulsavam em seu coração? Desistiu, por mais perspicácia que tinha não iria conseguir encontrar uma resposta agora, o melhor que tinha a fazer era acalmar seu coração e esperar. O tempo com certeza ia lhe mostrar o que fazer.


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