Eu estava trabalhando nas traduções da profecia quando o telefone tocou. Kishan estava do outro lado da linha, dizendo que a senhorita Kelsey havia recebido o telefonema de um amigo. O rapaz disse a ela que alguns homens, se identificando como advogados, procuraram por ela na faculdade.

Eu lhe disse que eles deveriam voltar imediatamente para a Índia. Eles tinham ido à praia e voltariam para a casa para buscar suas coisas.

Nos despedimos e eu liguei imediatamente para o aeroporto pedindo para que o avião estivesse pronto para partir dali a uma hora. Liguei para Nilima, que deslocou-se rapidamente para o aeroporto. Eu estava preocupado. Sabia como Lokesh era perigoso.

Eu estava tentando localizá-lo havia meses, em vão. Ele por outro lado, com tão pouca informação conseguiu chegar até a senhorita Kelsey rapidamente, apesar dos meus esforços para protegê-la.

Eu estava muito preocupado. Preferia que eles fossem direto ao aeroporto mas Ren e Kishan achavam que era seguro ir até em casa, então eu concordei.

Quando Ren me falou sobre a foto da senhorita Kelsey naquela revista, eu o aconselhei a voltar com ela à Índia imediatamente. Mas Ren se recusou dizendo que não queria deixar a aulas na universidade.

Eu pensei que na verdade, Ren estava com medo. Ele estava feliz nos EUA como nunca tinha sido na Índia. Na época eu fiquei aliviado pelo fato de Ren pelo menos ter aceitado que Kishan fosse até lá para ajudá-lo, mas agora percebo que subestimei Lokesh. Se eu tivesse insistido mais, Ren não teria sido capturado.

Kishan me ligou quando já estava no avião. Me disse que eles tinham sido emboscado e Ren acabou sendo capturado. Me senti quase desesperado. Novamente a vida de Ren estava em perigo. 

Havia mais de 300 anos desde que Ren fora capturado pela primeira vez. Naquela época ele estava feliz com a possibilidade de casar-se com Yesubai, mas foi traído pela noiva e o irmão, foi raptado e torturado pelo inimigo e no fim foi amaldiçoado e transformado em uma fera.

Depois, quando estava se adaptando a sua nova condição, vivendo com sua família e relativamente feliz, ele fora capturado, passando a viver em cativeiro, sem conseguir se transformar em homem por mais de 300 anos.

Agora que ele havia encontrado o amor, estava feliz e prestes a quebrar sua maldição, novamente caiu nas garras daquele demônio. E só os Deuses sabiam o que poderia lhe acontecer.

Eu tinha que encontrar Ren e libertá-lo de alguma forma. Fiz alguns contatos imediatamente e coloquei homens no encalço de Lokesh.

Quando Kishan me contou do ataque que sofreram, ele me disse que os três haviam sido atingidos por dardos tranquilizantes, mas que Ren havia recebido pelo menos 6 dardos e quando estava indefeso e os agressores se aproximavam, Kelsey estendeu a mão e lançou raios contra os homens. Kishan não sabia como aquilo aconteceu, então eu estava ansioso para conversar com a ela sobre isso.

Fui até o aeroporto para recebê-los. Assim que me viu, a senhorita Kelsey sorriu e me abraçou. Ela estava visivelmente abatida, mas dava pra ver esperança em seus olhos. Ela realmente se sentia em casa na Índia.

Em casa, Kelsey recusou-se a descansar. Disse que queria me ajudar com as traduções e que queria treinar comigo e Kishan, porque precisava aprender a se defender e àqueles a quem amava.

— Sr. Kadam, quero que me treine. Quero que me instrua no uso das armas e nas artes marciais. O senhor ensinou aos dois e quero que seja meu instrutor também.

— Está certo, Srta. Kelsey. Será preciso disciplina e muitas, muitas horas de prática para que se torne capacitada. Não espere conseguir fazer o mesmo que Ren e Kishan. Eles foram treinados a vida toda e o tigre que há neles os torna mais fortes.

Falamos sobre o estranho poder que ela parece ter desenvolvido e ela não sabia como explicá-lo:

— Bem, eu precisava proteger Ren e estava tão furiosa que acho que até vi uma névoa vermelha à minha volta. Ele fora atingido com os dardos e cambaleava, enfraquecido. Eu sabia que ele não resistiria muito mais. Coloquei-me na frente dele para enfrentar os agressores. Estava desesperada, pois eram muitos vindo para cima de nós. Uma espécie de fogo começou a queimar em mim.

— Qual era a sensação?

— Parecia... um jorro de força no centro do meu corpo, semelhante à chama piloto de um aquecedor de água que se acende de repente. Meu estômago se contraiu, como se para empurrar o calor para o meu peito. Meu coração ardia e parecia que o sangue estava fervendo em minhas veias. Tive a sensação de algo borbulhante percorrendo meu braço. Quando chegou à mão, os símbolos que Phet pintou em hena reapareceram e começaram a brilhar, vermelhos. Ouvi um ruído de coisas se quebrando, estalos e estouros, e então essa força se avolumou e transbordou de mim. Um raio disparou de minha mão, ergueu um homem no ar e o arremessou contra uma árvore.

— E esse poder funcionou várias vezes?

— Funcionou. Consegui abater diversos homens antes de ser atingida com o tranquilizante. Então o poder foi diminuindo.

— Espero que os tenham apenas atordoado. Não ficamos por lá tempo suficiente para descobrir. Meu primeiro alvo, o homem que se chocou contra a árvore, ficou bastante machucado, imagino. Eu estava desesperada.

— Estou curioso para saber se é capaz de reproduzir o fenômeno quando não está em perigo. Talvez possamos praticar. Também seria interessante ver se a senhorita pode ampliar o alcance para incluir mais de uma pessoa de uma vez e ver por quanto tempo consegue manter a descarga.

— Também quero aprender a controlar a intensidade. Prefiro não matar as pessoas.

— É claro.

— De onde o senhor acha que isso veio?

— Tenho uma... teoria. Uma das antigas histórias da Índia conta que, quando os deuses Brahma, Vishnu e Shiva enfrentaram o rei demônio Mahishasur, não conseguiram derrotá-lo. Então juntaram suas energias, que assumiram a forma de luz, e a deusa Durga emergiu dessa luz. Ela nasceu para lutar contra ele.

Conversamos muito por várias horas. Contei a ela várias histórias sobre a família de Ren e sua origem, sobre o início da maldição e como descobri que os príncipes haviam sido transformados em tigres, como foi depois que Ren fora capturado e seus pais morreram. Contei a ela como Kishan abandonou o mundo humano e se isolou na selva. Ela ouvia a tudo com interesse até estar cansada.

Pedi a Nilima que deixasse o jantar no quarto de Kelsey e me despedi dela, planejando recomeçar as buscas por Ren o mais rápido possível.