O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 18
Yin-Yang




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Kadam marcou um encontro com alguém do gabinete do Dalai-Lama para dali a três dias. Enquanto esperávamos, fazíamos turismo e jogávamos. Nas 18 horas em que eu precisava ficar como tigre, eu comia (Kadam sempre providenciava comida adequada para tigre) e dormia.

Era um pouco entediante, já que como tigre, eu gostava de correr e caçar, mas tinha que ficar confinado dentro do quarto. Isto aumentou minha empatia por Ren. Ele viveu durante séculos preso em jaulas de circo, e agora fora novamente capturado e provavelmente estava enjaulado novamente. Desta vez, eu faria de tudo para encontrá-lo e libertá-lo, não só por ele, mas por Kelsey também.

Nós aproveitamos o tempo também para treinar com nossas armas novas. Kadam nos levou a um lugar afastado, longe dos limites da cidade.

O chakran era uma arma incrível. Eu costumava treinar com uma arma desta havia muitos séculos, então não demorou para que eu me adaptasse ao disco dourado de Durga. Mas esta arma era especial, mágica. Por mais longe que eu a lançasse, ela sempre voltava para mim, e parecia desacelerar quando chegava perto. Além disso, tanto o chakran quanto o arco de Kelsey eram armas relativamente leves para nós dois, mas Kadam tinha dificuldades em manuseá-los, por lhe parecerem muito pesadas. Por este motivo, eu ajudei Kelsey a treinar com o arco. 

— Por que as flechas são tão pequenas?

— O comprimento das flechas é determinado pelo tamanho do arqueiro. É o comprimento da puxada e o seu é bem pequeno. Portanto, estas flechas devem lhe servir perfeitamente. O comprimento do arco também é determinado por sua altura. Um arqueiro não pode ter um arco que seja difícil de manejar.

Depois de explicar a ela sobre o funcionamento da arma e como manuseá-la, eu demonstrei como usá-la. Em seguida, ela tentou imitar meus movimentos, mas tremia um pouco. Me posicionei atrás dela, ajudando-a a puxar a corda. Eu a fiz repetir o movimento até que estivesse acertando os alvos, o que não demorou para acontecer. Nós observamos maravilhados que as flechas nunca acabavam e que elas desapareciam do alvo, como se voltassem magicamente para a aljava.

Depois de treinarmos o suficiente, voltamos para o hotel e jogamos Pachisi. Kelsey não conhecia, então ensinamos a ela e explicamos que minha família costumava joga-lo. Lembramo-nos da última vez em que jogamos e como Kadam havia vencido naquela ocasião.

Mesmo sendo sua primeira vez, Kelsey jogou bem e derrotou Kadam facilmente. Ela estava feliz e animada, então eu fingi distração e deixei de fazer uma jogada que poderia ter me feito vencer o jogo. Assim, ela saiu vitoriosa, mas percebeu que eu perdi de propósito. Enquanto guardávamos o jogo, Kelsey insistiu:

— Vamos lá, confesse. Por que entregou o jogo? Você não é bom de blefe, sabia? Pude ler sua expressão. Você viu que podia acabar comigo e deliberadamente me deixou passar. O que aconteceu com aquela história de fazer o que fosse preciso para ganhar?

— Ainda faço o que for preciso para ganhar. Talvez, ao perder o jogo, eu tenha ganhado algo melhor.

— Ah, é? O que acha que ganhou?

Eu afastei o jogo para segurar a mão dela.

— O que ganhei foi ver você feliz, como costumava ser. Quero ver seu sorriso voltar. Você sorri e dá risada, mas isso não chega aos seus olhos. Não a vi feliz de verdade nesses últimos meses.

Ela apertou minha mão.

— É difícil. Mas, se Kishan, o amante das competições, está disposto a entregar o jogo, então, por você, vou tentar.

— Ótimo.

— Kishan, continuo a ter pesadelos com Ren. Acho que Lokesh o está torturando.

Lembrei-me imediatamente do sonho que eu tive na noite anterior. Ren estava machucado em uma jaula. Eu já tinha sonhado com ele antes, mas desta vez, foi diferente. Eu falei com ele.

Ele me disse que estava sofrendo muito, mas que precisava fazer algo para proteger Kelsey. Ele não quis me dizer o que era, mas disse que seria muito doloroso para ele, mais do que as torturas que estava sofrendo. Também me disse que poderia ser difícil para Kelsey, e me pediu para cuidar dela. Tinha sido um sonho muito real e perturbador.

— Também tenho sonhado com ele — eu disse — Sonhei que me implorava para protegê-la. Também me avisou para me comportar.

Ele não tinha dito isto na verdade, mas acrescentei esta frase, para deixar a história menos melancólica e não preocupar Kelsey.

— É a cara dele dizer isso. Acha que é um sonho ou uma visão?

Eu balancei a cabeça, mentindo para ela.

— Não sei.

— Todas as vezes que tento salvá-lo ou ajudá-lo a fugir, ele me afasta como se fosse eu quem estivesse em perigo. Parece real, mas como podemos saber?

Eu a abracei e disse:

— Não tenho certeza, mas sinto que ele ainda está vivo.

— Sinto o mesmo.

Eu a soltei e me virei para sair.

— Kishan?

— Sim?

Ela sorriu:

— Obrigada por me deixar vencer. E por se comportar... quase sempre.

— Ah, mas não se esqueça: esta é só uma batalha. A guerra está longe de terminar e você vai descobrir que sou um adversário impiedoso. Em qualquer arena.

— Tudo bem. Então teremos uma revanche. Amanhã.

Eu me curvei levemente, em reverência:

— Mal posso esperar pelo desafio, bilauta. Boa noite.

— Boa noite, Kishan.

No dia e hora marcados, Kelsey, Kadam e eu, fomos encaminhados ao gabinete do Dalai-Lama. O fato de termos chegado tão longe era uma prova dos recursos do Sr. Kadam, pois, em geral, apenas dignitários eram recebidos em seu gabinete. Encontramos um homem austero, usando terno, que indicou que faria uma triagem inicial e que, se nosso caso demonstrasse urgência suficiente, ele nos recomendaria a um gabinete superior.

O homem fez várias perguntas sobre nosso propósito, mas Kadam apenas respondeu de forma vaga, deixando claro que as informações que possuíamos só poderiam ser passadas diretamente ao mestre do oceano.

Achei que o homem nos mandaria embora, mas ele nos levou a outra sala, onde uma mulher seguiu o interrogatório.

— Somos peregrinos que solicitam uma audiência sobre um assunto de grande importância para o povo indiano.

Ela deslizou a mão pelo ar.

— Explique, por favor. O que exatamente é de grande importância?

Ele sorriu e se inclinou para a frente.

— Estamos numa busca que nos trouxe ao grande país do Tibete. Somente dentro destas fronteiras podemos encontrar o que procuramos.

— Vocês estão atrás de riquezas? Não vão encontrar nenhuma aqui. Somos um povo humilde e nada temos de valor.

— Dinheiro? Tesouros? Nosso objetivo não é esse. Viemos em busca do conhecimento que apenas o Mestre do Oceano detém.

A mulher nos pediu para esperar, e algum tempo depois, nos levou a um santuário, onde deveríamos nos acomodar.

Um monge de ar reservado e nariz pontudo, vestido com uma túnica vermelha, entrou. Olhou-nos com superioridade por um longo momento e depois se sentou.

— Pelo que entendi, vocês desejam falar com o Mestre do Oceano.

Kadam inclinou a cabeça numa confirmação silenciosa.

— Vocês não informaram seus motivos aos outros. Revelariam a mim?

— As palavras que eu lhe diria seriam as mesmas que disse aos Outros — respondeu Kadam.

O monge assentiu bruscamente.

— Entendo. Então, lamento, mas o Mestre do Oceano não tem tempo para recebê-los, especialmente por terem sido tão reticentes em relação ao seu objetivo. Se o assunto que desejam discutir for considerado importante o suficiente, sua mensagem será transmitida.

— Mas é muito importante que falemos com ele — interrompeu Kelsey —Revelaríamos nossas intenções, mas é uma questão de confiar nas pessoas certas.

Pensativo, o monge olhou para cada um de nós.

— Talvez respondam a uma última pergunta.

Kadam assentiu.

O monge tirou um medalhão que usava ao redor do pescoço, entregou-o a Kadam e disse:

— O que vê?

Kadam respondeu:

— Vejo um desenho semelhante em natureza ao símbolo yin-yang. O yin, ou lado escuro, representa a mulher e o yang, o lado claro, representa o homem. Os dois lados estão em perfeito equilíbrio e harmonia um com o outro.

O monge assentiu como se esperasse essa resposta e estendeu a mão. Sua expressão nada revelava.

Kelsey pediu para que o monge nos deixasse ver o medalhão. O homem o entregou a mim, e depois de olhá-lo e observá-lo bem, respondi o que eu via:

— Vejo dois tigres, um negro e outro branco, um perseguindo a cauda do outro.

O monge ainda não estava satisfeito com a resposta. Kelsey então pegou o medalhão:

— Vejo parte de uma thangka. Um fio longo e central, que é uma fêmea, serve como urdidura, e os tigres branco e negro são machos e se enrolam nela. Eles são a trama que completa o tecido.

Lembrei-me do encontro com a velha senhora no templo de Durga. Kelsey estava repetindo o que havíamos ouvido daquela senhora.

O monge se inclinou um pouco mais.

— E como essa thangka é tecida?

— Com uma lançadeira divina.

— O que a thangka representa?

— A thangka é o mundo inteiro. O tecido é a história do mundo.

Ele se encostou na cadeira e Kelsey lhe devolveu o medalhão. Ela parecia segura de que dera a resposta correta. O homem olhou o medalhão e o colocou no pescoço novamente.

— Vocês me dão licença por um instante?

Kadam assentiu.

— Claro.

A mulher que havia nos atendido antes entrou na sala e nos levou aos quartos onde ficaríamos acomodados. Nossos pertences nos foram trazidos do hotel onde estávamos hospedados antes. Entendemos que nosso pedido de no encontrarmos com o mestre do Oceano tinha sido atendido.

Na manhã seguinte, estávamos na fila do bufê de café da manhã, quando um dos monges que se servia sem pressa nos dirigiu a palavra:

— Fui informado de que vocês desejam conversar comigo.

Imediatamente, Kadam uniu as mãos, curvou-se e disse:

— Namastê, mestre.


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