O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 28
Saída




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Demorou um pouco até que eu conseguisse nos estabilizar no ar, abrindo nossos braços em um arco. Assim que consegui, ouvimos o barulho de um pássaro de metal acima de nós.

Comecei a erguer os braços para nos desviarmos da ave. Erguia o braço esquerdo para ir para a direita e o direito para ir para a esquerda. O pássaro se mantinha em nosso encalço. 

— Segure-se, Kells!

Puxei nossos braços para junto do corpo e abaixei nossas cabeças. Começamos a descer com velocidade. O pássaro dobrou as asas e nos seguiu.

— Vou nos virar! Tente atingi-lo com um raio! Pronta?

Nos virei e Kelsey acertou a barriga e o bico da ave, que afastou-se irritada. Eu nos virei novamente e nos estabilizei. Depois, liberei o paraquedas e agarrei a cintura de Kelsey diminuindo nossa velocidade. Eu a soltei e segurei os batoques.

— Tente mirar no estreito entre as duas montanhas! Gritou Kelsey.

Ouvimos o grito dos pássaros e vimos que três deles vinham em nossa direção. Kelsey pegou o arco e começou a lançar flechas embutidas com seu poder de raio. Ela acertou um deles, que foi eletrocutado. Um outro nos acertou com a asa, fazendo-nos rodopiar. Kelsey acertou-o com o raio e ele se afastou irritado.

O terceiro pássaro então saiu do campo de visão de Kelsey e atacou, abrindo um grande buraco no tecido com as garras. O paraquedas danificado nos lançou em outra queda livre. O vento sacudia violentamente o velame rasgado e eu não conseguia nos guiar. Comecei a temer pelo pior.

Então o tecido do paraquedas começou a se consertar sozinho, voltando a se inflar depois de pronto, permitindo-me nos guiar novamente. O pássaro reapareceu e conseguiu se esquivar das flechas de Kelsey, gritando furioso.

— Temos que pousar!

— Estamos quase lá, Kells!

Pelo menos dez pássaros desciam em nossa direção e não havia nada que pudéssemos fazer.

Chegamos ao solo e nos livramos dos cordames o mais rápido possível. Uma das aves atacou o para quedas, destruindo-o. Ataquei-a com o chakram e Kelsey recolheu os restos enquanto a ave se afastava.

— Por favor, se reconstitua.

Eu continuei lançando o chakram, mas não dava conta sozinho.

— Uma ajudinha aqui, Kells!

Kelsey começou a atacá-los com as flechas. Até que me pediu para distraí-los pois sabia o que fazer. Ela se afastou e eu pude ouvi-la dizendo “recolha os ventos”, sem sabem se era comigo e o que aquilo significava. Mas não tinha tempo para perguntar a ela. As aves continuavam tentando nos atacar.

Comecei a ouvir o som de vento forte soprando, mas não prestava atenção, porque todos os pássaros estavam me cercando, chegando cada vez mais perto.

— Kishan! Fique atrás de mim!

Olhei rapidamente e Kelsey segurava uma sacola com muita dificuldade. Lancei o chakram com força e corri em direção a ela, enquanto as aves se afastavam do meu disco. Segurei uma das alças da sacola e agarrei o chakram com a outra mão, quando ele estava muito próximo do pescoço de Kelsey. Ela me olhou assustada e eu sorri sem graça.

— Muito bem. Pronto? Um, dois, três! 

Abrimos a sacola, que liberou uma grande quantidade de vento. Kelsey tinha aprisionado todos os ventos de Shangri-la e estava soltando-os sobre os pássaros, fazendo-os fugir depressa em direção à árvore do mundo. Quando os ventos cessaram, olhei para Kelsey, incrédulo:

— Kelsey. Como você...

— Lenço, por favor.

A sacola encolheu e se transformou no lenço.

— A resposta é: não sei. Quando Hugin e Munin clarearam nossa mente, eu me recordei de histórias e mitos que já ouvira antes. Lembrei-me de coisas que a Divina Tecelã nos contou e também de especulações do Sr. Kadam. Ele tinha me contado a história de um deus japonês chamado Fujin, que controlava os ventos e os carregava numa sacola. Eu também sabia que esse tecido era especial, como o Fruto Proibido.

— Hum.

— Talvez tudo estivesse em minha mente todo o tempo ou talvez Hugin tenha soprado essas coisas em meus pensamentos. Não tenho certeza. Sei que o lenço pode fazer mais alguma coisa, algo que vai nos ajudar a salvar Ren, mas temos que sair daqui antes que os pássaros retornem. Aí então eu mostro a você.

— Tudo bem, mas primeiro tem uma coisa que eu preciso fazer.

— O que é?

— Isto.

Eu não podia mais me conter. Estávamos vivos, depois de tudo o que passamos. Cumprimos nossa tarefa daquele lugar mágico. Eu estava feliz.

Puxei Kelsey para mim, segurei firme sua cintura e trouxe seu corpo para perto do meu. Coloquei uma das mão sob sua cabeça e a beijei. Foi um beijo de verdade desta vez. Coloquei meus lábios sobre os dela e minha língua em sua boca. Senti o gosto dela me envolvendo, o calor dos lábios dela tomaram conta da minha boca, meu corpo estremeceu levemente. Kelsey não me repeliu. Foi rápido e intenso.

Eu a ergui e girei no ar, gritando de felicidade. Quando a soltei, ela se afastou e me olhou confusa.

— Qual foi o motivo disso?

— Só estou feliz por estar vivo!

— Certo. Mas da próxima vez guarde seus lábios para si mesmo.

Eu suspirei frustrado ao ver que ela estava irritada.

— Não fique aborrecida, Kells.

— Eu não estou aborrecida. Eu... eu não sei o que pensar sobre isso. Aconteceu tudo rápido demais para que eu sequer reagisse.

Eu a olhei de lado e sorri.

— Prometo ir mais devagar da próxima vez.

— Que próxima vez? — perguntou irritada

— Não precisa fazer uma tempestade por causa disso. É só uma reação natural ao fato de ter escapado por pouco da morte. É como quando os soldados voltam da guerra e agarram uma garota para beijar assim que desembarcam.

— É, talvez, mas a diferença é que esta garota estava no barco com você. Fique à vontade para agarrar qualquer garota que quiser quando voltarmos à terra, marinheiro, mas esta aqui não quer saber de agarramento.

Eu cruzei os braços lembrando-me da reação dela durante o beijo.

— É mesmo? Suas mãos estavam bem ativas, se quer saber.

— Se minhas mãos estavam em você — falou, indignada — era para empurrá-lo!

— Se é isso que você precisa dizer a si mesma para ter a consciência limpa no fim do dia, tudo bem. Você só não quer admitir que gostou.

— Humm, deixe-me ver. Tem razão, Casanova. Eu gostei, sim. Quando acabou.

— Você é teimosa. Não é de admirar que Ren tenha tido tantos problemas.

— Como você ainda se atreve a mencionar seu irmão?

— Quando vai encarar os fatos, Kells? Você gosta de mim.

— Não estou gostando tanto assim de você agora! Será que podemos voltar para o portão do espírito e esquecer essa conversa?

— Sim. Mas vamos retomar o assunto mais tarde.

— Quem sabe no dia que Shangri-lá congelar.

Apanhei a mochila e a segui, sorrindo.

— Posso esperar até lá. Você primeiro, bilauta.

— Ladrão de beijos.

Kelsey seguiu irritada. Eu tentei conversar mas ela me ignorava o tempo todo, deixando-me falar sozinho.

Eu sabia que ela não estava com raiva de fato. Ela parecia mais perturbada do que irritada, e eu sabia o porquê.

A minha relação com Kelsey havia mudado. Quando Ren foi sequestrado e eu confessei meus sentimentos a ela, o que Kelsey demonstrou foi compaixão por mim. Conforme o tempo foi passando, nós fomos ficando mais próximos. Depois de todas essas semanas sozinhos em Shangri-lá, depois de termos passados por certas transformações juntos e termos tido certas visões, já que eu estava certo de que Kelsey também sonhara comigo na terra dos silvanos, nós dois estávamos mais próximos, mais íntimos. Meu toque não incomodava Kelsey como no início. Ela não rejeitava meus beijos como no início e não falava de Ren como falava antes.

Eu sabia que ela ainda não o tinha esquecido, mas, mesmo sem querer, ela estava pensando em mim de outra forma e poderia me aceitar como homem além de amigo. Não demorou muito para que voltássemos a conversar normalmente. Quando anoiteceu, paramos para dormir.

— Você fica com o saco de dormir, Kells.

— Não precisa. Veja isto: Uma tenda grande, um saco de dormir, dois travesseiros macios e uma muda de roupa para cada um de nós, por favor.

O lenço começou a mudar de forma, como se tivesse tecendo algo. Em pouco tempo tínhamos uma tenda grande com travesseiros e roupas, como Kelsey tinha pedido.  Ela entrou na tenda e me chamou

— Como ele escolhe a cor? — perguntei.

— Acho que depende do humor do Lenço ou talvez do que você pede. A tenda, o saco de dormir e os travesseiros, todos parecem ter o aspecto que deveriam ter. O Lenço muda de cor por conta própria. Percebi isso enquanto caminhava.

Saí para trocar de roupas e quando voltei, Kelsey já havia se deitado de costas para a entrada da tenda. 

Eu sabia que ela estava acordada, e fiquei olhando para ela. 

Achei que talvez ela quisesse que eu dormisse a seu lado, como homem ou como tigre, ou que quisesse conversar. Mas ela não disse nada. 

Entrei em meu saco de dormir e esperei mais um pouco. Entendi que ela não falaria. 

— Bem... boa noite, Kells.

— Boa noite, Kishan.


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