O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 25
Os morcegos




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Na manhã seguinte, depois de comermos, recomeçamos a subida pela árvore do mundo. Nós visualizamos uma passagem para o lado de fora, onde o sol brilhava. Passamos para o exterior, mas ali os degraus não eram cercados. Kelsey estava com medo e recusava-se a olhar para baixo. Eu estava impressionado pela altura em que nos encontrávamos. Mesmo com minha visão de tigre, era impossível enxergar o chão lá embaixo de onde estávamos.

Kelsey caminhava lentamente, o mais próximo possível do tronco, enquanto eu ia à frente, explorando os galhos grossos que se estendiam. Depois de algumas horas caminhando, Kelsey encontrou um buraco que nos levava de volta para o interior da árvore. Essa parte do tronco era mais escura e úmida. A água gotejava lá dentro, caindo de algum ponto no alto. As paredes mudaram de lisas para lascadas e descascadas. Nossas vozes produziam eco. Parecia haver uma grande fenda na árvore, como se ela tivesse sido escavada.

— É como se essa parte da árvore estivesse morta, como se tivesse sido danificada.

— Verdade. A madeira sob nossos pés está apodrecendo. Mantenha-se o mais perto possível da parede do tronco.

Depois de caminharmos um pouco, os degraus acabaram e nos deparamos com um buraco negro grande o suficiente para que passássemos por ele rastejando.

— Não tem mais nenhum lugar para ir. Devemos entrar?

— Vai ser bem apertado.

— Então me deixe ir primeiro, dar uma olhada — ela se ofereceu. — Se estiver bloqueado à frente, não tem necessidade de você passar por aqui. Eu volto e tentamos encontrar outro caminho para o topo.

Kelsey entrou engatinhando no buraco. Ela levava uma lanterna enquanto eu esperava do lado de fora. Ela gritou para mim, após alguns minutos.

— Tente vir.

Eu entrei pelo buraco e tive que me abaixar bastante em um determinado ponto. Havia barulho de asas batendo e então ouvi Kelsey impaciente:

— Kishan? Depressa!

— Estou quase aí.

Comecei a me deslocar o mais rápido que eu podia, deslizando sobre minha barriga. Passei a mochila para o outro lado e comecei a sair do buraco. Então vi um morcego enorme agarrar os ombros de Kelsey. Ela gritou e o animal bateu as asas, erguendo-a do chão. Me arrastei para fora rapidamente e consegui agarrar a perna dela. Mas a criatura a puxou, fazendo-me soltá-la. Eu gritei o nome dela, desesperado, tentando ir em sua direção. Ela gritou de volta.

O morcego levou Kelsey para o alto, onde ela foi cercada por outros morcegos, depois a soltou. Eu gritei o nome dela, preocupado e ela respondeu:

— Eu estou bem! Eles não me machucaram! Estou aqui em cima, numa saliência!

— Segure-se, Kells! Eu estou indo!

Eu tentei chegar até Kelsey, mas ela estava muito alto. Vários morcegos pairavam de cabeça para baixo enquanto me observavam e à Kelsey, ruidosamente.

Eu tentava escalar pela árvore, mas não conseguia. Eu avançava um pouco, mas me encontrava sempre sem saída, tendo que retornar e procurar outro caminho. Depois de várias tentativas, eu não sabia mais o que fazer.

— É impossível, Kells. Não consigo subir aí!

Então, um morcego abriu a boca e começou a falar:

— Iiiiiimpossíííível eleeee peeeensa — disse o animal, com estalidos, e bateu as asas. — Eééé possíííível, Tiiigreee.

— Você sabe que ele é um tigre? — perguntou Kelsey ao morcego.

— Nóóóós o veeeeemos. Ouviiiimos. O espíííírito deleeeee está partiiiiido.

— O espírito dele está partido? O que quer dizer com isso?

— Queeeer diiiiizer que eleeee supoooorta o sofrimeeeento. Eleeee cuuuuura o própriiiiiiio remoooorso... eleeee resgaaata vocêêêê.

— Se ele curar o próprio remorso, ele vai me resgatar? Como ele pode fazer isso?

— Eleeeee éééé como nóóóós. Metaaaade hooooomem e metaaaade tiiiiiigre. Nóóóós sooooomos metaaaaade ave e metaaaade mamíííífero. As metaaaaaaades deeeevem se uniiiiir. Eleeeee preciiiiisa abraaaaaçar o tiiiiiiiigre.

— Como suas duas metades podem se unir?

— Eleeeee preciiiiisa aprendeeeeeeer.

Os morcegos então, começaram a voar, mudando de lugar. Eles emitiam vibrações que pareciam fazer as pedras embutidas na paredes brilharem. Em pouco tempo a sala escura estava bem iluminada.

— Aaaas luuuuzes vão seeee apaaaaagar quaaaando o teeeempo deeeele acaaaaabar. Eleeeee preciiiiisa ajuuuuudar vocêêêê antes diiiiiisso. Deeeeeve uuuusar suuuuua metaaaade hooooomem e suuuuuua metaaaade tiiiiiiigre.

Agora que as luzes estavam acesas, os perigos do caminho tornaram-se óbvios. Uma série de formações semelhantes a estalagmites, mas com a extremidade plana, erguia-se na caverna. Eram muito distantes entre si para que um humano saltasse. Mas eu era um tigre.

Preparei-me para a transformação. No entanto, eu não queria deixar o chakram para trás, pois poderia precisar dele. Assim, lancei o chakram para o alto, de forma que ele não acertaria Kelsey ou os morcegos, me transformei e saltei rapidamente de uma formação à outra. Quando o chakran estava chegando perto de mim, me transformei em homem para agarrá-lo e lanceio-o novamente.

O local onde eu estava era muito estreito e a plataforma onde Kelsey estava, ficava muito distante de mim. As luzes estavam se apagando, o que dificultaria minha tarefa. Resolvi arriscar. Abaixei-me para conseguir impulso para o salto, transformei-me no tigre e saltei o mais longe possível. Em pleno ar, me transformei em homem e segurei um ramo que estava perto da plataforma de Kelsey, que gritava meu nome.

Comecei a subir lentamente pelo ramo. Tive que fazer malabarismo para conseguir subir, transformando-me de homem para tigre várias vezes. Quando finalmente conseguir alcançar a plataforma, ouvi os morcegos dizerem à Kelsey:

— Estáááá veeeendo? Eleeeee conseguiiiiiiiiu.

Olhei para ela, que enxugava as lágrimas do rosto enquanto concordava:

— Sim. Conseguiu.

Emocionada, ela me agarrou em um forte abraço e me beijou o rosto. Eu a apertei em meus braços e fechei meus olhos para senti-la. Quando a soltei, olhei para seu rosto com ternura e afastei o cabelo de seus olhos.

— Lamento não ter trazido a mochila.

— Está tudo bem. Não havia como trazê-la com tudo o que tinha para fazer.

— Nóóóós vaaaaamos pegáááá-la.

— Que pena que eles não puderam trazer você também — murmurou, com sarcasmo.

— Tíííínhamos que tessssstáááá-lo. Eleeee se saiiiiiu muuuuuuito beeeeeeem.

Um dos morcegos desceu e rapidamente trouxe a mochila, colocando-a nas mãos estendidas de Kelsey:

— Obrigada. Você está bem? — Perguntou-me enquanto tocava meu braço.

— Estou. Na verdade, — Falei sorrindo — posso ser convencido a fazer tudo de novo em troca de um beijo de verdade.

Ela socou meu braço de leve:

— Acho que um beijo no rosto foi suficiente, não concorda?

Franzi a testa e grunhi descontente:

— E agora? Como saímos daqui?

— Nóóós vaaaamos leváááá-los — disse um dos morcegos.

Dois deles se soltaram do teto e despencaram vários metros antes de abrirem bruscamente as asas. Então, as bateram com força, ganhando altitude, e pairaram acima de nós. Em seguida, desceram devagar. Um deles agarrou Kelsey pelos ombros, usando as garras dos pés. Outro agarrou os meus ombros.

— Manteeeeenhaaaaam-se imóóóóveis.

Eles voaram conosco e passaram por uma fenda, deixando-no nos galhos mais finos da árvore, depois voltaram através da mesma fenda.

— Fiiiiiquem aleeeertas.

— Kells, jogue a mochila para mim. Quero tirar essas roupas pretas e calçar alguma coisa.

Ela jogou a mochila e virou-se de costas.

— É. Que pena que suas roupas de fada se foram. Desapareceram no éter do tigre. Era bom tê-las à mão. Felizmente o Sr. Kadam insistiu que trouxéssemos uns dois calçados para você, por precaução.

— Kells? As roupas de fada estão na bolsa.

— O quê? — Ela se virou de volta pra mim, mas baixou os olhos ao me ver sem camisa — Como isso aconteceu?

— Não sei. Magia de fadas, eu acho. Agora vire para lá, a menos que queira me ver trocar de roupa.

Percebi o rosto dela ficar vermelho, mas ela se virou rapidamente.

Depois de me vestir, resolvemos comer e descansar. O sol estava se pondo e o galho era grosso o suficiente para dormirmos ali mesmo. Mas Kelsey estava com medo, sentada imóvel no meio do galho.

— Tenho medo de cair.

— Você está cansada. Precisa dormir.

— Não vou conseguir.

— Vou segurá-la. Você não vai cair.

— E se você cair?

— Gatos não caem de árvores, a menos que queiram. Venha cá.

Eu a puxei e a envolvi com o braço, inclinando-a para que ela deitasse. Coloquei o outro braço sob sua cabeça e a mantive junto a meu corpo, prendendo-a firmemente. Nós estávamos cansados, e a sensação de tê-la junto a mim era agradável e relaxante. Ela não demorou a dormir, diferente de mim.

Nossos corpos estavam tão próximos, e eu queria poder tocá-la. Queria acariciar sua pele e tocar seus cabelos. Eu queria beijar sua boca e sentir seu gosto. Mas ela não era minha e eu não faria isso sem seu consentimento, enquanto ela estava dormindo. Meu braço envolvia a cintura dela e eu a apertei de leve, trazendo seu corpo para mais perto do meu, que reagiu de imediato.

Eu me afastei um pouco e fechei os olhos, tentando afastar aqueles sentimentos. Depois de muito tempo, acabei dormindo brevemente. Sonhei que ela era minha namorada e que ao acordar, me dirigiu um sorriso carinhoso e me beijou a boca. Depois, ela olhou nos meus olhos e me desejou bom dia, erguendo o corpo para se sentar. Então eu a puxei de volta para mim e rolei, ficando sobre ela, sustentando o seu corpo em meus braços. Eu lhe disse “bom dia” e a olhei, ardendo de desejo. Ela retribuiu o olhar e disse que me amava.

Então eu acordei. Kelsey ainda estava em meus braços e dormia. Ela ainda não era minha.

Não consegui mais dormir e fiquei ali, naquela posição, olhando para ela e desejando. Em algum momento, senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas eu não chorei. Em algum lugar na minha alma, eu sentia que nós ficaríamos junto.

Quando acordou, Kelsey se mexeu e bocejou. Depois os esfregou e os abriu, olhando para mim.

— Você não dormiu?

— Cochilei.

— Há quanto tempo você está acordado?

— Uma hora mais ou menos.

— Por que não me acordou?

— Você precisava descansar.

— Ah. Bem, obrigada por não me deixar cair.

— Kells, quero dizer uma coisa.

— O quê?

— Você... você é muito importante para mim.

— Você também é muito importante para mim.

— Não. Não é isso que quero dizer. Quero dizer... eu sinto... e tenho motivos para acreditar... que podemos vir a significar algo um para o outro.

— Você já significa algo para mim.

— Certo, mas não estou falando de amizade.

— Kishan...

— Não existe a menor possibilidade, nem uma chance remota, de que você possa um dia se permitir me amar? Você não sente absolutamente nada por mim?

— É claro que sinto. Mas...

— Mas nada. Se Ren não estivesse na jogada, você consideraria ficar comigo? Eu seria alguém de quem você poderia vir a gostar?

Por algum motivo, eu sentia que, em breve, Ren não estaria mais na jogada. Kelsey colocou a mão em meu rosto e respondeu:

— Kishan, eu já gosto de você. Eu já o amo.

Eu sorri e me aproximei dela. Percebi que ela ficou nervosa, me olhando como um roedor assustado diante do predador. Ela jogou o corpo para trás de repente, mas eu a segurei. Seu olhar era de pânico e ela agarrou meu braço com força. Eu a segurei com firmeza enquanto observava seu rosto amedrontado. Reprimi minhas emoções e suavizei meu olhar.

— Eu nunca a deixaria cair, Kells.

— Sei que não.


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