Kiku to Higanbana escrita por Tsuchimikado


Capítulo 9
Botamochi e chá verde


Notas iniciais do capítulo

Realmente demorei, não é? Sinto muito, fiz o que pude, mas estou pelo período mais difícil de minha faculdade até o presente momento! Ainda assim, tentarei postar mais um capítulo até o fim do próximo mês!

De qualquer forma, espero que gostem do ritmo mais calmo mostrado aqui!

Desta vez acredito que haja apenas um termo digno de nota no sumário!

Hanakotoba: A linguagem das flores do Japão.



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“O clima é totalmente diferente”, pensou Ikari, incomodado com o silêncio.

Vestido com sua roupa chinesa costumeira, passando pelo treino infernal de Makoto, quando de súbito ela o abandonou e deixou-lhe, sem muito interesse, a cargo de Umeko.

Tsutsuji Umeko, a veterana um ano mais nova, caminhava à sua frente. Ela estava completamente calada enquanto desfilava de braços cruzados pelas ruas de Taiyin. Com um vestido florido e botas de cano alto, ela caminhava com uma postura reta, digna de um nobre.

Ikari tinha a impressão de que ela estava forçando sua altura e riu por dentro. Ela virou-se de súbito e percebeu um sorrisinho escapando no canto do rosto do garoto. Primeiro se surpreendeu, depois seu rosto ficou vermelho e por fim virou-se com uma expressão emburrada.

“Ele percebeu?”, ela se questionou sem demonstrar a vergonha que sentia.

“É, eu tava certo...”, Ikari pensou, rindo por dentro.

— Ah, Tsutsuji-san... – Ikari finalmente quebrou o gelo, se aproximando dela.

— Não, eu não estava! – ela exclamou com a voz falhando, só depois percebendo que pergunta alguma fora feita.

— Certo, você não estava... – Ikari respondeu, sem jeito. Ele observou o rosto emburrado da outra, enfeitado naturalmente com seu brilhoso cabelo arroxeado, preso em um rabo-de-cavalo. – Eu só queria saber para onde vamos exatamente...

— Ah, sim... – Seu poker face avermelhado lhe dava vontade de rir, mas ele se controlou para evitar constrange-la. – Para a alfaiataria dos meus tios...

Somente agora, lado a lado, Ikari pôde perceber como ela era baixa. Devia estar em torno de um metro e cinquenta, talvez menos. Como que esquecendo da situação anterior, ela tornou a andar normalmente, agora com os braços soltos. Seu rosto também havia retornado à normalidade.

Ela tinha traços finos, frágeis. Seus olhos tinham as pálpebras semicerradas com leveza, como que escondendo as pupilas carameladas. À frente uma franja reta, curta, balançava com o vento. Sua expressão neutra observava ao seu redor e dava a impressão de que julgava tudo e a todos.

“Como uma princesinha...”, pensou, lembrando-se do apelido pelo qual Kenji a chamava em toda oportunidade que podia.

— Fazer o quê, exatamente? Hijimi-sensei disse que precisaríamos fazer uns preparativos para mim, mas não me falou o quê exatamente...

Umeko suspirou, alertando Ikari. Ele se sentia envergonhado pois, aparentemente, fizera uma pergunta idiota. Ela o olhou com compreensão, suspirou mais uma vez e lhe disse com calma:

— Bem, não é como se você tivesse crescido nesse meio. Não posso te culpar por não saber de algumas coisas...

— Certo, desculpe... – Ele exibia um sorriso nervoso.

— Ah, não é pra tanto... – Ela abriu um pouco suas pálpebras em surpresa – Bem, estamos quase chegando, posso explicar melhor lá...

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É dever dos onmyouji lutar para proteger a paz, portanto nem todos os clãs dispõem de tempo para tarefas extras. Para tal surgiram os serviços de suporte aos onmyouji. Alguns clãs menores, normalmente filiados a clãs maiores, passaram a se especializar apenas na manufatura de equipamentos. Outros, pouco mais versados em combate que os artesãos, dedicaram-se ao policiamento.

Lojas independentes, desde forjas a alfaiatarias, pertencentes tanto à humanos como à youkais, seguiram-se nas grandes cidades, oferecendo serviços bem mais variados a preços mais acessíveis. Nos dias atuais, a rede de apoio para os onmyouji estende-se por todo o país, permitindo que até clãs estacionados pelo interior tenham acesso ao suporte necessário de uma maneira mais fácil.

Escrito com os kanjis para “harmonia” e “flor”, a alfaiataria Honoka se dispunha em uma larga rua de forma harmoniosa como uma dessas lojas. Nos cantos superiores de cada lado da fachada de tecido róseo que se dispunha em frente á loja se viam dois símbolos diferentes: à esquerda uma flor de cinco pétalas, a campânula do clã Abe, e à direita uma raposa com outra flor de cinco pétalas na boca. Percebendo a atenção que Ikari dava àquilo, Umeko falou:

— É o emblema do clã Tsutsuji, a loja dos meus tios é filiada à este, que é filiado ao clã Abe. – Ela andou à frente, abriu a porta de correr e voltou-se para Ikari – Pode entrar, mas tire o sapato, por favor...

Ikari ainda passou um pouco de seu tempo observando a rua onde se encontravam. Ela era realmente larga e limpa se comparada com o distrito comercial por onde passara com Kenji. Árvores enfeitavam a passagem e floresciam nas mais diversas cores. Este parecia mais com um distrito residencial, no qual os casarões de madeira estavam separados entre si por longos jardins. A loja era grande, mas parecia até mesmo apertada em se considerar seus arredores.

— Com licença... – Ikari disse enquanto seguia a outra.

O perfume de flores preencheu o ar assim que seu nariz passou pela porta, leve e adocicado. O corredor prosseguia até uma bifurcação frente à um jardim interno preenchido por azaleias, todas desabrochadas.

— Você perguntou o porquê de virmos aqui. Bem, esta é uma alfaiataria e vamos confeccionar uma roupa para você. Não se preocupe com o pagamento, isso já foi acertado.

— Certo... – Ele concordou.

Sua fala foi de uma formalidade e linha que Ikari sentiu-se acuado para falar. Guardou para si quaisquer questionamentos, caso eles viessem a ser idiotas demais.

Ela o encaminhou até uma sala cujo chão era de um tatame fino cor de creme, com paredes de mesma cor. Seu tamanho era mediano, como um quarto, e a outra porta de correr dava para uma varanda com piso de madeira, pela qual se observava um belo jardim repleto das mais variadas cores.

— Por favor, espere aqui. – Umeko lhe disse educadamente enquanto se retirava. Ikari permaneceu por ali, sentando-se enquanto olhava para o nada.

O tempo passou e Ikari, entediado, começou a ficar irrequieto. Ele remexia-se de um lado para o outro até que decidiu fazer flexões.

“Ao menos pra continuar de onde parei mais cedo...”, pensou enquanto já sentia o suor escorrer pelo rosto. “Uma de cada vez...”

Ele sorriu forçadamente conforme percebeu que seu corpo estava já se adaptando às atuais condições. Ainda parecia que estava treinando com três Ikaris em cima de si, mas seu movimento normal já não estava tão restrito e sua aptidão física estava melhorando de pouco em pouco.

— Desculpe a demora... – Disse Umeko ao entrar novamente. Ela vestia-se com um yukata amarelo-mostarda, sem estampas, com um obi roxo como seu cabelo. Assim que observou Ikari seu rosto se contorceu – Você não podia evitar o suor? Estamos aqui para te fazer uma roupa...

Ikari riu de nervoso enquanto um olhar de julgamento caía sobre si.

— Ora, ora, Botan! Não implique com o cliente! – Uma voz doce soou atrás da garota. Uma mulher de meia idade com um rosto muito simpático se aproximou.

Seu cabelo, arrumado em um estilo tradicional japonês, já demonstrava mechas grisalhas por entre os fios arroxeados. Ela vestia-se com um yukata preto com um obi rosa florido, que lhe dava um ar nobre. Ela era baixa como Umeko.

— Perdoe-me, tia... – Ela disse em um tom educado, depois olhou para Ikari por alguns segundos até desistir de também lhe pedir desculpas.

— Meu nome é Shimusen Fusako, sou a proprietária e principal alfaiata daqui. Você já conhece minha sobrinha, Tsutsuji Umeko.

— É um prazer, sou Oga Ikari. – Ikari se apresentou enquanto levantava-se do chão.

— De qualquer forma, senhor Oga, precisamos medi-lo... – a mais velha disse-lhe com gentileza enquanto ele permaneceu lá, encarando ambas – Ora, não fique aí parado com essa expressão! Foi uma encomenda direta de Kamui-sama para o senhor, não podemos produzir algo com as medidas erradas para o clã Abe, concorda?

— É... Sim? – Ikari não estava entendendo bem o que ela quis dizer.

Fusako pôs as mãos na cintura e suspirou. Depois ela olhou para sua sobrinha, que evitava o olhar de Ikari. Ela disfarçava o rosto corado com a manga do yukata.

— E-ela quer dizer para você se despir, Oga-kun... – Sua voz falhou.

Ikari demonstrou um leve choque, depois sentiu-se envergonhado por algo tão óbvio.

— Sinto muito, nunca tive uma roupa feita por encomenda... – Ele comentou.

— Está tudo bem, não seja tímido, e não se preocupe conosco, estamos acostumadas! – a proprietária afirmou, sorridente.

Umeko parecia nem um pouco acostumada, seu olho estava quase do avesso do tanto que ela se forçava a vira-lo.

“Bem, que seja...”, Ikari pensou enquanto começou a desabotoar sua camisa. No instante seguinte ele a deixou cair, revelando seu corpo bem definido pelos exaustivos treinos diários, tal qual o de um atleta profissional.

A vergonha existia, mas não era tanta quanto imaginava. Ocasionalmente fazia isso após os treinos, apesar de normalmente estar sozinho ou apenas com sua irmã.

— Uou... – a voz feminina soou atrás de si, alertando-o e fazendo com que virasse abruptamente.

Emborcada, com os queixos apoiados nas mãos e com as pernas balançando uma garota de olhos azuis-celestes e cabelos róseos o encarava fixamente com o rosto corado. Nesse dia Ene se vestia shorts jeans e um casaco branco que lhe cobria a blusa negra. Um fone branco com orelhas felinas pendia de sua cabeça e um gato de mesma cor se aninhava em suas costas.

— E aí, Ikari? De boa? – Ela disse com um olhos arregalados em surpresa.

Sua primeira reação foi engolir a própria voz e cobrir seu corpo como se tivesse sua privacidade violada.

— Não é o que você está pensando! – ela exclamou enquanto ergueu seu tronco, fazendo o gato em suas costas escorregar para as pernas.

— Desde quando você tá aí me encarando? – ele quis saber, muito envergonhado.

— Não se preocupe, eu já tava te vendo antes de você tirar a camisa. – ela respondeu, agora desviando o olhar e apontando para o animal – Eu vim brincar com a Airi-chan!

“Acho que isso não soou muito bem...”, comentou consigo mesma.

Ikari não tinha palavras pra descrever o comentário, então preferiu fingir que não o ouviu.

— Senhor Oga, por favor, fique parado. Precisamos anotar suas medidas! – Fusako lhe ordenou com certa urgência na voz.

— Ah, sim, sim! – ele virou-se novamente, agora de forma rígida.

— Não se incomode de ficar sem camisa, Ikari. É bem normal para um homem. – Ene disse com uma expressão séria.

— Ene, fica quieta um pouquinho. – Umeko comentou, corada e levemente irritada – Você não tá ajudando.

— Desculpe... – ela disse de forma quase inaudível, fazendo um biquinho e desviando o olhar.

Ikari não tinha onde enfiar a cara. Na realidade mal podia se mover, com ambas Fusako e Umeko medindo-lhe com trenas em diversos pontos.

— Muito bem, agora preciso que abaixe as calças. – a mais idosa pediu naturalmente.

— Pera aí, limites! – Ikari pediu. Seu rosto parecia determinado a competir com Umeko a cerca de quem era mais vermelho. – Pelo menos saia daqui, Ene.

— Eu não me importo. – Fusako comentou.

— Eu me importo! – Ele exclamou de volta ao mesmo tempo que Umeko. Ambos se encararam e decidiram não levar o assunto para frente.

— Ao menos feche a porta... – Ikari suplicou e Umeko prontamente atendeu, deixando Ene do lado de fora. – Ah, isso não me desce bem...

— I-i-isso vai ser rápido, não se preocupe... – Umeko tentou tranquiliza-la, mas seu olhar, virado para o mais longe possível, chegava a tremer.

— Olha, eu sei que é o seu trabalho, mas isso me deixa desconfortável... – Ele disse enquanto lentamente baixava as calças.

No mesmo momento a porta abriu levemente, revelando apenas parcialmente um rosto cujas sobrancelhas róseas franziam de impaciência. Assustado com o barulho, Ikari puxou um pouco demais, baixando parte de sua cueca junto. Umeko quase caiu para trás nesse momento enquanto o rosto do garoto exibia uma expressão de choque.

— Ikari, não seja um maricas e ande logo com isso! – Ene reclamou.

— Você, fique fora! – Ele gritou de volta, ficando ainda mais vermelho enquanto rapidamente puxava sua roupa de volta.

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— Eu não vou mais poder me casar... – Foi o que Umeko deixou escapar, deitada na varanda. Ela cobria seu rosto com as mangas do kimono. Foi seu terceiro comentário do tipo nos último minutos.

— Qual é, nem baixei tanto assim... – Ikari, já com sua camisa de volta, olhava incomodado para o teto. Também deitado, ele usava as mãos atrás da cabeça para se apoiar. – Mas se possível eu preferiria não passar por algo assim de novo...

— O seu exibicionismo? – Ene perguntou com inocência, abanando sua amiga.

— Não! Tô falando de toda essa medição pra fazer roupa...

— Bem, você provavelmente vai precisar... – Umeko disse, se recuperando. Ela não virava o rosto diretamente para Ikari, o que incomodava-o levemente. – Essas suas roupas surradas não vão servir pra sempre.

— Ei, não faça pouco de minha camisa do dragão! – Ele disse sério – Foi um presente de meu avô! Meu sangue e suor estão aqui!

A mais jovem suspirou.

— Bem, esse é um dos motivos de porquê ela não vai servir.

— O que quer dizer? – Ikari questionou, levantando-se.

— A sociedade Onmyouji é cheia de formalidades. Não é para menos, todos os grandes clãs de atualmente são provenientes de famílias nobres do Japão feudal. Você está para ingressar no clã Abe, então o mínimo que deveria fazer é se vestir apropriadamente para a ocasião.

— Essas roupas formais são importantes, senhor Oga. – Disse Fusako com uma bandeja em mãos – O clã Abe é mais brando com relação à uniformes de exorcista, mas alguns clãs tais como o Tsuchimikado ou o Kaika são bem rígidos quanto a isso. Quando sair em missões importantes, que envolverão outros clãs, você precisará de um uniforme de combate apropriado para representar aquele ao qual pertence...

— Não só isso, como precisará de uma roupa formal em cerimônias oficiais, como a que foi encomendada para você. Todos possuem uma. Inclusive essa será para a sua estabelecer sua entrada no clã.

— Se vocês dizem, quem sou eu pra contrariar... – Ele disse, fechando os olhos e deixando a brisa passar por seus cabelos.

Calmamente Fusako colocou a bandeja entre ele e as meninas, a qual continha alguns doces e copos com chá.

— Botamochi e chá verde, os favoritos da Botan! – ela disse com amabilidade.

— Tia, por favor, não me chame assim na frente dos outros... – Ela disse enquanto pegava um dos botamochi. Calmamente comeu o bolinho de arroz coberto de pasta de feijão doce, cobrindo a boca conforme mastigava.

Quando percebeu que ele a observava, instantaneamente ela virou o rosto, deixando o garoto um sorriso desajeitado.

“Eu só estou tentando ser amigável e o que ganho em troca é isso...”, ele pensou, tristemente pegando um botamochi para si.

— Fica assim não, Ikari! – Ene disse com a boca cheia de comida – A Ume-chan só tá com vergonha de mostrar que tem um dentinho torto!

— Com licença, eu não tenho um dentinho torto! – Umeko perdeu a compostura em resposta.

— Tem sim, dá pra ver bem quando você fica brava assim! – A outra apenas ria.

Ikari também ria enquanto bebia um pouco do chá. Ali com as duas garotas na varanda, comendo botamochi sob o sol leve, não pôde deixar de notar o quanto isso combinava com a primavera.

— Com licença! – Umeko disse, levantando-se de repente – Eu tenho alguns deveres para cuidar.

— Ora, querida! Não se preocupe com isso, divirta-se um pouco com seus amigos! – a tia disse, espantada.

— Não, não, eu realmente preciso ir! – Ela continuou, sem virar-se, até sair do recinto. Ikari e Ene apenas ficaram encarando, inexpressivos.

Fusako suspirou.

— Essa garota está se tornando problemática... Acho que é a puberdade...

— A Ume-chan é muito perfeccionista! – Ene disse com uma expressão de criança levada – Não sabe lidar com brincadeiras assim...

— Hm. – O rapaz não sabia o que comentar.

— Isso vem desde criança. Certa vez ela veio para mim dizendo que não gostava de seu sobrenome, Tsutsuji, porquê significa “modéstia” no Hanakotoba. Ela achou que “ausência de vaidade” queria dizer “feio”, coisa de criança... – Ela ria, com seus olhos buscando o passado – Foi aí que passei a chama-la de Botan, “a rainha das flores”. Não entendo o porquê dessa vergonha toda.

Antes de sair, ela virou-se mais uma vez e disse aos jovens:

— Ah, podem ficar à vontade. Senhor Oga, a encomenda será enviada diretamente para o seu ramo do clã, não se preocupe com isso.

— Ah, certo. Obrigado...

Ene sorria de forma matreira.

— O que foi? – ele perguntou, sorrindo de volta.

— Acho que a roupa tradicional vai cair bem em você!

Ikari ficou levemente envergonhado.

— Obrigado. Não sei bem como é uma roupa tradicional, mas tenho certeza de que você também ficaria bem nela! - Ele riu, corando-se um pouco mais.

Momentos depois Umeko retornou, com suas roupas casuais, e sentou-se com eles novamente.

— A tia fez questão de me liberar da loja... Eu queria falar algo...

— Não se preocupe, eu tenho certeza de que alguns acham seu dentinho atraente também, Ume-chan!

— Eu não tô falando disso! Bem, desculpem-me por meu comportamento...

— Tá de boas... – Ele disse, virou-se e tornou a olhar para elas com seriedade. – Ei, na verdade tinha uma coisa que eu queria perguntar...

— Pode falar. – Disse Ene.

— Continue. – Confirmou Umeko.

— Eu tenho pensado sobre isso, mas por que vocês lutam?

Elas pareciam confusas.

— Como assim? – Questionou a mais nova.

— A-ah, é só c-curiosidade! – ele tropeçou nas palavras – Eu só estou precisando por uns pensamentos em ordem...

Elas o observaram com seriedade, mas não insistiram em perguntar mais.

— Eu não tenho uma história muito profunda. O clã Tsutsuji não é tradicionalmente um clã de combate, mas sim de artesãos e sacerdotes de Inari. Um dia descobriram que eu tinha certas... habilidades... Meus pais passaram a investir em um treinamento de combate para mim, até que me apresentaram ao Kamui-sama e fui recrutada ao clã Abe. Isto tem pouco menos de um ano... Basicamente eu só segui o fluxo... – Ela parecia melancólica.

— Bem, pra mim foi um pouco diferente! – Ene sorria, orgulhosa – Eu sou do Clã Kunie, um dos Quatro Grandes Clãs de onmyouji, lar de alguns dos melhores guerreiros do país! Quando chegamos aos quatorze anos, devemos partir em uma peregrinação pelo Japão. Só podemos voltar quando conseguirmos um abate que mostre nosso verdadeiro valor! Kamui-san é amigo do meu pai, então ele me acolheu e passou a me dar missões para que eu caçasse akumas!

— Aquela máscara... – Ikari comentou, alertando Ene – É um símbolo do seu clã?

— Um presente do papai! – ela disse, com um brilho no olhar – Um Kunie não pode mostrar seu rosto em batalha até passar pela peregrinação e ser reconhecido! Até lá tenho de ser uma falsa tigresa! Hahaha! Bem, depois disso eu poderei continuar fazendo o que minha família tem feito há gerações, caçar demônios e proteger os inocentes!

Ene havia se levantado e apontava o punho com vigor para os céus. Para Ikari, seu sorriso brilhava mais do que o próprio sol. Ele não pôde deixar de sorrir.

— Então, isso é o bastante para te ajudar a pensar? – Umeko perguntou.

— Sim, creio que sim. Obrigado. – Ele agradeceu com um sorriso.

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Ikari caminhava, sério, por um longo salão. Grandes pilastras iluminavam todo o caminho com suas enormes tochas enquanto as sombras pareciam projetar-se para fora. O piso estava coberto por um tapete e, às laterais, dois pequenos rios corriam com delicadeza, praticamente sem fazer barulho.

Suas vestes chinesas não se viam, substituídas por uma roupa tradicional de onmyouji. A túnica vermelha de mangas extremamente largas possuía costuras douradas, lembrando-lhe de seu uniforme tradicional de treino. Às costas uma enorme campânula dourada, símbolo do clã Abe, estava estampada.

Ela descia praticamente até seus pés, balançando pelo seu movimento, calçados com as tradicionais sapatilhas pretas. Sua calça, visível pelas aberturas laterais, era de um azul escuro como a noite, mesma cor da camisa de kimono que separava seu tronco da túnica, com discretas estrelas bordadas em um tom levemente mais claro.

A trança habitual estava desfeita, com apenas um elástico prendendo-o na base, deixando que caísse pelas costas. Sua franja estava penteada para trás, exaltando seus brilhosos olhos verdes e sua enorme cicatriz horizontal.

“Pelo quê eu luto? É realmente pelo que é certo? Ou só estou usando essa desculpa para fugir?”, ele questionou a si mesmo, “Não, isso não é hora para tais pensamentos.”

Ele olhou para sua esquerda e Ene o acompanhava, com roupas parecidíssimas com as suas, sendo sua túnica branca e a calça negra. Seu cabelo estava arrumado, preso atrás por uma agulha em um estilo japonês tradicional. Sua postura régia jamais permitiria suspeitar que se tratasse da mesma pessoa.

À sua direita quem lhe acompanhava era Hijimi Makoto, sua mestra. Vestia-se com um padrão branco e rubro em sua túnica e calça respectivamente. Seu cabelo curto, vermelho-sangue, mantinha-se como de costume.

Ambas vestiam diversos adereços, como colares e pulseiras de metal, rosários budistas e cordas coloridas, distribuídas pelo traje.

Centenas de clãs se espalhavam pelo país. Doze deles eram conhecidos como Os Doze Grandes Clãs e governavam esses em suas respectivas regiões. Acima se encontravam Os Quatro Clãs Celestiais, entre os quais estava o Kunie.

O clã que Ikari estava para ingressar não era o mais antigo, ao mesmo tempo em que não era novo. Não fazia parte dos Doze e nem dos Quatro. A quantidade de membros não permitiria que se estendesse para mais do que os arredores de Quioto, mas ainda assim era inigualavelmente respeitado.

— Seja bem-vindo, Ikari-dono. – Lá estava Kamui, com seu olhar de raposa, ajoelhado. Ele vestia-se com o mesmo traje tradicional de quando resgatou Ikari e Ene na noite do festival, com um padrão azul e branco. – A partir de hoje você será considerado um membro apropriado do clã Abe.

O clã Abe, na realidade, é aquele que atua como o líder de todos os outros. O respeitado clã do maior exorcista da história, Abe no Seimei.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Fiquei com medo de ficar chato por ser explicativo demais, então tentei deixa-lo mais levinho. Espero que tenha sido de vosso agrado!



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