O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 7
Escolhas




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Fui para casa, disposto a cumprir à risca a proposta dos encontros: eu só veria Kelsey em horários e eventos preestabelecidos.

Assim, na manhã seguinte liguei para ela e nós marcamos um jantar à 17:30. Durante todo o dia fiquei em casa. Nem o cheiro de biscoitos assando, vindo da casa de Kelsey me fizeram ir até lá.

Às 17:30, em ponto, bati a campainha da casa ao lado. Eu me arrumei especificamente para aquele jantar e levei uma rosa que lhe entreguei quando ela atendeu a porta. Bem formal. Eu a levei até o meu carro, abri a porta e me certifiquei de que ela estava usando o cinto. Então lhe perguntei para onde iríamos, já que eu ainda não conhecia a cidade. 

— Vou apresentá-lo ao orgulho do Noroeste. Vou levá-lo a Burgerville.

Fomos conversando despreocupadamente durante o caminho. Contei a ela como Kadam estava me instruindo em diversos assuntos e como ele havia ganhado dinheiro e influência durante todos esses séculos de vida. 

— Ser imortal tem seu preço. O Sr. Kadam parece muito solitário e isso é algo que vocês três têm em comum. Vocês formam uma família. Ninguém pode compreender o que você passou melhor do que Kishan e o Sr. Kadam. Acho que a melhor coisa que podem fazer como pagamento é oferecer a ele o mesmo nível de lealdade. Ele considera você e Kishan como filhos e a melhor maneira de um filho honrar o pai é ser o tipo de homem que o deixaria cheio de orgulho.

— Você é uma mulher muito sábia, rajkumari. Esse foi um excelente conselho.

Enquanto comíamos, Kelsey me contou sobre a faculdade e sobre os encontros com o tal Jason e o outro, Artie.

— Ele praticamente engana as garotas, forçando-as a sair com ele. Mas é supercritico e egocêntrico.

— Hum.

Quando terminamos de comer, fomos dar uma caminhada. Peguei um cobertor no carro e perguntei a ela se poderia segurar sua mão.

— Você sempre segura minha mão.

— Não num encontro.

Paramos à beira de um lago e nos sentamos. Puxei Kelsey para o meu peito e a envolvi com os braços. Ela me lançou um olhar desconfiado.

— Só estou tentando aquecê-la.

— Esse é o truque mais velho do mundo — ela disse rindo com deboche.

Coloquei meus lábio próximo à sua orelha e sussurrei:

— Que outros truques eu deveria usar com você?

— Não sei por quê, mas acho que você vai descobri-los sozinho.

Conversamos por mais algum tempo. Era bom estar assim, perto de Kelsey. Eu senti falta dela, sobretudo do tempo em que passávamos conversando. Desde que ganhara minhas 6 horas como homem, tanta coisa aconteceu que eu não pude aproveitá-las com ela. Eu a abracei forte e confessei:

— Senti sua falta.

— Senti sua falta também.

— Nada foi igual depois que você partiu. A casa ficou sem vida. Todos notaram. Não fui o único que sentiu saudade. Até Kadam ficou abatido. Kishan dizia que o mundo moderno não tinha nada para lhe oferecer e várias vezes ameaçou ir embora. Mas eu o peguei em mais de uma ocasião escutando seus telefonemas também.

— Eu não queria tornar a vida de vocês mais difícil. Minha intenção era tornar as coisas mais fáceis, contribuir para que sua adaptação de volta ao mundo fosse um pouco menos complicada.

— Você não complica minha vida. Você a simplifica. Quando está perto, sei exatamente onde eu deveria estar: ao seu lado. Quando você se vai, apenas corro em círculos, confuso. Minha vida ficou desequilibrada. Fora de foco.

— Então eu sou a sua Ritalina, é?

— O que é isso?

— Um medicamento que ajuda as pessoas a ter mais concentração.

— É, acho que é isso. Não se esqueça: preciso de doses frequentes.

Foi um encontro tranquilo, feliz. Não foi intenso como eram nosso curtos momentos na Índia, não teve corações arrebentando no peito, nem beijos de perder o fôlego. Foi um momento mais maduro, mais feliz.

Voltamos para a casa e eu a deixei na porta.

— Shubharatri, Kells.

— O que isso quer dizer?

Eu lhe dei um sorriso e um beijo demorado na palma da mão.

— Quer dizer “Boa noite”.

Assim foram nossos encontros a partir aquele dia. Eu ligava para ela, nós marcávamos, eu a encontrava. E quando terminava o encontro, voltava para a minha casa, e não nos víamos até o próximo encontro marcado.

Um dia entrei em casa e senti o cheiro dela vindo do andar de cima. Fui até lá silenciosamente e a flagrei olhando meu computador. Parei na entrada, encostado casualmente no portal, com os braços cruzado.

— É apropriado pedir permissão antes de bisbilhotar documentos de outras pessoas, você não acha?

Ela se levantou assustada:

— Eu... eu estava procurando você e acabei me distraindo.

— Estou vendo.

Fechei o notebook e apoiei o quadril na mesa.

— Eu diria que você encontrou mais do que estava procurando.

Ela abaixou a cabeça, envergonhada. Então me olhou irritada:

— Você está escondendo coisas de mim?

— Não.

— Bem, tem algo importante acontecendo que você não quer me contar?

— Não

— Jure, faça um juramento real.

Eu tomei suas mãos nas minhas, olhei-a nos olhos e disse:

— Como o príncipe do Império Mujulaain, juro que não há aqui nenhum motivo de preocupação. Se não acredita, pergunte a Kadam.— Aproximei a cabeça um pouquinho mais dela. —Mas o que eu quero de verdade é a sua confiança. Não vou desmerecê-la, Kelsey.

— É melhor mesmo.

Eu levei seus dedos aos meus lábios e os beijei

— Não vou — prometi e lhe conduzi de volta para casa.

Nas semanas seguintes, nós assistimos a filmes, lemos juntos. Eu deixava bilhetes românticos para ela. Mas nós nunca mais nos beijamos.

Quando as aulas de Wushu se iniciaram, eu acompanhei Kelsey em uma aula experimental. No início da  aula, Li começou a demonstrar alguns golpes simples em Kelsey, com quem fez par, enquanto eu treinava com Jennifer, uma mulher simpática, que fazia parte da turma. Estava distraído, ajudando Jennifer com os movimentos, quando ouvi a voz de Li:

— Desculpe, Kelsey. Machuquei você? Eu não queria...

Kelsey havia sido derrubada, caindo de costas no chão. Corri até lá para ver se ela estava bem e empurrei Li para longe. 

— Ele machucou você, Kells? Você está bem?

Zangada e constrangida, ela respondeu:

— Ren! Eu estou bem! Li não me machucou. Eu só não estava prestando atenção. Acontece.

— Ele devia ter tomado mais cuidado!

— Estou bem — sussurrou baixinho. — E caramba! Você precisava atirá-lo no tatame do outro lado da sala?

 Eu a ajudei a se levantar, enquanto Li se aproximava dela.

— Você está bem, Kelsey?

— Estou bem. Não se preocupe. Foi minha culpa. Eu me distraí.

— É. Você estava distraída. — Ele disse irritado, olhando para mim — Belo golpe, mas gostaria de vê-lo tentar isso outra vez.

Abri um sorriso.

— Quando quiser.

Li sorriu de volta e estreitou os olhos.

— Mais tarde, então.

No fim da aula, Conversei com Li, que concordou em me deixar frequentar a turma, mas me cobrou um preço maior que dos outros alunos.

Kelsey continuava saindo com Li. Eu ficava cheio de ciúmes cada vez que eles tinham um encontro. Mas eu não fazia nenhum comentário, nem perguntava nada. Eu apenas me preocupava em fazer com que os nossos momentos juntos fossem especiais.

Eu continuava frequentando as aulas de Wushu e até simpatizava com Li, mas diante da situação, eu praticamente o ignorava e ele a mim.

Certo dia, Kelsey e eu havíamos combinado de ver um filme. Na hora combinada eu cheguei à casa dela, fizemos pipocas e nos sentamos à frente da TV. Nos divertimos tão relaxados, que resolvemos assistir a outro filme. Quando estávamos prestes a escolher, Kelsey lembrou-se de que tinha um encontro. Não com Li, mas com Jason. Ela pediu para eu ver o filme sozinho e subiu para se arrumar, enquanto eu fui à cozinha preparar mais pipoca.

Quando ela desceu, estava linda com um vestido azul escuro e sandálias altas de tira. Ela não tinha se arrumado assim para mim, nem para Li. O que esse tal de Jason tinha de especial? Me enchi de ciúmes e me levantei rapidamente, derrubando a vasilha de pipoca.

— Por que está vestida assim? Aonde você vai?

— Jason vai me levar para ver uma peça em Portland. Mas pensei que você tivesse algum tipo de política de não interferência cavalheiresca em relação aos meus encontros.

— Quando você se veste assim, posso interferir quanto quiser.

A campainha tocou e Kelsey abriu a porta. Eu me aproximei de suas costas e encarei o outro homem, carrancudo. Ele estava todo sorridente, mas assustou-se ao me ver.

— Ah, Jason, este é meu amigo Ren. Ele é da Índia e vai passar uns tempos aqui.

Eu estendi a mão e sorri, irônico.

— Tome conta direitinho da minha garota, Jason — disse com firmeza enquanto o encarava.

— Ahã. Pode deixar.

Depois que eles saíram, uma certa melancolia tomou conta de mim. Kelsey havia tentado me esquecer durante o tempo em que eu fiquei na Índia e ela aqui. Eu estava me arriscando muito deixando que ela saísse com outros homens. Mas eu precisava ter certeza de que ela estava comigo por escolha.

Resolvi ir para a minha casa. Escrevi-lhe um bilhete e deixei na bancada da cozinha

Nunca se perde por amar

Perde-se por se refrear

Barbara DeAngelis

Na manhã seguinte, telefonei cedo para Kelsey e nós combinamos de tomar café da manhã juntos e depois assistir a um filme. Eu estava preparando panquecas de banana com manteiga de amendoim quando ela desceu e reclamou porque eu não tinha lhe pedido ajuda.

Ela então assumiu a frigideira e preparou panquecas com gotas de chocolate. Estávamos comendo quando percebi um hematoma em seu braço.

— O que foi isso? O que aconteceu com você? Perguntei enquanto tocava seu braço delicadamente.

— O quê? Ah... isso. Tentei evitar que uma senhora fosse atropelada por um carro que se aproximava e ele bateu em mim. Eu caí.

Levantei-me imediatamente para examiná-la e ver se ela tinha outros machucados.

— Onde dói?

— Ren! É sério, eu estou bem. São só alguns cortes e arranhões. Ai! Não aperte aí!— me dando um tapa— Pare com isso! Você não é médico. São só umas contusões bobas. Além do mais, Jason estava lá comigo.

— Ele também foi atingido pelo carro?

— Não.

— Então não estava lá com você. Da próxima vez que eu encontrar esse cara, ele vai ficar com umas contusões semelhantes para que possa saber o que você sentiu.

— Ren, pare de fazer ameaças. Isso não importa mais. Eu disse a Jason que não queria mais sair com ele.

Sorri satisfeito.

Kelsey escolheu o filme. Assistimos "A Noviça rebelde". Gostei da música. Pausei o filme e peguei meu bandolim em casa, tentando reproduzi-la.

— É lindo! — Kelsey disse — Há quanto tempo você toca?

— Comecei depois que você partiu. Sempre tive bom ouvido para música. Minha mãe costumava pedir que eu tocasse para ela.

— Mas você pegou “Edelweiss” muito rápido. Já tinha ouvido essa canção?

— Não. Mas eu sempre fui capaz de tocar as notas só de ouvi-las.

Comecei a tocar outra canção do filme, depois mudei para uma melodia mais triste. Kelsey encostou a cabeça no sofá e fechou os olhos, ouvindo a música que compus para ela. O início triste e sombrio remetia à minha vida antes de encontrá-la. Depois ela trouxe esperança e alegria à minha vida, tornando-a mais alegre, mas no fim, ela foi embora e levou tudo isso com ela. Assim, a música terminava melancólica e triste.

Quando terminei de tocar, Kelsey abriu os olhos.

— O que foi isso? Nunca ouvi nada assim!

Suspirando, coloquei o bandolim sobre a mesa. 

— Eu a compus depois que você viajou.

— Você fez isso?

— Fiz. O nome é “Kelsey’ É sobre você... sobre nós. É a nossa história juntos.

— Mas o final é triste.

— Foi assim que me senti quando você partiu.

— Ah. Mas nossa história ainda não chegou ao fim, não é?

Ela colocou os braços ao redor do meu pescoço. Eu a abracei forte, encostando o nariz em seu pescoço para sentir seu cheiro doce, enquanto sussurrava seu nome.

— Não. Certamente ainda não acabou.

Ela tirou meu cabelo da testa e disse baixinho:

— É linda, Ren.

Eu a abracei apertado. Ela me olhou nos olhos com intensidade. Seus olhos percorreram meu rosto e pararam na minha boca. Percebendo o que estava prestes a acontecer, eu me afastei, deixando-a confusa.

— O que foi?

Eu suspirei e prendi um cacho de cabelo atrás de sua orelha.

— Eu não vou beijá-la enquanto estivermos nesse processo de escolha. — Respondi olhando para seu rosto — Quero que você tenha a cabeça lúcida quando me escolher. Você fica toda vulnerável quando a toco, quanto mais quando a beijo. Eu me recuso a tirar vantagem disso. Uma promessa feita num momento de paixão não é duradoura e eu não quero que você tenha dúvidas ou arrependimentos em relação à sua escolha.

— Espere um instante. Vamos ver se entendi: você não vai me beijar porque acha que seus beijos me deixam tonta demais para pensar com clareza? Que eu sou incapaz de tomar uma decisão consciente se estiver embriagada de paixão por você?

Eu assenti.

— Isso tem a ver com seus estudos antiquados de métodos de corte? Porque muitas dessas sugestões estão desatualizadas...

— Sei disso, Kelsey. Eu só não quero pressioná-la

Kelsey levantou-se irritada e foi até a cozinha, demorando-se um pouco por lá.  Ela voltou instantes depois e estava mais calma. Sentou-se a meu lado para terminarmos de ver o filme. Ela deitou a cabeça no meu ombro e começou a acariciar as costas da minha mão. Sua boca estava deliciosamente perto da minha e eu quase não estava mais prestando atenção ao filme.

Quando o filme terminou, levantei-me dizendo que era o fim do encontro. Ela levantou-se fazendo beicinho e começou a acariciar meus braços, me pedindo para ficar.

— Seu tempo como homem é tão curto. Não quer ficar comigo?

Eu toquei seu rosto.

— Mais do que quero respirar.

Ela colou o corpo no meu, que reagiu imediatamente. Então eu percebi que ela estava fazendo de propósito.

—Eu não vou beijar você, Kelsey. Não quero que fique confusa em relação ao que deseja. No entanto, se você optar por me beijar, não irei me opor.

Ela se afastou de mim e respondeu colocando as mãos no quadril e rindo com ironia:

— Rá! Pode esperar sentado. Essa notícia deve ser um choque para um homem que sempre consegue o que quer.

Eu coloquei minhas mão ao redor de sua cintura e a puxei para perto de mim, nossos lábios muito próximos e lhe disse:

— Não... o que eu... mais quero.

 Eu não iria beijá-la, mas ela também não me beijou. Eu me afastei dela.

— Você é tentadora demais, Kelsey. O encontro terminou.

Ela piscou os olhos e perguntou com a voz sedutora:

— Tem certeza absoluta de que precisa ir?

Ela estava me deixando louco. Eu queria muito beijá-la, mas estava determinado a não fazê-lo, embora estivesse sendo muito difícil.

Eu segurei seu rosto e ela colocou a mão dela sobre a minha, e, virando o rosto, beijou minha palma e seguiu deslizando os lábios por ali, enquanto eu prendia a respiração de desejo. Ela apertou meu braço e virou-se, subindo as escadas enquanto dizia:

— Bem... Tigre, se mudar de ideia, sabe onde me encontrar.

Minha vontade era ir atrás dela, envolvê-la em meus braços e beijá-la por horas. Fechei os olhos, respirei fundo, recuperando meu autocontrole.

Olhei para ela, sorri divertido e deixei a casa.


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