O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 26
Hugin e Munim




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/758448/chapter/26

 

Recomeçamos a subida pelos degraus, que iam ficando cada vez mais estreitos, até que encontramos uma corda pendurada. A corda pendia do alto de uma árvore. Eu disse à Kelsey para subirmos por ela, mas Kelsey se recusou.

Depois de 5 minutos pelas escadas, os degraus tornaram-se apenas protuberâncias. Começamos a descer em direção à corda. Eu imaginei que Kelsey não conseguiria subir por ali, então tive uma ideia. Estava pensando sobre isto quando ela comentou:

— Não creio que tenha força suficiente nos braços para subir toda essa altura.

— Não se preocupe com isso. Eu tenho força suficiente para nós dois.

— O que exatamente você tem em mente?

— Vai ver.

Quando chegamos, peguei a mochila de suas costa e pedi para que ela se aproximasse.

— O que você vai me obrigar a fazer?

— Você vai envolver meu pescoço com os braços e depois passá-los pelas alças superiores da mochila.

— Está bem, mas não tente nada engraçado. Eu sinto muitas cócegas.

Eu peguei seus braços e os coloquei ao redor do meu pescoço. Depois a ergui, deixando seu rosto perto do meu. Levantei a sobrancelha e dei um leve sorriso.

— Se eu tentasse alguma coisa, juro a você que não seria para arrancar uma risada.

Ela riu nervosa. Eu continuei sério.

— Beleza. Vamos nessa.

Eu me preparei para saltar. Mas antes, olhei para baixo, a fim de me certificar de que Kelsey estava pronta. Ela olhava para cima e meus olhos pararam direto em seus lábios. Eu não resisti e encostei meus lábios nos dela, que reclamou, mas não parecia com raiva:

— Kishan.

— Desculpe. Não pude resistir. Você está presa e pelo menos dessa vez não pode fugir de mim. Além disso, sua boca é tentadora. Você devia ficar feliz por eu ter me segurado tanto assim.

— Sei.

Então eu saltei no ar e agarrei a corda, içando nós dois através dela. Fomos subindo devagar, sempre tomando cuidado para não machucar Kelsey.

Quando chegamos perto da construção no alto da árvore, esperei Kelsey se soltar e alcançar o piso.

Depois eu me balancei e saltei até lá. Eu estava feliz e me divertindo.

— Pare de se exibir, pelo amor de Deus. Você percebe a altura em que estamos e que você poderia despencar para uma morte horrível a qualquer momento? Está agindo como se esta fosse uma aventura superdivertida.

— Não faço a menor ideia da altura em que estamos. E não dou a mínima. Mas, sim, estou me divertindo. Gosto de ser homem o tempo todo. E gosto de estar com você.

Eu envolvi a cintura dela com as mãos e a puxei para mim. Ela reclamou e afastou-se rapidamente. Mas eu sentia que ela estava cada vez menos relutante e parecia corresponder a meus toques. Afinal, até onde eu sabia, ela já havia passado mais tempo comigo do que com Ren.

Sentamo-nos no chão e lemos as anotações de Kadam. Supostamente estávamos na casa dos pássaros, mas o lugar parecia vazio. Kelsey gritou:

— Olá? Tem alguém aqui?

Em resposta, ouvimos o som de asas batendo e uma grasnada. Olhamos para o alto e vimos dois corvos em um ninho. Eles começaram a voar ao nosso redor, fazendo acrobacias. Eles se aproximaram de nós. Agarrei o chakram preparando-me para atacar. Kelsey segurou minha mão e balançou a cabeça:

— Vamos esperar e ver o que eles fazem.O que vocês querem de nós?

Um dos pássaros olhou para Kelsey e provou o ar com sua língua. Depois disse:

— Querendinós?

— Você entende o que falo?

Os dois pássaros moveram a cabeça para cima e para baixo, parando de vez em quando para alisar as penas.

— O que estamos fazendo aqui? Quem são vocês?

Os pássaros, saltitando, aproximaram-se um pouco mais. Um deles disse “Hughhn”, e o outro disse “Muunann”. Surpresa, Kelsey pergunto a eles?

— Vocês são Hugin e Munin?

Eles balançaram a cabeça e aproximaram-se.

— Vocês roubaram minha pulseira?

— E o amuleto? — acrescentei.

As cabeças fizeram que sim.

— Bem, queremos tudo de volta. Vocês podem ficar com os pães de mel. Já devem tê-los comido mesmo.

Os pássaros grasnaram, estalaram os bicos e bateram as asas. Kelsey cruzou os braços e os desafiou:

— Não vão devolvê-los, hein? Isso é o que veremos.

Os pássaros se aproximaram ainda mais e um deles pousou no joelho de Kelsey, deixando-me agitado. Toquei o chakram, pronto para usá-lo, mas Kelsey me interrompeu, tocando meu braço

— Se eles são Hugin e Munin, sussurram pensamentos e lembranças nos ouvidos de Odin. Podem querer se empoleirar em nossos ombros e nos falar.

Ela inclinou a cabeça em direção ao pássaro, que se empoleirou em seu ombro e levou o bico até seu ouvido. Ele parecia estar puxando algo lá de dentro. Fiquei atento ao rosto de Kelsey, que parecia não estar incomodada.

— O que você está fazendo? — perguntou ela.

— Pensamentosemperrados.

— O quê?

— Pensamentosemperrados.

Então o pássaro puxou um fio transparente de dentro do ouvido de Kelsey. Ela colocou a mão tampando-o e reclamou:

— O que você fez? Roubou parte do meu cérebro? Fiquei com alguma lesão cerebral?

— Pensamentos emperrados!

— O que isso significa?

O fio se desfez enquanto Kelsey olhava para o pássaro. Ela parecia assustada e preocupada. Eu me aproximei dela e toquei sua mão:

— Você está bem? Como está se sentindo?

— Estou bem. É só...

Ela estava com uma expressão confusa, mas mudou, como se tivesse compreendido algo. O outro pássaro se aproximava de mim, ansioso. Olhei para ele desconfiado, mas Kelsey me tranquilizou:

— Está tudo bem, Kishan! Vá em frente. Deixe-o pousar em seu ombro. Não vai machucá-lo. Acredite em mim.

Ainda desconfiado, inclinei a cabeça em direção à ave, que voou até mim e aproximou o bico do meu ouvido. Ouvi Kelsey perguntar ao outro pássaro:

— Munin está fazendo a mesma coisa com Kishan?

Não ouvi a resposta.

— Então qual é a diferença? O que ele vai fazer?

— Espere para ver.

— Espere para ver?

Eu comecei a ter visões. Não eram visões exatamente, mas lembranças, tão claras como se eu estivesse assistindo a um filme. Lembrei-me do meu primeiro encontro com Lokesh, da primeira vez que vi Yesubai e de tudo o que ocorreu desde então. Mas era como se eu estivesse vendo tudo de fora, percebendo a partir de outro ponto de vista.  

O pássaro se afastou e eu o vi engoli um fio escuro que ele havia retirado do meu ouvido. Kelsey se aproximou curiosa.

— Hum... isso parece diferente. Kishan? O que aconteceu? Você está bem?

— Estou bem. Ele... ele me mostrou.

— Mostrou o quê?

— Ele me mostrou minhas lembranças. Em todos os detalhes. Eu vi tudo o que aconteceu. Vi tudo o que se passou comigo e com Yesubai novamente. Vi meus pais, Kadam, Ren... tudo. Mas com uma grande diferença.

Ela segurou minha mão, preocupada:

— Que diferença?

— Aquele fio negro que você viu... é difícil explicar, mas é como se o pássaro tivesse tirado um par de óculos de sol muito escuros dos meus olhos. Vi tudo como se passou de fato, como aconteceu de verdade. Não mais apenas na minha percepção. Era como se eu fosse um observador externo.

— A lembrança agora é diferente?

— Não é diferente... é mais clara. Pude ver que Yesubai era uma garota doce que gostava de mim, mas que foi, sim, encorajada a me procurar. Ela não me amava da mesma maneira que eu a amava. Tinha medo do pai. Ela o obedecia em tudo, no entanto também estava desesperada para sair de casa. No fim, foi o pai quem a matou. Ele a empurrou violentamente... com força suficiente para quebrar-lhe o pescoço.

Olhei para Kelsey que me ouvia atentamente.

— Como pude não perceber seu medo, sua ansiedade? Ela os escondeu bem. Lokesh tirou vantagem de meus sentimentos por Yesubai. Eu devia ter visto quem ele era desde o início, mas estava cego, apaixonado. Como pude não enxergar isso antes?

— O amor às vezes leva a gente a fazer coisas malucas.

— E você? O que viu?

— Eu acho que tive o cérebro aspirado. Meus pensamentos estão mais claros, assim como as suas lembranças. Na verdade, agora sei como pegar o Lenço e o que vem em seguida. Mas vamos por partes.

Kelsey levantou-se, foi até o ninho das aves e o ergueu. Ela parecia saber exatamente o que fazer. Os pássaros agitaram-se irritados.

— Sinto muito, mas a culpa é sua mesmo. Foram vocês que clarearam a minha mente. Além disso, estas coisas são nossas. Precisamos delas.

Kelsey pegou nossos objetos enquanto as aves nos olhavam irritadas.

— Talvez possamos lhes dar outras coisas para compensar sua perda.

Procurei por algo na mochila e encontrei um anzol, um bastão fosforescente e uma bússola. Coloquei os objetos no ninho e Kelsey o devolveu ao lugar. Mugin e Hugin voaram até lá para inspecionar os presente.  

— Obrigada aos dois! Vamos, Kishan. Venha comigo— Ordenou Kelsey, tomando a frente, como se estivesse muito certa sobre o que fazer a seguir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O resgate do tigre" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.