Kiku to Higanbana escrita por Tsuchimikado


Capítulo 10
Motivação


Notas iniciais do capítulo

E depois de muuuuuuuito tempo eu retorno! Se tudo ocorrer como planejado, as próximas duas semanas terão capítulo! Férias são para isso mesmo, não é?

Acredito que sejam poucos os termos novos que mereçam ser comentados, mas deixarei aqui seus significados de qualquer forma.

Espero que gostem do capítulo!

Termos utilizados:

— Kessho: cristal. (na realidade há uma acentuação nesse "o", mas achei melhor deixar assim mesmo. Pode ser que eu mude depois.)
— Vajra: do sânscrito, significa trovão ou diamante. Era uma espécie de arma usada por deuses do Hinduísmo e Budismo, também representando firmeza de espírito e força espiritual.
— Shakujo: Bastão budista com anéis na ponta, usado como arma ou para preces.
— Kuji-in: Sinais de mão, cada um representando uma sílaba e utilizados para formar mantras. Normalmente usados de forma simbólica em rituais e feitiços dos onmyouji. Presumidamente se originou do Taoísmo, religião e filosofia da qual o onmyoudo também se utiliza. (Como curiosidade, foram a base para a criação dos selos de Naruto)



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— Para de fazer corpo-mole! – Ameaçou Makoto – Se eu olhar pra tua cara e vir você se espremendo eu aumento o peso!

  A ruiva sentava-se, vestida com uma bermuda camuflada e uma regata branca, em uma enorme plataforma circular de metal, ao redor da qual círculos vermelhos equidistantes flutuavam, dispondo o caractere de “fogo”. Suas pernas estavas cruzadas e a postura era preguiçosa, com a coluna dobrada e se apoiando pelo cotovelo de um dos lados.

— Hã? Sem resposta? – Indagou, levantando o indicador da mão livre. Os círculos brilharam levemente e Ikari deixou escapar um leve gemido de dor. – Vamos, mantenha a respiração!

  Esse era um dos equipamentos da sala de treino do quinto ramo, pesos de fogo, os quais reagiam à aura de quem possuía esse elemento e, assim, intensificavam seu peso.

  Abaixo dela, suportando a plataforma, estava Ikari. Ele estava agachado, suportando todo o peso com as mãos e os ombros enquanto seu rosto exibia um misto de determinação e medo. Uma leve aura flamejante se observava cobrindo-o por completo.

— Hijimi-sensei... Eu não sei se eu tô conseguindo respirar direito...

— Deixa de ser fresco! E faça esse Reiki circular por dentro do seu corpo! Tô achando que eu tenho é de aumentar o peso do seu selo!

“Sinto que minha masculinidade tem sido muito questionada ultimamente...”, pensou o rapaz, choramingando.

— Boa tarde, Oga-kun, Hijimi-san. – Disse educadamente Yasunori, vestido novamente com seu kimono roxo.

— E aí, Yasu. Aconteceu algo? – Makoto perguntou, tornando sua coluna mais ereta.

— Nada em especial. – Ele disse em sua voz calma habitual, virando seus olhos semicerrados para Ikari – Não acha que é um pouco demais para ele?

— Que nada, ele aguenta! – Ela disse, saltando para perto de Yasunori, o que deixou Ikari um pouco mais aliviado. – E esse exercício é ótimo, veja! Ele treina diretamente as pernas e os braços para suportar tudo e acaba treinando o tronco para conseguir se manter!

  Ela sorria com orgulho. Yasunori sorriu de volta e disse:

— Bem, na verdade é sobre aquilo que conversamos esses dias. Posso assumir agora?

  Isso pareceu ter cortado o humor de Makoto.

— Ah, claro. Fique à vontade... – Ela desfez o feitiço preso ao peso e, quase que imediatamente, Ikari o arremessou para o lado. – Eu disse que podia parar?

  Ele apenas arregalou seus olhos e lançou um sorriso de nervosismo, sem soltar uma palavra.

— A gente resolve isso depois, agora você vai treinar com o Yasu. – Ela finalizou desafiadoramente.

— S-sim, Hijimi-sensei... – Ikari concordou, com medo de dizer qualquer outra coisa.

“Mas que coisa...”, pensou Yasunori ao suspirar.

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— Precisa que eu diminua o ritmo? – perguntou Yasunori em um tom de preocupação, virando-se para Ikari durante a caminhada.

— Não se preocupe... De alguma forma eu ainda consigo andar... – o outro lhe respondeu enquanto se apoiava em algumas árvores de bambu. Suas pernas bambas estavam cansadas do treino.

— Ela pega muito pesado com você.

“Ela é um demônio...”, Ikari concordou em pensamento, preferindo não o dizer em voz alta.

— Um pouco... – Foi o que saiu de sua boca.

Yasunori sorriu.

— Não serei tão rígido quanto ela, aproveite a próxima semana para se recuperar.

— Sim, senhor! – Seu rosto não era capaz de expressar o quão feliz ele realmente estava por essas palavras.

Eles caminhavam pela orla de um grande lago da periferia de Quioto. Algumas cabanas se encontravam pela região, mas nenhuma muito próxima da água, que possuía uma tonalidade leitosa e brilhante. Bambu cerceava toda a região, e o suave vento que passava pela floresta tornava o clima como o de dentro da barreira do ramo. O mais velho percebeu que Ikari observava com muita curiosidade o ambiente e disse-lhe:

— Este é o lago Kessho, onde acredito ser o melhor lugar possível para realizarmos o nosso treinamento. – Ele gesticulou, com uma de suas mãos às costas. O rapaz apenas observava. – Vá em frente, toque a água.

Ikari franziu as sobrancelhas, olhou pro lago e fez como dito. Conforme as pontas de seus dedos entraram na água, ele sentiu uma leve dormência, se espalhando até o antebraço. Quando recolheu a mão, percebeu que, de fato, estava molhada, mas aquilo não era água comum. Abrindo e fechando os dedos, era como se a região antes dormente estivesse descansada.

Tentou o mesmo com a outra mão e, obtendo os mesmos resultados, virou-se para Yasunori em busca de respostas.

— Às vezes, a essência desse mundo “vaza” para o outro, e isso cria zonas de alta concentração de yin. O oposto também é verdadeiro. – Ele comentou se aproximando, mas sem tocar na água – Por isso você não verá youkai por essas bandas, e muito menos akuma. É quase como uma água purificada em templos, mas o processo aqui é mais natural e bem mais poderoso. Isso vai ajudar com a fadiga mental do treino de reiki.

— Então se eu continuar usando isso posso treinar bem mais sem me cansar! Isso é incrível! – Ele exclamou, lavando o rosto logo em seguida. A água que escorreu fez com que sentisse a dormência no corpo inteiro. Quando deu por si, seu rosto estava quase colado com a água de cristal e Yasunori lutava para segurá-lo pela camisa.

— Oga-kun, por favor não seja tão descuidado, não tenho o físico da Hijimi-san para essas coisas!

— Ah, sim, desculpe! – Ele respondeu, se impulsionando para trás. – O-o que foi isso?

— Bem, você não me esperou terminar de falar, mas suponho que eu sou responsável por isso também... De toda forma, seria ótimo se pudéssemos usar isso o tempo todo, mas se exagerar no contato o seu corpo acaba perdendo a consciência. Além disso, ela impõe um enorme estresse sob seu corpo, seus benefícios são apenas pontuais e temporários... Diferente de feitiços, em que canalizamos o yang externo usando o nosso interno, a energia dessa água penetra em nós. Nosso corpo não foi feito para suportar tamanha quantidade de yang...

— Isso... parece perigoso... – Ikari comentou.

— Bem, vamos à parte mais interessante, não é? – Yasunori finalizou, percebendo certo desinteresse pela parte do rapaz. – Juntos iremos treinar encantamentos.

— Encantamentos?

— Sim, feitiços, magia, como preferir. Sua experiência com onmyouji parece ter envolvido muitos combatentes à curta distância. Hijimi-san, Kunie-san, Kumotora-kun. – Ele contou nos dedos – Mas originalmente os onmyouji eram vistos como magos, e mesmo que você se torne um combatente também, é importante instruí-lo pelo menos no básico: barreiras, selos e como conjurar feitiços.

— Certo, estou pronto para isso! – Ikari se levantou, empolgado.

— Mas não hoje, Oga-kun. Eu só queria apresenta-lo o lugar. Começamos amanhã. – Ele finalizou, abrindo de leve seus olhos com um sorriso gentil.

— Ah... Então tá... – Ele concordou, decepcionado.

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— Em resumo, um encantamento é dar uma forma ao Reiki para um fim. Você mesmo, de certa forma, já fez isso em suas lutas. – Yasunori explicava enquanto buscava algo em sua bolsa – Só que a maioria dos encantamentos assume uma forma mais complexa, e pra isso usamos algumas técnicas para nos ajudar.

Da bolsa ele retirou alguns objetos: Um pergaminho, um ofuda, contas budistas e uma vajra. Organizou todos no chão à sua frente e continuou.

— Tradições místicas budistas gostam de usar rosários de contas, vajras e shakujos como canalizadores, mas eles também pegam emprestado algumas das técnicas do xintoísmo e taoísmo, como os ofudas e kuji-in. – Ele continuou, abrindo o pergaminho e mostrando diversos desenhos de mãos juntas, formando sinais. – Estas duas últimas representam a grande maioria do que é ensinado nas mais diversas escolas de onmyouji.

— Escolas?

— É como nos referimos ao conjunto de técnicas familiares tradicionalmente ensinadas. Alguns clãs, como o Kekkai’in, possuem ensinamentos muito diferentes do clã Koganeboshi, por exemplo. Mas há algo em comum a praticamente todos, o uso de frases prontas para realizar os encantamentos. É isso que vamos treinar.

“Desperte... Ikatteiru Ryu!”, essas palavras ecoaram na mente de Ikari, relembrando da luta contra Yuuki.

— Então... Eu tenho de decorar frases e sinais de mão...

— Não gostou? – Yasunori pareceu um pouco chateado.

— Não, não é bem isso! – O outro negou, nervoso – É só que eu não estou exatamente acostumado a isso...

— Entendo... Mas verá que o treinamento é mais interessante do que parece. Não será apenas ficar repetindo uma frase até ela entrar em você.

— Então o que eu devo fazer?

— O aprendizado de um feitiço pode ser complexo para um iniciante. Você deve tentar moldar o Reiki para além de seu corpo e ter uma visão nítida do que quer realizar. Ao mesmo tempo em que se faz isso, normalmente associamos os sinais ou as frases como um método mnemônico. Os outros objetos, o ofuda, principalmente, servem para facilitar a canalização de energia, mas isso fica para outra oportunidade.

Ikari fazia uma cara séria, mas estava com dificuldade de acompanhar. O mais velho continuou:

— Bem, isso é para fazer com que seu corpo e mente se acostumem ao feitiço. Em um combate o oponente não vai te esperar canalizar um encantamento difícil, então palavras-chave e sinais visuais são ótimos estímulos para que seu subconsciente possa trabalhar quando for preciso agir rápido. Bem, eu só tenho uma semana para trabalhar isso contigo até te devolver para a Hijimi-san, então quanto antes começarmos, melhor!

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Quatro dias passaram-se desde então. Feitiços se provaram mais complicados do que Ikari esperava. Por horas ele se concentrava, repetindo os sinais de mão e as frases ensinadas por Yasunori, e apesar algo aos poucos ir aparecendo, ainda estava muito longe de ser aplicável.

O ambiente em que se encontrava era bem calmo e amplo, o que ajudava a focar no treino. A grama era bonita e macia e o sol não incomodava. Próximo dali havia uma rocha a qual claramente sofreu durante o treino do rapaz, com um de seus lados parcialmente escavado.

Livrando-se de quaisquer outros pensamentos, ele ficou à frente e entoou:

Junte-se ao escudo de carne e me conceda a resistência de uma divindade do aço!—enquanto a frase saía, cruzava seus antebraços à frente do rosto, a melhor imagem corporal que conseguiu utilizar para um encantamento de barreira.

“E finalize com Kyu-kyu nyo ritsu ryo, como se estivesse emitindo uma ordem! Como se estivesse ordenando ao Rei que siga o seu Ki!”, as palavras de seu professor vieram à mente.

Kyu-kyu nyo ritsu ryo! Pele blindada!

E pareceu ter dado certo, por desprezíveis segundos o garoto conseguiu manter sua aura em uma forma sólida ao redor de si, com um círculo de energia vermelha brilhando em suas costas. Neste, o ideograma de “armadura” se dispunha queimando ao centro. Ele sorriu com o sucesso, mas no mesmo momento seu corpo cedeu e ele caiu para trás, desfazendo a barreira.

“Ainda não tá no ponto, né?”, pensou consigo mesmo ao usar os braços de travesseiro na macia grama.

Yasunori não se encontrava ali naquele dia, tendo sua presença requisitada para uma reunião do clã como auxiliar de Makoto. “Bem, acho que você pode ir treinando por conta própria hoje, já lhe passei o que podia, falta prática.”.

“Ele não parece ter muita presença, mas aqui fica realmente quieto sem ele...”.

O vento passou e bagunçou-lhe os cabelos.

“Acho que o efeito da água tá batendo de novo, estou ficando cansado...”, ele bocejou, “Também tá difícil balancear o treinamento com o colégio... acho que uma sonequinha não vai me matar, né? Ele disse que o local era seguro...”

 

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“Aratooooo, vamosss sssair daqui! Essssse lugar me dá asssssco!”, a voz sibilante reclamava dentro da cabeça de Arato.

“Lide com isso”, o garoto devolveu com desgosto, largando uma sacola no chão.

Subitamente sentiu uma pontada no coração, sua visão girava e seus pés perderam a firmeza. Procurou algo próximo no qual pudesse se escorar, mas logo estava caído na grama, apoiado pelo antebraço. Precisou de alguns segundos até que sua mente estivesse novamente em ordem.

O esforço que seu corpo precisou para chegar até o lago Kessho drenou totalmente sua energia.

— Fome... – Essas palavras saíram de sua boca. Percebendo isso, balançou a cabeça e virou-se para sentar. – Não, não faz tanto tempo assim que eu comi...

“Sssim, é fome, Arato! Vosssê tem me negligensssiado por tempo demaisss! E ssse vossse não dá comida, basssta pegar de vosssê!”

“Você não teria coragem de me matar, precisa do meu corpo!”

“Sssim, de ssseu corpo...”, a voz levemente se transformou em uma risada incômoda, diminuindo sua intensidade até desaparecer.

Seu rosto, parcialmente coberto pela franja negra desgrenhada, se retorceu em desgosto e raiva. Conjurando o que lhe restava de energia ele correu, desajeitado, na direção da água.

“NÃO!”, a voz retornou, preenchendo seus pensamentos.

Como se seus pés se movessem involuntariamente, ele tropeçou e caiu próximo à beirada da água. Impulsionando com seus braços e pernas, ele chegou exatamente ao ponto onde a água chegava.

“É SÓ A SITUAÇÃO SAIR UM POUCO DE SEU CONTROLE QUE JÁ PERDE A CALMA, SUA COBRA MALDITA?”, ele sorriu antes de submergir por completo seu braço enfaixado. Em instantes seu sorriso se transformou, tomado pela dor.

Um grito agonizante ecoou pelo lago, como o de uma fera sendo abatida. Ondas se formaram na superfície e pássaros voaram para longe. Seu corpo começou a se debater e vômito sanguinolento saiu de sua boca. Inconscientemente Arato se jogou para trás, arrastando-se para longe enquanto recuperava seu fôlego.

Levantou então a mão enfaixada, ainda tremendo, e a observou com um olhar perfurante. Sem resposta, o que o fez respirar aliviado.

— Acho que funcionou. – Concluiu com um sorriso debochado. – Pelo menos por enquanto...

Arato arrumou suas roupas, checou a espada na cintura, pegou sua sacola e pôs-se a andar.

“Imagino se aqui é um bom lugar para passar a noite?”, pensou consigo mesmo.

Andando ao redor do lago, o rapaz sentia sede. Obviamente não podia ingerir a água do lago, então pegou em sua sacola um pequeno odre e o esvaziou com alguns goles. A sede não passava.

Por mais que fosse primavera e ele estivesse se movendo há um tempo, ele sentiu-se cada vez com mais frio. Um frio que subia de suas vísceras até seu pescoço, contornando-o e ameaçando-o.

“Isso não é hora para joguinhos, o que pensa que está fazendo?”, ele perguntou à voz, mas não obteve resposta.

Pouco à frente uma imagem captou seu interesse na grama. Era um corpo, humano, jovem, aparentemente saudável. Limpou a garganta, lambeu os beiços e pôs-se a se aproximar até que a pessoa estava aos seus pés.

— Sim, esse parece bom. – Ele gentilmente se agachou e aproximou seus dedos. Ainda respirava. E estava quente, era quase como se pudesse sentir o calor emanando dele. – Esse parece ótimo.

Um sorriso delineou seus lábios.

Com destreza ele ficou acima do corpo, um jovem moreno que não devia ser mais velho que Arato e agachou-se sem fazer um barulho sequer. Bem apoiado com ambos os joelhos no solo, ele retirou o tapa-olho e lambeu os lábios novamente. O agora revelado olho brilhava com sua íris amarela e pupila reptiliana.

— Eu preferia uma donzela, para ser sincero.

“Mas vosssê vai ssservir!”, complementou em pensamento.

De pouco em pouco desembainhou a espada com uma empunhadura ao contrário, mantendo a parte sem fio da lâmina rente ao próprio braço, cuidadosamente mudando-a de posição até que a ponta estivesse um pouco à lateral e à meia altura do pescoço.

“Carótida e jugular, ah como ssserá lindo ver o sssangue jorrar e essscorrer!”

Mas seu braço não se moveu, nem mesmo um milímetro.

A pupila reptiliana parecia repetidamente relaxar a contrair, em uma constante e silenciosa luta. Por fim, fechou seus olhos e virou o rosto.

— Não. – Disse decidido, embainhando a espada.

Prontamente saiu de cima do rapaz e recolocou seu tapa-olho.

— Oga Ikari – Soltou, lembrando-se do recente encontro.

Arato olhou para o sol que preguiçosamente ia se pondo e, novamente, olhou para o rapaz. Pensou em dar a volta e se afastar dali, mas terminou por chutar levemente a cabeça do outro, o qual acordou assustado.

— Pera, que foi isso? De onde veio? – Ikari perguntou, ainda com uma expressão de sono. Ele virou-se, coçando a cabeça, e se deparou com um olhar ameaçador vindo de Arato. – Ah, você! Hachido-kun, né?

— Não deveria dormir tão descuidadamente assim, Oga. – Ele comentou com secura – Pode ser perigoso.

— Isso é verdade, eu posso acabar pegando um resfriado... – O outro disse sem pensar muito.

“Essa ingenuidade me irrita...”, pensou Arato.

— Não, estou falando que alguém poderia muito facilmente cortar o seu pescoço do jeito que você estava.

— Hã? - Ikari engoliu em seco e levou a mão ao pescoço. – Cara, isso é meio sinistro.

— Estou apenas avisando. – Concluiu Arato, dando de ombros.

— Certo... Ao menos você parece mais amigável que da última vez.

— Não. Isso é só impressão sua.

— Se você diz. – Ikari riu. Logo, percebendo que Arato ia embora, se levantou. – Já vai embora?

— E o que te importa?

Ikari cerrou os punhos e olhou para o chão, como se buscasse as palavras certas.

— Como eu disse da última vez, temos algo em comum!

Arato parou. Em seguida virou-se, andou até o outro e o encarou.

— Isso já está enchendo o saco.

— São seus olhos.

Não houve resposta por um instante.

— Hã? Que besteira é essa?

— São olhos de quem vive atormentado por algo. – Ele lembrou-se do sorriso de Yuuki nas chamas. – São olhos de frustração pela impotência. – Ele lembrou-se da garotinha, sangrando aos seus pés – São olhos de medo. – Ele lembrou-se do fogo engolindo tudo ao seu redor.

— Não fale como se soubesse algo sobre mim! – Arato explodiu em Ikari – Seu imbecil, o que diabos é esse papo de heroizinho?

Enquanto dizia isso, outras imagens passaram pela cabeça deste. A sensação de algo rastejando pela sua pele, pela sua alma, todos os dias. Uma bela mulher de longos cabelos negros sendo engolida pelas trevas, a mão estendida na sua direção. Dois enormes olhos dourados com pupilas reptilianas, encarando-o.

Ikari travou antes de dizer uma última parte, como se não quisesse admitir o que sairia pela sua boca.

— São olhos de vingança! – Ikari gritou de volta, uma expressão furiosa que fez até mesmo Arato travar por um momento.

— Se você sabe tão bem como me sinto, pra que insistir nessa história? Eu não ligo! Quer ser algum tipo de guardião da justiça?! Quer “me salvar”, mesmo tendo acabado de me conhecer?!

Ikari também não entendia o motivo de estar discutindo ali.

— E o que tem de errado nisso?!

— Essa pergunta não seria necessária se realmente entendesse como me sinto! – Ele virou-se mais uma vez para ir embora.

— Espera um pouco! – Ikari insistiu, puxando-o pelo ombro.

Arato deixou-se levar e virou, rapidamente levantando a gola de Ikari com sua mão enfaixada.

— Me deixe em paz. É o último aviso. Não consigo entender sua motivação. É porquê sente uma maldição vindo de um humano? Quer me exorcizar ou algo do tipo? Se acha que preciso de algum apoio do seu tipo, está muito enganado.  – Ele aproximou a boca do ouvido de Ikari – Se vier atrás de mim novamente, eu o mato.

E dito isso soltou Ikari. Ambos ainda se encararam, enraivecidos, antes de Arato ir embora de vez.

A noite já se estabelecia e a luz brilhava no céu, brilhando tanto quanto a água do lago. Ikari permaneceu ali, irritado. Descontou alguns socos na pedra, alguns deles machucando a própria mão, e se dirigiu para a margem do lago. Lá, ele se agachou e, mais uma vez olhou para seu reflexo.

Ele sentou, olhou para a lua, suspirou e perguntou a si mesmo:

— Um olhar de vingança?

 


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Particularmente, Arato é o personagem que mais gosto de escrever! Sempre me inspiro bastante para suas cenas! Aproveitando isso, incluí uma versão chibi dele feita pelo Kasu251! (com uma seleção de cores diferente kkkkk)

De qualquer forma, espero que tenham gostado e já deixo avisado: Podem esperar uma novidade junto do próximo capítulo!

Até a próxima!



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