Yellow - Dramione escrita por LeslieBlack


Capítulo 20
Bluebird


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, espero que gostem!



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Enquanto o céu mudava de cor e os raios solares perdiam a timidez, Draco Malfoy ia em direção ao seu dormitório. Caminhando tranquilamente, não tinha medo de ser pego. Detenção seria um preço pequeno a pagar, comparado ao que teve. Ele não passou a noite se divertindo horrores em uma festa, tampouco ganhou algum bem material. De uma forma completamente inocente, passou a noite com ela.

O olhar fundo que denunciava a noite em claro estava no rosto, e para terminar de acusá-lo, haviam as roupas amassadas. Ele estava em completo desalinho... Cabelo bagunçado, os primeiros botões da camisa desabotoados, a gravata em uma mão e o tesouro na outra. O livro era mais uma prova que aquela noite foi como o garoto sorridente lembrava.

Perdido em pensamentos e com o olhar vago, Draco buscava relembrar todos os detalhes, antes que a memória infiel se aliasse ao sono e transformasse tudo em sonho. Mas era real, na noite que passou Hermione era dele. Ao menos para o garoto, era como se só existisse ela no mundo. Sua felicidade era tanta que o loiro mal podia acreditar que aquilo era verdade. Mas nada mudaria o fato que o beijo de despedida aconteceu e que ouviu da boca de Hermione que ela não o odiava.

Sorrindo como um bobo, ele caminhava tranquilamente sem se importar com nada além dos sentimentos tão gostosos que o consumiam. Que diferença faria uma detenção sendo que o dia recém-nascido estava tão lindo? Draco só queria gargalhar e abraçar o primeiro que aparecesse. Ninguém viu o outrora austero Príncipe da Sonserina fazer seu caminho de volta em direção às Masmorras, mas qualquer um naquele castelo estranharia o sorriso genuíno que enfeitava seu rosto agora.

Sem dificuldades, entrou no dormitório e teve que parar na porta ao ver o melhor amigo dormindo. A ternura que Draco sentia era tanta que se estendeu à Blás. Com exceção dos sapatos, o moreno estava completamente vestido. Jogado de bruços na própria cama ele até parecia um anjo. O bruxo sorriu com o pensamento que as aparências enganam, ao mesmo tempo em que se sentiu grato por ter Blásio Zabini em sua vida. O sono acumulado estava começando a mostrar seus efeitos colaterais.

Draco foi até o amigo, cobrindo-o com um lençol leve. Aquilo estava se tornando um hábito. Então olhou desejoso para sua cama intacta, soltando um suspiro cansado. Colocou o livro de Hermione na cabeceira, sorrindo novamente por conta do título. “O Amor é um Cão dos Diabos”, a capa ainda dizia.

— Pode até ser, Charles… Mas é tão bom! - Ele sussurrou.

Tirou os sapatos desajeitadamente, soltou a gravata no chão e livrou-se da blusa para se sentir mais à vontade. Acomodou-se na cama, sentindo as pálpebras cada vez mais pesadas. Draco ainda sorria quando adormeceu.

Horas depois, ao acordar com o sol do meio-dia lhe atingindo o rosto, o garoto grunhiu e tentou se proteger da claridade. Esforço inútil, já que se sentia completamente desperto. Flashes do dia anterior se misturavam com as imagens do sonho onde olhos e sorrisos reinavam. Ao contrário do costume, Draco se sentiu animado o suficiente para levantar-se imediatamente. Por que ficaria fazendo hora na cama, sendo que quanto antes fosse tomar um banho e se arrumar, mais rápido estaria novamente na companhia de uma certa grifinória? Com sorte, a encontraria logo.

Foi com esse pensamento que ele pôs-se de pé, rumando para o banheiro sem nem mesmo reparar que Blásio não estava mais ali. Devidamente higienizado, o garoto retornou ao quarto com o torso nu e os cabelos molhados. Sentou-se na cama e secou os fios loiros com a toalha, mal acreditando que a vida lhe deu aquela segunda chance. Não sabia bem como Hermione reagiria depois de ter tempo para refletir sobre o beijo que trocaram, mas estava disposto a descobrir.

Droga, que sentimento terno era aquele? Esperança, ele desconfiava. Em um pulo, ficou de pé e tratou de procurar em seu armário uma roupa que combinasse com o dia quente fora de sua janela. Algo elegante mas confortável, que de preferência não desse a impressão que Draco se preocupou com a roupa que usaria. Achou algo que equilibrava seu estilo com a casualidade de um dia de folga de suas obrigações como aluno.

Pensando no que falar quando visse sua grifinória preferida, ele observou os objetos do dormitório com um interesse incomum. Em determinado momento parou em frente a janela, o sol parecia convidar a todos para um passeio nos magníficos jardins de Hogwarts. Draco viu os estudantes espalhados pela propriedade, e por algum motivo isso o deixou feliz e grato. É bem verdade que tinha mais dedos nas mãos do que amigos verdadeiros, mas ainda assim ficou tranquilo pelo restante das pessoas do castelo se distraírem. No dia anterior todos pareciam tensos e prestes a chorar ou fazer uma loucura, já no presente, pareciam estar se divertindo.

Com as mãos nos bolsos e prestes a fazer seu caminho para fora do dormitório, Draco então reparou em uma caixa de bombons próxima ao livro de Hermione. Franziu o cenho por um instante, pois não lembrava-se de vê-la quando chegou de madrugada. Ignorou isso em seguida, já que não era como se ele estivesse prestando muita atenção nas coisas depois do que houve na Torre de Astronomia. Pegou o livro, os chocolates e sentou-se mais uma vez na cama. Só então percebeu, havia um bilhete escrito a mão junto aos doces. Ficou surpreso ao ler, mas foi uma surpresa boa.

Caro Sr. Draco Malfoy,

Em nome de Hogwarts, o cumprimento pelo esforço e sinceridade com os quais nos presenteou em seu discurso no Memorial de Guerra. Às vezes temos que escolher entre o que é certo e o que é fácil. Peço que aceite esse singelo presente como forma de agradecimento.

Atenciosamente, Minerva McGonagall.”

Boquiaberto, era como Draco Malfoy estava. Definitivamente não esperava por isso. A nova diretora sempre foi conhecida por ser severa, porém justa. Ele não sabia se merecia a bondade da mulher ao oferecer uma segunda chance, mas aquela caixa de bombons certamente poderia ser descrita como gentileza. Talvez o gesto fosse oriundo da carga emocional que o memorial trouxe a todos. Seja como fosse, o sonserino queria ser digno de tal confiança. Deixou o bilhete sobre a cama, decidido a guardá-lo em instantes, e se dedicou ao objeto que capturou sua atenção desde a noite anterior.  

O bruxo viu o livro que lhe foi emprestado e sorriu ao abrí-lo. No meio das páginas, havia um pergaminho marcando-as. A letra caprichosa que viu na noite anterior apareceu novamente, dando vida ao poema ali escrito.  



Bluebird (O Pássaro Azul)  

 

há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo, fique aí, não deixarei

que ninguém o veja.

 

há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas eu despejo uísque sobre ele e inalo

fumaça de cigarro

e as putas e os atendentes dos bares

e das mercearias

nunca saberão que

ele está

lá dentro.

 

há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou duro demais com ele,

eu digo,

fique aí, quer acabar

comigo?

quer foder com minha

escrita?

quer arruinar a venda dos meus livros na

Europa?

há um pássaro azul em meu peito que

quer sair

mas sou bastante esperto, deixo que ele saia

somente em algumas noites

quando todos estão dormindo.

eu digo, sei que você está aí,

então não fique

triste.

 

depois o coloco de volta em seu lugar,  

mas ele ainda canta um pouquinho

lá dentro, não deixo que morra

completamente

e nós dormimos juntos

assim

com nosso pacto secreto

e isto é bom o suficiente para

fazer um homem

chorar, mas eu não

choro, e

você?

Draco estava maravilhado com o que leu. Que diferença fazia o autor ser trouxa e ele não? Nenhuma, já que os dois eram seres humanos com sentimentos em comum. Charles o compreendia de um jeito que nem o próprio Draco saberia explicar. Parecia saber mais dos sentimentos de Draco do que ele mesmo. Ainda impressionado, o sonserino fechou o livro e pôs-se a acariciar a capa, como que demonstrando o respeito e admiração que sentia. A obra o pegou de jeito já o primeiro instante, desde o título, passando pela imagem de perfil de um homem na capa até chegar ao mais importante, as palavras.

Havia algo de profundo ali, e o garoto podia perceber lendo apenas um poema. Era o sentimento cru misturado a alguma coisa mais difícil de identificar. A doce melancolia sentida o fez pensar novamente nas palavras. Então o que Draco sentiu esse tempo todo tinha um nome? Charles chamava de “Bluebird”, um pássaro azul que vivia escondido no peito. O que o garoto escondeu a vida toda foram os próprios sentimentos, um em especial.

A máscara de indiferença que vestiu o fez agir como um personagem. Aquele era Draco Malfoy, o garoto rico e digno das maiores honrarias por ter a família composta de bruxos, tinha uma importância herdada por direito devido ao sobrenome. Ao sangue, que acreditava ser puro. Hoje ele sabia que tais distinções não passavam de uma forma infundada que foi disseminada para alguns se sentirem superiores a todo o resto. Droga, aquilo estava tão errado! Tudo o que Draco sempre desejou foi ser amado, ser motivo de orgulho para o pai. Ironicamente, a forma de conquistar isso era agindo com a mais fria indiferença em relação a todos. Esse era seu mal, o Príncipe da Sonserina nunca conseguiu seu intento, que era simplesmente a felicidade.

Até aquela noite. O pássaro azul, único companheiro do garoto solitário, era o amor que sentia por Hermione. De nada adiantava ser apaixonado por ela, mas sentimentos não carecem de razão. O desejo que aquela grifinória fosse feliz, se possível com ele, era a coisa mais pura que existia na vida do garoto que não teve escolhas. O jovem Malfoy tentou reprimir o sentimento de todas as formas, mas isso não foi possível. Nos momentos de solidão, era o agora nomeado pássaro azul que lhe fazia companhia e devolvia a esperança aos poucos. Mas agora não, não se permitiria ficar triste justamente naquele momento. O bruxo tinha um pássaro azul no peito, e ele poderia sair mais vezes se quisesse. Tinha um meio sorriso no rosto, e uma boa razão para viver. O garoto com tantas máculas na alma estava finalmente fazendo as pazes consigo, e isso era de uma beleza impressionante.

Como que para comemorar a nova e boa fase que era visível no horizonte de sua vida, o loiro pegou a varinha que estava ali perto. Um Accio lhe trouxe um pergaminho, que magicamente assumiu um tom claro de azul. Usando um feitiço que gostava bastante, Draco transformou o pedaço de papel em um pássaro, que feliz, voou pelo quarto. O garoto ainda sorria quando comeu alguns bombons enviados por McGonagall, pegou o livro de poemas e foi em direção a biblioteca, não sem antes guardar seu pássaro de papel no bolso da calça.

Assim como no dia anterior, em que desejou encontrar Hermione e depois disso agir naturalmente, naquele domingo o garoto também não tinha um roteiro a seguir. Essa espontaneidade já lhe deu sorte uma vez, e nada impedia que a situação se repetisse. A diferença era a seguinte: Draco não tencionava encontrar Hermione na biblioteca. Ele apenas desejava ler o livro que lhe foi emprestado em um ambiente silencioso. O sonserino não poderia ligar menor por ser um livro trouxa e com a possibilidade de alguém o flagrar nessas circunstâncias. Se isso porventura acontecesse, não faria a menor diferença na vida do rapaz.

O bom humor que não lhe era característico ainda o acompanhava, mas não continuaria em sua companhia por muito tempo. Dado o tempo necessário para chegar em seu destino, Draco viu uma ou outra pessoa nos corredores. Não que o dito Príncipe da Sonserina estivesse prestando muita atenção, mas as expressões de seus colegas variaram nessas ocasiões. Muitos o olharam intrigados, talvez pelo sorriso brilhante acentuar ainda mais sua beleza. Havia quem o encarasse com menos ódio do que de costume, mas a maioria o olhou com respeito e compreensão. Às vezes tudo o que precisamos é coragem para confessar os erros com sinceridade e alguém disposto a ouvir. Talvez em breve Draco percebesse a aceitação crescente em relação a sua pessoa.   

Entretanto, em momentos vindouros aquele domingo ficaria lembrado como outra coisa, que não “ensolarado”. Eventos importantes se aproximavam sem que as pessoas que sofreriam suas consequências soubessem disso. O destino já expunha suas garras para capturá-los, mas essa realidade ainda não era nítida o bastante para evitar o que aconteceria em míseros e breves instantes.

Na percepção de Draco, o dia deixou de ser agradável no momento em que a coincidência o fez encontrar Hermione. O sonserino entrou na biblioteca silenciosamente, como era seu costume, e olhou alguns livros com curiosidade antes de se dirigir às mesas para leitura. Por ironia ou não, a viu quando não estava procurando por ela. Qual não foi sua surpresa ao encontrá-la acompanhada… Com a expressão suave sumindo gradativamente de seu rosto, Draco se manteve perto de uma prateleira, invisível aos dois.

A grifinória conversava animadamente com Owens, o garoto que constantemente aparecia perto dela. Os dois sorriam um para o outro, como que compartilhando segredos. Draco odiou o lufano e a si mesmo naquela hora. Se as coisas fossem diferentes, poderia ser ele ali. Não julgaria ser possível um segundo atrás, mas sua frustração aumentou em seguida. Não bastassem os sorrisos cúmplices, as mãos de ambos se uniram. Se sentindo decepcionado e traído, o sonserino obrigou-se a permanecer no lugar, tendo o coração dilacerado mais profundamente. Se a ferida doesse o bastante, talvez o bruxo ali parado se afastasse dela de uma vez por todas. Quem sabe com isso se convencesse que o sonho acabou, já que a iniciativa de acariciar a mão de Owens veio de Hermione.

O loiro se concentrou no movimento dos lábios da garota, os mesmos lábios que tomou para si há poucas horas. Um Crucio doeria menos que as palavras que saíam da boca dela. “Eu gosto muito de você, Max”... O tempo agiu de má fé ao desacelerar, pois a moça sorrindo pareceu proferir isso lentamente. O estrago que tais palavras causaram o fizeram fechar os olhos e virar a cabeça para o lado, como que implorando com tal gesto que os sons cruéis não chegassem até ele. A mão que apoiava a prateleira repleta de livros fechou-se aos poucos.

Nauseado, saiu do lugar com os piores sentimentos o consumindo. Draco olhou com fúria para o livro que segurava desde que saiu de seu dormitório, lutava consigo mesmo para não jogá-lo longe ou amassá-lo. O título parecia rir dele, até que foi interpretado de outra forma. “O Amor é um Cão dos Diabos” era agora um aviso solidário, vindo de alguém que muito provavelmente compartilhava o sofrimento causado pelo amor. Disposto a voltar às Masmorras, se livrar das dores que gradativamente tomavam seu corpo, destruir alguma coisa e esquecê-la, Draco teve seu caminho interrompido bruscamente.

Com a raiva e o ressentimento o cegando, o garoto não pôde ver o corpo que bateu no seu, levando-o ao chão. Já irritado com a pessoa, o loiro olhou para cima com vontade de descontar todos os seus problemas em quem fosse o infeliz que tivera o azar de cruzar seu caminho justo naquele momento. E como que para aumentar seu desconforto, era um velho conhecido.

— Potter. - O desprezo característico estava presente mais uma vez.

— Ah, Malfoy. - O menino que sobreviveu disse. A mão que ofereceu para ajudar o sonserino a ficar de pé foi aceita a contragosto. - Sinto muito, estou com um mau pressentimento e procurando alguém, por isso não te vi. Você está…

— Para que se dá ao trabalho de usar esses óculos, Cicatriz? - Azedo, Draco perguntou ao ajeitar as roupas. - Sua cegueira, ao que parece, não tem cura. Muito menos sua estupidez.

— Ok, alguém acordou de mau humor hoje cedo. Grande novidade, Malfoy. Mas que tal não ser um estúpido cem por cento do tempo em que está consciente? A humanidade agradece. Mas falando sério, você está bem? - Ignorando seus instintos que tentavam o alertar que havia algo de errado com o sumiço prolongado de Hermione, Harry quis saber como o garoto em sua frente estava. Se fosse apostar, diria que prestes a matar alguém era a resposta mais adequada. Malfoy nunca foi uma pessoa agradável, pelo menos não com ele, mas o grifinório tinha a impressão que dessa vez era diferente. Se preocupou ainda mais quando sonserino com ar aristocrático suspirou e fechou os olhos, como se estivesse prestes a explicar a coisa mais simples do mundo a uma criança com dificuldade de aprendizado.

— Potter, eu estou farto do seu jeito intrometido desde a droga dos meus onze anos, e adoraria aproveitar a oportunidade para acabar de vez contigo. O que me impede que fazer isso é que especialmente hoje, estou tão enfurecido que prefiro não brigar. Sei que caso começasse, dificilmente conseguiria parar até que um de nós estivesse inconsciente, estendido no chão. Dificilmente seria eu. Só saia da minha frente e não faça perguntas, está bem?

De onde tirou a presença de espírito necessária para ameaçar o Eleito com tanta tranquilidade, Draco não saberia dizer. Diante do silêncio abismado do grifinório, o loiro tentou passar. Foi impedido quando Harry segurou em seu braço.

— Você claramente não está bem. O que foi?

— Qual é o seu problema, Testa Rachada? Você por um acaso é surdo? Eu disse “saia da minha frente”. - Descontrolado, Draco o empurrou.

— Malfoy, espere. - Harry tentou mais uma vez. - Por algum motivo você saiu daquele jeito do memorial e não pôde ouvir tudo o que eu disse, mas preciso que saiba… - Isso foi o bastante para despertar a curiosidade de Draco e fazê-lo ficar quieto no lugar. A sobrancelha arqueada pedia explicações, e foi o que recebeu. - Naquele dia, na mansão… Sabemos que nos reconheceu assim que nos viu. Se não tivesse mentido naquela hora, a história poderia ter sido bem diferente. O tempo que você nos deu salvou nossas vidas. Agradeço sinceramente.

— Só cale a porra da boca, Potter. Se é burro ao ponto de achar que fiz alguma diferença e quer mesmo me agradecer, apenas esqueça. Faça isso, porque eu não posso. - A dor no olhar do sonserino era tal que Harry jamais julgou possível vê-lo naquele estado. - Acha que eu gosto de lembrar que aquele dia aconteceu? Não fui eu que os salvou. Eu só… Fiquei lá. Se fosse por mim, a Granger teria morrido. Ela estaria morta por alguém da minha família, com a palavra que eu sempre usei para ofendê-la gravada na pele. Ela foi torturada sob o meu teto enquanto eu não podia… - Se corrigiu. - Não fiz nada.

— A Mione não te culpa. Nenhum de nós, na verdade. Não é como se você tivesse escolha, e tenho certeza que ela não acha isso pelo que… - Harry conseguiu frear a palavra “sente” a tempo. Jamais se perdoaria caso revelasse o maior segredo da amiga a alguém, principalmente a Draco.

— Eu ainda não sei porque estamos conversando, Potter. Não estou me sentindo bem, apenas me deixe em paz. - Ele disse, desejando estar na própria cama agora.

Talvez pelo estresse e os milhares de sentimentos disputando qual o machucaria mais, Draco não tenha percebido a própria dificuldade para respirar. Vez ou outra tinha crises de ansiedade, sabendo ou não o nome trouxa para isso, mas dessa vez havia outros sintomas. Suado e com uma dor abdominal cada vez mais aguda, tentou sair dali e fingir que aquela conversa nunca aconteceu. As palavras seguintes de Harry o fizeram parar.

— Entendo que seja difícil lidar com isso, mas pode contar comigo, se quiser. Talvez sejamos mais parecidos do que imaginamos. De uma forma diferente, também não tive escolhas. - Ainda parado e de costas para o grifinório, ele continuou a ouvir. - Pode me responder só mais uma coisa?

Virando-se, Draco exibia uma expressão cansada e um tanto doentia. Parecia que estava se recuperando de alguma doença capaz de deixá-lo muito debilitado. Quando o loiro vacilou um pouco em sua postura incólume e apoiou-se na parede, um sinal de alerta foi ligado na cabeça de Harry. A situação apenas piorou com a mão que o sonserino colocou sobre a barriga, como que para proteger-se da dor.

— O que foi agora? - Perguntou com a voz fraca.  

— Mione sumiu desde o fim do memorial e não a encontro em lugar algum. Estou preocupado e com um mau pressentimento… Por um acaso a viu desde então?

O sonserino grunhiu de dor. O som sôfrego que saiu de seus lábios vez Harry se aproximar em alerta máximo, pois algo de estranho definitivamente estava acontecendo. Sacou a varinha e modulou a voz para não desesperar o desafeto de infância.

— Malfoy, você tem algum problema de saúde ou teve contato com algum objeto amaldiçoado?

Com uma queimação nunca antes sentida e a fraqueza que o consumia cada vez mais, Draco naturalmente não seria um ouvinte dos mais pacientes. Atordoado pelo súbito mal-estar, tentou pensar nas perguntas de Harry e respondê-las sem implicar com o grifinório, pois o tom do garoto era sério. Até mesmo Draco estava preocupado, por isso mesmo buscou rapidamente nas últimas horas uma resposta para seu padecimento, que não tinha nada de normal.

Era involuntário, as lembranças da noite que passou com Hermione vinham e não queriam ir embora. Mas para o loiro tais recordações eram dolorosas, principalmente depois de vê-la se divertindo com Owens, o novo amigo, como se o beijo que trocaram há apenas algumas horas fosse nada. Bom, era provável que de fato não fosse. Mas Draco não queria pensar nisso agora. Sabe-se lá porque, mas precisava responder o Potter. Ar, precisava de ar também.

Sua mente estava a mil quando ele considerou que não estava doente, mas poderia ter pegado por acidente em algum objeto amaldiçoado. O que apareceu de novo para ele nesses últimos dias? O livro de Hermione, apenas isso. Todavia, ela também ficou perto do exemplar uma noite inteira e nada aconteceu. Uma mão do rapaz estava na parede, buscando apoio. A outra foi para o bolso da calça, encontrando o pássaro azul de papel que fez antes que as coisas ficassem ainda mais confusas. Não, ela não faria aquilo. Mas se seu corpo rebelava-se agora, era mais do que provável que tivesse magia negra envolvida. Só leu um poema do livro enquanto comia bombons enviados pela diretora, então se a magia só fizesse efeito após a leitura, talvez desse tempo para…

— É claro, os bombons. - Seu sussurro não foi ouvido pelo garoto de óculos que claramente estava em dúvida quanto ao que fazer. Notando isso, Draco fez o esforço necessário para falar mais alto, quase caindo no chão no processo. Por que droga suas pernas fraquejavam tanto com a possibilidade de tudo acabar assim tão de repente? Harry o segurou a tempo de ouvir a voz arrastada mais uma vez. - Veneno, Potter. Me ajude!

Harry não pensou em mais nada, precisava avisar Hermione. Onde a garota havia se metido, afinal? Não fazendo ideia, mas tendo plena certeza que seu Patrono a acharia, Harry fez o feitiço necessário. Quando o cervo envolto em luz azul apareceu, o moreno buscou ser direto. A vida de Malfoy dependia de sua agilidade.

— Mione, socorro. Malfoy foi envenenado! - Apreensivo, avisou.

Colocou toda e qualquer questão pessoal de lado ao socorrer Draco Malfoy com o máximo empenho. É bem verdade que o famoso senhor Potter tinha um bom coração e não negaria ajuda a quem fosse, mas de uma forma estranha, a felicidade de Hermione estava literalmente em suas mãos. O idiota pelo qual sua irmã era apaixonada não a faria sofrer de novo, Harry simplesmente não podia deixar. Ainda gostaria de rir muito de toda aquela história de Montecchio, Capuleto, e se possível, da peça de mau gosto pregada pelo destino. Isso não seria possível com Malfoy morto.

Ele então arrastou Draco como pôde em direção a Ala Hospitalar, que parecia muito mais distante agora. Ainda no caminho, recebeu o Patrono da amiga, dizendo para fazer Draco vomitar. Sim, aquele seria um dia longo e difícil. Não só para Harry, é claro.

Em algum momento entre o nascer do sol e os eventos desastrosos que se desenrolavam dentro e fora do castelo, o corpo docente de Hogwarts se reuniu com a diretora Minerva McGonagall. O objetivo da reunião era apresentar Rosemary Palmer - a recém-contratada para lecionar a matéria Estudo dos Trouxas - aos demais professores . A mulher de quarenta e quatro anos cumprimentava os novos colegas de trabalho, com simpatia e a consciência de que estava sendo seguida por um par de olhos azuis. Olhos esses que pertenciam ao responsável por instruir as turmas de Defesa Contra as Artes das Trevas.

Alheio as demais coisas que aconteciam na vida dos outros, Vince Adams não se julgava apto a deixar a nova professora em paz. Desde seus dezessete anos, o bruxo era apaixonado por uma garota que conheceu em uma festa. O problema era que a garota em questão reapareceu repentinamente em sua vida, e agora estava apenas a alguns metros de distância. Após tanto tempo, era difícil acreditar que ela estivesse ali.

Durante todo o período que se passou desde então até seus bem vividos quarenta e cinco anos, o professor de Defesa Contra as Artes das Trevas acreditou piamente que a mulher era trouxa. Vince tinha vários motivos para não se declarar para Mary na época, e entre os mais fortes estava o fato que uma trouxa não seria bem-vinda na família. Outra razão, essa igualmente preocupante, era a possível rejeição que Vince sofreria quando a loira descobrisse suas origens mágicas. No mínimo o julgaria louco. Até aquele domingo em especial, o homem nunca havia se sentido tão estúpido em toda sua vida.

Se não tivesse sido tão covarde e burro, poderia estar com ela agora. E mesmo que não fossem um casal atualmente, Mary certamente saberia quem ele era. Por mais que tivesse sua parcela de orgulho, o professor não era arrogante ou vaidoso. Todavia, saber que a mulher que até hoje lhe causava as mais variadas sensações sequer lembrava-se de sua existência era no mínimo humilhante. Talvez por isso um sorriso extremamente cínico estivesse como que costurado em seu rosto agora. McGonagall anunciou que a senhora Rosemary Lore Palmer era a nova professora de Estudo dos Trouxas, e como era um aborto, a diretora pediu que os colegas a auxiliassem no que fosse necessário.

Vince queria se bater. Uma mísera batida de cabeça na parede que fosse, qualquer coisa serviria. Perdeu a chance de ficar com a garota que amava e não havia ninguém a quem culpar, além de si mesmo. O despeito que sentia era tal que não conseguia parar de olhar com deboche para a nova colega de trabalho, o sorriso cínico a irritando cada vez mais. Normalmente, os olhos dela que pareciam esconder alguns mistérios, mas naquele instante Vince é que parecia guardar um grande segredo.

Quando as apresentações foram feitas, alguns dos professores foram aproveitar o dia radiante da forma que melhor os aprouvesse. Outros continuaram a socializar naquela sala. Vince agora segurava um copo de whisky de fogo na mão, sem fazer a menor questão de disfarçar o interesse pela novata. Interesse esse que não passava de despeito. Horácio Slughorn estava dando mais uma vez as boas-vindas a ela e garantindo que estaria à disposição sempre que a mulher precisasse, quando o senhor Adams sentiu o copo ser tomado delicadamente de sua mão. Distraído como estava, não chegou a notar a aproximação de McGonagall, por quem tinha muito carinho desde garoto.

— Vince, querido… - A diretora falou, recebendo um olhar vago antes do bruxo desviar a atenção novamente. - Você sabe ser mais discreto que isso.

— Discrição não tem dado certo para mim, Minerva. Talvez eu queira que ela note.

— O mesmo conquistador desde menino. - Era raro Minerva McGonagall rir em público, mas foi exatamente o que fez. Ela sempre teve preferência a alunos inteligentes e dedicados, e essas qualidades eram nítidas no pequeno corvinal desde seu primeiro ano. No que dizia respeito aos estudos, Vince era a versão masculina de Minerva, e com o tempo se tornou o filho que ela não teve. Se o senhor Adams pudesse escolher sua família, com certeza a escolheria como mãe. E como uma, a mulher tentava colocar algum juízo na cabeça dele. - Só não se esqueça que a senhora Palmer é nova no emprego e pode sentir-se intimidada com seus modos.

— Você é a bruxa mais brilhante que já conheci, portanto sabe muito bem que ela não é do tipo que se intimida fácil. - Vince sabia que a razão mais uma vez estava com ela, por isso resolveu apelar. O sorriso carinhoso dirigido a Minerva tinha como intenção desviá-la do assunto, mas as palavras eram verdadeiras.  

— Conheço seus truques, garoto. - Abaixando a voz, completou. - Inclusive, te ensinei alguns… Então não ache que pode me distrair assim tão facilmente. E lembro-me muito bem que prometeu se comportar quando aceitou a vaga de professor. Faça isso, meu querido. Conto com você.

— Pode deixar, diretora. - Vince sorriu mais uma vez para a mulher que se afastou. Um arrepio subiu por sua espinha quando uma voz melodiosa chegou até ele.

— Com licença.  

Virou-se a tempo de encontrar o olhar enviesado de Mary. Longe de assustá-lo, esse pequeno detalhe o fez abrir um sorriso genuíno. O professor tinha ciência que estava sendo infantil como o inferno, mas adorava saber que o incômodo era recíproco. Sentiu-se vingado ao perceber que a mulher com aparência angelical se irritava com sua presença.

— Senhora Palmer... O que achou de seus colegas de trabalho? - Perguntou cinicamente, o que não passou despercebido por ela.

— Adams. - O cumprimentou. Os olhos verdes de Mary o perscrutavam em busca de respostas. Ela as teria de um jeito ou de outro. Olhando mais uma vez para os olhos azuis do homem ali presente, continuou. - Foi uma recepção melhor do que eu esperava, para falar a verdade. Alguns bruxos se sentem incomodados em dividir espaço com um aborto, então é bom saber que muitos dos professores daqui são solícitos. Não vou fugir como uma garotinha assustada por receber alguns olhares feios.

— Espero que aprecie sua temporada em Hogwarts, Mary. - Então era isso, Mary achava que ele era preconceituoso? A seriedade se fez presente no rosto do senhor Adams. O semblante intrigado da moça voltou ao ouvir seu apelido mais uma vez na boca daquele estranho. Quem ele era, afinal? E por que droga se arrependeu de tirar o sorriso cretino do rosto dele? Alheio às suas dúvidas, o homem continuou a falar. - Espero que em breve você descubra que nem todas as pessoas tem como intenção te discriminar.

— Eu… - Mary tentou falar, sendo interrompida por ele.

— Se me dá licença, vou fingir que tenho um compromisso para poder deixá-la em paz.

— Espere, inferno. - Ela não precisou segurá-lo para detê-lo. Ainda bem que estava de costas, pois Vince chegou a achar graça da ousadia da mulher. Não daria esse gostinho para ela, então tratou de encará-la mais uma vez e manter uma postura que demonstrasse confiança. Abusou do carisma natural que sempre teve para provocá-la.

— O que deseja do inferno?

Não foram bem as palavras escolhidas que fizeram a provocação funcionar, e sim o jeito dele ao dizê-las. Mary o olhou como se ele fosse o próprio demônio, e o rubor que tomou as bochechas dela era no mínimo adorável.

— Seu charme não funciona contra mim, Adams. - Entredentes, foi o que conseguiu dizer. A raiva que sentia a fazia ser capaz de pular no pescoço do ser em sua frente e esganá-lo.

— Então quer dizer que eu sou charmoso? Agradeço pelo elogio, senhora.

— Ora seu… - Vince não conseguia mais segurar o riso, o que a fez soltar um suspiro frustrado. - Esqueça, ainda terei oportunidade de te nomear corretamente. É só que… Eu não deveria ter sugerido que você é preconceituoso. Isso não quer dizer que não seja, mas ainda assim.

— Isso deveria ser um pedido de desculpas? Se for, você está precisando treinar mais um pouco. Mas não comigo, não se dê ao trabalho.

— Tem razão, a culpa é sua por me tirar do sério. Acabo esquecendo de perguntar o que quero por causa disso.

— Para uma professora, te faltam bons modos.

— Vá para o inferno de uma vez. Só queria saber se conheceu meu falecido marido, Bruce Palmer. Por algum motivo muito estranho, devo frisar, você parece saber quem sou.

— Enquanto você não tem a mais remota ideia de quem seja Vince Adams… - Ele completou o que Mary deixou implícito.

— Sim.

— Escolha o adjetivo que quiser, não serei eu a me descrever. Se não estou em sua memória, use sua imaginação. Até mais, Mary.

Ainda frustrado, Vince saiu da pequena reunião para espairecer um pouco. Se não conseguiu esquecê-la nas mais de duas décadas em que ficaram separados, suas chances não eram as melhores agora. Andando a esmo pelos velhos corredores de sua infância, chegou a desejar sorte e sabedoria. O professor tinha a impressão de que independente do que acontecesse dali em diante, ele estaria perdido de qualquer forma.


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Notas finais do capítulo

Teorias sobre o envenenamento? Até o próximo capítulo, amores!