O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 30
Deixando Shangri-la




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Acordei com o choro de Kelsey. Ela estava sonhando e agitava-se durante o sono.  Levantei-me e fui para o seu lado, segurei seus ombros e a sacudi suavemente. Ela abriu os olhos e me olhou desesperada, depois recomeçou a chorar e me abraçou.

Eu a coloquei em meu colo e a abracei, acariciando suas costas enquanto ela chorava desesperadamente. Em algum momento ela parou. Havia dormido. Eu a coloquei no saco de dormir e me deitei a seu lado, abraçando-a pela cintura. Não demorou muito para ela acordar. Perguntei se ela estava bem, e ela me disse que não estava.

— Ele... se foi. Alguma coisa aconteceu. Acho... acho que Ren pode estar morto.

— O que aconteceu? Por que acha isso?

Kelsey me contou sobre o sonho que ela teve com Ren enquanto lágrimas desciam pelo seu rosto.

— Kelsey, é possível que tudo isso seja apenas um sonho, um sonho muito perturbador, mas nada mais que um sonho. Não é raro ter sonhos violentos quando se passa por uma experiência traumática, como a luta que tivemos com os pássaros.

— Talvez. Mas eu não sonhei com os pássaros.

— Mesmo assim, não podemos ter certeza. Lembre-se de que Durga disse que o protegeria.

— Eu me lembro. Mas foi tão real.

— Não tem como ter certeza.

— Talvez tenha.

— O que você está pensando?

— Acho que devíamos fazer outra visita aos silvanos. Talvez possamos dormir no Bosque dos Sonhos e eu consiga enxergar o futuro. De repente eu vejo se podemos salvá-lo ou não.

— Acha que isso vai funcionar?

— Os silvanos disseram que, se eles têm um problema grave para resolver, vão até lá em busca de respostas. Por favor, Kishan. Vamos tentar.

Enxuguei uma lágrima do rosto dela e concordei.

— Está bem, Kells. Vamos procurar Fauno.

— Kishan, mais uma coisa. O que significa hridaya patni?

Fiquei surpreso ao ouvir aquela expressão que não ouvia a tantos anos.

— Onde você ouviu isso?

— No sonho. Ren me disse isso antes de nos separarmos.

Me perguntei se Ren já tinha dito aquilo antes para Kelsey. Me parecia algo muito íntimo, que não se diz para uma namorada, mas para uma esposa. Aparentemente, era assim que Ren via Kelsey. Levantei-me incomodado e saí da tenda.

Apoiei os braços em um galho de árvore e fiquei pensando em como eu e Kelsey ficaríamos juntos, se meu irmão expressava sentimentos tão profundos por ela. Eu sabia que algo iria mudar e comecei a me preocupar com a segurança de Ren. Mas eu não queria que Kelsey ficasse preocupada, então virei-me para voltar a tenda, mas me deparei com ela, que tinha me seguido e estava em pé atrás de mim.

— É a forma carinhosa como nosso pai chamava nossa mãe. Significa... “esposa do meu coração”.

Caminhamos o dia todo até à aldeia dos silvanos. Kelsey estava ansiosa e triste e recusou-se a parar para descansar.

Quando chegamos, os silvanos ficaram felizes em nos rever e queriam fazer uma festa em comemoração, mas Kelsey declinou, pedindo para dormir no bosque dos sonhos. Eles perceberam sua tristeza  e deixaram-na sozinha em um chalé. Eu ainda estava deslocado, e um pouco preocupado, mas tentei retribuir a simpatia daquelas pessoas.

A família de Tarik, bebê silvano que nasceu na nossa primeira noite na aldeia, trouxe a criança até a mim, e eu fiquei impressionado ao vê-lo. Apesar de terem se passado apenas alguns dias desde que partimos, Tarik aparentava ter mais ou menos 2 anos, já andava e até falava. Fauno me explicou que as crianças silvanas crescem e amadurecem rápido. Perguntei se poderia levá-lo até Kelsey, imaginando que a presença da criança pudesse animá-la, e a família concordou. 

— Quero que você veja quem está aqui, Kells.

Kelsey olhou sorrindo para Tarik, e perguntou com a voz meiga:

— Quem é este?

— Você pode dizer seu nome à moça bonita?

— Talque — disse o menino.

— Seu nome é Talque?

Tarik sorria para Kelsey, que sorria de volta. Eu também sorri.

— Na verdade, o nome dele é Tarak.

O rosto de Kelsey demonstrava surpresa:

— Tarak? É impossível! Ele parece já ter quase 2 anos!

— Ao que parece, os silvanos amadurecem rapidamente.

— Incrível! Tarak, venha aqui e me deixe ver você.

Ela esticou os braços e eu encorajei o garoto a ir até ela.

— Você agora é um menino tão grande! E tão bonito também! Quer brincar? Veja isto— Tirando o lenço do pescoço— Bichinhos de pelúcia, por favor.

Vários animais de brinquedo surgiram, inclusive um tigre, que eu apanhei, mostrando a Tarak como um seria seu rugido. Olhei para Kelsey, que sorrindo, mexeu os lábios em um “obrigada” silencioso. Fiquei aliviado por vê-la um pouco mais alegre.

Depois de brincarmos um pouco, levei Tarak de volta à família para que Kelsey pudesse se preparar. Quando voltei, disse a ela que as silvanas tinham lhe preparado um banho e que eu a esperaria no bosque.

Fui caminhando devagar, pensando em tudo o que acontecera. Eu tinha certeza de que o destino de Kelsey estava ligado ao meu e que nós ficaríamos juntos, mas agora estava preocupado sobre a que custo isto aconteceria.

Cheguei ao bosque e observei a cama. Lembrei-me daquela primeira noite e do sonho que eu tive. A esperança encheu meu peito, mas a culpa veio logo depois. Resolvi fazer uma outra cama para mim. Pedi ao lenço que criasse uma rede e a pendurei entre duas árvores. Quando Kelsey chegou, eu estava terminando de pendurá-la.

— Não está interessado em dividir a suíte de lua de mel novamente, pelo que estou vendo.

Respondi ainda de costas:

— Só pensei que seria melhor...

Me virei e a vi tão bela e reluzente como uma princesa das fadas. Senti meu corpo estremecer de leve com a vontade de tê-la em meus braços. Me virei rapidamente e voltei a ajeitar o nó da rede.

— Decididamente, é melhor você dormir sozinha desta vez, Kells. Ficarei confortável aqui.

— Como quiser.

Deitei-me na rede enquanto observava Kelsey arrumar os lençóis de sua cama.

— Você está muito... linda — Falei baixinho

Ela deslizou a mão pelo roupão que usava e me agradeceu, subindo na cama em seguida. Assim que dormi, comecei a sonhar. E sonhei com Ren. Nós estávamos no iate e discutíamos. 

—Você subestima os sentimentos dela.

—Não faz diferença. Tomei a minha decisão.

—Você não é o único envolvido.

—Sei disso. Mas é para o bem maior. É claro que você vê isso.

—O que eu vejo, penso ou quero não importa.

—É assim que tem que ser, Kishan. Não vou permitir que isso aconteça de novo.

—Não foi culpa sua.

—Foi sim. Eu fiz isso. Preciso aceitar as consequências.

—Ela vai ficar magoada.

—Você vai estar lá para ajudar.

—Não vai fazer diferença.

—Vai, sim — Ren pôs a mão no meu ombro.—Com o tempo... vai, sim.

—Você precisa falar com ela. Se vai terminar com Kelsey, ela merece ouvir da sua boca.

Acordei e vi Kelsey deitada em sua cama. Ela tinha os olhos abertos, fitando o céu e sua expressão era vazia. Chamei por ela, que não me respondeu. Então eu me levantei e fui até lá.  Coloquei minha mão sobre ela e a levantei. Kelsey não esboçou reação. Preocupado, me sentei na cama e apoiei o corpo dela, aninhando-a em meu peito.

— Kelsey, por favor, diga alguma coisa. Fale comigo. Não suporto vê-la desse jeito.

Eu fiquei ali, com ela em meus braços, balançando seu corpo junto ao meu, mas ela não reagia. Comecei a ficar preocupado, imaginado se a mente de Kelsey tinha ficado perdida em algum sonho. Talvez ela tenha sonhado com Lokesh e ele tivesse usado magia para prender sua alma. Lágrimas encheram meus olhos e começaram a descer pelo meu rosto. Então eu ouvi a voz dela:

— Está chovendo? Não pensei que chovesse aqui.

Fiquei tão aliviado que não consegui responder, enquanto as minhas lágrimas continuavam caindo.

— Kishan?

Ela me olhou e, surpresa, colocou a mão no meu rosto:

— Kishan? Por que você está chorando?

Sorri brevemente, aliviado:

— Pensei que a tivesse perdido, Kells.

— Ah.

— O que você viu que a levou para tão longe de mim? Você viu Ren?

— Não. Não vi nada. Meus sonhos estavam cheios de uma escuridão fria. Acho que isso significa que ele está morto.

— Não. Eu não acredito nisso, Kells. Eu vi Ren em meus sonhos.

A expressão dela mudou. Ela parecia aliviada.

— Você o viu? Tem certeza?

— Sim. Estávamos num barco, discutindo.

— Poderia ser um sonho do passado?

— Não. Estávamos num iate moderno. No nosso iate.

Ela mudou de posição, sentando-se mais ereta:

— Você tem certeza de que o sonho se passava no futuro?

— Tenho.

Ela me abraçou e me beijou as bochechas, sorrindo de felicidade. Mas eu precisava dizer a ela o que eu vi:

— Espere, Kells. A questão é que, no sonho, estávamos discutindo sobre...

Ela segurou minha camisa e me sacudiu sorrindo.

— Não quero nem saber sobre o que estavam discutindo. Vocês dois sempre discutem.

— Mas acho que devia contar a você...

Ela pulou do meu colo e começou a juntar nossas coisas apressadamente, enquanto me dizia:

— Conte mais tarde. Agora não temos tempo. Vamos embora. O que estamos esperando? Um tigre precisa ser resgatado. Venha!

Nos despedimos dos silvanos logo após o café da manhã que eles nos tinham preparado e caminhamos para o portão dos Espíritos. Não falamos mais sobre meu sonho, mas Kelsey estava feliz e aliviada, assim como eu. Eu estava feliz, porque sabia que meu irmão estava bem e que nós conseguiríamos resgatá-lo e porque agora eu sabia que Kelsey seria minha e isto não custaria a vida de ninguém.

Por algum motivo, Ren terminaria com Kelsey. Talvez a experiência que ele vinha vivendo no cativeiro esteja mudando os sentimentos dele, ou talvez ele perceba que Kelsey não seja o amor da vida dele, como ele pensava. Talvez ele conheça outra pessoa. Não importava. Eu estava certo. Kelsey era meu destino e não o dele.

Chegamos ao portão em dois dias. Kelsey pediu ao lenço roupas de frio para nós, depois evocou o poder de raio e colocou a mão sobre a marca. Sua mão brilhou e o portão se abriu. Nos olhamos e eu me senti triste por deixar aquele lugar em que eu podia ser homem o tempo todo, onde estava com ela o tempo todo e onde o futuro de felicidade se revelou para mim.

Tirei a luva e toquei o rosto dela, que sorriu e me abraçou. Eu a segurei em meus braços e a apertei. Ela se desvencilhou e colocou a luva, atravessando o portão e passando para um dia ensolarado no Monte Everest.

Observei as botas dela marcarem a neve, e com pesar, atravessei o portão, tornando-me o tigre negro imediatamente.


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