O resgate do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 17
A estrada da amizade




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Enquanto saíamos do templo, fiquei pensando na Deusa. Ela era uma divindade, mas também era uma mulher belíssima. Fiquei lembrando do sorriso sedutor e dos lindos olhos verde e pensando como seria agradável tocar sua pele rosada. 

Eu estava apaixonado por Kelsey havia meses e desde então, não tinha olhos para nenhuma outra mulher. Mas no fim, Durga não era uma mulher comum, mas uma Deusa, então, achei que minha reação a ela foi normal.

Encontramos Kadam do lado de fora do templo. Ele nos disse que não percebeu a estátua se movendo nem os ventos. Kelsey contou a ele sobre a aparição de Durga e disse que ele deveria entrar no templo da próxima vez, mas ele declinou dizendo que a Deusa poderia não aparecer caso ele estivesse conosco.

— Evidentemente, se o senhor fosse conosco, cairia sob o encanto de Durga, como aconteceu com Kishan.

— Kelsey provocou — E então eu teria que tirar os dois de sua letargia amorosa.

Fiquei constrangido com o comentário de Kelsey, mas pensei que talvez ela tenha ficado com ciúmes.

— Então a deusa é bonita?— Perguntou Kadam.

— É normal — respondeu Kelsey

Comecei a discordar, para provocá-la

— Sua beleza supera a de todas as outras mulheres. Os lábios de rubi, os braços macios e os longos cabelos negros bastariam para fazer qualquer homem perder o controle de suas faculdades.

— Ah, por favor! Que exagero! Ren nunca reagiu assim.

Olhei para Kelsey um pouco frustrado.

— Talvez Ren tivesse um motivo para olhar para o outro lado.

Kadam riu.

— Gostaria muito de conhecê-la, se fosse possível.

— Não custa nada tentar, O pior que pode acontecer é não acontecer nada. Nesse caso, o senhor iria embora e nós tentaríamos de novo.

Voltamos para o hotel e mostramos os presentes de Durga a Kadam. Eu estava impressionado com a minha arma e agradecido pelo presente. 

Kelsey parecia irritada todas as vezes em que eu falava sobre a beleza e feminilidade da Deusa. Eu continuava falando, em parte porque não conseguia esquecer a beleza de Durga, em outra para fazer ciúmes em Kelsey. Quando parei de falar , Kelsey me provocou:

— Você vai gritar como Xena quando lançar o disco? Não! Melhor que isso! Vamos comprar uma saia de couro para você.

— Espero que suas flechas sejam tão afiadas quanto sua língua, Kelsey.

Kelsey estava parada no batente da porta que separava meu quarto e o de Kadam. Caminhei em sua direção mas ela não se moveu, bloqueando minha passagem. Eu coloquei minhas mãos ao lado dos braços dela, erguendo- a para colocá-la de lado. Mantive minhas mãos em seus braços, sentindo a sua pele macia. Ela me olhou nervosa quando eu a provoquei, inclinando- me para sussurrar:

— Talvez você esteja com ciúme, bilauta.

Fechei a porta do quarto, me transformei em tigre e fui dormir. A última coisa que ouvi, foi Kelsey afirmando a Kadam que não estava com ciúmes.

— Não, não está. Pelo menos não da maneira que ele poderia esperar.

Dormi imediatamente e sonhei com a Deusa. Ela estava montada em um tigre negro. Eu podia ouvir os pensamentos dela, como se eu fosse aquele tigre e nós estivéssemos conectados. Ela estava insegura, como se fosse uma mulher comum, e me dizia que precisava ser amada.

Acordei cedo no dia seguinte e me encontrei com Kadam e Kelsey no saguão do hotel. Saímos em direção à Katmandu. Quando Kadam saiu do jipe para buscar alguns documentos em um prédio, Kelsey veio falar comigo:

— Kishan, eu queria pedir desculpas por ter agido como uma idiota ontem. Se você quer se apaixonar por uma deusa, vá em frente.

Eu suspirei irritado, afinal, Kelsey sabia muito bem por quem eu estava apaixonado.

— Não estou me apaixonando por uma deusa, Kells. Não se preocupe comigo.

— Bem, ainda assim. Fui insensível.

— As mulheres não gostam de ouvir os homens falarem sobre outras mulheres. Foi rude da minha parte agir daquele jeito. Confesso que só elogiei tanto a beleza dela para irritar você.

Ela se virou no banco, fazendo-se de desentendida:

— O quê? Por que você faria isso?

— Queria que você sentisse ciúme e, quando não sentiu, isso... me aborreceu.

— Ah, Kishan, você sabe que eu ainda...

— Eu sei. Eu sei. Não precisa me lembrar disso. Você ainda ama Ren.

— Amo. Mas isso não significa que não me importe com você. Sou sua urdidura também, lembra?

— É verdade.

— Que bom. Não se esqueça disso. Vamos todos ter um final feliz, está bem?

Gostei de ouvir aquilo. Principalmente quando ela estendeu sua mão e eu a segurei entre as minhas. Sorrindo perguntei e a ela se era uma promessa. Ela disse que sim.

— Vou cobrar. Talvez eu devesse registrar isso por escrito. Eu, Kelsey, prometo a Kishan que ele terá o final feliz que procura. Devo definir os termos para você agora?

— Ah, não. Prefiro deixar meio vago por enquanto.

— Tudo bem. Enquanto isso vou criar uma lista mental do que constitui um final feliz e depois informo a você.

— Faça isso.

Kelsey tentou retirar sua mão das minhas quando beijei seus dedos. Mas eu a segurei com firmeza, impedindo-a.

— Kishan!

Eu ri e me transformei em tigre, ante que ela tivesse tempo de me xingar.

— Covarde

Rosnei baixinho, de brincadeira, mas ela não se virou para mim. Ela não estava com raiva. Na verdade eu percebi um leve sorriso em seus lábios e fiquei satisfeito. Nossa relação estava cada dia mais íntima. Éramos bons amigos, estávamos sempre juntos e ela estava alegre, apesar de tudo.

— Recebemos permissão para fazer o percurso da Estrada da Amizade até o Tibete. Isso foi praticamente um milagre.

— Uau! Como o senhor conseguiu?

— Um alto funcionário do governo chinês me deve um favor. Ainda assim, temos que respeitar as paradas turísticas e nos apresentar em todos os postos ao longo do caminho para que eles possam ficar de olho em nós. Partimos imediatamente. Nossa primeira parada é em Neyalam, que fica a cerca de 150 quilômetros daqui. Devemos levar umas cinco horas para chegar à fronteira da China com o Nepal.

— Cinco horas? Espere aí: 150 quilômetros? Isso dá aproximadamente 30 quilômetros por hora. Por que demora tanto?

Kadam deu uma risadinha.

— Você vai ver.

Começamos a viagem e Kelsey perguntou a Kadam qual tinha sido sua primeira empresa. Ele lhe contou que fora a Companhia de Comércio da Índia Oriental e que na época, comercializava diversos produtos. Ele também contou a ela como se fazia o transporte das mercadoria de barco e ela lhe perguntou se ele ainda teria os barcos.

— Os meninos têm um barco, mas não um dos meus barcos de transporte originais.

— Que tipo de barco?

— Um pequeno iate.

— Ah, eu deveria ter adivinhado.

Depois de três dias de viagem, com paradas em pousadas para descansarmos durante a noite, Kelsey começou a se sentir mal e Kadam explicou que devia ser por causa da altitude, já que estávamos acima dos 3500 metros.

Seguimos até Xigatse, onde deixamos Kelsey descansando no hotel e fomos visitar o mosteiro de Tashilumpo. No caminho, Kadam e eu conversamos um pouco. 

Senti que ele iria falar sobre Kelsey, mas declinou. Eu não insisti, porque também não me sentiria à vontade para falar com ele sobre meus sentimentos. Mas se quando Ren voltasse, eu percebesse que os sentimentos de Kelsey estivessem diferente, neste caso eu não esconderia minhas pretensões.

Levamos o jantar para Kelsey, que não estava nada bem. Ela se virou para o outro lado e fez sinal para que saíssemos. Kadam saiu imediatamente, mas eu fiquei.

— Não gosto de vê-la doente, Kells. O que posso fazer?

— Acho que nada.

Saí do quarto dela e fui ao frigobar do meu quarto. Enchi um copo com água e espremi um limão que havíamos trazido. Fui até o banheiro e molhei uma toalha na torneira. Voltei para o quarto de Kelsey e coloquei a toalha em sua testa.

— Olhe, trouxe um pouco de água com limão. O Sr. Kadam disse que ajuda a hidratar.

Eu a fiz beber tudo, depois enchi o copo novamente e a fiz beber mais. Quando senti que ela estava bem hidratada, deixei que ela parasse.

— Como está sentindo agora?

— Melhor, obrigada. Mas minha cabeça ainda está latejando. Tem aspirina?

Eu encontrei o frasco do remédio e a entreguei. Ela engoliu o comprimido, sentou-se na cama e começou a massagear as têmporas. Aproximei-me dela e a pedi que me deixasse ajudá-la. Sentei-me atrás dela e comecei a massagear suas têmporas, o couro cabeludo, pescoço e ombros.

— Onde você e Ren aprenderam a fazer massagem? Os dois são muito bons nisso.

Parei um pouco incomodado. Sempre que eu fazia algo para Kelsey, ela me comparava ou mencionava meu irmão. Aquilo me deixou um pouco irritado. Mas eu me contive e voltei a massageá-la.

— Eu não sabia que Ren tinha feito massagem em você. Nossa mãe nos ensinou. Ela recebeu treinamento especializado.

— Ah. Bem, é maravilhoso. Suas mãos são tão quentes... Minha dor de cabeça quase desapareceu.

— Ótimo. Deite-se e relaxe. Vou massagear agora os braços e os pés.

— Não precisa. Estou melhor agora.

— Relaxe. Feche os olhos e deixe sua mente vagar. Nossa mãe nos ensinou que a massagem pode levar embora as dores do corpo e do espírito.

Voltei a massageá-la, passando para os braços, quando ela me perguntou como foi ser um tigre por todos aqueles anos. Eu não pensava muito sobre isso, então parei para pensar um pouco. 

A verdade é que depois de tudo o que acontecera com Yesubai, Ren e Lokesh, eu me sentia confortável na pele do tigre, sem ter que pensar muito nas minhas ações e consequências, apenas seguindo instintos.

Kelsey ficou ansiosa pela resposta, abriu os olhos e ficou me encarando. Eu levantei o rosto para olhar para ela.

— Pare de espiar, Kells. Estou pensando.

Ela voltou a fechar os olhos e ficou esperando minha resposta.

— É como se o tigre e o homem estivessem sempre lutando um contra o outro. Depois que meus pais morreram, Ren foi capturado e o Sr. Kadam partiu à sua procura. Não havia motivo nenhum para ser humano. Deixei o tigre assumir o controle. Foi quase como se eu o estivesse observando à distância. Sentia-me completamente alienado do meu ambiente. O animal dominava e eu não me importava — respondi enquanto continuava com a massagem.

— Você deve ter se sentido tão solitário...

— Eu corria, caçava... e fazia tudo por instinto. Até hoje fico surpreso por não ter perdido completamente minha natureza humana.

— Uma vez Ren me disse que estar longe de mim, estar sozinho, fazia com que se sentisse mais como um animal que como um homem.

— É verdade. O tigre é forte e acho extremamente difícil manter um equilíbrio, especialmente quando se é tigre a maior parte do dia.

— Hoje é diferente?

— É.

— Como?

— Estou recuperando minha natureza humana aos poucos. Ser tigre é fácil; ser homem é que é difícil. Preciso interagir com pessoas, aprender sobre o mundo e encontrar um modo de lidar com o passado.

— De certo modo, Ren teve mais sorte que você, embora você fosse livre.

— Por que você acha isso?

— Porque ele estava sempre com pessoas. Ele nunca se sentiu só como você. Quero dizer, ele foi aprisionado, foi ferido, teve que trabalhar no circo, mas ainda era uma parte da vida humana. Ainda teve a oportunidade de aprender, embora de maneira limitada.

— Você se esquece, Kelsey, de que eu poderia ter posto fim à minha solidão a qualquer momento e escolhi não fazê-lo. Ele era prisioneiro, mas eu estava preso numa armadilha que eu mesmo preparei.

— Não entendo como pôde fazer isso consigo mesmo. Você tem tanto a oferecer ao mundo.

Ele suspirou.

— Eu mereci ser punido.

— Você não mereceu ser punido. Precisa parar de pensar assim. Quero que diga a si mesmo que é um homem bom e que merece ser feliz.

— Tudo bem. Sou um homem bom e mereço ser feliz. Satisfeita?

— Por enquanto.

— Se isso a deixa feliz, vou tentar mudar minha postura.

— Muito obrigada.

— De nada.

— E o que mudou para você? Conseguir de volta seis horas como homem fez diferença suficiente para você desejar viver de novo?

— Não.

— Não?

— O que mudou minha perspectiva foi conhecer uma linda garota junto de uma cachoeira que disse que sabia quem eu era e o que eu era.

— Ah.

— Foi ela quem me resgatou da minha pele de tigre e me trouxe de volta à superfície. E, não importa o que aconteça... quero que ela saiba que serei eternamente grato por isso.

Levantei a mão dela e a beijei. Sorri para ela, em agradecimento por estar me ajudando a ser um homem novamente.

Ela me olhou com ternura, mas seu olhar revelava certa preocupação. Quando ela abriu a boca para falar algo, eu a interrompi:

— Shh. Não fale. Sem palavras de protesto esta noite. Eu lhe prometo, Kelsey, que vou fazer tudo que puder para reunir vocês dois e tentar ser feliz por você, mas isso não significa que será fácil deixar de lado meus sentimentos.

— Tudo bem.

— Boa noite, Kells.

Dei-lhe um beijo na testa e sai do quarto depois de apagar a luz.

Na manhã seguinte Kelsey já estava se sentindo melhor e nós seguimos viagem. Passamos por cidades turística e conhecemos as atrações e comidas destes locais. Kadam sempre nos explicava sobre as tradições e histórias destes lugares e Kelsey parecia bastante animada com a viagem, o que também me deixava feliz.

Nilima havia voltado aos Estados Unidos e nos falávamos por telefone. Ela estava vigiando de longe a família de Kelsey e dando-lhe notícias. Aparentemente Lokesh não procurou por eles, que estavam seguros.

Depois de alguns dias, finalmente chegamos à Lhasa.


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